Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume set., Série 26/09, 2011, p.01-06.
Diferente da filosofia, a qual pretende alcançar a verdade; a ciência busca o entendimento da realidade.
Embora a definição de ciência comporte múltiplas explicações, tal como a afirmação de Aristóteles de que seria a busca do universal e eterno.
A partir do século XIX, a ciência passou a ser entendida como um processo de investigação para alcançar um conjunto de conhecimentos tidos como verdadeiros, por meio de generalizações verificáveis.
Mas se é assim, vale à pena insistir: afinal, qual a diferença entre filosofia e ciência?
Ciência e Filosofia.
Enquanto a filosofia busca a verdade, dentro de um sistema, inquestionável e inabalável; a ciência encontra sempre verdades provisórias.
Segundo Karl Popper, toda hipótese deve ser considerada verdadeira, obviamente, desde que fundamentada, até que outra hipótese demonstre sua falsidade.
Um principio que ficou conhecido como vericabilidade ou falseabilidade.
Conceito que foi complementado pela idéia de paradigma de Thomas Kuhn.
Segundo o qual, uma hipótese estaria circunscrita a uma base referencial sobre a qual um conjunto teórico é construído.
O paradigma não comporta contradições e, portanto, não admite paradoxos.
Quando uma contradição é verificada, isto conduziria a uma quebra, já que uma teoria se contrapondo a base teórica de sustentação leva a construção de um novo paradigma.
É o que Kuhn chamou de revolução cientifica, a quebra de paradigma e sua substituição por outro conjunto teórico referencial.
Na filosofia a quebra de paradigma não acontece, conjuntos teóricos paradoxais coexistem, a exemplo do que acontece nas ciências humanas.
No inicio da década de 1960, o francês Victor Goldschmidt escreveu um texto, hoje clássico, abordando a questão, trata-se de “Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos sistemas filosóficos”, presente na obra “A religião de Platão”.
Para ele, pensando na história da filosofia, haveria duas maneiras de interpretar um sistema filosófico: interrogando o texto sobre sua origem ou sobre sua verdade.
Em outras palavras, um sistema filosófico compõe uma verdade dogmática, perfeito na sua explanação lógica e na sua pretensão de ser inquestionável.
Em outro sentido, o sistema pode ser questionado através do contexto de sua construção e pelos embates enfrentados na época de sua construção.
Igualmente, portanto, seria possível contestar um sistema filosófico através de outro, construído justamente para questioná-lo.
Questionar o sistema cartesiano por ele mesmo é impossível, Descartes tem respostas para todas as objeções através de suas obras.
No entanto, o sistema cartesiano pode ser questionado pelo empirismo.
Nasce ai o grande problema: a existência de sistemas filosóficos que se contrapõem sem causar a anulação mutua.
Estes sistemas coexistem de forma paradoxal, inclusive com novos conjuntos de pensamento que tentam conciliar as contradições, criando soluções para o paradoxo que não fazem mais que multiplicar as verdades sobre um mesmo objeto.
É o caso do sistema kantiano que, através do criticismo, conciliou o racionalismo e o empirismo.
Na ciência esta convivência de paradigmas não é possível, pois uma verdade, mesmo que provisória, anula a outra.
A despeito da ciência trabalhar com hipóteses e teses, as contradições não são aceitas, geram a quebra do paradigma, com exceção das ciências humanas é claro.
Já na filosofia a verdade é dogmática e, ao mesmo tempo, relativa.
A verdade é bem definida para determinado sistema filosófico e dentro de certos argumentos lógicos, mas esta verdade coexiste com outras.
Cada concepção filosófica espelha apenas uma visão distinta de uma mesma verdade oculta fora da caverna platônica.
A função da filosofia.
A partir do momento que a ciência começou a tornar-se complexa, multiplicando-se e se particularizando, sua especialização passou a comportar forte influencia ideológica.
Simultaneamente, o avanço da tecnologia tornou a fé na ciência dogmática, uma contradição dentro de sua base de sustentação, tida como provisória.
Esta fé quase nunca reconhece as limitações da ciência, impedindo uma reflexão ética sobre sua utilidade e seus limites.
O contexto fordista contemporâneo, herdeiro do século XX, tornou a ciência um terreno fértil para a filosofia, originando um novo campo de trabalho para o filosofo: a filosofia da ciência.
Neste sentido, passou a ser função da filosofia analisar os fundamentos da ciência, questionando o próprio conceito de ciência ou seu papel diante do mundo, além das conseqüências das descobertas cientificas.
Cabe a filosofia, inclusive, perguntar até que ponto os cientistas realmente são neutros.
Será que o direcionamento e os resultados das pesquisas não são manipulados para atender interesses ideológicos?
Quais são os limites da ciência, até que ponto as pesquisas são benéficas à humanidade, quais os limites éticos que os avanços científicos devem respeitar?
Perguntas que conduzem a outras, tal como:
O que é a ciência?
O que pode e o que deve a ciência realizar?
Qual é o papel da ciência?
Existe neutralidade cientifica?
Até onde a ciência é confiável?
Podemos questionar a ciência?
A ciência é boa ou má para a humanidade?
Questões que multiplicam as perguntas.
História da construção da ciência.
Durante a antiguidade, filosofia e ciência eram sinônimos, confundiam-se.
Na Idade Média aconteceu o mesmo, com a diferença que os teólogos cristãos utilizaram o conhecimento filosófico para manipular o senso comum em favor da fé.
A situação só começou a mudar com Copérnico, Galileu e Descartes.
No século XV, Nicolau Copérnico contribuiu para alterar a mentalidade da humana, iniciando um processo complementado por Galileu.
O universo aristotélico geocêntrico foi deslocado para o mundo heliocêntrico e antropocêntrico, com o homem no centro da construção do conhecimento.
No século XVI, Galileu iniciou a matematização da realidade, estudada com o auxilio de instrumentos que ampliaram os sentidos, sistematizando a observação dos fenômenos para descobrir regularidades, estabelecendo leis gerais e teorias.
Descartes referendou esta tendência, compondo o método e inaugurando a modernidade.
No entanto, a ciência só adquiriu autonomia, separando-se da filosofia e da religião, no século XVIII.
Dentro do espírito da revolução francesa, os iluministas começaram a defender a neutralidade cientifica.
Eles foram responsáveis também, através da enciclopédia, pelo inicio da separação entre filosofia e ciência, uma tendência completada no século XIX pelo positivismo.
Destarte, o iluminismo, como conseqüência, acabou especializando o conhecimento humano, acelerando o progresso cientifico, a despeito dos estragos que seriam efetivados pelo fordismo no século XX.
Concluindo.
A partir do século XVIII, a ciência passou a pretender ser objetiva, neutra, isenta de influências ideológicas, voltada à construção de um conhecimento desinteressado em prol do beneficio da humanidade.
Entretanto, esquece-se que existem homens que fazem a ciência, portanto, sujeitos as influências sociais, culturais, políticas e econômicas.
Além disto, existem fatores como a pressão exercida pelos órgãos de fomento.
O que leva a questionar a possibilidade da existência de neutralidade cientifica.
Não podemos esquecer que a ciência reflete interesses os mais diversos, apresentando um modelo que pretende desvendar a realidade e que é fruto desta mesma pretensa realidade.
O contexto especifico, circunscrito ao tempo e espaço, cria os problemas analisados e as soluções, fazendo a ciência caminhar na direção que atende estes pressupostos.
O que conduz a questão da neutralidade para o campo da ética, porque em nome do progresso humano desinteressado, pesquisas que afetam milhões de pessoas são efetivadas, beneficiando concretamente uma pequena parcela destes indivíduos.
Em outras palavras, cabe questionar os limites da ciência, até que ponto determinados atos justificam os métodos e recursos empregados.
É por isto que, a partir do século XIX, a filosofia passou a discutir a questão da neutralidade cientifica e a ética do fazer ciência.
O que originou os atuais conselhos de ética cientifica, principalmente existentes quando seres humanos ou animais estão envolvidos em experiências como cobaias.
Para saber mais sobre o assunto.
GOLDSCHMIDT, V. “Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos sistemas filosóficos” In: A religião de Platão. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1963, p.139-147.
LALANDE, André. Vocabulário técnico e critico da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções cientificas. São Paulo: Perspectiva, 1997.
PRADO JR, Caio. O que é filosofia? São Paulo: Brasiliense, 1997.
Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela FFLCH/USP.
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela Universidade de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Esteja a vontade para debater ideias e sugerir novos temas.
Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.