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segunda-feira, 9 de maio de 2011

A diversidade filosófica e a busca da verdade: qual é o papel contemporâneo da filosofia afinal?

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume mai., Série 09/05, 2011, p.01-04.


Os filósofos costumam pensar em sua área como aquela em que se discutem problemas universais e eternos.
A filosofia vê a si mesma como tentativa de subscrever ou derrubar os conhecimentos elaborados pela ciência.
No entanto, o objetivo e os métodos da filosofia nem sempre tem a clareza unanimente reconhecida.
Neste sentido, o mérito contemporâneo da filosofia é chamar a atenção para refutações e discussões as mais diversas.
No entender de muitos, sua virtude está no fato de desempenhar um papel social, impedindo o homem de iludir a si próprio com a pretensão de obter verdades.
Será que a verdade existe?


Filosofia e Ciência.
A filosofia é hoje uma espécie de debate adjacente e implícito sobre as condições das diversas discussões presentes nas ciências.
Devemos sempre lembrar que, ao longo da história da construção do conhecimento humano, nunca existiu distinção entre filosofia e ciência.
Esta só apareceu depois de Kant, no século XVIII, quando a filosofia passou a ser considerada como área básica ou fundacional, ou seja, ciência primeira, no sentido mais elevado.
Iniciou-se então o tempo de deter edificações de sistemas e dos historiadores da filosofia passarem a se dedicar ao paciente trabalho de seleção e analise do pensamento filosófico já estruturado.
Uma operação que fez o conceito de filosofo e de historiador da filosofia muitas vezes se confundir.
Destarte, os debates propriamente filosóficos não cessaram de renascer, pois novas discussões surgiram.
A filosofia contemporânea dividiu-se em várias correntes diferenciadas.
Nasceram assim, de um lado, a filosofia analítica de língua inglesa e, do outro, o pensamento alemão e francês, representando a Europa Continental.
A filosofia que sempre fora européia, tornou-se ainda mais eurocêntrica, fazendo tudo que não fosse produzido na Europa ser colocado de lado, inclusive a filosofia brasileira.


O papel da filosofia diante da construção da ciência.
Depois da tendência contemporânea da filosofia, com o pensamento inglês que evoluiu até o positivismo lógico.
Assim como, após, a filosofia de língua alemã e francesa, relacionada com Nietzsche, Heidegger e Freud.
O ponto comum entre as tendências, apesar das diferenças, passou a ser a preocupação comum com a crítica da linguagem.
Dentro deste contexto, a lógica passou a ter um papel decisivo.
O que é facilmente compreensível, uma vez que a filosofia se inseriu na discussão sobre as condições do debate cientifico, analisando as argumentações.
A crítica da linguagem, com efeito, abordou a utilização da construção objetiva do discurso como instrumento de conhecimento nas ciências, tentando definir suas possibilidades e limites.
O papel da filosofia passou a ser mostrar os erros e ilusões da pretensão cientifica de alcançar a verdade.
Mas qual é o papel da linguagem na descrição verdadeira do mundo?


Linguagem e Ciência.
Pensando na linguagem como articuladora de teorias cientificas, a filosofia encontrou duas alternativas.
A primeira hipótese parte da premissa que as verdades cientificas são apenas representações vinculadas a um sujeito formulador da teoria, portanto, fruto também da sociedade em que estaria inserido e de sua época.
O que forneceria uma verdade aceita em dado momento e espaço, embora particularizada, articulada por uma linguagem que convenceu.
Remetendo a uma gênese que construiu um objeto pelo ângulo psicológico e histórico.
A segunda hipótese afirma que uma teoria tem um valor objetivo independente da história e das representações daquele que capta a realidade e transforma em ciência.
Uma definição que escapa da jurisdição da psicologia para tornar-se objeto de uma lógica renovada, admitindo a possibilidade alcançar a verdade.
Entretanto, neste caso, a teoria também carece do uso da linguagem para ser expressa e toda linguagem está vinculada com tempo e espaço.
Portanto, a verdade, mesmo cientifica, não existe, o máximo que pode ser alcançado são verdades provisórias.


As pretensões da filosofia.
Apesar da filosofia criticar a pretensão da ciência alcançar a verdade, nem por isto deixa de também mostrar-se pretensiosa.
Para Richard Rorty, autor de “A filosofia e o espelho da natureza”, caso a filosofia persista na tentativa de harmonização entre descrição e justificação, pretendendo alcançar verdades dogmáticas através da construção de sistemas filosóficos, corre o risco de desaparecer.
Isto porque, quando busca conciliar moral com democracia, por exemplo, abordado a ética, acaba constituindo um novo quadro de verdades.
Segundo Rorty, almejar um fundamento único é abdicar a quaisquer redescrições posteriores, ignorando outras práticas existentes.
Em outras palavras, quanto mais cientifica tenta ser a filosofia, menos relacionada esta com o resto da cultura, tornando-se aparentemente mais absurda para o senso comum.
É por isto que, em sua opinião, a tradição fundacional da filosofia precisa ser abandonada, antes que a própria filosofia o seja.


Filosofia e Linguagem.
Ao afirmar que a ciência é apenas linguagem, a filosofia esquece que ela também é pura linguagem.
A filosofia tradicional busca, através de um fundamento único, a correta compreensão epistemológica da capacidade humana de representar, de modo exato, a natureza e a realidade.
Kant buscou um terreno como para servir de base para a remodelação da filosofia, mas este terreno não existe, pois só poderia ser definido como a linguagem.
No lugar do conhecimento único e seguro, sendo a filosofia linguagem, devemos procurar fatos dentro de um discurso, entre tantos outros possíveis.
O discurso deve ser encarado apenas como um encadeamento de palavras, estando estas ligadas umas as outras e não ao mundo.
Assim, a filosofia também não pode atingir a verdade.
Pensando assim, talvez devêssemos repensar, igualmente, o papel da filosofia na educação.


Filosofia e Educação.
A filosofia, não podendo atingir a verdade, poderia ajudar a repensar a educação, desde que tome consciência da subjetividade da área.
O espaço ocupado pela tradição humanista, com o ensino da história da filosofia, deveria ser ocupado por um sentido relativista.
O intuito da filosofia não deveria ser preencher mentes com conhecimento humanista, pois não existe uma verdade, mas sim edificar a construção do conhecimento.
Seu lema deveria ser modificar o homem por intermédio do debate, fomentando uma busca incessante de novos e melhores discursos.
Qual outra área melhor para ajudar na construção dos discursos do que a filosofia?
O verdadeiro discurso filosófico renuncia a qualquer representação, considerando que as palavras retiram seus significados de outras palavras.


Concluindo.
Não importa a posição que se adote, tampouco importa se a verdade é alcançável ou não.
O grande mérito da filosofia é questionar, derrubando a pretensão humana ao conhecimento pleno.
A diversidade filosófica deve ganhar uma nova dimensão e a verdade em si deve ser menos importante do que o processo de sua busca.
A principal tarefa da filosofia deve passar a ser garantir as condições de dialogo, tornando a discussão permanente e ininterrupta.
Abandonar a analise das funções do conhecimento, para abrir espaço à conversação, favorecerá o renascimento da filosofia.


Para saber mais sobre o assunto.
GELLNER, Ernest. “Sobre as opções de crença” In: Folha de São Paulo. São Paulo. 15 de maio de 1994.
HABERMAS. “A unidade da razão na multiplicidade das vozes” In: Pensadores Pós-Metafísicos. São Paulo: Tempo Brasileiro, s.d.
PRADO JR. Bento. “O relativismo como contraponto” In: Folha de São Paulo. São Paulo: 26 de julho de 1994.
PUTNAM, Hilary. Razão, verdade e história. Lisboa: Dom Quixote, s.d.
RORTY, Richard. A filosofia e o espelho da natureza. Lisboa: Dom Quixote, s.d.
RORTY, Richard. “Solidariedade ou objetividade?” In: Novos Estudos, no. 36. São Paulo: CEBRAP, 1993.
RORTY, Richard. “Visões do relativismo” In: Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: 26 de maio de 1994.


Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela FFLCH/USP.
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela USP.

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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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