Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume mai., Série 04/05, 2011, p.01-04.
Casamento, hoje?
“Até que a vida os separe”, responde o psicanalista.
As estatísticas não o deixam mentir.
Desde a década de 80, os números de casamentos vêm declinando e o de divórcios, aumentando.
Quem contabiliza é o IBGE. Golpes e mais golpes fustigam a família.
Será que desagregação familiar não passa também pela falência do casamento?
O conceito de família.
Como poderíamos definir a família hoje?
Menos sensível às sansões religiosas, menos atenta às tradições, ela já é chamada por cientistas sociais na Europa de “família pós-familial”.
Segundo estudiosos, a família só continua a existir na imaginação ou na memória.
A culpa?
É do casamento que não resistiu às mudanças.
A revolução tecnológica permitiu a emancipação econômica dos indivíduos desobrigando-os da vida familiar.
Até recentemente a família era uma proteção contra as ameaças do mundo, lá fora.
A Amélia - que se encarregava de lavar e passar para o marido - foi substituída pelo micro-ondas.
A pílula e a emancipação da mulher alteraram definitivamente as relações dentro da família.
Como se não bastasse, envolvimentos extraconjugais fascinam uns e outros, enquanto cresce na sociedade industrializada o número de pessoas que querem viver sozinhas.
O casamento hoje: falta conversa.
A auto-felicidade vem na frente dos cuidados entre os cônjuges e daqueles com os membros da família.
Hoje, sou “eu”,depois o “tu”, e bem mais longe, “eles”.
Enfim, a modernidade parece querer dispensar o casamento e a família de sua função histórica básica: garantir a nossa sobrevivência.
Se posso acrescentar uma modesta idéia à lista concebida por especialistas do mundo todo, diria que o casamento está morrendo porque as pessoas vêem televisão demais e conversam de menos.
Essa “arte de ser feliz junto” como já disse um filósofo sobre a conversação, vêm sendo ameaçada pelo lixo que a telinha joga para dentro de nossas casas à noite.
Todos sabemos que o prazer é coisa misteriosa e que, aquele que extraímos de uma boa conversa deve a bem pouca coisa: um clima de conivência, certa confissão inesperada, um sorriso velado entre uma e outra frase.
Parece pouco, mas é muito.
Que maravilha deixar-se levar pela vagabundagem da palavra, saindo de si e se aventurando na terra do outro, pondo um fim à discussão com um beijo.
E o que dizer da conversa que fica em segundo plano feita de tudo o que não ousamos dizer, de nossos medos, de nossas crenças e esperanças.
Concluindo.
Para restaurar o equilíbrio do casamento e da família, a conversação não deve ser só ócio e abandono, mas uma porta para a verdade, a felicidade, a amizade e a sociabilidade.
Um espaço de ironia e seriedade, riso e gravidade, cólera e medida.
Não aquilo em que se transformou: algo de útil e eficaz.
Uma boa conversa permite aproximação, incentiva compromisso, encontra um vocabulário comum.
Nela, haverá sempre um tempo para falar e outro para escutar.
Afinal, conversar é também saber calar.
Pois não se trata de ter a última palavra, mas de construir junto essa coisa preciosa e cada vez mais rara: o momento compartilhado.
“Enfim sós”?
Sim e, de preferência, para conversar...
Para saber mais sobre o assunto.
DEL PRIORE, Mary. A Família no Brasil Colonial. São Paulo: Editora Moderna, 1999.
DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo, Condição Feminina, Maternidades e mentalidades no Brasil Colônia. UNESP: São Paulo, 2009.
DEL PRIORE, Mary. “A vida cotidiana no Rio de Janeiro” In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 436, 2007, p. 313-333.
DEL PRIORE, Mary. A História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999.
DEL PRIORE, Mary. “Crianças e adolescentes de ontem e de hoje “ In: Helena Bocayuva e Sílvia A. Nunes. (Org.). Juventude, subjetivações e violências. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009, p.11-24.
DEL PRIORE, Mary. Histórias do Cotidiano. São Paulo: Contexto, 2002.
DEL PRIORE, Mary. L'Histoire de la vie privée dans le monde luso-americain: l'exercice d'une nouvelle approche? In : Cahiers de L'histoire Du Brésil, Sorbonne - Paris, 2000.
Texto: Profa. Dra. Mary Del Priore.
Doutora em História Social pela USP, com Pós-Doutorado na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris/França).
Lecionou História do Brasil Colonial nos Departamentos de História da USP e da PUC/RJ.
Autora de mais de cinqüenta livros e atualmente professora do Programa de Mestrado em História da Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO/NITERÓI.
Membro do Conselho Editorial de "Para entender a história..." desde 14/01/2011.
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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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