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Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

terça-feira, 12 de julho de 2011

O Imperialismo Europeu no continente africano e suas conseqüências.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume jul., Série 12/07, 2011, p.01-08.


O presente trabalho pretende fazer uma breve discussão a cerca do processo de colonização e dominação da África no século XIX promovido pelas nações européias durante a corrida imperialista e a segunda fase da industrialização.




A historiografia definiu este fenômeno como imperialismo ou mesmo neocolonialismo, todavia, o termo “roedura” utilizado por Leila Leite Hernandez serve para designar esta exploração do continente africano que segundo a mesma autora se inicia já no século XV com a expansão marítima européia na Península Ibérica.
A questão do imperialismo europeu no continente africano reflete a mentalidade de lucro e de exploração que permeou o Ocidente com o desenvolvimento do capitalismo.
A busca do lucro a todo e qualquer custo gerou profundas mazelas e conflitos em todo o cenário mundial.
Apesar de durante muito tempo, a historiografia ainda pautada em um pensamento positivista, tenha ignorado a importância da África no contexto da história universal, elementos como o próprio imperialismo nos permitem entender a importância deste continente na dinâmica do desenvolvimento da história humana.
Não podemos pensar a África apenas como um continente explorado onde só imperava o atraso ou outros elementos negativos, a região no seu todo possui um grande legado para a cultura universal, a visão pejorativa deste continente se formou justamente com a corrida imperialista no século XIX e perdura até os nossos dias.
O estudo da história da África requer, portanto um exercício de desconstrução e uma nova concepção de história.

           
A ideologia do Imperialismo europeu.
Por volta do século XIX, construiu-se um arquétipo sobre a África, definindo-a continente como um local atrasado, habitado por povos bárbaros e selvagens.

Esta visão pejorativa a respeito do território africano fora sem dúvida fruto de um paradigma positivista que organizava as diversas sociedades a partir de uma escala evolutiva, no que chamamos de Darwinismo social.

O século XIX é sem dúvida o século do furor cientificista da Europa, as novas descobertas e o rompimento com a religião levaram os europeus a formularem as mais variadas teorias para explicar alguns elementos presentes na humanidade.
Já Karl Marx em sua explicação sobre a formação do capitalismo, entendia que os povos do Oriente estariam abaixo da Europa em uma escala evolutiva, uma vez que todas as sociedades conseqüentemente chegariam ao capitalismo, neste sentido a África estaria na base desta pirâmide evolutiva.
Outro elemento foram as teorias sobre as chamadas “raças”, a idéia de eugenia, muito difundida em centros de pesquisa ou mesmo universidades, afirmava que algumas “raças” seriam inferiores a outras, neste sentido, os “brancos” que viviam na Europa estariam no topo da mesma pirâmide de uma escala evolutiva.
Os estudos feitos a partir do crânio de seres humanos, afirmavam, portanto que os negros seriam uma “raça” inferior, isto explicaria o “atraso” e a barbárie dos povos africanos.
O discurso eurocêntrico a cerca da África serviu para justificar o processo de colonização ocorrido também no século XIX a partir da Conferência de Berlim.
Devido ao furor industrial na Europa, as nações do Velho Mundo com a necessidade cada vez maior de obter matérias-primas, mercados consumidores e mão-de-obra barata se lançaram sobre os continentes da África e da Ásia, dando início a uma violenta dominação e exploração destes povos.
Todavia, o mesmo discurso eurocêntrico que concebia os diversos povos a partir de uma hierarquia em uma escala evolutiva, fora largamente difundido pelos europeus.
Ora, por que dominar a África?
Uma vez o continente sendo uma terra selvagem habitada por bárbaros ou até mesmo esquecida por Deus, caberia aos europeus a missão de civilizar e cristianizar os povos que lá viviam, levando desta forma o progresso, o desenvolvimento e a verdadeira religião que neste caso seria o cristianismo.
O discurso da Missão Civilizadora num primeiro momento nos parece louvável, todavia, com a presença de missionários e cientistas e posteriormente com os exploradores, os povos africanos conheceram a verdadeira barbárie por parte dos europeus em virtude de um capitalismo ainda nascente.
Assim como os operários ingleses sofreram com os primeiros anos da industrialização, os povos africanos sofreram com a busca incessante por lucro, desta forma, o que se observou do século XIX até a primeira metade do século XX com a Segunda Grande Guerra fora uma exploração, muitas vezes pautada na violência gratuita.


O colonialismo europeu no continente africano.
A historiografia entende o imperialismo ou mesmo a exploração da África, a partir da Conferência de Berlim, todavia, como já fora apontado anteriormente, segundo Leila Leite Hernandez, o processo de “roedura” ou de exploração se inicia já no século XV.
Com o fim da Idade Média e a escassez de produtos agrícolas dentre outros recursos, os europeus, sobretudo, os portugueses se lançam a dominação do continente africano. Sabemos que o objetivo principal de Portugal era encontrar novas rotas comerciais para as Índias na busca de especiarias, entretanto, com a necessidade de contornar a consta da África, os portugueses fundaram feitorias e pequenas cidades próximas aos portos na parte ocidental do continente.
A primeira forma de colonização da África se deu no intuito de obter lucros por parte dos europeus, entretanto, Hernandez chama atenção que este primeiro contato entre europeus e africanos era de certa forma “pacifico”.
Na verdade não haveria o predomínio de uma relação dominador X dominado.
A existência de reinos e impérios extremamente complexos no território africano, fez com que os portugueses estabelecessem relações de troca comercial entre os reis que lá viviam.
Os reinos africanos, do século XVI, eram em sua maioria extremamente ricos, ostentando riquezas como ouro e outros metais preciosos.
Existem registros de que alguns dos monarcas fizeram viagens diplomáticas a países da Europa, além da presença de jovens, filhos destes mesmos monarcas estudando em universidades de Portugal.
Por volte de 1830, os missionários religiosos iniciaram a partilha da África em áreas de influencia das mais diversas denominações cristãs, primeiramente os anglicanos, metodistas, batistas e presbiterianos da Inglaterra, se concentraram nas regiões de Serra Leoa, Libéria, Costa do Ouro e na Nigéria.
Em seguida os luteranos da Alemanha além de calvinistas, por fim, as congregações religiosas católicas se dirigiram para a Tanzânia, Niger e Gabão, chama-nos atenção que num primeiro momento, a Igreja Católica não demonstrou grande preocupação em expandir o cristianismo na África.
Todavia, com a expansão do protestantismo no continente, o que se viu foi uma busca pela hegemonia religiosa no território africano, a região do Norte, por sua vez viu o “fracasso” das missões cristãs, uma vez que foram conquistadas pelos árabes já por volta do século X, tendo assim uma religiosidade predominantemente muçulmana.
Já no século XIX, muitos dos reinos africanos que existiam já haviam se fragmentado, outros acabaram dissolvidos pela dominação européia.
Diante da necessidade de recursos para suas indústrias, as nações do Ocidente se reuniram para dividir o continente africano como melhor lhes convinha, em 23 de fevereiro de 1885, fora assinada a Ata Geral da Conferência de Berlim que segundo Henandez tratava dos seguintes pontos: Assegurar a livre navegação e o livre comércio sobre os principais rios africanos que deságuam no Oceano Atlântico; regulamentar as novas ocupações do território africano, sobretudo na costa ocidental do continente.
Outro ponto tratado fora a liberdade religiosa e a proteção dos missionários, esta liberdade servia apenas para o cristianismo, outro ponto era também a extinção do comércio de escravos negros.
O ponto mais intrigante fora sem dúvida no aspecto que tratava de um acordo entre as nações européias na divisão do território africano como melhor convinha a cada país.
A Grã Bretanha e a França dividiram entre si parte da África do Norte, por outro lado a Inglaterra que ainda mantinha sua hegemonia industrial dominou a parte Sul do Continente.

A Bélgica, uma das maiores interessadas nos recursos do continente, em uma conferência funda a Associação Internacional Africana com sede em Bruxelas, promoveu a criação da “Confederação das Repúblicas Livres do Congo”.

Esta confederação consistia em estabelecer um estado “livre” no continente africano sob o domínio da Bélgica.
As “tribos” que viviam naquele território doravante estariam sob o domínio do Rei Belga Lepoldo II. Portugal teve sua influencia reconhecida nos territórios de Angola e Moçambique.
Desta forma, todo o continente africano estava sobre o domínio europeu, exceto os territórios da Libéria e Etiópia.
A Libéria tivera sua “independência” proclamada em 1847, com um estatuto que a colocava na condição de colônia dos EUA.
O processo de partilha da África, feito de forma arbitrária pelas nações européias, não levou em conta as peculiaridades dos diversos povos que lá habitavam.
Os europeus por sua vez, utilizaram da força para garantir o controle destes povos, tornando-se comum o uso de armas de fogo.
Na região da África do Norte, por se tratar de uma cultura de certa forma, homogênea (em virtude do Islã), em relação ao grande mosaico da região subsaariana, foi palco dos maiores levantes e resistências contra a esta dominação.
Outros modos de resistência foram promovidos na região abaixo do Saara, como suicídios ou mesmo ataques a missionários ou colonizadores europeus.
No intuito de obter o máximo de lucro em seus empreendimentos, os colonizadores exploraram de forma exaustiva os recursos naturais e humanos do continente, vários foram os europeus que enriqueceram com a exploração de metais em minas pelo continente, tornou-se comum a utilização de mão-obra africana em minas ou mesmo em plantations, o pagamento, por sua vez, na maioria das vezes era ínfimo o que levou a miséria de inúmeras sociedades.
A ganância européia teve uma de suas maiores expressões no Congo Belga, onde o governo ordenou a mutilação de indivíduos que não produzissem o que era exigido pela coroa para que os condenados servissem como exemplo.
A resistência a dominação européia fora intensa, todavia, os povos africanos, muitas vezes ficavam impotentes diante da ameaça com armas de fogo.
A exploração do continente não previa de forma alguma a divisão do lucro com os povos conquistados, desta forma, os recursos alimentícios, matérias primas, ou mesmo metais preciosos eram enviados em sua maioria para as nações da Europa, diferente do colonialismo do século XVI promovido pelas colônias ibéricas na América Latina onde a colônia se tratava de uma extensão da metrópole com as mesmas leis.
O neocolonialismo previa somente uma exploração desmedida do território africano.
Percebemos também que enquanto no século XV com a expansão ultramarina européia, como já fora dito, a relação entre europeus e africanos era baseada muito mais na troca, do que na violência, no século XIX o que se viu foi a violência gratuita dos europeus contra os africanos. 
As conseqüências desta divisão e exploração arbitrária do território africano foram as piores possíveis como veremos a seguir, seus reflexos são percebidos até os nossos dias.


Conseqüências do Imperialismo Europeu.
Diante do processo de colonização e partilha do continente africano, as conseqüências tanto para os povos que viviam no continente quanto para o mundo foram as mais variadas.
Sabemos que os conflitos da Primeira Guerra Mundial ocorreram em decorrência da corrida imperialista.
A Alemanha que teve sua unificação tardia tentou fazer parte da divisão do continente, reivindicando para si parte das colônias conquistadas pelos países europeus na Conferência de Berlim.
Os impactos desta dominação arbitrária foram mais violentos no próprio continente africano.
Devido às fronteiras criadas pelas nações européias que inicialmente inibiam as manifestações dos povos contra o domínio do Velho Mundo, após a Segunda Guerra Mundial com o processo de descolonização o que se viu foram contínuas guerras civis entre as sociedades que viviam nos territórios criados de forma artificial pelos europeus, uma vez que as peculiaridades entre os mesmos não foram levadas em conta.
As guerras civis utilizaram as mais variadas armas de destruição para dizimar centenas de populações que iam desde facões a minas terrestres como fora o caso da guerra civil em Angola, até finais a década de 90 muitos indivíduos foram mutilados com tais armas, além disso, neste período tornou-se comum recrutar meninos com idades entre os 6 aos 12 anos para o manuseio de armas de fogo, a fim de lutarem em milícias nas guerras civis, o que gerou um enorme infanticídio.
A crescente exploração dentro do continente levou a uma profunda miséria e mazelas nestes povos o que persiste até os nossos dias, o continente africano como sabemos ainda possui o maior índice de miséria do mundo, estes povos que hoje começam a se organizar politicamente encontram dificuldades para se estruturarem economicamente.
Além destes elementos citados, a dominação acabou por descaracterizar estes grupos que em muitos momentos não conseguiam perceber sua identidade, o discurso dos europeus em defini-los como bárbaros, ágrafos ou mesmo atrasados inibiu o desenvolvimento de uma identidade nacional após as emancipações.
Por outro lado, no caso específico da África do Sul, a presença inglesa na região e a predominância de uma mentalidade racista gerou conflitos violentos durante o apartheid, onde a segregação racial era institucionalizada.
A descolonização da África no século XX conheceu a violência extrema e também a formação de uma elite que passou a substituir os europeus no papel de exploradores.
No processo de emancipação e na organização política, os regimes ditatoriais emergiram no continente com líderes megalomaníacos e sanguinários que passaram a explorar e oprimir os povos nos Estados em formação.
O discurso de ajuda a África, adotado pelo ocidente que muitas vezes parece estar imbuído de uma ideologia humanitária encobre interesses econômicos pelos recursos do continente que ainda persistem desde a corrida imperialista, a ajuda de nações ocidentais a determinados países africanos passa pelos benefícios que estes podem oferecer para o enriquecimento de nações capitalistas.


Concluindo.
Diante do que fora tratado em nosso trabalho, poderíamos dizer que apesar do passar dos anos, a África ainda permanece uma terra “esquecida por Deus”, que sofre com as conseqüências da dominação européia.
Todavia, apesar de nossa abordagem parecer extremamente pessimista, o imperialismo nos mostra como este continente fora essencial para o desenvolvimento econômico do Ocidente.
Deixando de lado a economia, podemos afirmar que a África também contribuiu para a formação de muitas culturas no Novo Mundo como fora o caso do Brasil.
Entretanto, fugindo de um estudo a partir da lente eurocêntrica da história, devemos observar a África em sua essência e entender os povos e sua história livre de arquétipos, obviamente, trata-se de um exercício extremamente complexo, uma vez que os nossos manuais de história têm por base a construção científica criada no Velho Mundo.
No que diz respeito às conseqüências do imperialismo, tais mazelas que ainda hoje persistem no continente, antes de serem solucionadas pelas nações capitalistas, devem ser resolvidas entre os próprios povos africanos.
A África só será plenamente livre a partir do momento em que os povos que lá vivem adquirirem consciência de sua história e de sua identidade sem a influência do Ocidente.
Sabemos que a vida humana teve seu início no continente africano, todavia, em virtude de uma crescente exploração e a construção de uma visão extremamente pejorativa, os próprios indivíduos que fazem parte deste mosaico de culturas não têm ciência de suas origens e de sua importância.
A maioria das iniciativas de pesquisa sobre a história da África partem do próprio ocidente numa tentativa de fomentar a valorização da história e da identidade destes povos.
As rixas entre “tribos” e outros grupos ainda persistem, percebemos deste modo que a África ainda é uma região “imatura”, imatura não por causa dos povos que lá vivem, mas “imatura” devido a outras nações que não permitiram que este continente se desenvolvesse por si só, livre de um paradigma eleito como verdade absoluta, além de não respeitar as suas peculiaridades.
Mas a África começa a caminhar com suas próprias pernas e assim como o bebê que aprende a andar, devemos deixar que aprenda com suas quedas e suas conquistas para que assim venha esta “maturidade” e autoconfiança, para que finalmente o sentimento de liberdade seja verdadeiro.


Para saber mais sobre o assunto.
BOAHEN, Albert Adu (Ed). História Geral da África vol VII: África sob dominação colonial (1880-1935), Brasília: UNESCO, 2010.
HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula: visita à História contemporânea, São Paulo: Selo Negro, 2005.
KI-ZERBO, Joseph. Introdução geral, In; História Geral da África vol. I: Metodologia e pré-história da África, Brasília: UNESCO, 2010, vol. 1, p.30-56.
THORTON, John Kelly. A África e os africanos na formação do mundo atlântico (1400-1800), Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.


Texto: Prof. Victor Mariano Camacho
Licenciado em História pela Uniabeu- Centro Universitário.
Nilópolis – RJ.

5 comentários:

  1. Olá!
    Que orgulho em ver professores, molas propulsoras deste país, trabalhando estes assuntos, relacionados tanto à Africa quanto a nós mesmos.
    Penso ser lastimável que alguns considerem a possibilidade de construirmos a noção de Nação (que ainda não temos)sem juntarmos os pedaços nos quais a história dos africanos e afrodescendentes no Brasil se tornaram.
    Se por força de lei ou não, o importante é que esse conhecimento chegue à sala de aula.
    Vocês com a publicação de seu trabalho têm me ajudado muito em sala de aula, (sou professora do 5º ano fundamental em Jundiaí)este tipo de conhecimento deve estar na base do aprendizado, é necessário conhecer a sua história para saber quem você é e decidir a partir daí a que veio, é tornar-se sujeito de sua própria história.
    Parabéns e obrigada.
    Hanavalona.

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  2. Gostaria que fosse trabalhado o tema "Europa em declínio depois de séculos de exploração".
    O que aconteceu com aquela que não soube manter tudo o que expropriou de tantos povos, como deverá ser o futuro do continente europeu?

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  3. tema completamente imparcial
    e com dados em falta

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  4. Preciso bem rápido alguma coisa sobre a Destuição e Resistência Africana. Mas tem que ser bem rápido. E coisas com mais informações. Tem que ser um trabalho concreto e com bastante detalhes. Obrigado :)

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  5. Agradecemos imensamente, sua colaboração é muito bem vinda. Pedimos a gentileza de passar seu contato através do e-mail paraentenderahistoria@hotmail.com
    Forte Abraço.

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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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