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terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Ensaio sobre a doutrina dos Universais em São Tomás de Aquino.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 13, Volume dez., Série 06/12, 2022.


Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.


Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.
Graduado em Pedagogia - UNICSUL.



1. INTRODUÇÃO.

São Tomás de Aquino, o maior e mais importante filósofo e teólogo da Alta Idade Média, preocupou-se em desplatonizar a teologia cristã.

Adepto do aristotelismo, tentou proceder como Santo Agostinho fizera com a filosofia de Platão, tentando uma conciliação entre a filosofia aristotélica e o cristianismo.

Ele não acreditava em um paradoxo irreconciliável entre aquilo que dizia a filosofia enquanto racionalização e a revelação da fé cristã, pelo contrário, considerava que o cristianismo e a filosofia tratavam de certa forma das mesmas temáticas.

No entanto havia um entreve representado pelo problema dos “Universais”, que, desde a antiguidade, afligia os pensadores sobre a existência real de tudo que nos cerca.

Havia a dúvida sobre gêneros e espécies ser existentes na realidade, apenas no intelecto ou meras palavras sem correspondência com o concreto.

Uma questão central para ser solucionada pela teologia cristã medieval, porque se meras palavras, conceitos como Deus e alma seriam invalidados.

Razão pela qual o antagonismo entre platonismo e aristotelismo, por sua vez, estava dentro do horizonte da escolástica medieval, a filosofia desenvolvida nas nascentes Universidades.

O tomismo precisava solucionar esta ausência de confirmação da concretude dos dogmas cristãos e, para tal, antes, proceder uma síntese entre a fé e o conhecimento filosófico da antiguidade, provando Deus racionalmente.

 

2. REFUTANDO PLATÃO PARA CONFIRMAR ARISTÓTELES.

Embora na Idade Média fosse considerado que somente pela fé e pela revelação se poderia chegar a verdade, São Tomás de Aquino acreditava que ao lado das verdades de fé poderiam coexistir, sem contradição, as verdades naturais teológicas.

Entendendo estas últimas como alcançáveis tanto pela fé como pela razão inata, com a qual todo humano nasce, iniciou uma doutrina dos “Universais”.

Esta foi construída sobre as formas separadas, adaptando o pensamento aristotélico ao contexto cristão, mostrando que o conhecimento inteligível da ação pertenceria ao intelecto, agindo sobre a alma humana.

No entanto, antes, precisou proceder a refutação do platonismo, não de um platonismo qualquer, mas sim de um platonismo de tipo inconsequente.

Uma vez que era necessário mostrar que o conhecimento humano, necessariamente, dependeria das sensações, ou seja, seria uma derivação integral do inteligível a partir do sensível.

Divergindo de Santo Agostinho, em harmonia com o pensamento aristotélico, São Tomás de Aquino considerava a filosofia como uma disciplina essencialmente teórica e absolutamente distinta da teologia, apesar de não ser oposta ao conteúdo teológico das revelações facultadas por Deus.

A filosofia seria empírica e racional, sem inatismo e iluminações divinas, exatamente por este motivo, seria fazia desplatonizar a filosofia.

Razão pela qual rejeitava o dualismo platónico entre a alma e o corpo, para ele a união da alma ao corpo seria benéfica e naturalmente exigida para a felicidade humana.

Portanto, em essência o dualismo platônico, apregoado por Santo Agostinho, estaria incorreto, a medida que alma e corpo estariam integrados.

 

3. ALMA E CORPO UNIDOS POR DEUS.

Para São Tomás de Aquino, o corpo estaria condenado a morte desde a criação do homem, enquanto a alma seria imortal, mas ambos estariam unidos pelo criador.

Assim, a ideia da busca da felicidade pelo homem estaria ligada a uma imortalidade restituída pela ressurreição, de modo que a felicidade suprema da alma seria a visão beatificada de Deus.

Dentro deste contexto, o problema da teologia pura estaria intimamente ligado a questão epistemológica do conhecimento, especialmente a distinção entre a priori (o que conhecemos antes de ter contato com a coisa) e a empiricidade.

A matéria, não sendo absoluta (não ente), seria irreal e sem forma, de modo que a forma seria a essência das coisas e, portanto, universal.

Toda substância corpórea seria um composto de duas partes substanciais complementares e unidas, uma passiva e em si mesma, absolutamente indeterminada, chamada de matéria; e outra ativa e determinante, denominada forma.

Os seres materiais teriam outras duas causas: eficiente e final.

A causa eficiente seria a que faz surgir um determinando ser na realidade, realizando a síntese da matéria com a forma que a especifica.

A causa final seria o fim que opera a causa eficiente, determinando a ordem observada no universo.

A forma seria o princípio da vida, uma atividade originada dentro do ser, que poderíamos chamar alma.

Esta se dividiria em vegetativa e sensitiva, sendo a primeira própria dos seres que crescem e se reproduzem e a segunda daqueles que sentem e se movem.

Antes de São Tomás de Aquino, o problema da alma separada do corpo constituía um paradigma cientifico aceito pela Teoria do Conhecimento; a partir dele, os teólogos passam a considerar a alma como unida naturalmente ao corpo.

 

4. A ALMA E CORPO INDISSOCIÁVEIS.

Para São Tomás de Aquino, a atividade intelectiva seria orientada para entidades imateriais, como os conceitos; por consequência, tal atividade só poderia depender da alma racional.

A vontade humana seria exatamente, por este motivo, livre e indeterminada, onde entraria o livre arbítrio facultado por Deus, como ser maior e motor da junção do corpo e da alma.

Desta forma, a alma espiritual transcenderia a vida do corpo depois da morte, portanto, imortal e transcendendo a origem material do corpo criado imediatamente por Deus.

A relação do corpo, já formado e individualizado, seria indissociável da alma.

Portanto, o corpo não poderia existir sem a alma, da mesma forma que a alma, ainda que imortal, não possa ter uma vida plena sem o corpo, que é seu instrumento indispensável para conhecer o divino, a despeito de não permitir vivencia-lo plenamente.

Contrariamente à doutrina agostiniana, que pretendia ser Deus conhecido por intuição, no tomismo Deus é cognoscível unicamente por demonstração.

Esta demonstração não recorreria ao a priori, mas unicamente ao posteriori, partindo da experiência, que sem o corpo não seria possível.

Assim, sem a intrínseca relação entre corpo e alma, não poderia ser conhecido pelo homem.

 

5. O ARISTOTELISMO PROVANDO A EXISTÊNCIA DE DEUS.

Baseando-se em conceitos aristotélicos, São Tomás de Aquino utiliza argumentos filosóficos racionais para provar a experiência que, por sua vez, permite conhecer Deus e sua existência concreta.

A ideia é utilizar o pressuposto garantidor da relação corpo/alma para evidenciar Deus, usando o sensível e racional, procedendo a uma demonstração lógica.

Portanto, os dogmas cristãos seriam concretos e não apenas um “Universal” existente apenas como palavra, sem correspondência com a realidade.

O argumento inicial se baseia na doutrina da potência e do ato, ou seja, na experiência sensível, que pode ser constatada pelo movimento das causas, do contingente, dos graus de perfeição das coisas, ou da ordem que entre elas reina.

Aplicando o princípio de causalidade, que suspende o movimento ao necessário, o imperfeito ao perfeito, a ordem à inteligência ordenadora, conheceríamos Deus de modo indireto e limitado, partindo da criatura.

A partir do homem e da sua imperfeição, representada pelo corpo, ou seja, do efeito, chegaríamos a prova da existência de Deus ou da causa.

O conhecimento humano de Deus seria um conjunto de negações e analogias, o que levaria a um conhecimento que não é falso, mas apenas incompleto.

Partindo do problema dos “Universais”, poderíamos afirmar que o espirito seria um produto semelhante a uma pluralidade, na predicação do objeto estaria presente Deus.

No entanto a formulação mais completa sobre a questão, dentro da filosofia tomista, parece ter sido realizada em sua obra “O ente e a essência”.

O “ser” é diferente da essência, pois é Deus que permitiria às essências realizarem-se em entes, em seres existentes.

Deus seria ato puro, completo e existente como fundamento da realidade das outras essências que, uma vez existentes, participam de seu “ser” infinito.

A filosofia de Aristóteles não falava sobre um criador, como seria compreendido pelo cristianismo, mas São Tomás de Aquino transforma Deus em indispensável para existência de um “Motor” garantidor da alma e do corpo.

Ele acreditava que o conhecimento de qualquer verdade, inclusive do real, carecia da ajuda divina.

O intelecto só pode ser movido por Deus a agir, os seres humanos teriam a capacidade natural de conhecer muitas coisas sem nenhuma revelação divina, ou a priori, mas o a posteriori seria iluminado pelo divino.

 

6. A REFORMULAÇÃO DO PENSAMENTO DE AVICENA.

A originalidade do pensamento de São Tomás de Aquino não está na tese da indiferença da essência e nem nas distinções de seus estados, não residi tampouco na assimilação das ideias divinas; está sim na reformulação da doutrina de Avicena da essência e da articulação da essência com predicados.

Abu Ali Huceine ibne Abedalá ibne Sina, cujo significado do persa era "filho de Sina", conhecido como Ibn Sīnā ou por seu nome latinizado Avicena; foi um filósofo árabe que viveu no século XI, duzentos anos antes de São Tomás de Aquino.

Para quem seria possível conciliar o neoplatonismo e o aristotelismo, visto que o ser seria o objeto primário e próprio da metafisica; sendo possível uma coisa existir legitimamente apenas no espírito e faltar nos objetos exteriores; não sendo concreto, mas existindo em sua intencionalidade.

No tomismo, a essência seria aquilo que o intelecto concebe primeiro, de modo que somente enquanto concebido o “ente”, tudo aquilo que pode ser definido racionalmente, guardando uma identidade consigo mesmo, estaria acessível o concreto.

Através da sensação um conceito que se elevaria ao ente, muito embora este esteja na origem do processo cognitivo.

Dentro deste contexto, o ente não seria apenas fundador da abstração, mas, a medida que originário, captaria o objeto no que é em sua potência, essência e ser.

Ao contrário da ideia platônica, o tomismo não afirma a existência como mera ideia que corresponderia, antes, a uma maneira de considerar a essência e de testar sua legitimidade.

O ente poderia ser dividido no que enuncia enquanto verdade da proposição e no seu predicamento.

Tudo que estaria sob o alcance do saber humano seria composto e comportaria um dualismo inseparável, tal como a representação do corpo e da alma unidos pelo criador.

O saber humano se elevaria a partir do simples, embora do posterior para o anterior, ou do que é segundo para o que é primeiro.

Desta forma, o mundo seria como que uma vítima semântica do encaixe entre os sentidos da forma.

O “Universal” não poderia ser interpretado como algo universal na coisa mesma, ou a maneira de Platão, como se a universalidade só estivesse no conceito da palavra.

Deveria ser entendido como algo que está nas coisas fundamentalmente, uma vez que a natureza dos seres seria justamente a universalidade de entendimento que viria de Deus.

Sendo o “Universal”, apenas uma questão semântica, sem correspondência com a realidade, apenas um nome para aquilo que o homem entende parcialmente.

 

7. CONCLUINDO.

Para São Tomás de Aquino, seria através da essência que as coisas se tornariam cognoscíveis, e, portanto, passíveis de classificação em uma espécie ou gênero, de modo que a matéria não seria princípio de conhecimento.

Ele acreditava que a verdade seria conhecida pela razão através da revelação natural e pela fé pela revelação sobrenatural.

Esta teria sua origem na inspiração pelo Espírito Santo e estaria disponível através do ensinamento dos profetas, reunidos nas Sagradas Escrituras.

A revelação natural conduziria a verdade disponível a todos através da natureza humana e dos poderes da razão, que tornaria possível perceber e confirmaria a existência de Deus.

 

8. PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO.

HIRSCHBERGER, Johannes. História da filosofia na Idade Média. São Paulo: Herder, 1966.

LIBERA, Alain de. La querelle des universaux. De Platon à la fin du Moyen Age. Paris: Du Seuil: 1996.

TOMÁS DE AQUINO. O Ente e a Essência. Petrópolis: Vozes, 1995.

KLIMKE, Federico. Historia de la filosofia. Barcelona: Labor: 1947.