Para entender a
história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Vol. jul., Série
01/07, 2012, p.01-08.
A rigor, as
Ciências Humanas envolvem uma ampla gama de conhecimentos, aparentemente
distanciados, tal como economia, administração de empresas, contabilidade,
direito, geografia, psicologia, pedagogia, linguística, política, arqueologia,
etc.
No entanto, a
matriz básica que originou todas as outras subdivisões é constituída pela
filosofia, história, sociologia e antropologia.
Ao passo que a
primeira é mãe de todas as ciências não só humanas, mas também exatas e
inerentes às biológicas ou saúde.
A história é
quase tão antiga quanto à filosofia, embora seu referencial teórico vigente
seja relativamente recente, remontando ao século XVIII e, principalmente, XIX e
XX.
Já a sociologia
e a antropologia são mais jovens, nasceram no século XIX e se desenvolveram no
XX, estando ainda em fase de estruturação e, de certa forma, afirmação de sua
cientificidade.
Pensando nesta
matriz básica das Ciências Humanas, contemporaneamente, a formação dos
profissionais das mais diferentes áreas, na maior parte dos casos, carece
justamente deste referencial.
Abandonado em
nome do aprimoramento técnico especializado, conduzindo a problemas de ordem
ética e humanista que, por sua vez, terminam interferindo no desempenho
eficiente da profissão qualquer que seja.
Um profissional
da saúde que comete um erro de diagnostico, ou troca a medicação
involuntariamente por falta de atenção, demonstra formação falha de natureza
humanística.
Igualmente, um
engenheiro que involuntariamente prejudica seres humanos, defendendo-se
afirmando que se ateve apenas aos aspectos técnicos, também carece dos
pressupostos básicos das Ciências Humanas.
Devemos lembrar
que os nazistas, no final da primeira metade do século XX, torturaram, mataram
e cometeram atrocidades bárbaras em nome da eficiência técnico industrial.
Usando seres
humanos inocentes em experiências médicas e chegando ao requinte macabro de
cortar os cabelos de suas vitimas dentro de um padrão industrial, que servia
para fabricar chinelos para as tripulações dos submarinos alemães, antes de
envia-las para as câmaras de gás.
Vitimando, sem
distinção, homens, mulheres, jovens, velhos e crianças.
A grande questão
envolta da ausência da reflexão humanista mais apurada está atrelada a
invisibilidade do outro.
O profissional
que nunca refletiu sobre temas filosóficos, históricos, sociológicos e
antropológicos possui enorme dificuldade em reconhecer-se no outro, tratando o
semelhante com descaso e ausência de ética.
Além disto,
possui dificuldade para entender o mundo em que vive e a importância de suas
ações para o progresso da humanidade.
Razão pela qual
o processo civilizatório se encontra decadente, com o aumento dos índices de
violência em todo planeta e a banalização do desrespeito para com a vida,
fazendo imperar a mais pura anomia.
Um processo que
inaugurou um estado em que paramos para refletir sobre estes efeitos, somente
quando atingidos diretamente em nossa natureza psicológica e física.
Neste sentido,
antes de aprofundar a discussão sobre a importância das Ciências Humanas na
formação profissional, devemos percorrer os labirintos construídos pelo sistema
capitalista.
Definindo
inicialmente uma composição mais detalhada para as humanidades.
A
natureza das Ciências Humanas.
Para entender a
importância de uma formação humanística, é necessário entender o âmago
primordial das Ciências Humanas.
Por definição,
as humanidades abordam diversos aspectos do ser humano como individuo, pessoa e
sujeito, tanto no que tange a introspecção como a externalidade relacionada
consigo mesmo, o outro e o mundo.
Em resumo, as
Ciências Humanas deveriam buscar desvendar a complexidade que define a própria
humanidade e a distingue do aspecto puramente animal.
Curiosamente, os
reajustes do sistema capitalista foram afastando as diversas áreas do
conhecimento deste ideal, somente a sua matriz original conservou a inquietação
com maior intensidade.
Isto porque as
Ciências Humanas, agregando as exatas e biológicas, pertenciam à filosofia nos
primórdios da sistematização do conhecimento, quando os mitos começaram a ser
abandonados em favor de sua gradual substituição pela racionalização.
Entender o
próprio homem e tudo que o rodeia, sem recorrer aos deuses, era o objetivo
inicial, quando por volta do século VIII a.C, na Grécia e em outras partes do
Velho Mundo, intensos debates originaram a filosofia.
A primeira
grande subdivisão deste conhecimento totalizante aconteceu quando, ainda na
antiguidade, Heródoto cunhou a palavra história, abrindo espaço para uma
separação que se processou lentamente.
Na realidade, um
dos grandes marcos de ruptura entre filosofia e história ocorreu somente no
século XVIII e, principalmente, XIX, a despeito de avanços significativos em
sua construção teórica no século XX.
Destarte, a
Revolução Francesa, mais precisamente o iluminismo, inaugurou a divisão
clássica entre Humanas, Exatas e Biológicas.
Um processo que
contou com a influência da Revolução Industrial, período em que passou a
existir uma valorização do domínio técnico como sinônimo de ciência e progresso
científico.
Foi quando a
racionalização totalizante, tendo a humanização como centro, foi relegada ao
plano inferior em nome do lucro.
As Ciências
Humanas passaram, a partir de então, a ser visualizadas como distintas do
universo do mundo dos negócios.
Embora a
sociologia tenha fornecido instrumentos para controle das massas de
proletários, manipulando comportamentos para beneficiar a evolução da
industrialização e urbanização crescente.
Entretanto, o
homem continuou constituindo um ser dotado de múltiplas esferas, um animal
sociopolítico que, diante de sua fragilidade física perante a natureza,
necessita interagir e viver na coletividade para sobreviver.
As próprias
relações de trocas que caracterizam a essência do sistema capitalista carecem
da interação humana e da reflexão centrada nas humanidades.
Razão pela qual
a filosofia dividiu-se em outras áreas do conhecimento humano no século XIX, no
caso, sociologia e antropologia; que mantiveram sua preocupação com as
humanidades, seu objeto central de estudo.
Assim composta e
comportando múltiplas esferas, as Ciências Humanas podem ser definidas como
conhecimento sistematizado que tem o homem e a sociedade como centro.
O que envolve o
estudo das interações entre as pessoas em diversos níveis, inclusive no aspecto
econômico, pedagógico, organizacional e normativo.
Portanto, tenta
desvendar a complexidade humana, transitando entre a construção do pensamento e
a evolução biológica, aspectos interdependentes.
Centralizando a
observação dos fenômenos no homem, os valores éticos e morais terminam
aprofundando a analise de seus diferentes componentes, atribuindo significado
racional às necessidades sociais e culturais.
O cuidado
consigo, o outro e o mundo é uma questão de sobrevivência, onde tudo espelha o
“eu”, e, por esta razão, exige uma atitude altruísta, já que a natureza humana
é egoísta, instintivamente construída e reforçada pelo capitalismo.
Vertentes
humanistas.
A matriz básica
das Ciências Humanas possui inúmeras vertentes, com concepções especificas de
homem que interferem no olhar sobre as problemáticas abordadas.
Igualmente
interferindo na postura profissional; na forma de aplicar a técnica; de
conceber instrumentais de trabalho; de lidar com o outro, a coletividade, o
mundo, a construção do conhecimento.
Influenciando
toda amplitude das Ciências Humanas, penetrando também nas Exatas e Biológicas.
Uma das
primeiras configurações humanistas foi inaugurada pela tradição socrática na
antiguidade, quando a figura simbólica de Sócrates propôs a atitude expressa
pela maiêutica e a máxima “só sei que nada sei”.
Um
posicionamento de abertura para o mundo e constante aprendizado, assumindo uma
posição de aceitação da ignorância diante da vastidão do conhecimento por
construir.
O que foi
complementado pela mencionada maiêutica, o parto de ideias, a atitude
questionadora, formando o senso crítico apurado e aberto ao dialogo com o
outro.
Pensamento em
concordância com a visão grega de homem, entendido como eixo unificador da
ordem do universo, onde existe uma dualidade entre mundo das ideias e mundo
sensível pela qual o sujeito transita, ordenando a existência das coisas.
O que conduz a
uma série de perguntas que clamam pela origem das coisas e do próprio homem,
conduzindo a racionalização dos atos e sistematização do conhecimento do eu, do
outro e do mundo para lidar com a dualidade.
A vertente
teocrática cristã medieval, imbuída intensamente de religiosidade, enxerga o
homem como criatura de Deus, que estabelece um dialogo contínuo com o criador,
sendo dotado de livre arbítrio.
O que implica na
responsabilidade social humana sobre as próprias ações, com consequências para
tudo que rodeia o homem, sendo o conhecimento fruto da revelação divina, mas
também de escolhas da humanidade.
Isto, a despeito
do centro da Ciência estar fixado em Deus e, por decorrência, em sua principal
criação, o homem.
A concepção de
homem integral, inteiro, dotado de múltiplas esferas, tornou-se o parâmetro do
humanismo renascentista a partir do século XIV, integrado ao mundo pela sua
relação com o divino, mas igualmente com o profano, abrindo espaço para
abandonar a figura de Deus em nome da razão pura.
Uma vertente que
centralizou a reflexão no homem, subordinando todo conhecimento para tentar
entender a existência e o sentido da vida, inaugurando o desabrochar da Ciência
e o período do antropocentrismo em oposição ao teocentrismo.
Até então, o
homem e o que poderíamos chamar de Ciências Humanas configurou o centro do
conhecimento, subordinando as Exatas e Biológicas.
O que começou a
mudar na Idade Moderna, quando o homem substitui Deus pela sua própria figura,
definindo-se como ser pensante dotado de autonomia, fornecida pela razão cartesiana
e a experiência empirista.
Mesmo diante
deste panorama, a natureza humana ainda é holística, dotada de totalidade que
integra as partes e serve para estabelecer inter-relações entre as subdivisões
do conhecimento, que, pela altura, já começava a surgir.
Entretanto, o
período contemporâneo ou pós-moderno agrega a tendência mecanicista, que
procura explicar o mundo através de analogias com o funcionamento de máquinas,
momento em que o homem perde espaço para os objetos e fenômenos que o rodeiam,
tornando-se apenas um elemento que reage as forças que lhe são aplicadas.
É neste sentido
que Darwin, com o evolucionismo, ao abordar a evolução como fruto da seleção
natural, transforma o homem em apenas mais um ser dentre tantos outros
disputando recursos naturais e lutando pela sobrevivência.
Igualmente,
Comte, demonstra que o homem é apenas mais um objeto de estudo dentro do âmbito
da mecânica social.
Pouco a Pouco, o
homem é convertido em máquina de produzir e consumir por uma lógica tecnicista,
que também estabelece tendências.
Tal como o
capitalismo liberal e neoliberal, que enfatiza o individualismo e a
competitividade, abandonando o olhar para o outro como espelho e para o mundo
como consequência dos atos humanos.
Em certo
sentido, a pós-modernidade divide o homem em múltiplas facetas, quebra sua
unidade existencial, transformando em verdade somente o que é útil à reprodução
do capitalismo e da desigualdade.
A pluralidade
perdida permanece sendo discutida pela matriz das Ciências Humanas, em muitos
casos em uma tentativa de resgate das antigas vertentes humanistas.
Todavia, o
abandono da humanização, em beneficio do tecnicismo profissionalizante,
continua a desprestigiar as Ciências Humanas, reduzidas a literatura ou poesia,
puramente imaginada e sem conexão com a realidade, consideradas afastadas de
uma utilidade prática.
Nada mais falso,
como tentaram demonstrar diversas tendências humanistas surgidas ou
aprofundadas no século XX.
Tal como o
marxismo, que, a partir da dialética e do materialismo histórico, define o
homem como produto do meio, mas também produtor consciente das condições
materiais transformadoras da vida.
Em todo caso,
centro das relações de troca, das condições e condicionantes técnicas, da
economia, das inter-relações entre indivíduos e com o próprio habitat.
Ou ainda como os
humanistas sigilosos, que tentaram resgatar a espiritualidade como unificadora
da totalidade.
Caminho oposto
ao humanismo logosófico, centrado no logos, na razão, que tanta realizar a
evolução humana propondo resgatar a totalidade do ser, uma tendência argentina
que busca a excelência.
O humanismo,
qualquer que seja a vertente ou profissão, é um instrumento essencial para
entender a vida humana, o mundo, o outro, a aplicação de técnicas em um
contexto ético e de fato racional; além do lugar do sujeito na ordem do universo
amplo da existência fragmentada, que na realidade compõe uma única totalidade múltipla.
Porém, pensando
pragmaticamente, qual é afinal a utilidade das Ciências Humanas na vida profissional?
Por que
inclui-las como essencial na formação acadêmica, principalmente na área de
Extas e Biológicas?
A
utilidade das Ciências Humanas.
A utilidade das
Ciências Humanas na vida profissional, em qualquer área, é muito mais ampla do
que se imagina.
Em primeiro
lugar, como lembrou Leonardo Boff, clama pela dignidade humana e remete à
construção ética da pessoa, a reboque, da prática profissional, em prol de uma
sociedade mais justa e igualitária.
Inserindo-se no
resgate da preocupação consigo mesmo e o outro, que se perde no processo de
formação compartimentado e tecnicista, imposto pelo capitalismo fordista
vigente.
Neste sentido,
resgata, ou pelo menos tenta, a totalidade humana e a concepção de conhecimento
interligada e dependente da multiplicidade.
Por sua vez,
camuflada e oculta pelo tecnicismo profissional, distorcendo a própria visão
sobre o mundo e a participação do “eu” na auto reprodução do sistema
capitalista.
Portanto, as
Ciências Humanas ampliam a percepção, estimulando a formação de um senso crítico
intensamente questionador e transformador da realidade.
A
competitividade, sob esta ótica, não deixa de existir, mas torna-se ética,
estabelecendo a preocupação com o outro e uma vivencia profissional humanizada.
O
autoconhecimento de si mesmo, reconhecido como espelho no outro, aproxima as
pessoas e demonstra que existe uma intensa interdependência que interfere no
desempenho profissional.
A ausência do
paciente, não existe o médico. Na falta do aluno, não existe razão no trabalho
do pesquisador ou do professor.
As próprias
relações de trocas, a produção industrializada, perdem seu sentido sem o homem
como centro do processo.
Assim, em um
mundo dominado pela competitividade, com um mercado de trabalho que exige excelência
no desempenho profissional; a preocupação com o outro demonstra também o
cuidado consigo mesmo, pois o “eu” se transforma constantemente no “ele”,
gritando pelo “nós” através da formação humanista.
Este resgate da
totalidade transforma o desempenho profissional e a consciência do mundo.
Sujeitos
alienados são facilmente manipulados, configurando um problema do ponto de
vista da eficiência profissional, pois exigem supervisão constante, diante da
incapacidade de perceber as questões que se apresentam e tomar decisões
acertadas.
É neste sentido
que a consciência do mundo, ao ampliar o senso crítico, cria autonomia,
capacidade de resolução de problemas de forma integrada e integradora, pensando
no âmbito humanista que vê o conhecimento e as pessoas como parte de um todo sistêmico.
Refletindo por
este prisma, as humanidades estreitam relações sociais e melhoram a convivência
política, tendo o bem comum de determinada categoria profissional como foco ou
da organização a qual os indivíduos pertencem.
A reboque,
dentro da construção de uma postura ética, constrói o caminho da busca da
felicidade coletiva da sociedade em sentido amplo.
Portanto, em
qualquer profissão, a formação em Ciências Humanas conduz a humanização do
conhecimento técnico, otimizando o desempenho profissional em vários sentidos, autossustentado
a relação do sujeito com tudo que o rodeia e consigo mesmo.
Concluindo.
A amplitude do
conhecimento humano não pode ser razão de limitação do conhecer, antes, deveria
permitir compor uma constante ampliação de competências aos profissionais de
todas as áreas.
As facilidades tecnológicas
e de comunicação, em si, compõem grandes oportunidades de interações e diálogos,
nem sempre aproveitadas adequadamente, em meio à estrutura do sistema capitalista
fordista.
As Ciências
Humanas apresentam-se, frente a este problema, como fator integrador, agregando
as Exatas e Biológicas em suas discussões.
Exemplo que
deveria ser seguido por estas, onde o espaço das humanidades precisa ser revisto
com urgência nos meios acadêmicos.
A ausência de
uma formação humanizada tem demonstrado consequências desagradáveis nos
diversos campos profissionais, inclusive nas Ciências Humanas, com prejuízos que
se acumulam a volumam na sociedade.
Isto não
significa que o teor técnico profissional deva ser abandonado, mas sim que as
humanidades precisam enriquecer este conhecimento, devendo ser valorizadas,
estudadas e aprofundadas.
Antes de ser um
profissional, qualquer sujeito é um ser humano, ocorre que nas mais diversas
áreas, a humanização está colocada de lado em nome da automação funcionalista.
Não somos
máquinas, mas humanos e, portanto, carecemos de uma formação humanística que
conduz a reflexão e ao dialogo.
O que pode ser
embasado pela filosofia, história, sociologia e antropologia.
Indicativos de
um caminho mais seguro em meio ao labirinto capitalista, tecnicista e
profissionalizador, representado pelo atual sistema educacional e pelas
relações estabelecidas no mundo globalizado.
Para
saber mais sobre o assunto.
BOFF, L. O destino do homem e do mundo. São
Paulo: Vozes, 2003.
BOFF, L. Tempo de transcendência: o ser humano como
um projeto infinito. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
BOFF, L. Ética e Moral: a busca de fundamentos. Petrópolis:
Vozes, 1989.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo. São Paulo: Vozes, 1989.
MONDIN, B. Definição filosófica da pessoa humana. Bauru:
Edusc, 1998.
RAMOS, F. P. “A
formação dos professores de filosofia e sua atuação profissional em sala de
aula” In: Desafios e perspectivas das
Ciências Humanas na formação e atuação docente. Jundiaí: Paco Editorial,
2012, p.151-170.
RAMOS, F. P. Filosofia e Ética Profissional. Santo André:
FPR/PEAH, 2012.
Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana
Ramos.
Doutor em História Social pela USP.
MBA em Gestão de Pessoas.
Bacharel e Licenciado em Filosofia
pela Universidade de São Paulo.
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