Publicação brasileira técnico-científica on-line independente, no ar desde sexta-feira 13 de Agosto de 2010.
Não possui fins lucrativos, seu objetivo é disseminar o conhecimento com qualidade acadêmica e rigor científico, mas linguagem acessível.


Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Filosofia para Crianças e Jovens: Entendendo a filosofia através do Mito da Caverna.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 10, Volume jul., Série 03/07, 2019.

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.

A filosofia pode ser simbolizada pelo mito da caverna, atribuído a Sócrates e narrado por Platão na obra A República, dizendo muito sobre quem somos nós seres humanos e como nos comportamos até hoje.
Esse livro foi escrito entre os anos 385-380 a.C., descreve um diálogo entre Sócrates e seus amigos, apresentando o método dialético de investigação filosófica.
O mito da caverna é uma metáfora da condição humana perante o mundo, discutindo a importância do conhecimento filosófico e da educação como forma de superação da ignorância. 
Simboliza a proposta da filosofia: ajudar o homem na passagem gradual do senso comum para uma visão mais aprofundada da realidade, enxergando por trás das aparências usando a razão, sistematizando e organizado a resposta que, não por acaso, transforma-se em novas perguntas.

Quem foi Sócrates.
Sócrates teria sido um pensador nascido em Atenas no período clássico da Grécia Antiga, uma figura enigmática a quem se atribui uma grande contribuição na fundação da filosofia Ocidental. 
Sua suposta existência só chegou até nossos dias através de relatos de terceiros, porque ele seria analfabeto, não deixando uma única obra ou registro escrito.
Dois filósofos que viveram na mesma época que ele, após sua morte, relataram por escrito seu pensamento e ações, no caso seus alunos Platão e Xenofonte.
Além dos diálogos que supostamente descrevem os debates de Sócrates com seus interlocutores, o único registro de sua existência concreta são peças teatrais de Aristófanes, onde aparece como personagem. 
Razão pela qual existe uma corrente da história da filosofia que defende que Sócrates nunca existiu, simbolizando uma tradição filosófica.
Para estes, pode ter sido um personagem inventado pelo aristocrata Platão, um heterônimo usado para criticar seus pares sem se comprometer ou sofrer represarias.
Segundo consta, o que sabemos da vida de Sócrates, caso realmente tenha existido, registrado através de terceiros; é que Sócrates era um homem muito feio, mas quando falava encantava a todos.
Vinha de família humilde, era filho de Sofronisco - motivo pelo qual ele era chamado em sua juventude de Sokrates ios Sōfronískos (Sócrates, o filho de Sofronisco) -, um escultor, especialista em entalhar colunas nos templos; e Fainarete, uma parteira.
Durante a infância, o pai tentou ensinar seu trabalho de escultor, mas o jovem se mostrou pouco hábil para trabalhar com o mármore. 
Os amigos zombavam de sua falta de habilidade e o pai reclamava que mais atrapalhava do que ajudava.
Preferia acompanhar a mãe e assistir o seu trabalho de parteira do que aprender o ofício do pai.
Diante deste fato, a mãe o teria levado até o famoso Oráculo de Delfos, buscando uma resposta para o futuro do garoto, o qual teria profetizado que seria um grande educador.
Depois deste episódio, sua biografia dá um salto, encontramos apenas a informação que era casado com Xântipe, muito mais jovem que ele, com quem teve um filho, Lamprocles. 
Segundo Aristóteles - aluno de Platão - e seu discípulo Aristóxenes, dois filósofos nascidos após a morte de Sócrates; teria tido outra esposa, Mirto, com quem teve os filhos Sofronisco e Menexêno.
O relato que aparece nas peças teatrais de Aristófanes, descreve Sócrates como alguém que costumava caminhar descalço, não tinha o hábito de tomar banho e amava ler. 
Em certas ocasiões, parava o que quer que estivesse fazendo, ficava imóvel por horas, meditando sobre algum problema. 
Certa vez o fez descalço sobre a neve, segundo os escritos de Platão, o que demonstra seu caráter lendário.
Consta também que gostava de brincar com crianças, a quem ensinava enquanto aprendia, dialogando com os pequenos.
Não se sabe ao certo qual era sua profissão, as fontes relatam que trabalhava em diferentes funções, o mais provável é que era artesão, fazendo parte dos poucos privilegiados em Atenas, considerados cidadãos, com direito de participar ativamente das decisões da cidade.
Na maturidade teria sido mantido financeiramente pelos seus seguidores ricos, como Platão; pois não tinha escravos, mas vivia debatendo com a juventude em praça pública e constantemente refletindo sobre a realidade.
Dizia-se um parteiro de ideias, inclusive, certa vez comentando prosseguir com o trabalho de parteira da mãe, teria afirmado: 

"O conhecimento está dentro das pessoas. Porém, eu posso ajudar no nascimento deste conhecimento. [...] Minha mãe não irá criar o bebê, apenas ajudá-lo-á a nascer e tentará diminuir a dor do parto. Ao mesmo tempo, se ela não tirar o bebê, logo ele irá morrer, e igualmente a mãe morrerá!"

Por esta razão, o método inventado por Sócrates, para ajudar as pessoas a pensarem por si, é chamado de maiêutica (que em grego significa parto ou parteira).
Dialogando  principalmente com os jovens, ensinando ao ar livre sem cobrar nada por isto para quem estivesse disposto a ouvir, em um época em que um grupo de filósofos chamados de sofistas cobrava para ensinar; as suas ideias foram se espalhando pela cidade de Atenas, cada vez mais pessoas começaram a segui-lo como verdadeiros discípulos.
Assim, entrou em conflito direito com os sofistas, que questionavam como um homem sábio poderia ensinar de graça e pregar que os atenienses não precisavam de professores.
A influência política de Sócrates se tornou tão grande que os poderosos locais começaram a se sentir ameaçados, acusando-o de corromper a juventude e querer se igualar aos deuses.
No julgamento que se seguiu a sua prisão, questionado por onze magistrados, em sua defesa, mostrou que as acusações eram contraditórias; mesmo assim, o tribunal, constituído por 501 cidadãos, o condenou.
Para evitar que milhares de jovens se revoltassem, não foi condenado diretamente a morte, a sentença deu a opção de exílio para sempre - partir de Atenas e nunca mais voltar- ou ter a língua cortada; opções que impossibilitariam de continuar a questionar as aparências e ensinar.
Caso ele não aceitasse uma entre as duas opções, poderia ainda escolher tomar cicuta - um veneno -, ou seja se matar.
Após receber a sentença, Sócrates proferiu: "Vocês me deixam a escolha entre duas coisas: uma que eu sei ser horrível, que é viver sem poder passar meus conhecimentos adiante. A outra, que eu não conheço, que é a morte ... escolho pois o desconhecido!"
Sócrates optou, portanto, pelo suicídio ordenado pelo Estado ateniense, morreu aos 70 anos de idade.
A sua vida - concreta ou imaginada por Platão - simboliza a essência da filosofia: um questionamento da realidade que pode ser incomodo e perturbador da ordem estabelecida.
Não é a toa que, nos Estados totalitários e nas ditaduras, a filosofia é sempre eliminada ou minimizada nos currículos escolares, enquanto os filósofos são perseguidos.

O diálogo do Mito da Caverna.
O famoso episódio pelo qual o personagem Sócrates ficou mais conhecido em nossos dias, o mito da caverna, aparece no Livro VII da República de Platão.
Trata-se de um diálogo em que as falas na primeira pessoa são de Sócrates e seus interlocutores, Glauco e Adimanto, estes eram os irmãos mais novos de Platão.
No diálogo, é dada ênfase ao processo de conhecimento, mostrando a visão de mundo do ignorante, que vive mergulhado no senso comum, e do filósofo, na sua eterna busca da verdade inalcançável.

Vejamos o diálogo na integra:

Sócrates – Agora, imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.
Glauco– Estou vendo.
Sócrates– Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que os transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.
Glauco- Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.
Sócrates — Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte?
Glauco — Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?
Sócrates — E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?
Glauco — Sem dúvida.
Sócrates — Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?
Glauco — É bem possível.
Sócrates — E se a parede do fundo da prisão provocasse eco sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?
Glauco — Sim, por Zeus!
Sócrates — Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados?
Glauco — Assim terá de ser.
Sócrates — Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?
Glauco - Muito mais verdadeiras.
Sócrates - E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?
Glauco - Com toda a certeza.
Sócrates - E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?
Glauco - Não o conseguirá, pelo menos de início.
Sócrates - Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e sua luz.
Glauco - Sem dúvida.
Sócrates - Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é.
Glauco - Concordo.
Sócrates - Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.
Glauco - É evidente que chegará a essa conclusão.
Sócrates - Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?
Glauco - Sim, com certeza, Sócrates.
Sócrates - E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?
Glauco - Sou de tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.:
Sócrates - Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: Não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?
Glauco - Por certo que sim.
Sócrates - E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?
Glauco - Sem nenhuma dúvida.
Sócrates - Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha ideia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Zeus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a ideia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.
Glauco - Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.

O simbolismo do Mito da Caverna.
Segundo a metáfora de Platão, o processo para a obtenção da consciência, isto é, o conhecimento, abrange dois domínios: o domínio das coisas sensíveis e o domínio das ideias. 
A realidade estaria no mundo das ideias - um mundo real e verdadeiro - e a maioria da humanidade viveria na condição da ignorância, no mundo das coisas sensíveis - este mundo -, repleto de ilusões e aparências que não correspondem a realidade.
Segundo o mito, três homens teriam sido criados em uma caverna, vendo apenas as sombras do que se passava lá fora, pois estavam acorrentados junto à parede.
Um dia um deles consegue se soltar e sair da caverna, no inicio fica meio cego pela luz do sol que nunca havia visto, mas depois começa a enxergar e percebe que o mundo real não eram as sombras que conhecia.
Maravilhado, ele retorna e conta aos outros dois o que havia visto.
Assustados, um dos seus companheiros de caverna propõe ao outro matar aquele homem que estava perturbando a ordem estabelecida.
Mais ponderado, o terceiro afirma que o companheiro, que dizia ser a realidade vista na caverna apenas sombras, era apenas um louco não merecia atenção.
Uma situação que foi satirizada por Mauricio de Souza e que demonstra que ainda vivemos em uma caverna, mostrando que cada um de nós pode até mesmo construir sua própria caverna.








































O Mito da Caverna e a vida de Sócrates.
A alegoria do mito da caverna demonstra como estudar filosofia pode ser difícil, cegar em um primeiro momento, fazendo pensar que não estamos entendendo nada e que aquilo não serve para nada.
No entanto, a filosofia permite desvendar o que está por trás das aparências.
Exatamente por isto, a filosofia nasceu na antiguidade agregando todas as áreas do conhecimento humano, era o que mais se aproximava do que hoje chamamos ciência.
Os filósofos foram os primeiros cientistas e professores, questionando o mundo através de grandes debates em praça pública, isto antes mesmo do aparecimento da escrita, tentando derrubar as verdades estabelecidas.
Na ocasião surgiu à maiêutica, um processo pedagógico atribuído a Sócrates, constituindo em multiplicar as perguntas para obter, por indução de casos particulares e concretos, um conceito geral.
Neste sentido, a figura de Sócrates sintetiza a essência do que é a filosofia.
Procurando pelos jovens, passava horas em praça pública, interpelando os transeuntes, dizendo que quanto mais aprendia, mais percebia nada saber, pois ainda restava muito para conhecer.
Uma ideia expressa pela famosa frase: “Só sei que nada sei”; ou seja, quanto mais aprendo, mais percebo que sei pouco, pois existe muito ainda para aprender.
Seu método consistia em destruir a ilusão do conhecimento, levando seu interlocutor a concluir, por si só, afirmações contraditórias, não tendo outra saída a não ser reconhecer sua própria ignorância.
Exatamente por este motivo, Sócrates terminou condenado a escolher entre o exílio e a morte, optando por tomar cicuta.
Na antiguidade, o exílio era considerado pior que a morte, pois isolava o sujeito, os gregos consideravam os estrangeiros com status social abaixo dos escravos.
Ninguém dava atenção ou oportunidades aos estrangeiros, daí ser exilado, para Sócrates, significaria viver a margem da sociedade, sem poder interferir para mudar as coisas.

Concluindo.
O mito da caverna é uma metáfora da condição humana perante o mundo, diz respeito à importância do conhecimento filosófico e à educação como forma de superação da ignorância.
Demonstrando como a filosofia opera a passagem gradativa do senso comum - visão de mundo ilusória - para o conhecimento racional sistematizado e organizado em busca da verdade.
Segundo a metáfora de Platão, o processo para a obtenção da consciência da realidade abrange dois domínios: o sensível e o inteligível (mundo das ideias).
A realidade está no mundo das ideias - um mundo real e verdadeiro - e a maioria da humanidade vive na condição da ignorância, no mundo das coisas sensíveis - este nosso mundo.
O mundo sensível é composto de imagens mutáveis, ilusões; a verdade reside no mundo das ideias, onde tudo é perfeito, mas o conhecimento é inalcançável.
Neste sentido, sendo possível apenas se aproximar mais da verdade, sem nunca alcança-la completamente; a atualidade exige senso critico, necessário para diferenciar as aparências da realidade e não ser enganado.
O grande problema é que vivemos em uma caverna, sem desconfiar que tudo que sabemos pode ser uma ilusão.
O filme Matriz (EUA, 1999: 136min) aborda com maestria esta discussão, recriando uma narrativa contemporânea do mito da caverna em forma de ficção científica.
O enredo trabalha com o argumento de que o mundo ao nosso redor pode ser apenas uma ilusão, criada por máquinas, para distrair a mente e que a verdade estaria por trás das aparências, cabendo a cada um a escolha entre permanecer feliz vivendo na ilusão ou conhecer a verdade.
No filme, um grupo de rebeldes luta contra a Matriz, o sistema que mantém a maioria na ignorância, na vida real a passagem do senso comum para a criticidade é operada, justamente, pela filosofia, estimulando a reflexão e o questionamento sobre as verdades estabelecidas.
A filosofia elimina o achismo e torna as opiniões mais embasadas e sistematizadas, possibilitando construir metodologias de analise da realidade.
Assim, a filosofia permite adquirir um instrumental que ajuda a pensar de forma lógica, com maior coerência, possibilitando formular o discurso de maneira clara.
Poderia existir uma ferramenta mais poderosa e valiosa?

Para saber mais sobre o assunto.
GOLDSCHMIDT, V. “Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos sistemas filosóficos” In: A religião de Platão. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1963, p.139-147.
LALANDE, André. Vocabulário técnico e critico da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
PRADO JR, Caio. O que é filosofia? São Paulo: Brasiliense, 1997.


terça-feira, 2 de julho de 2019

Filosofia para Crianças e Jovens: O que é Filosofia?

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 10, Volume jul., Série 02/07, 2019.


Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.

Vamos iniciar fazendo um exercício mental, tentemos imaginar e definir o que é filosofia. O que é filosofia para você?
Antes de continuar lendo, escreva o que imagina ser filosofia e para que serve. Depois, quando terminar a leitura do restante do texto, vamos retomar o registro desta sua definição particular de filosofia, por isto é importante realmente parar a leitura e escrever sua definição, não tenha pressa, leve o tempo que precisar. 
Agora que já registrou sua definição de filosofia, imagino que muitas perguntas vieram a mente enquanto pensava no que escrever. Talvez tenha pensado:  
1. A filosofia tem haver com religião ou política?
2. Afinal porque que tenho que penar nisto?
3. Filosofia tem haver com ler textos dos pensadores do passado?
4. Filosofia é um jeito de pensar? Cada um tem a sua filosofia?
4. Filosofia serve para alguma coisa? Vou usar isto na minha vida para quê?
Não vamos responder todas estas indagações apenas neste texto, mas iniciaremos aqui um entendimento do que é a filosofia, que percorrerá outros textos que estarão publicados nesta mesma edição.
Existe uma falsa imagem de que a filosofia é algo escrito e estudado por homens velhos de barba branca, sentados em uma sala cheia de livros empoeirados, com cara séria e olhar arregalado por trás de óculos de lente grossa.
Ou ainda, pensamentos de intelectuais que vivem isolados e com a cara enfiada em livros, sem vínculo com a vida real ou com as novas tecnologias. Ratos de biblioteca antissociais que não tem preocupação com a prática, meros teóricos.
A razão deste erro de julgamento é que durante muito tempo o estudo da filosofia foi tratada como um conhecimento reservado para poucos escolhidos, com textos longos e complexos que deveriam ser lidos e relidos para permitir o ingresso neste clube exclusivo de homens carrancudos, que se julgavam superiores aos demais mortais.
Por isto, ainda hoje, a filosofia é vista, por quem não a conhece; como etérea, vaga, sem sentido, pouco atrativa e difícil de entender.
O grande problema é como a filosofia foi apresentada pela primeira vez àquele que a vislumbra. Como diz o ditado: "a primeira impressão é a que fica".
No ambiente escolar, em geral, esta apresentação acontece de forma pouco dinâmica, criando uma visão negativa e equivocada.
Um pensador contemporâneo, que viveu no século XX, o grego naturalizado francês, Cornelius Catoriadis (1922-1997), certa vez afirmou que: filósofos vivem em meio a livros, mas não desligados do mundo.
Para desmistificar a filosofia, construir uma imagem mais próxima da real; a proposta aqui é percorrer, ao mesmo tempo, temáticas cotidianas e uma linha cronológica da história da filosofia, desvendando de forma dinâmica o universo filosófico.
Este é apenas o primeiro de uma série de textos, escritos com uma linguagem e conceituação adequada para crianças e jovens, aliás, pensados para permitir o entendimento aos leigos de qualquer idade e sem conhecimento prévio da filosofia.
Acredite, a filosofia é essencial para qualquer área do conhecimento humano, profissão e nível de escolaridade. 
A filosofia é essencial para a vida cotidiana de todos nós!

A origem do termo "filosofia".
Comecemos a percorrer a origem da filosofia pelo significado da palavra. Segundo a tradição foi criada por Pitágoras, um filósofo e, hoje, tido também como matemático, que viveu na Grécia Antiga entre o ano 580 e 496 antes de Cristo (a.C).
Ele foi também responsável pela formulação do teorema da geometria que leva seu nome, conhecido como "Teorema de Pitágoras".  Representado pela fórmula (c²= a²+b²) sendo seu enunciado descrito da seguinte maneira: "No triângulo retângulo, composto por um ângulo interno de 90° (ângulo reto), a soma dos quadrados de seus catetos corresponde ao quadrado de sua hipotenusa".
Pitágoras, retratado na imagem ao lado em uma escultura romana, pertencente ao acervo do Museu Capitolino (Roma-Itália); viveu em uma época em que os registros escritos eram raros. Isto porque a escrita estava ainda surgindo na Grécia, a própria imagem do filósofo é uma representação simbólica, uma licença poética, a forma como artistas imaginaram a sua aparência. 
O conhecimento, que teria sido desenvolvido por Pitágoras, foi passado oralmente de geração em geração até ser registrado por escrito. Razão pela qual sobraram apenas fragmentos de suas ideias originais.

Os historiadores da filosofia e filólogos (estes últimos, estudam a origem e evolução da linguagem escrita) supõem que Pitágoras teria criado o termo "filosofia" juntando duas outras palavras.

Entre os gregos, na antiguidade, era comum juntar palavras já existente para nomear novos conceitos. Criava-se a partir do conhecido uma maneira de nomear aquilo que era novo, associando o que se conhecia ao que se apresentava como novidade; como se fosse uma variação do que já existia e não algo realmente novo.

De certa forma, ainda hoje, a maior parte das pessoas são muito resistentes a aceitar novas informações. Apenas reclassificar o novo, associado com o velho, é uma maneira de permitir sua aceitação mais fácil.

Assim, Pitágoras associou uma nova maneira de enxergar e pensar o mundo, que estava surgindo com ele e outros, os quais posteriormente ficaram conhecidos como pré-socráticos, com a ideia de busca pela sabedoria.

O termo "filosofia" é derivado da junção da palavra philos (amigo/amizade/amor) com sophía (sabedoria/conhecimento). É interessante notar que no grego antigo, simultaneamente, cada palavra expressava um conceito, podendo ser traduzida por mais de um significado.

Portanto, filosofia significa amigo da sabedoria ou amor pela sabedoria, pelo desejo de construir o conhecimento (filo + sofia), tendo surgido conceitualmente na Grécia por volta do século VI a.C.

Para os gregos, amizade e amor estavam intimamente relacionados, o verdadeiro amor só poderia acontecer entre amigos. Um sentimento puro que estaria ligado a apreciar a essência e não a aparência, amor fraterno ao verdadeiro eu, a quem estaria por trás das aparências. 

Amar seria gostar de quem a outra pessoa é de verdade.

É neste sentido que se insere o termo "filosofia" com um significado conceitual de busca pelo que existe por trás das aparências, uma construção do conhecimento a partir da reflexão racional.

A invenção da filosofia foi, provavelmente, a maior inovação da história da humanidade. A partir de então, começamos a pensar, cada vez com mais intensidade, usando a racionalidade ao invés da crendice baseada nas aparências, no "achismo".

É por isto que, o que as pessoas chamam em nossos dias de "filosofia oriental", mais antiga que a filosofia que surgiu na Grécia Antiga, não se enquadra na definição da "filosofia acadêmica" estudada nas escolas.

Antes dos gregos, o pensamento humano estava misturado com conclusões não racionais, confundindo-se com religião e espiritualidade.

Razão pela qual, a "filosofia oriental", que carrega consigo muita sabedoria, sem dúvida; não pode ser classificada como racionalização do pensamento, não é acadêmica, não é estudada nas escolas na disciplina de filosofia.

Quando estudado, o conhecimento filosófico antes dos gregos, poderia apenas ser enquadrado como especulação metafísica - esta última um  segmento da filosofia que aborda aquilo que não é tangível, concreto ou palpável, assunto para ser discutido mais adiante em outro texto.

O contexto histórico do nascimento da filosofia.
Agora que já entendemos o que significa o termo "filosofia", apesar de autoexplicativo, é necessário aprofundar nosso conhecimento para visualizar o conceito com maior clareza.
Conhecer o contexto histórico do nascimento da filosofia é essencial para continuar percorrendo este caminho.
Embora seja atribuído a Pitágoras a criação da palavra, ele não foi o primeiro filósofo, em simultâneo, outros estavam inovando.
A filosofia surgiu bem próxima do local de nascimento de Pitágoras, a ilha de Samos, sendo fruto de um contexto comum entre várias das primeiras civilizações na antiguidade que, no entanto, assumiu características especificas na Grécia.
A maior parte dos filósofos gregos estavam concentrados na parte continental da Grécia, mais especificamente em uma das colônias no que atualmente é a Turquia, a cidade de Mileto. 
Ali nasceram três pensadores que começaram a questionar explicações que usavam mitos para embasar a argumentação: Tales, Anaximandro e Anaxímenes.
Ao mesmo tempo, em toda a Grécia, outros também iniciaram as primeiras tentativas de racionalizar o entendimento de tudo que os rodeava; mas como não havia ainda escrita, o registro de seus nomes e propostas não chegaram até nós.
Portanto, a invenção da filosofia pode ser atribuída ao conjunto da humanidade, sendo fruto de um contexto histórico do desenvolvimento civilizacional grego.
Por mais estranho e contraditório que possa parecer, a filosofia nasceu a partir da escravidão, tal como estava configurada entre a maioria dos povos da antiguidade.
A escravidão não tinha nenhum vinculo com o contexto étnico ou racial, isto só aconteceu na Idade Moderna, depois do inicio da colonização europeia da África e América no século XV e XVI.
Na antiguidade, tornavam-se escravos os prisioneiros de guerra e os devedores que não tinham como pagar suas dividas; independente de origem étnica-racial, geográfica, religiosa ou qualquer outro componente de diferenciação.
Organizados ao redor de lideranças que controlavam as Cidades-Estado, as disputas por recursos naturais eram muito comuns neste período, resultando em alianças e guerras brutais e constantes entre vizinhos. 
A Cidade-Estado não é uma instituição exclusiva dos gregos, praticamente todas as civilizações da antiguidade nasceram em torno desta unidade política, econômica e social geograficamente delimitada; que tinha como núcleo um centro urbano soberano e independente de outros ao seu redor. 
Em outras palavras, inicialmente, quando surgiram, cada cidade funcionava como um pequeno país e, depois, em alguns casos foram evoluindo para formas de governo unificadas em torno de um governante a quem se atribuía características divinas.
Este foi o caso do Egito, por exemplo, mas não da Grécia; que permaneceu fragmentada em Cidades-Estado devido ao seu litoral recortado e geografia acidentada (pequenos espaços de planície ligados ao mar mediterrâneo, cercados por morros e penhascos).
Estas populações isoladas, desenvolveram-se a partir de povos distintos e sucessivas invasões, onde os conquistadores escravizaram parte dos habitantes originais, mas também assimilaram sua cultura.
É por isto que, apesar de isolados em territórios compartimentados, os gregos construíram uma civilização, mesmo sendo politicamente fragmentada, baseada na mesma língua e cultura.
No entanto, a origem distinta fez as Cidades-Estado passarem a rivalizar entre si por zonas de pesca, pasto e produção agrícola; mantendo um certo intercâmbio diplomático e comercial, construído em nome de interesses em comum que facilmente desapareciam ao menor desentendimento.
Neste contexto, as muitas disputas entre cidades, geravam prisioneiros de guerra que eram transformados em escravos dos vencedores.
As rivalidades não eram apenas entre povos, havia também divisões internas, segmentação pela origem familiar, proximidade de parentesco com o patriarca (este, o homem mais velho, fundador da família) e a riqueza.
Esta divisão resultou em uma distribuição desigual na posse de terras e controle dos recursos, enquanto uma minoria enriqueceu, a maioria foi empobrecendo. 
Aqueles que não tinham a posse de terras passaram a trabalhar para os ricos, em troca de um pagamento que permitisse a sobrevivência, depois foram se endividando e se tornaram escravos.
Quando alguém não tinha dinheiro e nem como obtê-lo através do seu trabalho, podia pegar um empréstimo dando a esposa e filhos como garantia de pagamento.
Caso não pagasse a divida, o devedor tinha sua família escravizada e podia ele mesmo se tornar escravo.
Exatamente por este motivo, as pessoas que não tinham posses eram chamadas de proletários, cujo significado é “aquele que possui como posse sua prole", seus filhos e esposa.
O chefe da família tinha como sua propriedade o restante dos familiares mais próximos, contando com eles para gerar renda através do seu trabalho.
Na Grécia Antiga, conforme os trabalhadores livres foram desaparecendo, substituídos por endividados escravizados e prisioneiros de guerra; aqueles que possuíam estes escravos começaram a atribuir tarefas não apenas meramente braçais e domésticas aos escravizados, usando escravos de confiança para administrar suas propriedades e organizar o trabalho de outros escravizados.
Tendo escravos para fazer todos os trabalhos possíveis, os ricos puderam se permitir o ócio, que se transformou em símbolo de status, prestígio social, praticado pela minoria da população grega.
Em nossos dias, o termo "ócio" é sinônimo de repouso, um momento sem atividade alguma, em que estaríamos parados sem fazer nada, ociosos.
Entre os gregos o ócio tinha outro significado, era um tempo dedicado a reflexão, a trabalhar somente com a mente, sem um propósito utilitário, não destinado a produzir algo palpável; mas sim ideias, questionando a forma como o mundo era entendido e explicado através dos mitos.
Até o surgimento da filosofia, as opiniões eram de senso comum, crenças coletivas baseadas nas aparências, sem correspondência com a racionalização do entendimento humano.
Isto só mudou a partir do momento em que alguns poucos privilegiados, no caso os cidadãos das Cidades-Estado gregas, graças ao trabalho escravo, passaram a gozar de tempo livre para pensar, refletir sobre o mundo a sua volta.
Como os escravos até mesmo administravam as fortunas de seus senhores, passou a sobrar tempo para os ricos pudessem admirar o mundo e investigar o que existia por trás das aparências, constituindo o que depois passou a ser chamado de "ócio filosófico" ou "criativo".

Filosofia e atitude crítica.
A filosofia grega inaugurou, pela primeira vez na história da humanidade, uma atitude crítica com relação àquilo que se acreditava ser inquestionável: as explicações fornecidas pelas crendices perpetuadas pela tradição oral, que hoje chamamos de senso comum, e que para os gregos eram os mitos.
Devemos notar que estas opiniões não foram todas questionadas, imediatamente, quando surgiram os primeiros filósofos. 
A criticidade humana, que deu origem a ciência moderna, nasceu a partir da filosofia em um processo lento e gradual que demorou séculos.
Na antiguidade, os mitos forneciam explicações sobrenaturais para aquilo que a razão não conseguia compreender. 
É curioso notar que, ainda hoje, em plena era da informação, com conclusões cientificas acessíveis com um simples toque do dedo na tela do celular; alguns segmentos populacionais continuam acreditando nos mitos, recusando-se a enxergar o mundo a luz da razão.
Além disto, entre os gregos, os mitos normatizavam a vida em sociedade, fornecendo um código de ética primitivo ao demonstrar as pessoas como se comportar através de lições transmitidas de geração em geração.
O que, antes da modernidade, tinha grande utilidade coletiva, permitindo a vida harmônica em sociedade, condicionando comportamentos e formas de pensar (mentalidades).
O mito de Édipo, por exemplo, aquele no qual o filho se apaixona pela mãe, sem saber seu real grau de parentesco, acaba em tragédia; servindo para demonstrar que relações incestuosas podiam acabar mal.
Já o mito de Narciso, que teria se apaixonado pela própria imagem refletia em um lago e se afogado; simbolizava como a vaidade poderia acabar em tragédia.
Os mitos, de certa forma, foram se perpetuando e condicionando a maneira de pensar de toda a humanidade; estando presente inconscientemente no condicionamento do comportamento de todos nós.
Razão pela qual Freud, no século XIX, nos primórdios do que depois seria chamado de psicologia; usou a mitologia greco-romana para estudar o funcionamento da mente, os impulsos que nos levam a agir desta ou daquela forma.
Quando a filosofia surgiu na Grécia Antiga, não existia o que chamamos atualmente de ciência, os mitos eram ordenadores do mundo, explicando todos os fenômenos e condicionando comportamentos não apenas inconscientes, serviam até mesmo para sustentar a argumentação das leis.
Ao questionar os mitos, os primeiros filósofos passaram a procurar por um elemento ordenador racional, algo que se opusesse ao Kaos, a desordem.
Eles procuravam entender o Kosmos, o mundo (tudo que existia), através de um principio organizador. O que os gregos chamaram de Arkhé, aquilo que está a frente, que governa tudo.
O mundo seria como uma grande orquestra, a qual escutamos, ouvimos a música, sem conseguir ver quem está tocando os instrumentos e quais seriam estes. 
Esta orquestra invisível seria o Kosmos, que teria um regente, um maestro, o Arkhé. A ideia era visualizar este organizador da orquestra para, depois, desvendar quais instrumentos estariam sendo usados para produzir o som da música e quem estaria tocando cada um deles.
O que conduz, inclusive, a outras indagações, como qual som emite cada instrumento, como este som se combina com outros para compor a melodia, quem fez os instrumentos, como foram feitos, etc.
Esta analogia permite entender uma das características da filosofia: o desdobramento de uma pergunta em várias outras e assim por diante, infinitamente.
Visto que a filosofia nasceu com a intenção de recusar explicações simplistas de senso comum, pretende desvendar o que está por trás das aparências usando a racionalização; e, obviamente, uma pergunta conduz a inúmeras outras.
Responder estas questões, que vão se desdobrando em outras, foi o trabalho da vida dos filósofos; os quais, literalmente, levaram toda a vida para contribuir com a construção do conhecimento de forma tímida.
A questão central que tirou o sono destes pensadores, no entanto, nos primórdios da filosofia na antiguidade, foi como encontrar o principio ordenador de tudo, buscando a verdade por trás das aparências.
Como entender o mundo racionalmente e alcançar a verdade? Como articular o pensamento racionalmente? São perguntas fundamentais que os gregos pensaram e que, também, permitem entender o que é a filosofia. No entanto, esta é uma temática para desvendarmos em outro texto.

Concluindo.
No inicio do texto, começamos um exercício mental que retomaremos agora, na ocasião tentamos imaginar e definir o que é filosofia.
Façamos novamente o mesmo esforço, responda o que é a filosofia para você, sem consultar o registro anterior.
Percorrido este pequeno trajeto introdutório, em que apenas começamos a entender o que é a filosofia, escreva o que pensa ser a filosofia. O que é filosofia para você com base no que aprendeu?
Agora compare sua resposta com o entendimento que registrou antes de ler este texto, certamente deve ter notado pelo menos algumas diferenças no seu entendimento.
A construção do conhecimento filosófico funciona exatamente assim, a cada passo o entendimento muda, fica mais complexo.
A filosofia busca desde seus primórdios encontrar a verdade, algo que até hoje não foi alcançado e talvez nunca seja; mas, a medida que avançamos, certamente, ficamos mais próximos da verdade.
O mais importante é que, em sua busca pela verdade, a filosofia inaugurou uma atitude crítica, essencial para evolução do conhecimento humano e para a vida de cada um de nós. 
Seja qual for à profissão ou ocupação, o mundo contemporâneo exige dos indivíduos senso critico, é necessário saber diferenciar as coisas para não ser enganado.
A passagem do senso comum para a criticidade é operada, justamente, pela filosofia, estimulando a reflexão e o questionando do que está por trás das aparências. 
Pensando no cotidiano de cada um de nós, a filosofia propõe rever os pré conceitos; aquilo que acreditamos ser, mas que não corresponde a verdade.
A filosofia elimina o achismo e torna as opiniões mais embasadas e sistematizadas, possibilitando racionalizar o entendimento de tudo que nos rodeia.
O que cria o que Marilena Chauí chamou de “atitude filosófica”: a substituição de afirmações por indagações, ajudando a enxergar além das aparências.
Não bastasse esta função prática, a filosofia ajuda, também, a pensar de forma lógica, com maior coerência, possibilitando formular o discurso de maneira clara.

Para saber mais sobre o assunto.
GHIRALDELLI JR. Paulo. História da Filosofia: dos pré-socráticos a Santo Agostinho. São Paulo: Contexto, 2008.
GOLDSCHMIDT, V. “Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos sistemas filosóficos” In: A religião de Platão. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1963, p.139-147.
LALANDE, André. Vocabulário técnico e critico da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
PRADO JR, Caio. O que é filosofia? São Paulo: Brasiliense, 1997.