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Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Editorial Volume 2017-1.


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 8, Volume jul., Série 31/07, 2017.

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.

Este editorial foi escrito em 04 de julho de 2020 e publicado em data retroativa.

Estivemos durante seis anos inativos, atendendo ao apelo de alguns leitores, em julho de 2020, iniciamos a atualização da Revista, o que exigiu a recuperação da periodicidade.
Iniciada em 13 de agosto de 2010, com frequência mensal de publicação, a periodicidade passou a ser semestral em 2013, com 2 edições anuais: uma em julho e outra em dezembro.
A Revista foi criada com o despretensioso o objetivo de divulgação de reflexões e da pesquisa do editor; no entanto, inesperadamente o número de acessos tornou-se elevado, atingindo 5 milhões de acessos em 2016.
A partir deste estímulo, convidamos renomados colegas de profissão a compor um conselho editorial, dentre os quais Mary Del Priore, que também começaram a publicar sua produção.
No seu segundo mês de existência, obtivemos o registro do ISSN como publicação técnico-científica, outorgado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia.
Em seguida, a Revista foi indexada pelo Latindex, IBICT, CNEN e LivRe; representando o reconhecimento acadêmico internacional.
A partir de então, começamos a receber colaborações de autores não vinculados ao conselho editorial, mais de 90 autores publicaram artigos entre 2010 e 2015.

As edições de 2015 haviam sido parcialmente publicadas, contando com a participação de um membro do conselho editorial.
Em julho de 2020 iniciamos a retomada da revista completando estas edições e publicando os dois volumes de 2016, com textos do editor, os quais estavam represados.
Agora oferecemos aos leitores o volume 1 de 2017, publicado retroativo, também com textos do editor.
A razão de utilizar apenas artigos de divulgação do editor é o fato de que, durante os anos inativos, o e-mail da Revista foi descontinuado, infelizmente perdemos todos os textos submetidos à análise, que estavam armazenados no provedor do endereço eletrônico.
Aqueles que haviam enviado textos para possível publicação, que aguardavam retorno, caso ainda tenham interesse em publicar, podem enviar o material novamente pelo novo e-mail.


Pedimos desculpas pelo inconveniente, mas não foi possível recuperar o material.
Para preencher as edições descontinuadas, entre 2017 e 2020, estamos abertos a colaborações.
Lembramos que “Para entender a história” possuí registro através do ISSN, reconhecido e referendado pelo CNPQ, com indexação internacional, os textos publicados podem ser incluídos no Currículo Lattes e pontuam em concursos de ingresso e progressão na carreira acadêmica, respaldado por lei.

A partir das edições de 2016, algumas alterações na diagramação foram realizadas, como o rol dos ex-membros do conselho editorial, antes localizado na coluna à direita após os membros atuais, que desceu para o rodapé da página, na coluna da direita, depois do índice de volumes publicados.
O núcleo estruturante do conselho editorial contínua o mesmo, aqueles que fundaram a Revista junto com o editor estão presentes; mas tivemos algumas alterações, membros que não fazem mais parte do grupo estão citados no rodapé, muitos dos quais perdemos contato nestes anos de inatividade.
A razão para estas alterações na diagramação foi à necessidade de reservar espaço para propaganda de patrocinadores, os quais estamos tentando obter.
Caso algum leitor se interesse em patrocinar a Revista, pode entrar em contato através do novo e-mail de contato: submissaoparaentenderahistoria@gmail.com
Por enquanto, já obtivemos uma resposta do Google, que vai monetarizar a Revista em breve, com inserção de anúncios.
Nesta edição temos, igualmente, alterações de ordem estética, possibilitadas pela evolução das ferramentas disponibilizadas na plataforma.
A foto do autor do artigo agora fica centralizada, com o nome e vinculação anexado na foto, incorporado como legenda.


Nesta edição, apresentamos 4 textos de autoria do editor:

1. A carência do solo e a indústria da pesca em Portugal: em busca de recursos na época dos descobrimentos.

2. Portugal na rota das especiarias antes da descoberta do caminho atlântico para a Índia.

3. A busca dos portugueses pelo Prestes João no contexto quinhentista: um aliado em potencial contra os infiéis.

4. A ascensão da dinastia de Avis e sua contribuição para a expansão ultramarina portuguesa.


Agradecemos a todos que tornaram Para entender a história... uma referência.

Obrigado leitores, seguidores e colaboradores!

Boa leitura.



domingo, 9 de julho de 2017

A ascensão da dinastia de Avis e sua contribuição para a expansão ultramarina portuguesa.


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 8, Volume jul., Série 09/07, 2017.

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.


1. Introdução.
Não por acaso, as viagens de exploração terrestre, em busca do Prestes João, foram intensificadas no século XIV, pois foi justamente por esta época que ascendeu ao poder a dinastia de Avis; o que faltava para eliminar os últimos entraves à expansão ultramarina.
Depois de um período conturbado; que envolveu três guerras com Castela, entre 1369 e 1382, motivadas por disputas sucessórias ao trono espanhol ao qual candidatou-se o monarca português e por questões políticas envolvendo a França e a Inglaterra; o rei D. Fernando faleceu em 1383.

A batalha de Aljubarrota – TripSeek News
Batalha de Aljubarrota em 14 de agosto de 1385.

Deveria sucedê-lo a Infanta D. Beatriz, porém, poucos meses antes ela havia casado com o rei de Castela, por conta de um acordo que pôs fim a terceira guerra luso-castelhana.
Ocorre que as cláusulas do acordo previam que o filho de D. Beatriz sucedesse seu pai e não ela, o que deveria se dar quando este tivesse catorze anos, quando herdaria o trono de Portugal; mas não a coroa de Castela, já que o monarca castelhano tinha filhos de um casamento anterior, a quem recaia a primazia.
Por conta desta situação, principalmente devido a conhecida cobiça castelhana sobre Portugal, parte da nobreza e o restante da população não aceitaram a aclamação de D. Beatriz como rainha.
Uma vez que esta não tinha filhos e não havia sinal de que pudesse vir a ter algum em breve.
Assim, desencadeou-se a Revolução de Avis, mais que uma simples rebelião, simbolizava o rompimento com os resquícios medievais que atravancavam o comércio e a expansão ultramarina.
Possibilitaria o pioneirismo que garantiria ao país a primazia sobre exploração marítima e conduziria a abertura da rota atlântica da Índia.

2. Fruto do amor de Pedro e Inês.
O infante D. João era filho do caso de amor entre D. Pedro I e Dona Inês de Castro, esta última assassinada por ordem do próprio pai de Pedro, por pertencer a uma família galega, uma vez que se temia a influência da Galícia sobre o Estado português quando este assumisse a Coroa.
O infante Pedro de Portugal, herdeiro do trono, apaixonado, casou-se em segredo com a prima Inês, uma nobre da Galícia, sem autorização do pai, o rei D. Afonso IV.
Depois de viverem casados em segredo por alguns anos, já com 4 filhos (Afonso - 1346, que morreu pouco depois de nascer -, João -1349 -, Dinis - 1354 - e Beatriz - 1347); o rei descobriu a união, anulou o casamento e fez o filho se casar com outra mulher de sua escolha.
Mais tarde, quando Pedro já parecia conformado e estava casado com a escolhida do pai; o rei descobriu que o filho continuava se encontrando com Inês e que tinha uma família com ela; mandou encontrar o esconderijo e assassinar Inês.

O Assassínio de Inês de Castro (Briullov) – Wikipédia, a ...
O assassinato de Inês de Castro em 7 de janeiro de 1355.

Pedro moveu uma guerra contra o pai e tornou-se o novo rei, coroando a esposa falecida como rainha e realizando a cerimônia de beija mão com o cadáver, obrigando todos os nobres do reino a prestar juramento a rainha morta.
Os filhos com Inês foram poupados da guerra entre pai e filho, porque eram considerados bastardos aos olhos da justiça; sobreviveram e receberam, posteriormente, títulos da baixa nobreza; cabendo a João a mercê de Mestre da Ordem Militar de São Bento de Avis.

Was a Portuguese Queen Really Exhumed for her Coronation ...
A coroação de Pedro I e o beija mão da rainha morta em 1361.

No entanto, existe uma controvérsia quanto a maternidade de D. João, pois algumas fontes afirmam que o Mestre de Avis era filho de D. Pedro com a filha de um comerciante, com quem se relacionou após a morte de Dona Inês; e que o filho desta última era outro João, que teria assassinado a esposa e falecido na prisão na Espanha.
Mas outras fontes dizem que o Mestre era filho de Inês de Castro, por isto mesmo amado pelo povo como o fora seu pai.
Uma terceira hipótese levanta a possibilidade de que o Mestre não era filho de Inês, mas se aproveitou da confusão reinante já na época para assumir esta posição, obtendo apoio do povo miúdo para subiu ao trono após a morte do meio irmão, o rei D. Fernando.
O fato é que, filho de Inês ou de outra mulher, reconhecidamente ilegítimo de D. Pedro e meio irmão do rei D. Fernando; D. João substituiu a dinastia de Borgonha pela de Avis, através de uma Revolução da nobreza, apoiada pela maioria da população lusitana, que durou de 1383 até 1385.

3. A Revolução de Avis.

Depois da morte do rei D. Fernando, a nascente burguesia lusitana, em geral envolvida com os intermediários italianos no comércio de especiarias, enxergava na regência de D. Leonor Teles a continuidade da orientação política do reinado anterior.
Antes de morrer, o rei insistia em manter uma taxação de cunho medieval, permitindo aos seus vassalos também cobrassem seus próprios impostos, o que prejudicava os interesses da burguesia, então já imensamente mesclado com a baixa nobreza em Portugal.
Ao mesmo tempo, a alta nobreza presumia que a independência de Portugal estaria ameaçada, caso Leonor não tivesse filhos.
Enquanto os camponeses ansiavam que o filho de D. Pedro subisse ao trono, isto por ser o dito D. Pedro muito popular entre a arraia miúda e por recair sobre ele toda uma aura mítica.
A Revolução começou em Lisboa, com o assassinato do conde de Andeiro por representantes da burguesia.
O golpe foi apoiado pelo povo miúdo, ao passo que o Mestre da Ordem militar de Avis, foi aclamado rei D. João I.
Resumo Abstract
O túmulo de D. João I e Dona Filipa
no Mosteiro de Batalha.
Nem todos aceitaram pacificamente o golpe, a população ficou dividida e os castelhanos chegaram a cercar Lisboa, forçando D. João I a fugir.
Foi buscar apoio na Inglaterra, selando um tratado de amizade com aquele país por meio de seu casamento com D. Filipa de Lancaster, filha de um duque que se tornaria rei da dita Inglaterra.
Apesar de casados por conveniência, viveriam um grande caso de amor, como demonstra o simbolismo do túmulo do casal no Mosteiro da Batalha; onde se pode observar os dois de mãos dadas.
Após várias batalhas travadas entre 1383 e 1385, o exército do rei de Castela, apoiado pela cavalaria francesa, foi derrotado por tropas portuguesas e inglesas na batalha de Aljubarrota em 14 de agosto de 1385.
A partir de então, combates continuaram a ser travados até 1411, mas sob o comando de Nuno Álvares Pereira, as tropas lusas estiveram sempre em vantagem, garantindo definitivamente a independência de Portugal, ao menos até a União Ibérica em 1580.

4. Concluindo.
D. João I foi o monarca que mais contribuiu para a centralização do poder político em Portugal, que, embora já se encontrasse concentrado nas mãos do rei desde D. Afonso Henriques, foi reforçado em torno da Coroa.
Um controle mais rígido sobre a nobreza foi implementado, sobretudo, porque parte dela havia tomado o partido castelhano em beneficio da manutenção da velha dinastia de Borgonha.
Apesar de medidas em favor dos camponeses, implantadas no início, que na prática acabaram com a servidão em território português; a burguesia foi quem mais se beneficiou.
A nova dinastia incentivou o comércio, passou a construir um Estado mercantil desde então.
Muitos mercadores foram agraciados com o título de cavaleiro, passando a compor uma nova nobreza, vivamente interessada em atividades comerciais, que substituiu os nobres que apoiaram os Borgonha na guerra.
Resolvida a questão da independência portuguesa frente à Castela e renovada a nobreza, diante da tradição marítima acumulada pela indústria da pesca, da geografia favorável e da necessidade de buscar no mar o que o solo não podia suprir; sob o governo de D. João I, a cruzada contra os infiéis foi retomada.
João I de Portugal – Wikipédia, a enciclopédia livre
D. João I, Mestre da Ordem Militar de Avis.
Constituiu uma forma de direcionar a belicosidade da velha nobreza, que estava enfraquecida, mas ainda ativa; assim, afastando da tentação de remover do poder a dinastia de Avis.
Simultaneamente, foi aberto caminho aos mercadores que compunham a nova nobreza em formação para expansão dos seus negócios, eliminando os italianos do comércio de especiarias via Mediterrâneo, no qual já estavam envolvidos como intermediários, vendendo produtos para o norte da Europa.
Os lusos voltaram sua atenção para o norte da África, dando início a expansão ultramarina.
O próprio filho do rei, o infante D. Henrique, foi encarregado de organizar a empreitada em nome do Estado.
Apesar de vários fatores terem estimulado e empurrado os portugueses em direção ao seu destino, antes que a exploração da costa africana se tornasse possível, alguns obstáculos tiveram que ser contornados.
Entre eles, o imaginário popular, a falta de recursos financeiros e de voluntários dispostos a rumar ao desconhecido e outras questões técnicas; mas estes são temas para outras ocasiões.

5. Para saber mais sobre o assunto.
RAMOS, Fábio Pestana. No tempo das especiarias. São Paulo: Contexto, 2006.
RAMOS, Fábio Pestana. O apogeu e declínio do clico das especiarias: 1500-1700. Volume 1: Em busca de cristãos e especiarias. Santo André: FPR/PEAH, 2012.
RAMOS, Fábio Pestana. Por mares nunca dantes navegados. São Paulo: Contexto, 2008.




sábado, 8 de julho de 2017

A busca dos portugueses pelo Prestes João no contexto quinhentista: um aliado em potencial contra os infiéis.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 8, Volume jul., Série 08/07, 2017.

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.

Quando Vasco da Gama chegou à Índia, passando por uma cidade ao norte de Calecute (atual Calcutá), chamada Pantalayini-Kollam, no dia 21 de maio de 1498; fez desembarcar um degredado de nome João Nunes, que foi interpelado por dois muçulmanos tunisianos que sabiam falar castelhano e genovês; o diálogo que se seguiria sintetizaria o que estava por vir e os reais objetivos lusitanos.
O degredado ouviu dos muçulmanos a seguinte saudação:

            Ao diabo que te dou; quem te trouxe cá?
            E perguntaram-lhe o que vínhamos buscar tão longe.
            E ele respondeu: Viemos buscar cristãos e especiarias..

A consolidação da presença lusitana no Oriente constituiria um verdadeiro inferno para os nativos, as palavras de João Nunes sintetizam perfeitamente a mentalidade lusitana da época.
Os portugueses haviam concentrado seus esforços em direção ao mar Tenebroso, não só em busca de especiarias, mas antes, também, em busca de cristãos.
Neste sentido, a palavra descobrir não era usada no sentido de achar algo desconhecido, mas de encontrar o perdido que os antigos já conheciam; portanto, significava redescobrir, reencontrar, terras que se sabia da existência, cujo caminho marítimo havia sido perdido através dos tempos.
O objetivo da epopeia lusitana, tomando por base a acepção moderna da palavra, era achar, não descobrir propriamente.
Embora os lusos houvessem se lançado à aventura marítima em busca do lucro, buscavam também aliados em sua luta contra os infiéis.
Dentro deste contexto, a lenda das terras do Prestes João, um poderoso Reino cristão situado entre a Etiópia, a África Oriental e a Índia, exerceu forte atrativo para os portugueses.
O mítico reino era visto como um aliado em potencial, fascinando o imaginário popular e estimulando a rumar cada vez mais longe nas explorações marítimas, sempre esperando encontrar o Prestes ao dobrar da esquina.
Os relatos que chegaram a Portugal, através de monges e peregrinos, por volta de 1402, pintavam o reino com cores muito atrativas.
As versões mais extravagantes da lenda davam conta que comiam a mesa de esmeraldas do soberano 30.000 pessoas, sentando-se ao seu lado direito trinta arcebispos e ao seu lado esquerdo vinte bispos.
Mais tarde, a existência deste reino acabou sendo confirmada, porém, praticava um tipo de cristianismo próximo ao ortodoxo bizantino e era ainda mais pobre do que Portugal.
Quanto ao relato de Marco Polo, circulou mais entre os espanhóis do que entre os portugueses; em Portugal o relato de caráter mítico de maior circulação foi o do Prestes João.
Na verdade, confluíram dois mitos diferentes que, muitas vezes confundidos, exerceram grande estímulo na busca da Índia.
Antes da chegada do mito do Prestes João em Portugal, circulava desde muitos séculos na Península Ibérica a lenda dos cristãos de São Tomé, uma comunidade fundada pelo próprio apóstolo no Oriente, que remontava ao início do cristianismo.
Segundo consta, toda velha tradição sobre São Tomé teria sido divulgada por meio das apócrifas Atas de Tomé, um tratado gnóstico escrito em siríaco, um dialeto aramaico do início do século III.
Apenas fragmentos das Atas sobreviveram até nossos dias, não passando de revisões católicas do texto gnóstico; deixando pouco espaço para observar sua doutrina original.
Um texto que nasceu em Edessa, atual Urfa, no sul da Turquia; pela altura, o centro da cristandade siríaca e, mais tarde, base da heresia nestoriana.
No ano 430, tornou-se uma seita que seguia os ensinamentos de Nestório, Patriarca de Constantinopla, originando o cisma da Igreja bizantina.  
O que circulou em Portugal, foi a versão de que, após a crucificação, os apóstolos distribuíram entre si as diferentes partes do mundo para desenvolver missões de conversão.
A Índia teria sido atribuída a Tomé, que, relutante em partir da Palestina, argumentou que seu estado de saúde não era adequado a grande jornada que o aguardava e que só sabia falar hebraico.
Depois de uma aparição de Jesus para ela, teria sido vendido pelo próprio Messias como escravo a um mercador indiano chamado Habban; que tinha sido enviado à Palestina pelo seu senhor, o rei Gondofares, em busca de um mestre carpinteiro para construir o seu novo palácio.
As atas dão conta de que Tomé foi encarregado de construir o palácio, tendo-lhe o rei dado, para a tarefa, uma grande quantia.
Ao invés de utilizar os recursos na construção do palácio, distribuiu tudo aos pobres, o que enfureceu o rei, que teria mandando açoitar e prender Tomé.
Neste mesmo dia teria morrido de desgosto o irmão do rei Gondofares, chamado Gad, supostamente de desgosto ao ver este desperdício de bens.
Na sua subida ao céu, Gad viu um belíssimo palácio que lhe disseram pertencer a Gondofares e ter sido construído por Tomé; o irmão do rei pediu permissão a Deus para regressar a Terra.
Em um sonho, Gad teria informado Gonsofares da magnífica residência que o aguardava na vida seguinte; este, impressionado os acontecimentos milagrosos, libertou Tomé e converteu-se ao Cristianismo, juntamente com muitos dos seus súditos.
Depois do ocorrido, Tomé foi convidado para o reino de outro governante indiano chamado Mazdai; onde converteu a rainha Tertia e o seu filho Vizan e pregou o celibato com tanta eloquência que Tertia negou seu leito a Mazdai.
O apostolo teria atraiu sobre si a ira do rei, que mandou quatro soldados armados de lanças para o matarem, em uma montanha dos arredores da cidade.
Morto, Tomé teria sido sepultado nos túmulos dos antepassados do rei Mazdai, por Visan, a quem havia anteriormente ordenado diácono, e por um indiano de chamado Sifur, a quem ordenará padre.
Mais tarde, a sepultura teria sido aberta, ao que se descobriu que os ossos tinham sido removidos por alguns dos seguidores do Santo.
Os quais os tinham retirado secretamente os ossos e levado para as regiões de volta para Edessa; ao passo que Mazdai teria se arrependido e, tal como Gondofares, abraçado o cristianismo, no que teria sido seguido por muitos dos seus súditos.
Existem provas arqueológicas que atestam a existência dos reis citados no período em que São Tomé teria supostamente vivido na Índia.
Relatos de cruzados e comentadores confirmam que cavaleiros cristãos teriam visitado o túmulo de São Tomé.
Pela tradição, um texto anónimo de 1122, intitulado “De adventum patriarchae indorum ad urbem sub Calixto Papa segundo”, seria de autoria do Patriarca João das Índias.
Este relatou que viajou para Constantinopla, recebendo o pálio, símbolo de autoridade eclesiástica, de um Patriarca Ortodoxo grego.
Partindo da cidade, acompanhado por embaixadores papais, foi até a corte do Papa Calisto II, em Roma; levando consigo notícias de uma cidade de nome Hulna, capital de um reino indiano, situado em um rio chamado Phison, que era habitado exclusivamente por cristãos.
A comunidade praticava um cristianismo considerado herege pelos católicos, apesar de muitas das suas práticas não serem ortodoxas; segundo consta, nos arredores da cidade havia uma montanha no meio de um lago, na qual estava edificada a igreja de São Tomé e onde suas relíquias mortais estavam conservadas.
Neste local, pela altura do dia da festa de São Tomé, em 21 de dezembro, as águas do lago recuariam e os crentes reunidos na Igreja recebiam, milagrosamente, a Sagrada Eucaristia das mãos do Santo ressuscitado, que se recusava a administrá-la aos infiéis, aos hereges e aos pecadores.
Depois da festa, as águas regressariam e encheriam o lago de novo.
O nome Prestes João teria derivado do latim “Presbyter Iohannis”, cuja tradução literal é Sacerdote João; aparecendo pela primeira vez em uma carta falsificada do soberano enviada a Frederico Barba Roxa, forjada por Cristiano, arcebispo de Mogúncia.
Foi esta falsificação que circulou amplamente por Portugal, onde o Prestes era apresentado como um soberano poderosíssimo, servido por 1 patriarca, 12 metropolitas, 20 bispos, 7 reis, 60 duques e 365 condes.
Assemelhado a um nobre ligado por laços de suserania e vassalagem feudal, o Pretes comandaria um exército de 10.000 cavaleiros e 100.000 soldados.
Em seu reino não existiria mentira nem qualquer forma de malícia, e, no leito dos rios de seu território, haveria pedras preciosas enormes, possuindo suas águas o poder de curar todas as enfermidades.
Estas informações fantasiosas, misturadas com uma transmissão oral, durante toda a Idade Média, confluindo com a lenda do Prestes João, enraizaram no imaginário popular ibérico uma imagem paradisíaca de um reino vasto, rico e poderoso, que poderia tornar Portugal um grande Império.
Na realidade, os cristãos da Índia existiam em número reduzido, no seio de comunidades segregadas, vivendo isoladas nas montanhas.
Quando foram encontrados pelos portugueses no século XVI, terminariam se mostrando úteis à fixação de entrepostos comerciais.
De qualquer forma, os lusos, mesmo antes de iniciarem suas explorações marítimas, buscaram alcançar os cristãos do Oriente, enviaram diversas expedições terrestres à terra das especiarias.
Segundo um índice cronológico anônimo, onde constam informações compiladas de cronistas da época e recolhidas da tradição oral, pertencente ao acervo da Biblioteca Nacional de Lisboa, impresso em 1841; antes do século XVI, os portugueses enviaram expedições terrestres em busca do Prestes.
O documento afirma que havia na Europa, desde o século XII, uma ideia vaga e confusa de um príncipe cristão muito poderoso nas terres do longínquo Oriente.
Buscando alcançar estas terras, os reis de Portugal mandaram, inicialmente, missionários e, depois, embaixadores.
Estes teriam conseguido estabelecer contato terrestre com a Pérsia, Tartária e China.
A busca se intensificou no século XIV, sobretudo, valendo-se de mercadores judeus conhecedores do idioma árabe, acompanhados de missionários cristãos.
Estas embaixadas alcançaram tal sucesso que, mesmo depois de iniciada a busca de um caminho marítimo para a Índia, pela altura em que Bartolomeu Dias, em 1486, foi enviado para explorar a África; expedições terrestres continuaram em busca do Prestes, alcançando o Cairo e Jerusalém.
Ao mesmo tempo em que o mito do Prestes João, em confluência com os lendários cristãos de São Tomé; estimulou as explorações ultramarinas, servindo até mesmo para vencer a resistência da alta nobreza lusitana as navegações rumo além-mar; facilitou a penetração portuguesa na Índia.
O Infante D. Henrique nunca criou uma escola de navegação em Sagres, mas usou estes relatos fantasiosos para mudar a imagem negativa no imaginário popular sobre do mar Tenebroso.
O conhecimento prévio das rotas comerciais e das relações de poder entre os soberanos na Índia, transmitido pelos olheiros enviados pela Coroa, facilitou a penetração lusitana no milenar comércio de especiarias, desde séculos, controlado por mercadores muçulmanos.
Talvez os portugueses nunca tivessem chegado ao Oriente e, nem tampouco, as viagens marítimas alcançado um rápido ritmo; não fosse o poder régio ter investido em explorações terrestres que buscaram cristãos e especiarias.
Não obstante, a expansão por mares nunca dantes navegados só foi possível com a subida ao trono português da dinastia de Avis, apesar de vários fatores terem confluído neste sentido; mas este é um assunto para outra ocasião.

Para saber mais sobre o assunto.
RAMOS, Fábio Pestana. No tempo das especiarias. São Paulo: Contexto, 2006.
RAMOS, Fábio Pestana. O apogeu e declínio do clico das especiarias: 1500-1700. Volume 1: Em busca de cristãos e especiarias. Santo André: FPR/PEAH, 2012.
RAMOS, Fábio Pestana. Por mares nunca dantes navegados. São Paulo: Contexto, 2008.



domingo, 2 de julho de 2017

Portugal na rota das especiarias antes da descoberta do caminho atlântico para a Índia.


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 8, Volume jul., Série 02/07, 2017.


Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.


Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.

Muito antes do início da intermediação levada a cabo pelas cidades italianas, dentro do contexto da ocupação de extensas áreas da Península Ibérica pelos muçulmanos, mercadores do recém-criado Reino de Portugal, ainda com sua capital fixada em Guimarães, serviam de intermediários para abastecer o norte da Europa.
Os produtos comercializados no Império Bizantino chegaram às feiras de Champanhe, na França, percorrendo um longo caminho pelo mar Mediterrâneo e, depois, deslocados através facilitadores portugueses.
O transito de comerciantes lusitanos era facilitado aos súditos de D. Afonso Henriques, rei de Portugal, por suas origens ligadas a casa de Borgonha.
Mercadores que estavam inseridos no contexto da rota terrestre do Oriente até Constantinopla e, de lá, através do mediterrâneo até o norte da Europa, via Champanhe.
Tratava-se de um condado que foi reunido à coroa da França através do casamento de Joana de Champanha com Filipe, o Belo, que se tornar rei de França em 1285, sob o nome de Filipe IV; mas que manteve sua autonomia até 1328.
O qual prosperou garantindo a segurança dos burgueses em troca do pagamento de tributos, fazendo surgirem inúmeras feiras fixas que permitiam deslocar produtos até a Alemanha e além, atingindo terras russas e escandinavas.
Entretanto, ao mesmo tempo em que o comércio lusitano com o norte da Europa, via Champanhe, prosperou; no século XIII, as dificuldades de transporte por terra conduziram a abertura de rotas marítimas através dos portos portugueses.
Primeiro, pela cidade do Porto e, depois, por Lisboa; ao passo que os lusos passaram da posição de intermediários para distribuidores.
O que não significa que não tenham continuado existindo, embora de forma secundária, intermediários portugueses a lidar diretamente com produtos importados do Oriente e distribuídos por caminhos terrestres.
Pouco antes dos italianos e catalães estabeleceram-se como intermediários principais entre o Oriente e o Ocidente, colônias destes povos foram fixadas em vários pontos de Portugal.
Fundaram entrepostos, onde a mercadoria importada do Oriente era negociada com comerciantes lusos que se encarregavam de distribuí-la na Grã-Bretanha e no norte da Europa por meio de seus navios.
A tecnologia naval portuguesa já era a mais avançada da Europa, vinha se desenvolvendo devido à necessidade de combater os mouros e castelhanos, bem como por meio da prática da pesca em mar aberto.
Havia companhias italianas estabelecidas em Portugal desde o governo do rei D. Dinis, na metade do século XIII.
Depois viram os catalães, que rapidamente se tornaram os principais parceiros comerciais dos burgueses lusitanos.
Mesmo antes, havia comerciantes florentinos estabelecidos em Lisboa, ao que se seguiu depois a chegada de genoveses e milaneses.
A origem das razões destes acordos comerciais não foi somente a localização privilegiada de Portugal e o adiantado do desenvolvimento técnico náutico, embora estivesse relacionado a estes fatores também.
Desde 1370, existia grande atividade de piratas portugueses assaltando os navios mercantes destas nações no mediterrâneo, de forma que estabelecer tratados comerciais e usar esta gente como intermediários foi uma estratégia para evitar o assédio.
O comércio italo-português foi muito mais bilateral do que se poderia supor, para além da importação de especiarias, todo o tráfico com o estrangeiro tinha por base o vinho e azeite português, que servia como moeda de troca por outros produtos, depois vendidos ao resto da Europa.
Ao mesmo tempo em que mercadores portugueses distribuíam as especiarias intermediadas pelas cidades italianas, comercializavam, com o norte da Europa e com a Itália, o vinho e azeite produzido em território nacional.
Deixando seu escasso potencial agrícola ao relento, suprindo a necessidade de víveres através da pesca e da importação de vários produtos, dentre estes, principalmente trigo, em geral obtido na Alemanha.
Foi dentro deste contexto que D. Afonso Henrique, o primeiro rei de Porturgal, incentivou uma ação continuada de apoio às comunidades costeiras, no povoamento e nas atividades marítimas, concedendo inúmeros privilégios às chamadas “póvoas marítimas”.
Estas constituíam a coluna dorsal de atividades como a pesca, extração de sal, construção naval e comércio; resultando desta ação o desenvolvimento e fortalecimento de uma frota de pesca, comércio e militar.
A partir desta tradição, surgiu um corpo de marinhagem, de mestres construtores de naus e oficiais navais; criando as condições necessárias, em conjunto com os fatores, ao desbravamento de mares nunca dantes navegados.
A contribuição italiana ao incremento do potencial marítimo lusitano foi grande, graças ao contato direto com as cidades italianas de tradição comercial marítima, a modernização da frota militar portuguesa foi conduzida por um genovês, Manuel Pessanha, em 1317.
O contributo à cartografia e a marinhagem, por parte dos italianos, foi essencial ao início da exploração da costa africana e das ilhas atlânticas, bem como para o estabelecimento da Carreira da Índia, que seria financiada por comerciantes florentinos.
Não obstante, cresceu lentamente o sentimento e a necessidade de tentar eliminar os atravessadores italianos no comércio de especiarias.
Estimulado, entre outros fatores, pelos mercadores portugueses que continuaram a manter contato direto com cidades do Oriente, isto mesmo depois do estabelecimento oficial da cooperação comercial italo-portuguesa.
A burguesia mercantil lusitana, servindo a distribuição de especiarias pelo norte da Europa, pretendia buscar no mar Tenebroso uma passagem para a Índia.
Insere-se neste ponto, a contribuição da continuidade da cruzada contra os infiéis na vocação marítima portuguesa.
Responsável, junto com a questão comercial, pela busca do Prestes João, um mítico soberano de um Reino fixado na África, em quem os lusos acreditavam poder encontrar um aliado em potencial na luta contra os mouros; tema para outro texto.
A queda de Constantinopla, em 1453, terminou servindo de desfecho ao início de uma busca sistemática de um caminho que, via Atlântico e Índico, pudesse conduzir à terra das especiarias.
Antes que isto se tornasse possível, um longo e contraditoriamente rápido percurso precisou ser trilhado.

Para saber mais sobre o assunto.
RAMOS, Fábio Pestana. No tempo das especiarias. São Paulo: Contexto, 2006.
RAMOS, Fábio Pestana. O apogeu e declínio do clico das especiarias: 1500-1700. Volume 1: Em busca de cristãos e especiarias. Santo André: FPR/PEAH, 2012.
RAMOS, Fábio Pestana. Por mares nunca dantes navegados. São Paulo: Contexto, 2008.