Para entender a história... ISSN 2179-4111.
Ano 8, Volume jul., Série 01/07, 2017.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.
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Não obstante ao
fato de razões militares terem estimulado o aprimoramento da indústria naval,
foi também a carência do solo a responsável pelo desenvolvimento contínuo de
novas embarcações e técnicas de navegação, uma vez que desde cedo à indústria
da pesca assumiu importância estratégica no abastecimento das tropas e da população
civil.
Mesmo antes da
formação do Estado Nacional português, era nítida sua vocação agrária; no
entanto, suas terras estiveram sempre divididas entre o norte fértil e
superpovoado e o sul de clima quase oceânico.
Enquanto no
norte o solo possibilitava o cultivo de cereais, embora tal produção estivesse
baseada no minifúndio, caricaturado pelo dito anedótico de que, quando um homem
põe a vaca a pastar no seu prado, o excremento do animal cai no campo do
vizinho; no sul o solo era, como ainda é hoje, extremamente granítico,
possibilitando quase unicamente a produção de azeite de oliva e cortiça.
Além disto, de
norte a sul, produzia-se vinho, principal produto de exportação desde a época
da ocupação romana.
A agricultura
estava voltada, desde muito antes de Portugal passar a existir, à produção de
certos gêneros destinados a exportação, deixando o mercado interno
desabastecido e obrigando o território a importar grande número de gêneros
alimentícios.
Por ocasião da
guerra de reconquista, muitas vezes quando se fazia sentir a falta de gêneros
no norte cristão, a questão era solucionada através da pilhagem aos povoados e
cidades controladas pelos mouros.
O avanço das
fronteiras da cristandade tornava crescente a necessidade de víveres para
alimentar as tropas, sendo insuficientes os gêneros pilhados para abastecer as
hordas de peregrinos que se juntavam aos cruzados dia-a-dia.
A pesca surgiu
como único meio de alimentar os soldados e garantir um ganho extra aos
camponeses.
Consolidado o
domínio cristão sobre a Península Ibérica, a paz trouxe consigo a explosão
demográfica da população.
Mais uma vez a
pesca foi a saída encontrada para alimentar o povo, entretanto, para piorar a
situação, como no restante da Europa, Portugal viveu desde o século XV um êxodo
rural.
Muitos
camponeses passaram a migrar para as cidades em busca de melhores condições de
vida, superpovoando-as e esvaziando os campos.
Ao que veio
somar-se o advento da peste, que terminou por dizimar ainda mais a população
camponesa, acabando por empobrecer o país e trazer fome à nação.
A própria epopeia
marítima acabou por atrair um grande número de pessoas que, sonhando em
enriquecer, migraram em direção as cidades.
Esta mão de obra,
tão útil quanto necessária, sem a qual nada teria sido possível, devido a sua
migração para as cidades em busca da aventura marítima; terminou por esvaziar
ainda mais o campo e consequentemente empobrecer o país.
A maior parte
dos que embarcaram nunca retornariam a pátria, iriam perecer na Índia, entre
outros fatores, em grande parte graças à fome que haviam ajudado a gerar,
formando o que os lógicos chamam de círculo, círculo que nunca se quebraria, ao
contrário somente se agravaria.
Assim, desde
cedo, a necessidade de suprir civis e militares com peixe; fez com que os lusos
se aventurassem no mar, ao que muito contribuiu a posição favorável de Portugal
no globo para a adoção desta solução, em resposta a fome que imperava.
Neste sentido, a
atividade pesqueira, sobretudo da pesca de baleia, forçava as embarcações a se
afastarem da costa.
O que estimulou
o desenvolvimento da tecnologia de construção de embarcações em Portugal.
Ainda antes da
explosão demográfica do século XIV, agravada no século XV, a pesca proporcionou
um excelente laboratório de ensaio ao aperfeiçoamento da indústria naval.
Já em 1340,
existem documentos onde o rei concede a um mercador de Lisboa o direito de
pescar baleias desde a foz do Minho até a foz do Guadiana, por cinco mil libras
anuais.
O que pressupõe
que existissem na época embarcações, embora não tão aperfeiçoadas quanto às
caravelas, capazes de enfrentar alto mar e provavelmente impulsionadas exclusivamente
por velas.
A riqueza da sua
variedade tipológica e soluções arquitetônicas pode ainda hoje ser observada
nas zonas costeiras e ribeirinhas de Portugal.
Fato que nos
leva a supor que os pescadores não se limitavam a bordejar a costa portuguesa,
por esta época já iam ao norte de África, além de navegarem pelo canal da
mancha e norte da Europa.
Prova é que, em
1353, foram autorizados a exercerem comércio nas costas da Inglaterra e Bretanha,
em um tratado sancionou uma prática anterior.
Impulsionado
pela pobreza do solo, a navegação costeira e fluvial, devido a fins práticos,
terminou dando origem ao desenvolvimento de embarcações cada vez mais aperfeiçoadas.
Tamanha foi à
importância da pesca, no desenvolvimento de uma tradição marítima, que indícios
apontam para o fato da Ilha da Madeira e os Açores serem conhecidos dos
pescadores portugueses desde muito antes do descobrimento oficial destas ilhas.
Suspeita-se que
tenham realmente sido descobertas pelo menos um século antes da data oficial, o
que expressa à ousadia dos pescadores e a adiantada evolução da indústria
naval.
Todavia, não foi
somente graças à tradição pesqueira e a localização privilegiada de Portugal
que o pioneirismo foi possível.
Embora a
carência do solo e a indústria da pesca tenham contribuído para fomentar a
buscar um caminho para o Oriente através do Atlântico, ao possibilitar a
inserção dos portugueses dentro da rota das especiarias mediterrânica.
Então controlada
pelas cidades italianas, os postos lusitanos serviam como ponto de escola e,
dado o adiantado do desenvolvimento da arte náutica, foram convertidos em
intermediários desde a Idade Média.
Neste sentido, o
peso deste fator, no século XV, na obsessão da busca pelo caminho Atlântico até
a Índia, foi igualmente relevante; mas este é tema para outra ocasião.
Para saber mais sobre o assunto.
RAMOS, Fábio
Pestana. No tempo das especiarias.
São Paulo: Contexto, 2006.
RAMOS, Fábio
Pestana. O apogeu e declínio do clico das
especiarias: 1500-1700. Volume 1: Em busca de cristãos e especiarias. Santo
André: FPR/PEAH, 2012.
RAMOS, Fábio
Pestana. Por mares nunca dantes
navegados. São Paulo: Contexto, 2008.
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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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