Publicação brasileira técnico-científica on-line independente, no ar desde sexta-feira 13 de Agosto de 2010.
Não possui fins lucrativos, seu objetivo é disseminar o conhecimento com qualidade acadêmica e rigor científico, mas linguagem acessível.


Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

sábado, 1 de julho de 2017

A carência do solo e a indústria da pesca em Portugal: em busca de recursos na época dos descobrimentos.


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 8, Volume jul., Série 01/07, 2017.


Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.


Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.


Não obstante ao fato de razões militares terem estimulado o aprimoramento da indústria naval, foi também a carência do solo a responsável pelo desenvolvimento contínuo de novas embarcações e técnicas de navegação, uma vez que desde cedo à indústria da pesca assumiu importância estratégica no abastecimento das tropas e da população civil.
Mesmo antes da formação do Estado Nacional português, era nítida sua vocação agrária; no entanto, suas terras estiveram sempre divididas entre o norte fértil e superpovoado e o sul de clima quase oceânico.
Enquanto no norte o solo possibilitava o cultivo de cereais, embora tal produção estivesse baseada no minifúndio, caricaturado pelo dito anedótico de que, quando um homem põe a vaca a pastar no seu prado, o excremento do animal cai no campo do vizinho; no sul o solo era, como ainda é hoje, extremamente granítico, possibilitando quase unicamente a produção de azeite de oliva e cortiça.
Além disto, de norte a sul, produzia-se vinho, principal produto de exportação desde a época da ocupação romana.
A agricultura estava voltada, desde muito antes de Portugal passar a existir, à produção de certos gêneros destinados a exportação, deixando o mercado interno desabastecido e obrigando o território a importar grande número de gêneros alimentícios.
Por ocasião da guerra de reconquista, muitas vezes quando se fazia sentir a falta de gêneros no norte cristão, a questão era solucionada através da pilhagem aos povoados e cidades controladas pelos mouros.
O avanço das fronteiras da cristandade tornava crescente a necessidade de víveres para alimentar as tropas, sendo insuficientes os gêneros pilhados para abastecer as hordas de peregrinos que se juntavam aos cruzados dia-a-dia.
A pesca surgiu como único meio de alimentar os soldados e garantir um ganho extra aos camponeses.
Consolidado o domínio cristão sobre a Península Ibérica, a paz trouxe consigo a explosão demográfica da população.
Mais uma vez a pesca foi a saída encontrada para alimentar o povo, entretanto, para piorar a situação, como no restante da Europa, Portugal viveu desde o século XV um êxodo rural.
Muitos camponeses passaram a migrar para as cidades em busca de melhores condições de vida, superpovoando-as e esvaziando os campos.
Ao que veio somar-se o advento da peste, que terminou por dizimar ainda mais a população camponesa, acabando por empobrecer o país e trazer fome à nação.
A própria epopeia marítima acabou por atrair um grande número de pessoas que, sonhando em enriquecer, migraram em direção as cidades.
Esta mão de obra, tão útil quanto necessária, sem a qual nada teria sido possível, devido a sua migração para as cidades em busca da aventura marítima; terminou por esvaziar ainda mais o campo e consequentemente empobrecer o país.
A maior parte dos que embarcaram nunca retornariam a pátria, iriam perecer na Índia, entre outros fatores, em grande parte graças à fome que haviam ajudado a gerar, formando o que os lógicos chamam de círculo, círculo que nunca se quebraria, ao contrário somente se agravaria.
Assim, desde cedo, a necessidade de suprir civis e militares com peixe; fez com que os lusos se aventurassem no mar, ao que muito contribuiu a posição favorável de Portugal no globo para a adoção desta solução, em resposta a fome que imperava.
Neste sentido, a atividade pesqueira, sobretudo da pesca de baleia, forçava as embarcações a se afastarem da costa.
O que estimulou o desenvolvimento da tecnologia de construção de embarcações em Portugal.
Ainda antes da explosão demográfica do século XIV, agravada no século XV, a pesca proporcionou um excelente laboratório de ensaio ao aperfeiçoamento da indústria naval.
Já em 1340, existem documentos onde o rei concede a um mercador de Lisboa o direito de pescar baleias desde a foz do Minho até a foz do Guadiana, por cinco mil libras anuais.
O que pressupõe que existissem na época embarcações, embora não tão aperfeiçoadas quanto às caravelas, capazes de enfrentar alto mar e provavelmente impulsionadas exclusivamente por velas.
A riqueza da sua variedade tipológica e soluções arquitetônicas pode ainda hoje ser observada nas zonas costeiras e ribeirinhas de Portugal.

Fato que nos leva a supor que os pescadores não se limitavam a bordejar a costa portuguesa, por esta época já iam ao norte de África, além de navegarem pelo canal da mancha e norte da Europa.
Prova é que, em 1353, foram autorizados a exercerem comércio nas costas da Inglaterra e Bretanha, em um tratado sancionou uma prática anterior.
Impulsionado pela pobreza do solo, a navegação costeira e fluvial, devido a fins práticos, terminou dando origem ao desenvolvimento de embarcações cada vez mais aperfeiçoadas.
Tamanha foi à importância da pesca, no desenvolvimento de uma tradição marítima, que indícios apontam para o fato da Ilha da Madeira e os Açores serem conhecidos dos pescadores portugueses desde muito antes do descobrimento oficial destas ilhas.
Suspeita-se que tenham realmente sido descobertas pelo menos um século antes da data oficial, o que expressa à ousadia dos pescadores e a adiantada evolução da indústria naval.
Todavia, não foi somente graças à tradição pesqueira e a localização privilegiada de Portugal que o pioneirismo foi possível.
Embora a carência do solo e a indústria da pesca tenham contribuído para fomentar a buscar um caminho para o Oriente através do Atlântico, ao possibilitar a inserção dos portugueses dentro da rota das especiarias mediterrânica.
Então controlada pelas cidades italianas, os postos lusitanos serviam como ponto de escola e, dado o adiantado do desenvolvimento da arte náutica, foram convertidos em intermediários desde a Idade Média.
Neste sentido, o peso deste fator, no século XV, na obsessão da busca pelo caminho Atlântico até a Índia, foi igualmente relevante; mas este é tema para outra ocasião.

Para saber mais sobre o assunto.
RAMOS, Fábio Pestana. No tempo das especiarias. São Paulo: Contexto, 2006.
RAMOS, Fábio Pestana. O apogeu e declínio do clico das especiarias: 1500-1700. Volume 1: Em busca de cristãos e especiarias. Santo André: FPR/PEAH, 2012.
RAMOS, Fábio Pestana. Por mares nunca dantes navegados. São Paulo: Contexto, 2008.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Esteja a vontade para debater ideias e sugerir novos temas.
Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.