Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume jan., Série 10/01, 2011, p.01-11.
Quando os portugueses chegaram ao Japão, as relações comerciais entre japoneses e chineses estavam interrompidas, logo os lusos perceberam que poderia ser muito lucrativo trocar a seda e a porcelana chinesa pela abundante prata japonesa.
O que, ao mesmo tempo, teoricamente resolveria em parte um dos principais problemas enfrentados em Portugal na época: a escassez de metais preciosos.
A estratégia garantiria no Oriente uma monetarização que poderia proporcionar dividendos em quantidade suficiente para estimular trocas pacíficas na China.
Entretanto, a despeito do cabedal oferecido pelos portugueses ser mais do que bem vindo, por esta altura, o Japão encontrava-se isolado em um território compartimentado, nos primeiros contatos, os desentendimentos culturais geraram inevitáveis conflitos, constituindo um grande entrave a penetração lusitana.
A estrutura política japonesa.
País milenar, o Japão havia se constituído em terras nas quais as forças da natureza se manifestavam brutalmente com freqüência.
A região estava condicionada por um clima agressivo e violento, fazendo os japoneses voltarem-se para dentro de seu próprio território, então esfacelado politicamente, mas possuía uma religião e objetivos militares que unificavam o povo.
Na época em que os portugueses chegaram ao Japão, segundo documentos lusitanos do período, os da terra tinham um imperador, chamado de jacata, apesar deste ser oficialmente o “senhor absoluto do país”, governando na ocasião o príncipe Mikato, na realidade ele tinha o “suficiente apenas para a sua pessoa”.
O imperador não era mais do que um dos muitos senhores feudais existentes, “distribuindo e repartindo suas terras entre outros, chamados cunixu, sendo semelhantes aos condes e duques europeus”.
Cada um destes outros, inferiores ao imperador e aos cunixu, eram chamados tonos, aos olhos dos portugueses eram semelhantes aos barões.
Estava em vigor um sistema político semelhante ao feudalismo vivido ainda em alguns países da Europa no mesmo período em que Vasco da Gama chegou ao Oriente, ou seja, o imperador era mera figura decorativa, não mais que um senhor feudal com poderes um pouco estendidos dentro do âmbito das relações de sucerania e vassalagem.
O imperador Mikato era manipulado pelo generalíssimo da coroa, o shogun, ele de fato controlava e mantinha o Japão unificado em torno de si, forçando os senhores locais a respeitar a obrigação de servir e submeter seus súditos em prol da segurança do país contra os inimigos externos.
O shogun era o senhor feudal mais rico e poderoso do Japão, mantinha às suas próprias custas um grande exército.
Os outros senhores feudais deveriam, cada qual, satisfazer as necessidades de distribuição de soldados pelos pontos estratégicos definidos por ele.
Os ditos soldados deviam obediência cega unicamente ao shogun e não ao jacata.
Ao passo que, em troca, cunixus e tonos tinham total autonomia sobre suas terras, podendo castigar, exilar, matar e fazer da vida de seus súditos o que bem entendessem.
A estrutura militar japonesa.
A falta de um poder político moderador, sendo os senhores locais considerados como simples soldados, facilmente substituíveis, isto é claro desde que os substitutos honrassem a tradição de obedecer ao shogun quando requisitados, tornava freqüente as intrigas internas dentro de cada feudo.
O que levava a manutenção de uma complexa e grande estrutura militar fragmentada, embora unida pela fidelidade ao shogun.
Os assassinatos entre pais e filhos ou servidores e familiares eram comuns, assim como, igualmente, as disputas sangrentas em nome da honra entre dinastias e/ou feudos.
Tudo era tolerado desde que não interferisse na segurança do país, o que de certa maneira facilitou o trânsito de naus portuguesas, a despeito de não ter ajudado na fixação de entrepostos mercantis.
É importante ressaltar que a segurança interna do Japão estava sempre em primeiro plano, acima de quaisquer disputas internas, pois há séculos japoneses e chineses vinham se hostilizando mutuamente.
Seja como for, dentro do contexto da soberania política de cada senhor sobre seus domínios, para os lusos seria fácil encontrar senhores dispostos a permitirem o trânsito de embarcações lusitanas.
A motivação inicial seria unicamente a possibilidade de trocar produtos da China e da Índia pelo amplo poder de compra da prata japonesa.
Mesmo quando havia mudança de comando sobre um feudo, interditando o comércio, os lusos podiam explorar as rivalidades internas para obterem permissão para freqüentar zonas próximas, sem prejuízo algum.
A estrutura militar japonesa seria amplamente utilizada pelos portugueses, valendo-se das intrigas familiares para colocar no poder um senhor mais condizente com seus interesses.
Simultaneamente, ao menos pela altura da chegada dos lusos, ao contrário do que ocorria no mar da China, os japoneses não tinham qualquer tipo de marinha de guerra ou piratas agindo em seu litoral.
O que permitiu aos portugueses preencherem a demanda por embarcações que ligassem o Japão com a China.
Este vácuo havia sido criado, não pela incapacidade ou desinteresse nipônico de aperfeiçoar navios de longo curso, mas justamente pelas péssimas relações entre japoneses e chineses.
Relações nipo-chinesas.
Antes da chegada dos portugueses a região, as relações diplomáticas entre japoneses e chineses sempre tinham sido marcadas por desencontros e conflitos múltiplos.
O próprio mito do nascimento do Japão, contado pelos chineses, demonstra bem o tipo de intolerância praticado pelos dois lados.
Segundo comentários que corriam entre os chineses, em tempos remotos, havia no reino da China uma família grande e poderosa, que conspirava, por acordo secreto entre todos os seus amigos e aderentes, contra o imperador chinês.
Os conspiradores pretendiam expulsar o imperador de seu trono e matá-lo, a fim de tomar o seu lugar.
O plano falhou, mas o imperador chinês forjou por vingança manter os traidores vivos e castigá-los com uma pena melhor do que a morte, um exílio perpétuo para as ilhas do Japão, que na altura estavam despovoadas.
Embora o relato não tenha fundamento histórico, reflete uma imagem impregnada no imaginário chinês da época, expressando a inimizade nipo-chinesa que fazia ambos os povos se odiar.
Constituem fatos concretos as mútuas tentativas de invasão e pilhagem na costa japonesa e chinesa.
Graças a esta inimizade, a despeito das dificuldades enfrentadas no mar da China, os portugueses puderam se encaixar no papel de intermediários entre inimigos civilizacionais por excelência.
A chegada dos portugueses ao Japão.
Oficialmente, os portugueses chegaram ao Japão em 1543, sendo bem recebidos pelos habitantes laçais, embora seja provável que o primeiro contato tenha se dado muitos anos antes.
Destarte, inicialmente o comércio com o Japão esteve entregue aos particulares, motivo pelo qual, durante as primeiras décadas, os portugueses não freqüentaram sistematicamente o mesmo porto, apesar de ser corriqueiro passar pelo porto de Bungo e/ou pela ilha de Hirado.
Em um destes primeiros contatos, pela altura da primeira metade de quinhentos, aventureiros portugueses chegaram à ilha de Tanixumma, em uma cidade descrita pelos lusos como “muito nobre”, chamada Quangeparuu.
Na realidade um povoado costeiro com quinze ou vinte mil pessoas, portanto, para os padrões europeus, classificado como cidade.
Na ocasião, considerada, erroneamente, pelos lusos como sem “força para sua defesa”, uma vez que tinha “um só muro de tijolos de oito palmos de largura, uma cava de cinco braças de largo e sete palmos de fundo”.
Segundo o relato da época, os moradores da cidade eram “gente fraca e desarmada, não tendo artilharia, nem coisa que pudesse prejudicar a quaisquer quinhentos bons soldados que a cometessem.
Todavia, através dos conflitos armados que se seguiriam, os portugueses logo notariam que não passava de uma mera aparência a suposta fraqueza do Japão.
Os japoneses segundo o olhar lusitano.
No Japão, mesmo o povo comum e a gente do campo eram muito diferentes das outras nações até então encontradas pelos lusos.
Dentro da ótica portuguesa, até o mais simples camponês tinha uma boa cortesia, como se fosse educado todos os seus dias na corte de um rei.
O que os lusos não perceberam inicialmente é que todos os homens válidos, sem distinção eram grandes peritos no manejo de armas, estimando uma boa espada, feita por um mestre antigo e renomado.
Como cedo poderiam notar os portugueses, para os japoneses as espadas eram consideradas como jóias e preciosidades.
Quando os portugueses perguntavam aos japoneses por que estimavam tanto uma espada, respondiam perguntando por que os lusos consideravam de tão grande valor os diamantes, os rubis e outras pedras, que não tinham proveito nenhum e não serviam para nada a não ser para contemplar, enquanto as coisas deles tinham o seu propósito e podiam servir-lhes de uma maneira ou de outra.
Assim, como aconteceu na China, ficou evidente que o comércio com o Japão deveria ser galgado através da diplomacia.
Ao que os japoneses passaram a ser vistos com admiração, principalmente por serem muito inteligentes e apreenderem muito rapidamente.
O seu comportamento, as suas maneiras e falas, todo o cerimonial da vida e cortesia nipônico foi considerado exemplar aos olhos lusitanos, isto apesar de serem completamente opostos aos de todas as outras nações até então conhecidas.
Para os portugueses, os japoneses não podiam ser considerados tão limpos nem tão cuidadosos com as suas coisas como os chineses, satisfazendo-se com pouco, andado, porém, na maior parte das vezes bem tratados e vestidos de seda, quase como os habitantes da China.
Entretanto, a visão japonesa sobre os portugueses não atribuía qualidades tão nobres aos europeus.
Os portugueses foram tratados como mendigos pelos japoneses.
A despeito da insistência lusitana em identificarem-se como mercadores e gente boa, o estado lastimável que a vida no mar suscitava aos navegantes, fazia os portugueses, quase sempre, serem tomados pelos japoneses como mendigos.
Em certa ocasião, por exemplo, uma tripulação lusitana que passou por Tanixumaa foi interpelada por nativos que queriam ajudá-los com esmolas, como tinham por costume fazer aos pobres da terra.
Exatamente por esta razão, os lusos adotaram um hábito peculiar ao chegar a uma nova localidade, onde nunca haviam estado antes.
Diziam que eram naturais de Malaca, abastados mercadores que por oficio tratavam com fazendas do reino da China.
O que não fazia mais que aumentar a confusão, pois, simplesmente por mencionarem que vinham da China, eram tidos como ladrões que tinham vindo matar e furtar.
Procedendo assim, alguns portugueses que estiveram em Pongor, por exemplo, terminaram na prisão, onde estiveram quase dois meses, com assaz trabalho e sofrimento, até que o engano foi finalmente desfeito.
A introdução de armas de fogo no Japão pelos portugueses.
Logo nos primeiros contatos, as armas de fogo carregadas pelos lusos chamaram a atenção dos japoneses, abrindo as portas do país para as naus lusitanas.
Destarte, as armas européias, diferente do que poderia ser imaginado ou do que havia ocorrido na África e na Índia, não seriam usadas para forçar a manutenção de um comércio com o Japão pode, passariam de maneira peculiar a constituir uma moeda de troca pelo livre trânsito entre feudos.
Os japoneses não se interessariam, como os africanos, por adquirir grandes quantidades de armas e munições, proporiam um acordo diferente.
Segundo consta, quando aventureiros portugueses estiveram em Nautaquim, por volta de 1550, tendo estabelecido relações amigáveis depois de algumas confusões, estando Diogo Zeimoto, por passatempo, atirando com uma espingarda, foi observado por japoneses que enxergaram naquilo uma feitiçaria.
Naquela terra nunca se tinha visto tiro de fogo, o que fez o português ser chamado à presença do senhor local.
Este não estava assustado, mas sim interessado no artefato como um meio para se sobrepor aos seus inimigos.
Diogo terminou vendendo uma única arma por uma grande quantidade de prata, ensinando o dito senhor japonês a fazer pólvora em troca de livre trânsito em seus domínios.
Os japoneses de Nautaquim desmontaram a espingarda, passando a entender seu funcionamento, aperfeiçoando e industrializando sua fabricação.
Em cinco meses e meio, depois de sua introdução, havia no Japão mais de seiscentas espingardas fabricadas ali mesmo.
Acontece que, tendo se espalhado a noticia de sua utilidade, outros senhores começaram a procurar os portugueses para trocar o livre trânsito em suas terras por uma única espingarda e o segredo da fabricação da pólvora.
Em pouco tempo, quase todo o país tinha domínio sobre as armas de fogo, somente o senhor de Funcheo, por exemplo, em seis anos conseguiu produzir mais de trinta mil espingardas.
A introdução das armas de fogo no Japão terminou garantindo, ao mesmo tempo, um maior poder de barganha nas negociações nipo-portuguesas e uma enorme vantagem estratégica a alguns senhores japoneses.
O que mais tarde daria origem a unificação política do país, tornando o Japão militarmente ainda mais forte, inclusive desequilibrando o jogo de poder na Ásia em prol dos japoneses.
Tentativas frustradas de fixação lusitana no Japão.
Ao contrário do que aconteceu na China, a despeito das facilidades representadas pela divisão política interna e pelo poder de barganha das espingardas, no Japão os portugueses nunca conseguiram estabelecer uma base avançada.
Como se não bastasse, chegaram a ser expulsos e impedidos de freqüentar o litoral japonês em menos de dois século depois de terem aportado pela primeira vez por lá. Tentar compreender como e porque isto aconteceu, passa justamente pelos desentendimentos culturais nipo-portugueses, pois, enquanto o Estado japonês em si não constituiu, ao menos inicialmente, um obstáculo à criação de entrepostos lusitanos, a tentativa de implantação da fé cristã, contraposta a religião do país, terminou por conduzir a um inevitável conflito que resultou em um banho de sangue.
Enquanto o ir e vir das naus portuguesas esteve restrito aos aventureiros, o pequeno número de missionários que tentaram converter os japoneses não causou dano algum.
Todavia, estes mesmos aventureiros descobriram que além da prata o Japão tinha outros produtos a oferecer, tal como ferro, aço, chumbo e estanho, que eram na altura mais do que necessários para o reparo das naus da Índia e exportação para o Brasil.
Além de poder ser obtido no Japão também salitre, enxofre, mel, cera, açúcar, e grande quantidade de gengibre muito melhor e mais perfeito que o da Índia.
Sendo encontrado também madeira de angelim, jatemar, poitão, pisuu, pinho manso, castanho, souro, carvalho e cedro, de que se poderia fazer milhares de navios nos estaleiros que estavam sendo fundados na Índia.
O que fez as autoridades de Goa recomendarem ao rei de Portugal mudanças na política com relação ao Japão, a rota se tornou um monopólio da Coroa em 1550.
Foi fundada uma Carreira, um caminho marítimo regular entre Malaca, Macau e o Japão em 1557, a partir do que a presença de religiosos nas naus foi intensificada.
Como não tinham força militar para invadir o Japão, os portugueses pretendiam exercer influência através da fé.
Um grande erro que dificultou e impediu tentativas de fixação no país.
Conflitos religiosos nipo-lusitanos.
O Padre Francisco Xavier iniciou o primeiro trabalho de evangelização sistemático em 1549, quando converteu aos cristianismo oitocentas almas nipônicas em cinco meses.
Durante este tempo foi muito afrontado pelos japoneses que defendiam suas tradições, repelindo os cristãos, o que fez ele embarcar para a China, onde foi morto por ladrões no reino de Liampoo.
Não obstante, foi através da experiência do Padre Xavier que a Coroa percebeu que para fazer os japoneses acreditarem na magnificência e grandeza da Europa, seria necessário incitá-los a fazerem-se cristãos.
Só assim seria possível garantir uma maior penetração lusitana nas ilhas do Japão e ampliar os lucros com donativos dos príncipes japoneses.
A exemplo do que havia ocorrido na China, diante de um povo preparado para repelir qualquer tentativa de invasão, os lusos optaram por tentar intensificar o comércio com o Japão através da fé.
O rei de Portugal serviu-se inicialmente dos soldados de cristo, jesuítas, para persuadir pacificamente os japoneses a converterem-se ao cristianismo, institucionalizando as relações nipo-lusitanas em busca de uma lucratividade que a Carreira da Índia começava a não mais poder proporcionar.
Para além do povo miúdo, em 1562, os jesuítas conseguiram converter o dáimo Omura Sumita, sendo então chamado de daimyô aquele que tinham um título equivalente ao de senhor feudal.
O qual cedeu o porto de Yokoseura aos portugueses.
No entanto, este primeiro êxito não durou mais que um ano, pois, em 1563, o dito porto foi arrasado pelos próprios súditos de Sumita, em uma revolta contra a traição do dáimo a tradição de honra e hegemonia japonesa, sendo os portugueses expulsos do feudo.
A primeira tentativa parcialmente bem sucedida de fixação lusitana através da fé, embora tenha fracassado, mostrou ser possível atingir o objetivo, servindo de estímulo à intensificação da presença de clérigos no Japão.
A presença de religiosos cristãos no Japão foi incentivada e patrocinada pela Coroa portuguesa em prol de seus próprios interesses.
Após várias tentativas, em 1571 os jesuítas conseguiram se estabelecer em Nagasáqui, por meio dos quais os portugueses obtiveram, além da permissão para freqüentar o porto daquela cidade, a proteção do senhor local, ficando, contudo, o controle sobre o dito porto nas mãos de japoneses.
Destarte, os japoneses tinham a sua própria religião e seus ídolos e ministros, os quais eram chamados bonzes, sendo estes muito respeitados, alguns dos quais, após a chegada dos jesuítas, tinham sido feitos cristãos.
O que, dentro dos preceitos budistas, não fez mais que aumentar a indignação entre aqueles que se mantinham fiéis a tradicional fé japonesa, sobretudo entre os bonzo que continuavam à frente dos templos.
O combate ao cristianismo aumentou na mesma medida em que as conversões começaram a ter maior sucesso.
Depois de obterem a proteção do dáimo de Nagasáqui, em seguida, os jesuítas conseguiram batizar senhores feudais japoneses, a saber, em Bungo, Arima e Omura.
Foi quando tudo começou a degringolar, estes três senhores japoneses mandaram os seus filhos e primos com os jesuítas para a Índia, para seguirem dali para Portugal, e, assim por diante, até Roma, para jurarem obediência ao Papa.
De fato, eles saíram do Japão em 1582, viajaram para Portugal e, dali, para Madrid, onde foram recebidos com grande triunfo pelo rei e pelos fidalgos da Espanha, acolhidos honrosamente, recebendo muitas dádivas e donativos e partindo para Roma, percorrendo toda Itália.
Estes novos cristãos japoneses retornaram a sua pátria em 1587, com cartas do Papa e algumas coisas santificadas, tal como uma relíquias da cruz de Cristo, com a firme convicção de moverem uma verdadeira cruzada para converter todo o povo do Japão.
Foi o que bastou para acabar com a paciência dos líderes japoneses, que, alias, vinham até então se mostrando mais tolerantes que seus próprios súditos com as peripécias dos clérigos europeus.
Concluindo.
Em 1560, Oda Nobunaga havia iniciado a unificação política do Japão, graças ao poder de fogo da tecnologia das espingardas, então obtida com os portugueses, o que lhe garantiu uma enorme vantagem sobre seus adversários.
Quando o imperador Nobunaga faleceu, em 1582, o shogun Toyotomi Hideyoshi, concluiu a centralização.
Foi Hideyoshi que, diante da finalização da unificação política do Japão, encarou o retorno dos parentes dos senhores de Bungo, Arima e Omura, completamente entregues a um fanatismo cristão prol Portugal, como uma ameaça à centralização iniciada em 1560. Isto culminou, depois de inúmeros apelos dos bonzo, com a decretação da expulsão dos religiosos portugueses, fossem de qualquer ordem, em 1587.
A despeito do trânsito de naus lusitanas ter continuado livre, embora o Estado japonês, para além da proteção de alguns senhores individualmente, não fornecesse qualquer tipo de garantia de segurança contra a ira dos populares.
Seja como for, a partir da expulsão dos clérigos cristãos, longe da influência dos jesuítas, segundo palavras literais da documentação da época, cresceu entre a arraia miúda a opinião de que um português não passava de um “cão fedorento, e mais pobre que todos os pobres, simplesmente um piolho que comia percevejos e carne humana de gente morta”.
Uma opinião plantada pelos bonzo, tidos pelos japoneses como pessoas que tinham uma vida santificada, gastavam a maior parte da noite em rezar, guardando perpetua castidade, não comendo peixe fresco, curando os doentes, ensinando os filhos dos homens comuns bons costumes.
Um comportamento que, mesmo para os japoneses convertidos ao cristianismo, parecia mais condizente com os ensinamentos de Cristo do que aquele praticado pelos marujos portugueses.
Para a lógica nipônica o que diziam e pregavam os lusos não parecia com o que eles praticavam, acarretando em um rápido retrocesso na presença da fé cristã no Japão, com conseqüências que, em poucas décadas, iriam trazer grandes problemas para os portugueses.
Não obstante, o Imperador Hideyoshi faleceu no ano seguinte ao decreto que determinou a expulsão dos religiosos portugueses do Japão, mergulhando o país, a partir de 1598, em uma sangrenta guerra civil.
Esta guerra só terminou quando subiu ao poder a dinastia Tokugawa, em 1603, que governaria os japoneses até 1868.
O que, de qualquer forma, estimulou alguns fidalgos e mercadores portugueses a transportarem missionários clandestinamente, em uma tentativa de reverter o quadro contrário a presença lusitana no Japão.
Infelizmente para os portugueses, existia uma vigilância acirrada dos bonzo, empenhados na tentativa de acabar com a guerra civil através da união em torno do combate a nociva presença de estrangeiros no Japão.
Os portugueses passaram a ser considerados como corruptores da tradição nipônica, o que não permitiu a volta dos clérigos cristãos, antes, eles passaram a ser perseguidos e martirizados.
Em 1596, por exemplo, dezenove japoneses e sete franciscanos foram crucificados e cento e vinte igrejas, que procuravam resistir à perseguição com ou sem europeus à frente delas, foram queimadas.
Ainda antes da unificação política do Japão, a chegada dos holandeses as ilhas nipônicas, em 1600, seguida pouco depois pela entrada dos ingleses no cenário, dificultou ainda mais a situação dos portugueses.
Os recém chegados protestantes sabiam, por meio de espiões, da intolerância japonesa para com religiosos europeus, por isto não traziam missionários a bordo de suas embarcações.
Holandeses e ingleses diziam-se inimigos dos portugueses, era o que bastava para serem bem recebidos.
Vale lembrar que vigorava na época a malfadada União Ibérica, quando a Coroa portuguesa estava nas mãos do rei de Espanha, tornando os lusos inimigos da Holanda e Inglaterra.
Pouco a pouco, a utilidade da presença de naus portuguesas no Japão foi perdendo espaço.
Depois que o inglês William Adams foi nomeado como conselheiro do shogun, substituindo um jesuíta, em 1613, no ano seguinte um novo édito de expulsão dos missionários que haviam permanecido ilegalmente no país foi promulgado.
A perseguição e os martírios se intensificaram, terminando por gerar uma onda de revoltas, cujo ápice foi atingido em 1637, quando milhares de cristãos foram martirizados.
O fato serviu de pretexto para culpar os portugueses pela confusão reinante entre os camponeses, culminado com uma ordem de expulsão de todos os portugueses do Japão em 1639.
A perda do comercio com o Japão privou os portugueses da prata nipônica, contribuindo para o declínio da Carreira da Índia.
Algo que os lusos tentaram reverter sem sucesso.
O fracasso de uma missão pacificadora, enviada em 1640 por comerciantes de Macau a Nagasáqui, acabou mal.
Os membros da expedição foram horrivelmente martirizados, em um momento em que Portugal recuperava sua independência pelas mãos de D. João IV.
O que prestou forte contribuição para que a recém restaurada monarquia portuguesa optasse por incrementar a rota do Brasil, em detrimento do Império lusitano no Oriente.
Entretanto, a presença portuguesa em Macau e Goa garantiria a sobrevida das armadas da Índia até 1865.
Para saber mais sobre o assunto.
RAMOS, Fábio Pestana. Naufrágios e obstáculos enfrentados pelas armadas da Índia portuguesa. 1497-1653. São Paulo: Humanitas, 2000.
RAMOS, Fábio Pestana. No tempo das especiarias. São Paulo: Contexto, 2004.
RAMOS, Fábio Pestana. Por mares nunca dantes navegados. São Paulo: Contexto, 2009.
Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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