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quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Ensaio sobre o intuicionismo de Bergson como método filosófico.

 Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 12, Volume dez., Série 01/12, 2021.


Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.


Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.
Graduado em Pedagogia - UNICSUL.


 

1. INTRODUÇÃO.

A filosofia bergsoniana tinha horror aos conceitos genéricos, recusando a chave que abre todas as fechaduras, e adotando a flexibilização de espirito diante do real.

Pretendia resolver os problemas filosóficos ultrapassando-os e integrando em uma corrente mais profunda, na medida que convicto de que a solução dos problemas filosóficos se encontrava no contato com o real.

Nascido em Paris, em 1859, o filósofo Henri Bergson, durante boa parte de sua vida foi professor de filosofia na Escola Normal Superior e no Colégio de França, além de ter sido membro da Academia Francesa.

Foi um dos pais e principal expoente do intuicionismo, sustentando que o genuíno conhecimento não se encontrava nos conceitos abstratos do intelecto, mas sim na apreensão imediata.

No entanto, este intuicionismo bergsiniano não deve se confundido com o intuicionismo matemático de vertente britânica, ligado a lógica de Poincaré.

Antes, é um intuicionismo francês, vinculado com a metafísica, um método filosófico que usa a intuição e suas regras específicas, constituindo o que Deleuze (1999: 08) definiu como aplicação da “prova do verdadeiro e do falso aos próprios problemas”, denunciando “os falsos problemas”, reconciliando “verdade e criação no nível dos problemas”.   

 

 

2. O CONHECIMENTO DA REALIDADE.

O que Bergson chamou de intuição imediata poderia ser definido como intuição, resultado da experiência interior, nesta medida concebendo a realidade como sempre nova, de modo que só poderia ser apreendida unicamente pela intuição concreta, particular e mutável, portanto, não pelo conceito abstrato, universal e imutável.

Para o pensamento bergsoniano existiriam dois caminhos para conhecer o objeto real, duas formas de conhecimento diversas e desiguais entre si: mediante o conceito ou pela intuição.

O método de conhecimento através dos conceitos; ou seja, dos juízos, silogismos, análises e sínteses. quer seja por meio da dedução ou da indução, seria utilizado pelos filósofos cientistas.

Já o conhecimento gerado pela intuição, seria um tipo de conhecimento imediato e anterior ao conhecer dos conceitos, um conhecimento intrínseco, concreto absoluto.

Conhecer através da intuição significaria transportar-se até à interioridade profunda das coisas, conhecer a realidade tal como ela realmente é, ou ao menos como parece ser.

Em contrapartida, o conhecimento da realidade por meio dos conceitos fragmentaria e deformaria a realidade, a medida que opera através de símbolos e abstrações que deixam escapar a realidade profunda, concreta e verdadeira das coisas.

Bergson procurou alertar justamente para o perigo do conhecimento por meio dos conceitos, gerado pela confusão da intuição filosófica com um iluminismo, feito de imagens e palavras.

Uma espécie de visão mística que transforma a filosofia em uma confidência entre iniciados, reduzindo a uma espécie de língua confusa de que já caçoava Platão.

 

3. A RENOVAÇÃO DA FILOSOFIA.

Reduzindo a filosofia por meio dos conceitos em puro sofismo, Bergson procurou demostrar que a tradição atribuía à experiência imediata um hermetismo que nada tinha a ver com ela.

Desta forma para entender o papel da intuição recomendava que mais que pensar na teosofia do Oriente, pensasse-se nas intuições delicadas dos movimentos do espírito.

Tal como as encontramos, por exemplo, nos moralistas, ou ainda no bom senso capaz de adaptar espontaneamente seus juízos às mais variadas situações concretas.

Nesta acepção, a crítica de Bergson a tradição filosófica não é mais que a crítica às doutrinas que supõe que a inteligência humana é essencialmente especulativa.

Portanto, o intuicionismo permitiria conhecer as coisas como são, postulado comum a toda filosofia Ocidental desde o tempo dos gregos.

Embora os cépticos já tivessem duvidado da capacidade de conhecer da inteligência humana, e os relativistas limitado este conhecer aos fenômenos, sem a intuição a filosofia não poderia validar o conhecimento.

Seria necessário renovar a filosofia penetrando na natureza da inteligência, considerando o homem como um criador de instrumentos que fabrica com matéria solida.

O pensamento precisaria alargar sua ação sobre a matéria, como a inteligência humana que permitiu a faculdade de fabricar instrumentos.

A semelhança dos enciclopedistas do século XVIII, que não atribuíam outra finalidade ao espirito humano que não o transformar o planeta para o seu próprio bem; a filosofia careceria da intuição para se renovar para o bem de si própria.

Para estes enciclopedistas, o que constituía o conhecimento eram a matemática e as ciências da matéria, as ciências humanas, penetradas de materialismo, reduzindo-se em combinações mecânicas de noções elementares, tornando o funcionamento do espírito semelhante ao de uma máquina.

Tal concepção, formulada no século XVIII, no século XIX, terminava por confirmar inteiramente a tese bergsoniana de uma tendência da inteligência para especular, regulando-se pelo comportamento dos sólidos.

A intuição aplicada a filosofia, seria um método para promover um simples arranjos e combinações mecânicas, explicando tudo na vida e no espirito, renovando o pensamento filosófico.

 

4. A APLICAÇÃO PSICOLÓGICA.

Bergson, em seu “Ensaio sobre os dados imediatos da consciência”, sua tese de doutoramento, datada em 1889, constitui uma análise da psicologia introspectiva.

O ponto de partida de sua metafísica são os fenómenos psicológicos complexos, por sua vez, formadores de fenômenos psicológicos mais simples.

Estes seriam reunidos segundo as leis de associação, provando que existe um determinismo psicológico, que faz com que os fatos se desprendam de outros fatos, em particular do ato voluntário que deriva de seus motivos.

Não obstante, estas ideias entravam em choque com o sentimento espontâneo que se tinha da natureza do ser vivo e da alma.

Consciente desta realidade, ao invés de negar, forneceu a prova da contradição em sua obra, datada em 1900, intitulada “O riso”.

Para ele, o riso produz-se quando encontramos o automático e o mecânico, onde esperávamos encontrar o vital e o voluntário.

Sendo assim, o erro que o mecanicista comete deriva do fato de tentar compreender a vida e o espirito como uma inteligência que só se dá bem com a matéria bruta.

O esforço da especulação filosófica processa-se, precisamente, em sentido inverso, obtendo como resultado um violentar da tendência natural convertida em inércia; ou seja, a percepção habitual das coisas é utilitária, refém dos resumos fragmentados da percepção intuitiva.

Um exemplo concreto é fornecido pela percepção de uma língua estrangeira, que ignora a sequência de palavras que formam um poema, a qual só é realmente conhecida, tal como um nativo, quando compreendemos a função das palavras na continuidade e sentido deste poema.

A inteligência, sem a intuição, está fora da vida e do espírito como o estrangeiro é alheio às nuances da língua que, para outros, constitui a língua materna, que torna o sentido original inteligível para este.

Aplicando o pensamento bergsiniano a psicologia, enquanto a inteligência apreenderia pelo exterior, a intuição apreenderia pelo interior.

No ato voluntário, por exemplo, a inteligência examinando a realidade interiormente, saberia analisa-la e reconstitui-la.

Por outro lado, a inteligência seria apenas resultante de composição mecânica desta força, sendo que o ato voluntário se realizaria instantaneamente e inteiro, indiferente ao tempo.

O que nos leva a perceber que a inteligência segue uma via errada, pois ao contrário do conhecimento direto e interior, exigiria uma lenta maturação.

Uma vez que mecânica, não poderia agir sobre uma realidade que nunca apresenta o mesmo aspecto da vida, mas seria descoberto mais tarde que os mecanismos da mente se repetem, anulando esta premissa.

 

5. O PROBLEMA DA IMPREVISIBILIDADE HUMANA.

Para Bergson, o real nunca é o mesmo, o antes e o depois não funcionam como na mecânica, onde os atos são repetidos e previsíveis.

O depois indica, em relação ao antes, uma inovação imprevisível e intraduzível em linguagem abstrata, constituindo uma duração unicamente vivida e que só pode ser objeto da intuição.

O presente não sucederia apenas o passado, mas também tornaria-se com ele mais denso, pois afinal a vida psicológica humana ignora as leis de equivalência que reinam na mecânica.

Somente pela intuição o espírito se colocaria acima das alternativas oferecidas pela imprevisibilidade humano, chegaria-se até à interioridade das coisas.

Dentro deste contexto, conhecer por intuição significaria transportar-se ao interior da realidade no que ela tem de único.

A intuição seria a faculdade suprema do impulso vital, de modo que a humanidade caminha para o desenvolvimento da intuição como faculdade ordinária de conhecer as coisas.

Para método intuicionista bergsoniano, mediante a intuição, poderíamos conhecer de maneira imediata e perfeita, ou pelo menos a realidade do nosso eu.

A essência do sujeito e de todo o universo, consistiria na duração sucessiva preenchida com atos vitais sempre novos.

Neste sentido, a fonte da qual brotariam todas as coisas, quer as materiais, quer as espirituais, seria o impulso vital consciente ou supraconsciente de produzir, por evolução, novas e maiores formas.

Originalmente, todas as propriedades e forças deste dito impulso vital, para Bergson, estavam indivisas e não desenroladas nele.

A própria evolução teria obrigado o impulso vital a marchar para diversas direções, de modo que estas forças teriam tendido a desenrolar-se e dividirem-se, umas se desenrolando com mais perfeição do que outras.

Este impulso vital, no homem, chegaria até a plena consciência e à liberdade.

No entanto, simultaneamente, teria feito com que o homem perder o instinto, faculdade permitiria perceber a essências das coisas, porque a inteligência conheceria não as coisas, mas sim apenas relações entre elas e com si mesmo.

 

6. CONCLUINDO.

Diante da discussão entre os adeptos do determinismo e do livre-arbítrio, da oposição entre evolução ou criação, ordem ou desordem, realidade ou nada, causalidade mecânica ou finalidade, e tantas outras; Bergson termina por contestar ambas.

Para o filósofo, a escolha consistiria tão somente entre vida e morte, uma vez que o espirito estaria diante apenas de escolher uma conduta de vida, que faria com que o sujeito participasse do universo.

O intuicionismo como método filosófico termina culminando em uma única alternativa: a do vital e mecânico.

O espírito se definiria pela contração, cada vez maior, da duração; cujos momentos penetrariam no presente, na duração do agora para o eu.

Para que tal se torne possível, ele define o limite superior destes movimentos como sendo a eternidade divina; e o limite inferior como sendo o espaço homogêneo.

Cabe notar que entre estas duas direções não há de modo algum uma hierarquia, como se no real a matéria bruta fosse um primeiro grau entre o nada e a vida.

A doutrina bergsoniana, no seu conjunto, é uma experiência que tem por objeto o espírito e uma indagação tendente a conduzir a esta experiência.

Ela deriva do mediato, do construído para terminar no imediato.

Reside neste ponto a metafisica, pretendendo seguir a experiência e não ir além dela; não sendo nem uma construção intelectual, nem a afirmação de um valor.

A intuição não abandona o dado e nem tão pouco o real, termina constituindo um positivismo radical em que tudo se reduz a uma experiência real subjetiva e pessoal, além de toda construção.

Destarte, é impossível não reconhecer que Bergson, com sua crítica perspicaz e profunda, trouxe uma contribuição poderosa à liquidação definitiva do materialismo, do determinismo universal, fundando a psicologia experimental.

Somente Bergson foi capaz de mostrar com clareza que a filosofia é um "perene recomeçar, não no sentido de um retorno constante à origem absolutas do mundo, mas no sentido de que sua descrição sempre deve recomeçar, para acompanhar a experiência continuamente nova de uma realidade que está sempre em vias de se fazer" (PRADO JR).

 

7. PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO.

BERGSON, Henri. As Duas Fontes da Moral e da Religião. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

BERGSON, Henri. "Cartas a William James" In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

BERGSON, Henri. "Conferências: a intuição filosófica, A consciência e a vida, A alma e o corpo" In: Os Pensadores. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva, Abril Cultural, 1974.

BERGSON, Henri. Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência. Lisboa: Edições 70, s.d.

BERGSON, Henri. "Introdução à Metafisica" In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

BERGSON, Henri. Matéria e Memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

BERGSON, Henri. "O Cérebro e o Pensamento" In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

BERGSON, Hernri. "O Pensamento e o Movente" In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

BERGSON, Henri. O Riso. Rio de Janeiro: Guanabara, 1978.

DELEUZE, Gilles. O Bergsonismo. São Paulo: Ed. 34, 1999.  

PRADO JUNIOR, Bento. Presença e Campo Transcendental. São Paulo: Edusp, 1989.