Publicação brasileira técnico-científica on-line independente, no ar desde sexta-feira 13 de Agosto de 2010.
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Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

domingo, 26 de setembro de 2010

Filosofias da História: exposição e crítica.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 1, Volume set., Série 26/09, 2010.


Como lembrou a professora Vavy Pacheco Borges, existem certas definições que aparentemente soam como desnecessárias.
Seria este o caso do conhecimento histórico?
Tentar trilhar o caminho das filosofias da história, termo cunhado por Voltaire, é essencial.
Hoje mais do que nunca, faz-se necessário expor algumas concepções teóricas que procuraram submeter à história a um tratamento filosófico.
Entender as principais críticas contemporâneas acerca da cientificidade da história é buscar a sua legitimidade.

Repensando o conceito de história.
Uma definição contemporânea de senso comum, afirmaria que a história é uma ciência que estuda o passado, analisando as transformações, para entender o presente.
Ao resgatar o passado, a história tentaria conferir sentido ao presente, ajudando a transformar a realidade a partir de sua própria compreensão, podendo até mesmo guiar ao futuro.
Todavia, uma análise mais detalhada demonstra que o conceito de história comporta múltiplas definições, cada qual adequada ao seu conjunto teórico.

Não é possível falar de uma história singular, já que, ao invés de uma teoria da história teríamos múltiplas teorias da história.

Cada qual possui um conceito próprio de história e uma maneira especifica de pensar o passado, suscitando um questionamento conceitual acerca da natureza cientifica da história.
A discussão poderia se alongar, passando por Santo Agostinho e sua ideia de história linear, Rousseau, Nietsche, pela Escola de Frankfurt, Popper, Heidegger ou Foucault.
Por razões práticas, procuraremos privilegiar o vinculo da história com as principais correntes historiográficas, sem deixar de mencionar a sua ligação com a filosofia, seu nascimento como ciência autônoma e a contribuição de Kant e Hegel ao surgimento de uma filosofia da história.

Filosofia e História.
Ao longo da história da história, a concepção da palavra história possuiu significados diferentes.
Na antiguidade, Sócrates circunscreveu a história ao fato de conhecer, enquanto Aristóteles dizia ser uma coletânea de fatos.

A palavra só adquiriu um sentido mais próximo de sua natureza atual no século VI a.C, quando Heródoto de Halicarnasso, considerado o pai da história, passou a empregá-la como sinônimo de investigação ou informação.

Ao escrever sua história, tentando entender como os persas haviam conseguido construir um Império ao término da guerra contra os gregos, ele terminou contribuindo para alterar a lógica do pensamento humano.
Em um momento em que o homem ainda recorria aos mitos para fornecer explicações divinas para aquilo que não podia compreender, Heródoto deslocou a lógica de pensamento da mitologia para a razão.
Neste inicio, história e filosofia se confundiam, tinham o mesmo objetivo, entender a realidade através da observação.
Na verdade, até o século XVIII, as mais diversas ciências e a filosofia estavam embaralhadas, somente a partir do racionalismo de Descartes, com a publicação de seu Discurso do Método, um século antes, o conhecimento começou a se especializar, indo na contramão do humanismo renascentista.
Portanto, até o advento do iluminismo, dentro do âmbito da divisão existente em quatro grandes áreas (teologia, direito, medicina e filosofia); grande parte das ciências humanas, biológicas e exatas pertenciam à filosofia.
Os filósofos ilustrados, ao dividirem o conhecimento acumulado pela humanidade em diversos setores para compor a enciclopédia, deram o empurrão final para que a história pudesse surgir como unidade autônoma.
O conhecimento havia se tornado vasto demais para ser contido apenas pela filosofia, foi necessário sistematizar o saber, visando possibilitar a continuidade de sua evolução, especializando as áreas do conhecimento.
A história transformou-se em área distinta da filosofia, embora ainda não considerada uma ciência propriamente dita, a ponto de, no século XIX, Jacob Burckhardt clamar por uma filosofia da história, inaugurando, de certa forma, a historiografia.
Momento em que a história, conceitualmente, passou a ser definida como uma visão do passado, voltada para o progresso da humanidade.
É interessante ressaltar que, até hoje, em certa medida, a filosofia e a história continuam interligadas.
Como lembrou José Carlos Reis, filosofia e história continuam sendo atitudes complementares, já que toda pesquisa filosófica é inseparável da história humana, enquanto toda pesquisa histórica implica uma atitude filosófica de interrogar o passado para encontrar respostas que sejam úteis ao presente.

A modernidade e as Filosofias da História.
A modernidade inaugurou as filosofias da história no século XVIII, quando Kant, ao escrever Critica da razão pura, defendeu a idéia de que não podemos conhecer a essência dos fenômenos, à medida que conhecemos através da experiência, tendo apenas sensações acerca da realidade.
Só seria possível, portanto, conhecer apenas representações dos fenômenos fornecidas pelos sentidos.

Para Kant, o mundo conhecido não é tal como ele é, mas sim uma representação, ou seja, o mundo é tal como parece em um tempo e espaço especifico e único.

Neste sentido, ao questionar a realidade, Kant terminou por estabelecer uma critica ao conceito de historicidade humana, colocando em dúvida a própria capacidade de conhecer da historia, reduzida, mais tarde, com a Critica da razão prática, quando procurou dar conta das questões metafísicas, a uma obra da providência.
Posição diametralmente oposta a de Hegel, para quem o conhecimento de qualquer fenômeno seria sempre histórico, circunscrito a um tempo e espaço, possível de ser conhecido apenas através da história, de onde derivaria, posteriormente, o historicismo marxista, sustentado pela ideia hegeliana de progresso e revolução, desenvolvimento e evolução.
Deste antagonismo, do posicionamento critico de si mesma, a história, a partir de outros pressupostos advindos desde o século XVII, pôde iniciar sua reivindicação de cientificidade a partir do século XIX, já que, os mesmos argumentos que passaram a servir para sustentá-la como conhecimento cientifico, também possibilitaram o questionamento de sua base cientifica.

Ciência e História.
A definição de ciência comporta múltiplos conceitos, tal como a afirmação de Aristóteles de que a ciência seria a busca do universal e do eterno.
Dentro do âmbito da definição contemporânea, entendida como um processo de investigação para alcançar um conjunto de conhecimentos tidos como verdadeiros, por meio de generalizações verificáveis, a ciência, propriamente dita, surgiu no século XVII.
Foram o racionalismo de Descarte e a matematização do mundo de Galileu, envolvendo a composição de hipóteses, embasadas por um conjunto teórico, dependente de métodos e técnicas, as tendências fundadoras.
Neste sentido, para compor hipóteses e verificá-las, centro do conhecimento cientifico, responsável por sua distinção do senso comum, o método seria essencial, estando, por sua vez, estritamente vinculado com a técnica.
O método, definido como a ordem estabelecida na investigação da verdade, carece da técnica para ser efetivado, ou seja, precisa de um conjunto de processos especializados, ordenados em consonância com a metodologia.
Segundo Júlio Aróstegui, o método atuaria como uma bússola para a teoria, um sistema de orientação no transito dos caminhos que seriam seguidos para obter certezas.
Enquanto a teoria proporia explicações para os fenômenos e soluções para os problemas observados, o método seria o procedimento adotado para obter conhecimentos e determinar os passos para explicar e demonstrar a realidade, comprovando hipóteses.
A técnica, segundo uma definição alcançada em 1890 pelo filosofo Espinas, seria, justamente, a prática necessária para efetivar o método, compondo o domínio de procedimentos, instrumentos e materiais, de modo que um método poderia empregar diversas técnicas e uma técnica ser útil a diversos métodos.
A teoria, o método e a técnica, unidos, compõem um sistema, constituindo um modelo que torna a ciência possível.
O conceito de modelo implica em operações visando representar as relações e funções que ligam as unidades de um sistema, por meio de generalizações, permitindo explicações.
A ciência precisa de modelos para entender a realidade e resolver os problemas que a pesquisa impõe, mesmo que a percepção não passe de um momento cognitivo, remetendo a busca pela verdade e a distinção do conhecimento cientifico de seu similar oferecido pelo senso comum.
A história, como todas as outras ciências, também necessitou de modelos para organizar e sistematizar o conhecimento que lhe é inerente.
As teorias que forneceram sustentação às várias correntes historiográficas, tornaram-se viáveis graças à elaboração de padrões de explicação presentes na metodologia.
A despeito de cada concepção teórica comportar múltiplos modelos, ao passo que cada modelo possui variados métodos e técnicas, muitas vezes entrelaçados; a história, em meio à reivindicação de sua cientificidade, sempre empregou métodos e técnicas emprestados de outras ciências.
Um processo intensificado a partir de Annales, criando variações especificas que terminaram constituindo um arcabouço de métodos científicos propícios ao entendimento da natureza de seu objeto de estudo.
           
A discussão em torno do conhecimento histórico e sua cientificidade.
Em certa ocasião, Walter Benjamin lembrou que o passado só se deixa fixar como imagem que relampeja, irreversivelmente, no momento em que é reconhecida, fazendo que a história não tenha domínio dos fatos como eles realmente foram, apropriando-se de uma reminiscência do passado, sendo um espaço repleto de “agoras”.


Portanto, apenas uma construção limitada pelo que é possível conhecer em dado contexto, circunscrito ao momento de sua configuração, captando a imagem de sua própria época e não, propriamente, do passado que almeja conhecer.

O questionamento da possibilidade de conhecer o passado, em si mesmo, conduziu ao questionamento da cientificidade da história, centro do debate contemporâneo em torno da concepção teórica de história.
O conceito de ciência, em si, é problemático, em vista de sua constante mutação e variedade de conclusões, conforme cada linha teórica.
Desde o século XIX, os limites da história sempre foram questionados, muitas vezes considerada mais próxima da literatura do que da ciência, contudo, é inegável que o positivismo e a escola metódica inauguraram a busca pela objetividade na história, fazendo os historiadores passarem a procurar sua cientificidade desde então.
Como ressaltou Ciro Flamarion Cardoso, a partir de Annales, talvez pelo seu pluralismo ou por lidar com estruturas globais, a história adquiriu um incontestável caráter cientifico, uma vez que, como qualquer outra ciência, passou a trabalhar não mais com acontecimentos únicos, mas com aspectos sujeitos a regularidades, como as estruturas sociais e culturais.
A primeira geração de Annales fundou um conceito de história extremamente vinculado à ciência.
Lucien Febvre definiu a história como uma ciência do homem e do passado humano, das coisas e dos conceitos, cabendo ao historiador interpretar os feitos humanos, recompondo a realidade que serve ao entendimento de um momento concreto, a partir do que os documentos permitiram em dado contexto.
Para Febvre, apesar da afirmação pejorativa de Poincaré da história ser uma ciência que adivinha o passado, a história seria uma ciência que lida com oposições e conflitos, caracteres inerentes ao progresso cientifico, já que são os pontos de discórdia que conduzem a evolução teórica da ciência e não a concordância.
Mais ousado, Marc Bloch, valorizando a interdisciplinaridade, defendeu a idéia de que a história seria uma ciência do homem no tempo, abordando a narração e a descrição, enquanto a maioria das outras ciências tratariam apenas da classificação e análise.
Para ele, o ponto em comum entre a história e as outras ciências seria a sua finalidade última, a busca pela verdade, a despeito desta nunca poder ser objetivamente alcançada.
Na realidade, conceito extremamente filosófico, a verdade, também constituiu ponto controverso, pois é relativa, depende do observador, do anglo de visão e dos pressupostos que se somam a estes fatores, além do referencial que torna inelegível o fenômeno observado, suscitando novos questionamentos.

Concluindo.
O historiador inglês E. H. Carr, na década de 1960, ao questionar a natureza do conhecimento histórico, chegou à conclusão de que não existe uma resposta absoluta para a definição de história ou para a validade de seu caráter cientifico.
Tudo depende da visão que cada um tem de sua própria sociedade e do tempo em que vive; inclusive, porque é o historiador e a interpretação que faz, a partir de seu contexto, que torna ou não um fato histórico.
Seguindo esta linha de orientação, Paul Veyne, na década de 1970, concluiu que a história possui grande proximidade com a ficção, se distinguido de um romance somente pelo compromisso de buscar a verdade, constituindo na realidade uma tentativa de narrar a verdade, prejudicada pelo caráter subjetivo da história e da interpretação das fontes.
Isto para não mencionar outros aspectos circunscritos à documentação que sustenta a análise histórica, tal como a inexatidão da narrativa ou as intenções envolvidas na produção das fontes.
Em outras palavras, como afirmou Eric Hobsbawm, o passado e a história são ferramentas utilizadas para legitimar as ações do presente, assim como as fontes têm um alcance político e ideológico, tornando a visão do passado distorcida.
Destarte, como ressaltou Jacques Le Goff, não existe sociedade sem história, o que conduz ao conceito de historicidade, o pertencer de cada individuo ao seu tempo, os aspectos comuns que todos os homens de determinada época compartilham; impossibilitando qualquer ciência de evitar extrair conclusões próprias de sua historicidade.
De modo que, se existe um paradigma em história, tal como o conceito formulado por Thomas Kuhn, circunscrito a base referencial sobre a qual um conjunto teórico é construído; este só pode ser considerado como o tempo histórico em que o historiador se circunscreve.
A natureza do conhecimento histórico comporta uma pluralidade de teorias contraditórias entre si e que explicam o passado plausivelmente, fornecendo ângulos e visões distintas que não se anulam, fazendo da história da história, uma narrativa das teorias da história, com criticas estabelecidas a partir das filosofias da história.

Para saber mais sobre o assunto.
ARÓSTEGUI, Júlio. A Pesquisa Histórica. São Paulo: Edusc, 2006.
BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de história” In: Obras Escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1996.
BORGES, Vavy Pacheco. O que é história? São Paulo: Brasiliense, 1993.
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
BURCKHARDT, Jacob. Reflexões sobre a história. Rio de Janeiro: Zahar, s.d.
CARDOSO, Ciro Flamarion. Uma introdução a história. São Paulo: Brasiliense, 1992.
CARR, E. H. O que é história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
CHESNEAUX, Jean. Devemos fazer tábua rasa do passado?: sobre a história e os historiadores. São Paulo: Ática, 1995.
DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.
DESCARTES, René. “Discurso do Método” In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p.33-79.
DURKHEIM, Emile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
FEBVRE, Lucien. Combates por la historia. Barcelona: Ediciones Ariel, 1970.
FREUD, Sigmund. Obras completas. Buenos Aires: Editora Argentina, 2003.
FOUCAULT, Michel. História da Loucura. São Paulo: Perspectiva, 2004.
GOFFMAN, Erving. Representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 2006.
GRAMSCI. Écrits politiques. Tomo I. Paris: 1975.
GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e o Iluminismo. São Paulo: Contexto, 2003.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
HEGEL, G.F. Filosofia da História. Brasília: UNB, 1999.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
HELLER, Agnes. Uma teoria da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993.
HERÓDOTO. Histórias. Lisboa: Edições 70, 2007.
HOBSBAWM, Eric. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
HUME, David. Tratado da Natureza Humana, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.
LACAN, Jacques-Marie Émile. O seminário – livro 16: de um outro ao outro. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
LANGLOOIS, Ch. V. & SEIGNOBOS, Ch. Introdução aos estudos históricos. São Paulo: Editora Renascença, 1946.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Unicamp, 1990.
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções cientificas. São Paulo: Perspectiva, 1997.
MASTROGREGORI, Massimo. “Historiografia e tradição das lembranças” In: A história escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006, p.65-93.
MEAD, George Herbert. Mind Self and Society from the Standpoint of a Social Behaviorist. Chicago: Chicago University, 1963.
MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e memória: a cultura popular revisitada. São Paulo: Contexto, 2003.
PAIS, José Machado Consciência histórica e identidade: os jovens portugueses num contexto europeu. Oeiras: Celtas Editora, 1999.
PINSKY, Jaime. “Nação e ensino de história do Brasil” In: PINSKY, Jaime (org.). O ensino de história e a criação do fato. São Paulo: Contexto, 2004, p.11-22.
POLLAK, Michael. “Memória e identidade social” In: Estudos Históricos, v.5, n.10. Rio de Janeiro: 1992, p.200-212.
REIS, José Carlos. História e Teoria. Historicismo, Modernidade, Temporalidade e Verdade. Rio de Janeiro: FGV, 2006.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. “Do contrato Social” In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
RÜSEN, J. A. “Perda de sentido e construção de sentido no pensamento histórico na virada do milênio” In: História debates e tendências, v.1, n.1. Passo Fundo: dez, 2001, p.09-22.
SANTOS, Miriam Sepúlveda dos. “Sobre a autonomia das novas identidades coletivas: alguns problemas teóricos” In: Revista brasileira de Ciências Sociais, v.13, n.38. São Paulo: out. 1998.
SCOTT, Parry & ZARUR, George (orgs.). Identidade, fragmentação e diversidade na América Latina. Recife: Universitária UFPE, 2003.
VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Brasília: Unb, 1998.
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Bertrand, 1994.

Texto:
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.

Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.





sábado, 25 de setembro de 2010

Peronismo – Parte 7 (Final): indicações para leitura.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 1, Volume set., Série 25/09, 2010.


No Brasil, as obras que tratam o tema peronismo são raras e escassas.
Um dos motivos se deve a estrema proximidade do fenômeno peronista de nossos dias, o que termina por torná-lo atual.
Além disso, as poucas obras existentes em português acabam sempre classificando erroneamente o peronismo como populismo, o que exige do leitor certo senso crítico.
De qualquer modo, concernente ao estudo do peronismo pode ser consultada a obra de Maria Lígia Coelho Prado, “O populismo na América Latina”, da coleção “Tudo é História” da editora Brasiliense.
Apesar de classificar o peronismo como populismo, pode servir de ponto de partida ao estudo sobre o fenômeno.
Igualmente, uma boa fonte inicial de consulta é o livro de Murmis e Portantiero, “Estudos sobre as origens do peronismo”, também da editora Brasiliense, embora ele caia no mesmo erro do anterior.
Estas obras podem ser mescladas com textos que tratam do fascismo propriamente dito, possibilitando identificar o peronismo como fenômeno de caráter fascista.
Sobre o fascismo são textos de consulta obrigatória: a “Introdução ao Fascismo” de Leandro Konder, da Graal;  a “Psicologia de massas do fascismo” de Wilhelm Reich, da Martins Fontes; e “Ascensão e queda do III Reich” de William Shirer, em 4 volumosos tomos, editado pela Civilização Brasileira.
Podendo ser consultadas também as obras: “Minha Luta” escrita pelo próprio Adolf Hitler; “Hitler” de Joachim Fest; e o “Fascismo Italiano” de Angelo Trento.
Sobre o fascismo espanhol e as condições em que surgiram as revoluções populares e, por sua vez, o fascismo como resposta imediata a tais revoluções, pode ser consultada a obra do eminente professor francês Pierre Broué, “A revolução espanhola: 1931-1939”, que esteve no Brasil em setembro de 1996, participando do Simpósio Guerra Civil Espanhola: 60 anos, realizado na Universidade de São Paulo.
Sobre as relações entre Brasil, Argentina e Estados Unidos, pode ser consultada a obra de Moniz Bandeira, “Estado Nacional e política internacional na América Latina: o continente nas relações argentina - Brasil (1930-1992)”, da Editora Ensaio.
Aqueles que desejam realmente se aprofundar o estudo do peronismo podem ainda ler alguns textos em espanhol: “La política de los militares argentinos: 1900-1971” de Dario Canton; “História Argentina: la democracia constitucional y sus crisis” de Canton e Moreno; “Perón o muerte: los fundamentos discursivos del fenómeno peronista” de Sigal e Verón; e “Gobierno peronista y política del petroleo en Argentina: 1946-1955” de Marcos  Kaplan.
Para complementar este estudo pode ser consultada a obra “As razões do iluminismo” de Sérgio Paulo Rouanet.
Entre outros assuntos ele dá uma pincelada sobre questão do irracionalismo do fascismo, que se esconde sobre a aparência de racional.

Para saber mais sobre o assunto.
BANDEIRA, Moniz. Estado Nacional e política internacional na América Latina: o continente nas relações Argentina - Brasil (1930-1992). São Paulo: Editora Ensaio, 1993.
BROUÉ, Pierre. A Revolução Espanhola: 1931-1939. São Paulo: Perspectiva, 1973.
CANTON, Dario. La política de los militares argentinos: 1900-1971. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Argentina Editores, 1971.
CANTON, Dario; Moreno, J. L. & CIRIA, A. Historia Argentina: la democracia constitucional y sus crisis. Buenos Aires: Paidós, s.d.
FEST, Joachim. Hitler. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1976.
HITLER, Adolf. Minha Luta.  São Paulo: Editora Moraes, 1983.
LACLAU, Ernest. Política e ideologia marxista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
MURMIS, M. & PORTANTIERO, J. C. Estudos sobre as origens do peronismo. São Paulo: Brasiliense, 1973.
PRADO, Maria Lígia. O populismo na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 1981.
REICH, Wilhelm. Psicologia de massas do fascismo. São Paulo: Martins Fontes, 1972.
ROUANET, Sérgio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
SHIRER, William L. Ascensão e queda do III Reich. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963.
SIGAL, Silvia & VERÓN, Eliseu. Perón o muerte: los fundamentos discursivos del fenómeno peronista.  Buenos Aires: Logus, s.d.
TRENTO, Angelo. Fascismo Italiano.  São Paulo: Ática, 1986.
KAPLAN, Marcos. Gobierno peronista y politica del petroleo en argentina: 1946-1955. Caracas: Edicines de la Biblioteca de la Universidad Central de Venezuela, s.d.
KONDER, Leandro.  Introdução ao Fascismo. Rio de Janeiro: Graal, 1977.
UMBERTO ECO em colóquio organizado no dia 24 de abril de 1995, pelo departamento de italiano da Columbia University, publicado pelo jornal “Folha de São Paulo” em 14 de maio de 1995.

Texto:
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.

Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.





sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Peronismo – Parte 6: o exílio e a volta triunfal.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 1, Volume set., Série 24/09, 2010.


A chamada “Revolução Libertadora”, encabeçada pelo general Eduardo Lonardi, derrubou o general Juan Domingo Perón, em 16 de setembro de 1955.

No entanto, o peronismo sobreviveu à queda de Perón.
Logo depois de ser destituído, ele partiu para o exílio no Paraguai, ficando no país até 6 de novembro do mesmo ano, quando então foi recebido no Panamá.
Em 8 de agosto de 1956, partiu para Caracas, capital da Venezuela, onde foi protegido pelo ditador Pérez Giménez, cuja queda do poder, obrigou Perón a se exilar na República Dominicana.
Finalmente, em 26 de janeiro de 1960, conseguiu asilo na Espanha do ditador fascista, general Francisco Franco, a quem os nazistas haviam ajudado a colocar no poder pouco antes do inicio da 2º. Guerra Mundial.
De longe, Perón organizou um movimento para tentar retornar a Argentina e retomar a direção da nação.

Enquanto Perón estava na Espanha.
Na Europa, Perón teve sua residência fixada inicialmente nas Ilhas Canárias, instalando-se depois em Madri, de onde regressaria para a Argentina somente em 27 de novembro de 1972.
Ao longo de todo o período do exílio, que durou exatamente dezessete anos e dois meses, Perón continuou a ter voz ativa na política argentina.
Tamanha a influencia de Perón entre os argentinos que o governo que o substituiu proibiu lemas e canções do partido peronista.
Chegou até a proibir que se pronunciassem termos como: Perón, peronismo, justicialismo e Eva Perón.
Isto só fez proliferarem os eufemismos para fazer referência a sua pessoa e ao período peronista, tais como: “o tirano prófugo”, “o tirano deposto”, “a segunda tirania”.
Demonstrando, por outro lado, que os próprios peronistas tinham consciência do caráter fascista do movimento.
Acontece que grande parte dos peronistas não consideravam uma ofensa serem taxados de fascistas, mas uma honra.
Foi dentro deste contexto que os membros da esquerda peronista começavam a ficar insatisfeitos com a orientação fascista.
Destarte, as várias leis que ficaram conhecidas como decretos da “Revolução Libertadora”, colocando o peronismo na clandestinidade, não conseguiriam fazer calar os peronistas.
Mesmo na clandestinidade e rachado, o partido peronista continuou se articulando para trazer de volta ao país o seu líder.
A imagem do peronismo, enquanto movimento sectário, fortemente associado a um período de abundância do país, continuou enraizado no imaginário popular argentino.

Sendo transmitido de pai para filho, dando origem a “juventude peronista”, a qual constituiria uma nova massa de manobra para Perón.

A crise política e econômica se agravou em 1966, chegando ao seu ápice em 1968, abrindo a oportunidade que os peronistas precisavam para trazer à tona a ausente figura de Perón.
Ele foi transformado em um messias capaz de restaurar a unificação nacional.
Os militares já não conseguiam mais controlar a situação do país, quando, em julho de 1972, temendo uma revolução popular, começaram a enxergar em Perón uma saída.
 Grupos de guerrilheiros de esquerda proliferavam por toda a América Latina, Perón parecia então o único capaz de evitar a chagada dos vermelhos a Argentina.
Os militares iniciam o processo de abertura, colocando restrições para impossibilitar a candidatura de Perón à presidência.
Ele finalmente pode retornar do exílio em 17 de novembro de 1972, chegou no famoso avião preto, o qual havia sido objeto dos sonhos dos peronistas durante longos anos.

A volta triunfal.
Perón retornou a Argentina em meio a um grande caos político e econômico, assumindo uma atitude conciliadora.

Estando impedido de concorrer às eleições, indica como seu candidato Héctor Cámpora, concorrendo à presidência pela “Frente Cívica da Libertação Nacional”.

Héctor Cámpora representava a ala ligada a extrema direita do movimento peronista, principalmente a juventude peronista, o que causou forte oposição da esquerda, mas a candidatura acabou oficializada em janeiro de 1973.
Em 11 de maio deste mesmo ano, os candidatos peronistas, Cámpora e Vicente Solano Lima foram eleitos, respectivamente, presidente e vice-presidente da república Argentina, com 49,5% dos votos.
O que representou mais a volta triunfal do peronismo ao poder, além da vitória do setor mais radical do movimento, nítida e declaradamente fascista.

Um novo governo peronista e problemas a vista.
A posse de Cámpora, em 25 de maio de 1973 desencadeou a revolta das bases operárias, gerando um conflito direto e físico, chegando ao enfrentamento armado entre operários e a juventude peronista.
Órgãos estatais, universidades, hospitais e outras instituições públicas tornam-se palco de conflitos sangrentos.

Um conflito que pode ser explicado pelo fato da ausência de Perón do país durante o exílio ter aberto espaço para modificações na base operária peronista.

Ela havia se transformado de fascista em socialista.

Estava então mais consciente do que no passado, os operários não acreditavam mais em discursos e propaganda.
Não bastava mais apenas dizer-se social, sem assumir de fato uma postura de luta pela igualdade de classes.
A população saiu às ruas gritando palavras de ordem como “Cuba e Perón, um só coração”; exigindo que Perón assumisse um novo posicionamento, não mais de direita, mas uma guinada a esquerda.
Verdadeiramente, o movimento peronista se encontrava rachado; de um lado a extrema direita exigia o expurgo do “trotskismo”; de outro a esquerda exigia o aniquilamento do caráter fascista.
Perón começou a perceber que, apesar da volta triunfal, sua base estava visivelmente debilitada.

Novamente o começo do fim.
Visando tentar sanar o racha entre peronistas, através de uma nova ilusão das massas, Perón alterou seu discurso, passando a dirigir-se não mais aos operários, mas aos descamisados.

O artifício falhou, ele não conseguiu convencer os operários, agora extremamente politizados.

No entanto, este novo governo peronista contava com aliados poderosos, havia chegado ao poder com o apoio dos Estados Unidos da América, representado pela CIA.
O mundo se encontrava em pleno clímax da guerra Fria, o peronismo parecia aos norte-americanos à única coisa que poderia impedir os comunistas de tomarem a Argentina.
Orientado por Perón, Cámpora endureceu o combate ao comunismo.
Centenas de pessoas foram mortas, muitas vezes em confrontos diretos com a juventude peronista, que havia se tornado uma organização paramilitar a semelhança das SA e SS de Hitler.
Confrontos diretos com a polícia massacraram manifestações; a tortura e o encarceramento sem fundamentação jurídica tornaram-se comum.
Em meio à confusão inicial, Perón, um tanto transtornado e perdido, alternou períodos em que estava presente no país, com períodos em que procurou se auto-exilar em Madri.
Ele deixou uma brecha que foi explorada tanto pela esquerda como pela direita, ora associando sua imagem a uma ou outra tendência.

O fim ou seria o começo.
Pouco a pouco, Perón procurou deixar clara sua posição pró-direita e declaradamente fascista.

Em outubro de 1973, o governo passou a ser acompanhado mais de perto por Perón justamente porque estava a frente dele depois de ter sido eleito presidente.

Em represaria as tendências de esquerda da ala sindical do movimento peronista, Perón iniciou uma reforma na lei sindical, com vistas a manter um controle mais rígido sobre os sindicatos.
Em meio ao tumulto surgiu o grupo terrorista de esquerda “ERP” (Exercito da Revolução Popular).
Através de atentados este grupo procurou se opor ao peronismo.
Em janeiro de 1974, o “ERP” lançou um atentado à bomba a uma guarnição militar.
Mais uma vez deixando claro seu caráter fascista, Perón obrigou o governador da província a renunciar, já que tinha sido incompetente.
Iniciou em seguida um novo endurecimento no combate ao comunismo, entrando em choque direto com os sindicatos.
A reação não tardou, em 1a. de maio de 1974, tradicional dia de comemoração da ala sindical do partido peronista, dia do trabalho, a oposição organizou uma enorme manifestação na “Praça de Maio”, em Buenos Aires.
Como no passado os argentinos manifestaram a insatisfação com o governo peronista; obtendo o apoio de diversos setores da sociedade, chegando a contar com cinqüenta mil pessoas.
Pouco depois, em 1a. de julho de 1974, Perón faleceu; assumiu o governo a vice-presidente, no caso a terceira esposa do presidente morto, Maria Estela Martinez de Perón, cujo verdadeiro nome era Isabel.

Ocupando o governo da Argentina em condições internas deterioradas, a nova presidente enfrentaria o agravamento da crise, com um aumento da inflação que chegou a 920% ao ano em 1976.


A ausência definitiva de Perón do cenário argentino fez aumentar os atos de terror e violência.
Os quais ganharam a proporção de uma verdadeira guerra civil.
Tornam-se comuns os combates e atos de terror provocados pela “Triple A” (Alianza Anticomunista Argentina) e pelo “Comando de la Arganización”, que assassinam militantes e líderes de esquerda.
Estas organizações rivalizavam com o “Ejército Revolucionario del Pueblo” (de origem Trotskista).
Enquanto, por sua vez, a juventude peronistas continuou atuante, agravando o caos e instabilidade social.
A viuva de Perón em breve seria derrubada da presidência por uma novo golpe militar.

Para saber mais sobre o assunto.
Acompanhe o próximo artigo da Revista .

Texto:
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.

Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.



quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Peronismo – Parte 5: o fascismo “terceirista”.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 1, Volume set., Série 23/09, 2010.


Como todo regime fascista, o peronismo se apresentava como "terceirista".
Em outras palavras, dizia advogar uma terceira posição, nem capitalista, nem socialista.
Isto, a semelhança do NSDAP (Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães), que ficou conhecido por sua abreviação “Nazi”, na Alemanha de Hitler e que também dizia advogar uma terceira posição.

Peronismo e nazismo, algumas aproximações.
É interessante notar que o partido nazista alemão atrai, na sua origem, como o peronismo, tanto elementos da extrema direita como esquerda.
Estes últimos foram expurgados por Hitler do partido em 30 de junho de 1934, eles exigiam o aniquilamento dos patrões e proprietários, em uma segunda revolução, o que fez a ala direitista pedir providências imediatas ao partido.
Como os fascistas alemães e italianos, os peronistas acreditavam ser a esperança de um novo mundo.
Acreditavam serem os detentores de um novo sistema que se dizia nem capitalista, nem socialista; mas que não passava de um capitalismo conservador de extrema direita.
Dentro deste contexto, seu caráter socialista nada mais era do que pura demagogia propagandista, destinada a iludir sua massa de manobra, ou seja, os trabalhadores.
Na verdade objetivava combater o comunismo, através da ilusão de que poderia servir de base para a implantação de uma sociedade mais justa e igualitária.
Deste modo, o peronismo, como todo fascismo, era pura e simplesmente o capitalismo levado as suas ultimas conseqüências.
O que não deixa de constituir um terceiro caminho, porém não um caminho ao centro, mas sim um caminho mais a direita.
Tanto é que o próprio Perón admitiu, que sua ideologia era apenas uma outra forma de capitalismo, segundo afirmou em discurso, datado em 1946:

“Não somos de maneira alguma inimigos do capital, e se verá no futuro que temos sido seus verdadeiros defensores. É mister discriminar claramente entre o que é capitalismo internacional dos grandes consórcios de exploração forânea e o que é capital patrimonial da indústria e comércio. Nós temos defendido este último e atacado sem quartel e sem trégua o primeiro”.

O terceirismo peronista e os argentinos.
Obviamente, a classe detentora do capital, terminou aderindo ao peronismo depois que Perón advogou ser o “terceirismo” o único modo de controlar a massa, manter a ordem e combater o terrível fantasma do comunismo.

Perón, tal como Hitler, negociava com grandes industriais, e deles recebia dinheiro prometendo proibir as greves.

Como afirma Reich, autor de um estudo sobre a psicologia de massas do fascismo, “foi sem dúvida a estrutura psicológica do trabalhador médio que impediu os homens comuns enxergar as contradições.
O peronismo conseguiu alcançar um consenso entre diferentes grupos, com interesses distintos entre si, e que se temiam mutuamente; conseguindo manter-se no poder, com o seu suposto “terceirismo”, por pouco mais de dez anos.
Sem dúvida, parece ser uma característica, de todo e qualquer tipo de fascismo, agradar gregos e troianos simultaneamente, sem que os troianos (no caso os operários) percebam o presente de grego que lhes é oferecido.
A estrutura do fascismo, ao colocar-se demagogicamente como “terceirista”, operou como fator de agregação, convocou as massas a aderir a uma luta pelo nacionalismo e pelo desenvolvimento do poderio nacional, em detrimento do internacionalismo representado pelo comunismo.
Ao agir assim, operou em favor dos capitalistas de seu país, manobrando as massas, e comprando sua liberdade através de bens materiais.
Todos os tipos de fascismo, inclusive o peronismo, colocam-se sempre como “terceirista”, mas são na verdade apenas capitalistas que levam a doutrina até as últimas conseqüências.

Peronismo foi um fenômeno fascista?
Apesar de muitas vezes, por razões obvias, Perón negar a identificação de sua doutrina com o nazismo.
Em outras ocasiões deixou claro que o nazismo serviu de fonte de inspiração para a construção do fascismo peronista argentino.
Como se pode facilmente ser notado através do seguinte discurso pronunciado em 17 de agosto de 1944, quando o nazismo começava a ser derrotado na Europa:

“Pelas idéias que professo tenho sido atacado por pessoas interessadas, o mesmo que se sucede com todos os indivíduos bem intencionados. Declaro que não me creio nunca possuidor único da verdade; porém também afirmo que confesso o que sinto e o que penso (...) Se me tem atacado porque manifesto que cada grêmio sindical deve ser unitário. Me dizem que pensando assim, eu devo declarar que os nazis tem razão; e se digo isto, é precisamente porque não me ato a prejuízos ridículos de uma determinada ideologia, em paralelo, vou eu buscar a verdade onde ela está”.

Em seu discurso, Perón evidencia que enxergava o nazismo como uma saída possível, na medida em que também considerava os alemães “terceiristas”.
Como pretexto para inspirar-se no nazismo, Perón usou o artifício de dizer-se livre de prejuízos, ou se preferirem preconceitos, afirmando que buscava a verdade onde ela estava, colocando-se como detentor da verdade, assim como os nazistas.
Sendo assim, tentava justificar suas idéias, nitidamente de caráter e inspiração nazifascista, como sendo verdadeiras e por isto justas, portanto, ideais para a realidade argentina.
Obviamente, a posição “terceirista” adotada pelo peronismo, em uma época de bi-polarização mundial em dois blocos, não poderia ser sustentada sozinha por um país pequeno e militarmente fraco como a Argentina.

Exatamente por esse motivo, Perón buscou o apoio inglês.
No entanto, pode rapidamente perceber que não conseguiria este apoio gratuitamente.

Perón nunca foi unanimidade, mas o peronismo sim.
Sempre existiu uma divisão interna no partido peronista, que se torna cada vez mais latente depois que Perón foi destituído da presidência pelo golpe militar de 1955.

Nas eleições de 1957, com Perón exilado fora do país e seu partido na clandestinidade, o qual havia sido dissolvido e declarado ilegal poucos meses depois do golpe de 1955, somente os votos em branco chegam a somar 24% do sufrágio total, deixando claro que o peronismo estava vivo e ativo.

Os votos em branco representavam um repudio ao fato dos peronistas não poderem ser votados.
Em 1958, Perón firmou um acordo secreto com Frondizi, candidato a presidência, que prometeu legalizar novamente o partido peronista, obviamente, em troca de votos.
Os peronistas estavam então divididos entre os que aceitam apoiar Frondizi, e os que pregam o voto em branco.
Em fevereiro de 1958, os votos em branco chegam a oitocentos mil sufrágios, embora Frondizi tenha conseguido ser eleito com a ajuda da facção que seguia a risca as orientações enviadas por Perón do exílio.
Cabe notar que os dissidentes, tanto de esquerda como de direita, votaram em branco, não por discordarem da orientação de Perón, mas sim por não acreditaram que Perón tivesse enviado a orientação.
Um fato que constitui um grande empecilho as tentativas de organizar uma volta os poder, uma vez que dada a distancia, muitas mensagens enviadas por Perón eram consideradas falsas ou alteradas.
Mais tarde, quando realmente foi confirmada a existência do pacto, muitos peronistas não conseguiram acreditar que Perón tivesse tomado a decisão, consideravam a união com Frondizi um ato vergonhoso que traia os ideais do movimento peronista.
Não obstante ao racha no partido peronista, as tentativas de voltar ao poder continuariam, tanto por parte da vertente que defendia a luta armada, um grupo menos numeroso; como dos defensores do retorno por meios legais e através do protesto, representado pelo voto em branco.
Muito embora, alguns elementos da nascente esquerda peronista, começassem a desconfiar de certas posturas adotadas por seu líder, questionando a fidelidade de Perón para com as metas sociais.
O governo responsável pela queda de Perón seqüestrou o corpo embalsamado de Evita; considerada como a “mãe dos pobres”.
Eva Perón havia se tornado um verdadeiro peronista, sobretudo da ala sindical (CGT).
O novo governo manteve o corpo em um furgão que perambulou durante meses pelas ruas de Buenos Aires para evitar sua localização.
Depois da queda de Perón, o governo passou a considerar essencial evitar que o cada ver de Evita pudesse se tornar objeto de veneração; mais tarde, chegando a transportá-lo clandestinamente para a Europa.
O corpo percorrendo um tortuoso roteiro que terminou em uma cova anônima na Itália; para retornar a Argentina, depois de passar pela Espanha, onde então Perón encontrava-se exilado.
O cadáver só retornaria a Argentina depois da reabilitação do peronismo; mesmo assim, depois que a guerrilha peronista, na década de 70, roubou do cemitério o cadáver do general e ex-presidente Pedro Arambúru, um dos cabeças do golpe contra Perón em 1955.
Em troca do corpo, os peronistas exigiram como resgate a devolução de Evita.

Para saber mais sobre o assunto.
Acompanhe os próximos artigos na Revista.

Texto:

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.