Publicação brasileira técnico-científica on-line independente, no ar desde sexta-feira 13 de Agosto de 2010.
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Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Ensaio sobre o intuicionismo de Bergson como método filosófico.

 Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 12, Volume dez., Série 01/12, 2021.


Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.


Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.
Graduado em Pedagogia - UNICSUL.


 

1. INTRODUÇÃO.

A filosofia bergsoniana tinha horror aos conceitos genéricos, recusando a chave que abre todas as fechaduras, e adotando a flexibilização de espirito diante do real.

Pretendia resolver os problemas filosóficos ultrapassando-os e integrando em uma corrente mais profunda, na medida que convicto de que a solução dos problemas filosóficos se encontrava no contato com o real.

Nascido em Paris, em 1859, o filósofo Henri Bergson, durante boa parte de sua vida foi professor de filosofia na Escola Normal Superior e no Colégio de França, além de ter sido membro da Academia Francesa.

Foi um dos pais e principal expoente do intuicionismo, sustentando que o genuíno conhecimento não se encontrava nos conceitos abstratos do intelecto, mas sim na apreensão imediata.

No entanto, este intuicionismo bergsiniano não deve se confundido com o intuicionismo matemático de vertente britânica, ligado a lógica de Poincaré.

Antes, é um intuicionismo francês, vinculado com a metafísica, um método filosófico que usa a intuição e suas regras específicas, constituindo o que Deleuze (1999: 08) definiu como aplicação da “prova do verdadeiro e do falso aos próprios problemas”, denunciando “os falsos problemas”, reconciliando “verdade e criação no nível dos problemas”.   

 

 

2. O CONHECIMENTO DA REALIDADE.

O que Bergson chamou de intuição imediata poderia ser definido como intuição, resultado da experiência interior, nesta medida concebendo a realidade como sempre nova, de modo que só poderia ser apreendida unicamente pela intuição concreta, particular e mutável, portanto, não pelo conceito abstrato, universal e imutável.

Para o pensamento bergsoniano existiriam dois caminhos para conhecer o objeto real, duas formas de conhecimento diversas e desiguais entre si: mediante o conceito ou pela intuição.

O método de conhecimento através dos conceitos; ou seja, dos juízos, silogismos, análises e sínteses. quer seja por meio da dedução ou da indução, seria utilizado pelos filósofos cientistas.

Já o conhecimento gerado pela intuição, seria um tipo de conhecimento imediato e anterior ao conhecer dos conceitos, um conhecimento intrínseco, concreto absoluto.

Conhecer através da intuição significaria transportar-se até à interioridade profunda das coisas, conhecer a realidade tal como ela realmente é, ou ao menos como parece ser.

Em contrapartida, o conhecimento da realidade por meio dos conceitos fragmentaria e deformaria a realidade, a medida que opera através de símbolos e abstrações que deixam escapar a realidade profunda, concreta e verdadeira das coisas.

Bergson procurou alertar justamente para o perigo do conhecimento por meio dos conceitos, gerado pela confusão da intuição filosófica com um iluminismo, feito de imagens e palavras.

Uma espécie de visão mística que transforma a filosofia em uma confidência entre iniciados, reduzindo a uma espécie de língua confusa de que já caçoava Platão.

 

3. A RENOVAÇÃO DA FILOSOFIA.

Reduzindo a filosofia por meio dos conceitos em puro sofismo, Bergson procurou demostrar que a tradição atribuía à experiência imediata um hermetismo que nada tinha a ver com ela.

Desta forma para entender o papel da intuição recomendava que mais que pensar na teosofia do Oriente, pensasse-se nas intuições delicadas dos movimentos do espírito.

Tal como as encontramos, por exemplo, nos moralistas, ou ainda no bom senso capaz de adaptar espontaneamente seus juízos às mais variadas situações concretas.

Nesta acepção, a crítica de Bergson a tradição filosófica não é mais que a crítica às doutrinas que supõe que a inteligência humana é essencialmente especulativa.

Portanto, o intuicionismo permitiria conhecer as coisas como são, postulado comum a toda filosofia Ocidental desde o tempo dos gregos.

Embora os cépticos já tivessem duvidado da capacidade de conhecer da inteligência humana, e os relativistas limitado este conhecer aos fenômenos, sem a intuição a filosofia não poderia validar o conhecimento.

Seria necessário renovar a filosofia penetrando na natureza da inteligência, considerando o homem como um criador de instrumentos que fabrica com matéria solida.

O pensamento precisaria alargar sua ação sobre a matéria, como a inteligência humana que permitiu a faculdade de fabricar instrumentos.

A semelhança dos enciclopedistas do século XVIII, que não atribuíam outra finalidade ao espirito humano que não o transformar o planeta para o seu próprio bem; a filosofia careceria da intuição para se renovar para o bem de si própria.

Para estes enciclopedistas, o que constituía o conhecimento eram a matemática e as ciências da matéria, as ciências humanas, penetradas de materialismo, reduzindo-se em combinações mecânicas de noções elementares, tornando o funcionamento do espírito semelhante ao de uma máquina.

Tal concepção, formulada no século XVIII, no século XIX, terminava por confirmar inteiramente a tese bergsoniana de uma tendência da inteligência para especular, regulando-se pelo comportamento dos sólidos.

A intuição aplicada a filosofia, seria um método para promover um simples arranjos e combinações mecânicas, explicando tudo na vida e no espirito, renovando o pensamento filosófico.

 

4. A APLICAÇÃO PSICOLÓGICA.

Bergson, em seu “Ensaio sobre os dados imediatos da consciência”, sua tese de doutoramento, datada em 1889, constitui uma análise da psicologia introspectiva.

O ponto de partida de sua metafísica são os fenómenos psicológicos complexos, por sua vez, formadores de fenômenos psicológicos mais simples.

Estes seriam reunidos segundo as leis de associação, provando que existe um determinismo psicológico, que faz com que os fatos se desprendam de outros fatos, em particular do ato voluntário que deriva de seus motivos.

Não obstante, estas ideias entravam em choque com o sentimento espontâneo que se tinha da natureza do ser vivo e da alma.

Consciente desta realidade, ao invés de negar, forneceu a prova da contradição em sua obra, datada em 1900, intitulada “O riso”.

Para ele, o riso produz-se quando encontramos o automático e o mecânico, onde esperávamos encontrar o vital e o voluntário.

Sendo assim, o erro que o mecanicista comete deriva do fato de tentar compreender a vida e o espirito como uma inteligência que só se dá bem com a matéria bruta.

O esforço da especulação filosófica processa-se, precisamente, em sentido inverso, obtendo como resultado um violentar da tendência natural convertida em inércia; ou seja, a percepção habitual das coisas é utilitária, refém dos resumos fragmentados da percepção intuitiva.

Um exemplo concreto é fornecido pela percepção de uma língua estrangeira, que ignora a sequência de palavras que formam um poema, a qual só é realmente conhecida, tal como um nativo, quando compreendemos a função das palavras na continuidade e sentido deste poema.

A inteligência, sem a intuição, está fora da vida e do espírito como o estrangeiro é alheio às nuances da língua que, para outros, constitui a língua materna, que torna o sentido original inteligível para este.

Aplicando o pensamento bergsiniano a psicologia, enquanto a inteligência apreenderia pelo exterior, a intuição apreenderia pelo interior.

No ato voluntário, por exemplo, a inteligência examinando a realidade interiormente, saberia analisa-la e reconstitui-la.

Por outro lado, a inteligência seria apenas resultante de composição mecânica desta força, sendo que o ato voluntário se realizaria instantaneamente e inteiro, indiferente ao tempo.

O que nos leva a perceber que a inteligência segue uma via errada, pois ao contrário do conhecimento direto e interior, exigiria uma lenta maturação.

Uma vez que mecânica, não poderia agir sobre uma realidade que nunca apresenta o mesmo aspecto da vida, mas seria descoberto mais tarde que os mecanismos da mente se repetem, anulando esta premissa.

 

5. O PROBLEMA DA IMPREVISIBILIDADE HUMANA.

Para Bergson, o real nunca é o mesmo, o antes e o depois não funcionam como na mecânica, onde os atos são repetidos e previsíveis.

O depois indica, em relação ao antes, uma inovação imprevisível e intraduzível em linguagem abstrata, constituindo uma duração unicamente vivida e que só pode ser objeto da intuição.

O presente não sucederia apenas o passado, mas também tornaria-se com ele mais denso, pois afinal a vida psicológica humana ignora as leis de equivalência que reinam na mecânica.

Somente pela intuição o espírito se colocaria acima das alternativas oferecidas pela imprevisibilidade humano, chegaria-se até à interioridade das coisas.

Dentro deste contexto, conhecer por intuição significaria transportar-se ao interior da realidade no que ela tem de único.

A intuição seria a faculdade suprema do impulso vital, de modo que a humanidade caminha para o desenvolvimento da intuição como faculdade ordinária de conhecer as coisas.

Para método intuicionista bergsoniano, mediante a intuição, poderíamos conhecer de maneira imediata e perfeita, ou pelo menos a realidade do nosso eu.

A essência do sujeito e de todo o universo, consistiria na duração sucessiva preenchida com atos vitais sempre novos.

Neste sentido, a fonte da qual brotariam todas as coisas, quer as materiais, quer as espirituais, seria o impulso vital consciente ou supraconsciente de produzir, por evolução, novas e maiores formas.

Originalmente, todas as propriedades e forças deste dito impulso vital, para Bergson, estavam indivisas e não desenroladas nele.

A própria evolução teria obrigado o impulso vital a marchar para diversas direções, de modo que estas forças teriam tendido a desenrolar-se e dividirem-se, umas se desenrolando com mais perfeição do que outras.

Este impulso vital, no homem, chegaria até a plena consciência e à liberdade.

No entanto, simultaneamente, teria feito com que o homem perder o instinto, faculdade permitiria perceber a essências das coisas, porque a inteligência conheceria não as coisas, mas sim apenas relações entre elas e com si mesmo.

 

6. CONCLUINDO.

Diante da discussão entre os adeptos do determinismo e do livre-arbítrio, da oposição entre evolução ou criação, ordem ou desordem, realidade ou nada, causalidade mecânica ou finalidade, e tantas outras; Bergson termina por contestar ambas.

Para o filósofo, a escolha consistiria tão somente entre vida e morte, uma vez que o espirito estaria diante apenas de escolher uma conduta de vida, que faria com que o sujeito participasse do universo.

O intuicionismo como método filosófico termina culminando em uma única alternativa: a do vital e mecânico.

O espírito se definiria pela contração, cada vez maior, da duração; cujos momentos penetrariam no presente, na duração do agora para o eu.

Para que tal se torne possível, ele define o limite superior destes movimentos como sendo a eternidade divina; e o limite inferior como sendo o espaço homogêneo.

Cabe notar que entre estas duas direções não há de modo algum uma hierarquia, como se no real a matéria bruta fosse um primeiro grau entre o nada e a vida.

A doutrina bergsoniana, no seu conjunto, é uma experiência que tem por objeto o espírito e uma indagação tendente a conduzir a esta experiência.

Ela deriva do mediato, do construído para terminar no imediato.

Reside neste ponto a metafisica, pretendendo seguir a experiência e não ir além dela; não sendo nem uma construção intelectual, nem a afirmação de um valor.

A intuição não abandona o dado e nem tão pouco o real, termina constituindo um positivismo radical em que tudo se reduz a uma experiência real subjetiva e pessoal, além de toda construção.

Destarte, é impossível não reconhecer que Bergson, com sua crítica perspicaz e profunda, trouxe uma contribuição poderosa à liquidação definitiva do materialismo, do determinismo universal, fundando a psicologia experimental.

Somente Bergson foi capaz de mostrar com clareza que a filosofia é um "perene recomeçar, não no sentido de um retorno constante à origem absolutas do mundo, mas no sentido de que sua descrição sempre deve recomeçar, para acompanhar a experiência continuamente nova de uma realidade que está sempre em vias de se fazer" (PRADO JR).

 

7. PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO.

BERGSON, Henri. As Duas Fontes da Moral e da Religião. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

BERGSON, Henri. "Cartas a William James" In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

BERGSON, Henri. "Conferências: a intuição filosófica, A consciência e a vida, A alma e o corpo" In: Os Pensadores. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva, Abril Cultural, 1974.

BERGSON, Henri. Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência. Lisboa: Edições 70, s.d.

BERGSON, Henri. "Introdução à Metafisica" In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

BERGSON, Henri. Matéria e Memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

BERGSON, Henri. "O Cérebro e o Pensamento" In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

BERGSON, Hernri. "O Pensamento e o Movente" In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

BERGSON, Henri. O Riso. Rio de Janeiro: Guanabara, 1978.

DELEUZE, Gilles. O Bergsonismo. São Paulo: Ed. 34, 1999.  

PRADO JUNIOR, Bento. Presença e Campo Transcendental. São Paulo: Edusp, 1989.


sexta-feira, 23 de julho de 2021

As ruínas do Engenho de São Jorge dos Erasmos: pesquisa histórico-arquitetônica e estrutural do engenho.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 12, Volume jul., Série 23/07, 2021.


Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

Líder do Projeto.

Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.
Graduado em Pedagogia - UNICSUL.


COAUTORES: Claudiano de Santana Alves, Denison Valdez Felix, Denner Lima dos Santos, Diego Sanchez Limeira, Gabriela de Castro Soares, Geiel Bernardes da Silva, Igor Garcia Alonso Junior, Luis Felipe Lima de Sousa.


O texto deste artigo originalmente compunha uma monografia inserida no Projeto Integrador, orientada pelo Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos, apresentada pelos alunos citados como coautores ao Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), como exigência parcial para a aprovação na disciplina PI I do curso de engenharia civil. Os resultados da pesquisa foram apresentados ao público em evento interno da universidade, submetido à avaliação de banca de professores do curso no ano de 2014. Este texto foi atualizado pelo orientador, com modificações substanciais, para publicação na Revista.

 

 

Resumo O engenho São Jorge dos Erasmos foi o ponto de partida para a indústria açucareira no Brasil, pois o rei D. Manuel decidiu explorar o Brasil com o objetivo lógico de lucrar, construindo assim, um ponto comercia forte com o intuito de fabricar e exportar o açúcar. O engenho foi construído na antiga vila de São Vicente, hoje pertencente à cidade de santos. E tudo isso ocorreu em meados de 1532 com a vinda de Martim Afonso de Sousa que fora responsável pela a construção do engenho. Com o processo de construção, foi criada uma sociedade de investidores, que futuramente foi desfeita e Erasmos Schetz comprou as partes para enfim executar a construção do engenho.

Palavras-Chave: Brasil Colônia, Engenho de cana-de-açúcar, História da Arquitetura, História da Engenharia.

 

ABSTRACT: The Engenho São Jorge dos Erasmos was the starting point for the sugar industry in Brazil, for the king D. Manuel decided to explore the Brazil with the objective logic of profit, thus building a strong point trades in order to manufacture and export sugar. The mill was built in the ancient village of St Vincent, now belongs to the city of saints. And all this occurred in mid-1532 with the arrival of Martim Afonso de Sousa, who was responsible for the construction of the mill. With the process of building a society of investors, which eventually was scrapped and Erasmos Schetz bought the parts for short run of the mill building was created.

Keywords: Brazil Colony, Sugarcane mill, History of Architecture, History of Engineering.

 

 

1. INTRODUÇÃO.

O Engenho de São Jorge dos Erasmos foi de grande importância para o desenvolvimento populacional, agrícola e econômico do Brasil; é um dos primeiros engenhos de açúcar do país e sua data de construção remonta a 1534.

Atualmente está localizado no bairro da Caneleira, no município de Santos.

Construído com a intenção de preservar e ocupar as novas terras descobertas pelos portugueses, o rei D. Manoel enviou um homem de confiança, Martin Afonso de Souza, donatário da Capitania de São Vicente.

Ele é considerado pioneiro na colonização do Brasil, lançou as bases de ocupação da região, criando toda uma infraestrutura que permitiu a fixação lusitana.

Foi responsável por construir fortalezas e introduziu o cultivo de cana de açúcar na nova capitania.

Entretanto, o empreendimento não ficou muito nas mãos de Martin Afonso, passou a propriedade dos Schetz, por volta de 1540.

Na nova gestão, o engenho viveu seu período de apogeu como manufatura açucareira, séculos depois seria desativado e entraria em um processo deterioração até se transformar em ruínas.

Em 1958, mesmo ano que a propriedade foi doada à Universidade de São Paulo (USP), Luís Saia, chefe do 4º Distrito da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - orgão federal -; relatou ao presidente da Comissão Especial do Engenho São Jorge dos Erasmos que realizou prospecção, definindo o partido arquitetônico como de modelo açoriano, tipo real e movido à água.

Levando em consideração a declaração, surge a hipótese de haver uma mistura de estilos de construção, pois o engenho tem características de uma fortaleza e cômodos iguais á de uma senzala e um depósito, onde possivelmente se guardava o que era produzido ali, essa construção possivelmente foi muito mais que um engenho.

Esta hipótese é baseada nas condições sociais da época, onde o Brasil estava sendo explorados, os índios eram capturados e escravizados, com isso, presumimos que o engenho ou qualquer outro tipo de construção poderia ser sujeita a ataques.

A bibliografia pertinente a problemática é vasta, porém limitada, devido uma grande lacuna existente vinda da degradação do monumento estudado e documental da época.

Foi um desafio trabalhar com muitas hipóteses, mas sem fugir da realidade quinhentista e atual.

Através de um vasto acervo de pesquisa já existente, pretendemos continuar a contribuir com o crescimento desse acervo, discutindo a importância do engenho na história do Brasil.

O objetivo é resgatar este acontecimento histórico, que vai além da construção do engenho no âmbito da colonização e expansão comercial açucareira.

Esta intenção envolve a pesquisa da construção do engenho, tecnologias e matéria prima da época.



2. METODOLOGIA.

Para elaboração deste trabalho, seguimos a normatização da ABNT (Associação Brasileira de normas Técnicas), conforme preconizado pela NBR (Norma Brasileira Regulamentadora) 6023.

Atendemos ao padrão estabelecido pelo Manual de Trabalho Interdisciplinar Dirigido/Projeto Aplicado 2-2014 da Unimonte e a Portaria da Reitoria 006/2014 que instituiu as Normas para o Trabalho Interdisciplinar Dirigido/Projeto Integrador.

Desde o início, mostrou-se um grande desafio, embora fosse notório o quão gratificante seria traçar esse caminho em busca de antigas metodologias construtivas.

Pesquisas minuciosas da ruína foram iniciadas, em cima de muitas leituras e dedicação geral de grupo, empenharam-se todos em uma pesquisa de campo.

No local das ruínas, muitas informações foram obtidas dos historiadores responsáveis pelo patrimônio histórico, permitindo conhece detalhes; mas também realizamos medições para utilizar em escala, visando a construção de uma maquete das ruínas.

A problemática envolve entender todo processo de construção, razão pela qual trabalhamos com inferência, chegando a possibilidades, dado o tempo que nos separa da sua fundação por Martin Afonso de Souza.

Em 1996, uma escavação no engenho foi realizada pela equipe da USP, possibilitando evidenciação do material arqueológico, por isto, optamos pela ênfase à representação das ruínas no presente.

Foram encontrados em profundidade, em um paiol - usado para guardar armas e alimentos -; louças, porcelanas e alguns pedaços de utensílios domésticos da época.

Foi descoberto também que atrás do engenho existia uma grande cachoeira que dava força ao moinho, hoje em dia é uma fina bica d'água.



3. RESULTADO.

Um outro engenho surgiu inicialmente como um empreendimento dos portugueses, em 1501, na região próxima ao que hoje é a cidade de Santos.

Foi quando um primeiro desterrado foi enviado para o Brasil, o mestre Cosme Fernandez, judeu de alta cultura que exilado e aqui chegando conseguiu gerar riquezas.

Hipótese confirmada por documentação da época: “Em consequência de uma Lei de Expulsão de 1497, saiu de Portugal, com destino certo e determinado, inscrito no Livro dos Degredos, e no caso de Mestre Cosme Fernandes, o destino era  25 Graus de Ladeza, na Costa do Brasil - o que coincidia com a Ponta Sul da Ilha do Meio (Cananeia)”. http://www.portalpraiasp.com.br/histocananeia.htm

O sucesso do mestre Cosme, em terras brasileiras, gerou interesse dos portugueses, já na época engajados em uma alta produção de açúcar em outros territórios pertencentes a Portugal.

O rei D. Manuel, ordenou que viesse um homem forte e competente de sua confiança, capaz para dar início a nova tecnologia em produção de açúcar.

Em 1534, a mando do donatário da Capitania de São Vicente, oficialmente, começou a construção do Engenho dos Governadores, assim chamado na época.

Somente após estar em posse da família Schetz, é que foi denominado Engenho de São Jorge dos Erasmos.

Uma das razões para construção do engenho no que hoje é o bairro da Caneleira, na cidade de Santos é explicado pela documentação da época.

Dizia: “E assim é a terra mui sadia, fresca de boas águas, e esta foi a primeira onde se fez açúcar, donde se levou planta das canas para as outras capitanias” (GEAMPAULO, 1988: 416).


A. Descrição da Estrutura.

A sua estruturação sofreu forte influência da constante ameaça de ataques indígenas e piratas, foi pensado para ocupar pontos elevados, edificado com muros de arrimo para facilitar uma visualização frontal.

Seguiu os padrões europeus, parecido com os engenhos idealizados na Ilha da Madeira.

Utilizou técnicas de construção do século XVI, usando madeiras locais e grandes pedras.

As paredes tinham 0,60m a 1,30m de espessura, unida com argamassa de cal derivado de conchas (Sambaquis).

O engenho comportava uma unidade administrativa e, simultaneamente residencial, com dependências para nativos escravizados, visto que as senzalas seriam edificadas décadas mais tarde.

Conforme verificado na documentação do período, que afirma que o engenho possuía “uma casa muito grande com seis lanços, uma senzala com uma ferraria provida de baluarte e ainda duas casa cobertas de telhas, muito boas e fortes (...)[,] todas essas casas se erguiam na altura e todas juntas e próximas de maneira que nenhuma fazenda (...) tão forte aos contrários” (GEAMPAULO, 1988: 416).

Existia na época um riacho atrás do engenho, permitindo o funcionamento do moinho a energia hídrica, seguindo os métodos de produção madeirense, mas existe a possibilidade ter sido combinado com moenda de tração animal.

Existia também uma capela, construída posteriormente por influência dos padres jesuítas, feito em homenagem a São Jorge, o que daria ao local seu nome após passar para a propriedade dos Schetz, por volta de 1540.

Foi edificada com tijolos, diferenciando-se da fundação de arrimo, representando uma parte indispensável no engenho.

Era um local de reuniões da comunidade local que estendia-se para além do engenho, palco de nascimentos, casamentos, cerimônias indicativas do início da safra e funerais.

Atraia toda a sociedade do complexo e dos arredores nos domingos e dias santos.

Os arqueólogos encontraram nas proximidades um “fosso”, que, estima-se poderia ser um paiol, onde se guardava armas e alimentos.

Este seria construído em alvenaria de pedra, com revestimento em lajotas, com cerâmicas na metade superior; continha seteira, viabilizando uma melhor condição de ataque.



B. A propriedade do engenho.

Entre 1542 a 1548, o engenho foi mantido em sociedade entre Martin Afonso de Souza, Pero Lopes de Sousa, Francisco Lobo, o piloto-mor Vicente Gonçalves e o investidor dos países baixos Johan Van Hielst.

Em 1542, o holandês Erasmo Schetz tornou-se sócio no empreendimento, quando seu representante em Lisboa, veio para S. Vicente, para assumir o seu lugar na sociedade feita.

Em dezembro deste ano, chegou junto com o novo Capitão-mor, Cristóvão Aguiar de Altero, nomeado presidente da sociedade dos Armadores do Trato, na qual se incluía o Engenho do Governador.

Pouco depois, este passou a ser chamado de “Engenho do Trato dos Armadores”.

Erasmo Schetz, adquiriu as partes de seus sócios em 1548, compradas com investimentos de seus filhos e sócios compatriotas.

O negócio foi feito na Europa, Erasmo nunca esteve no Brasil, mas seu nome foi adotado junto com o santo de devoção da propriedade, renomear o engenho como “São Jorge dos Erasmos”.

Ele era um banqueiro e armador de navios sediado em Amsterdam, provavelmente financiava também construção de caravelas e naus lusitanas, através de “contratos de risco”.

Um mecanismo de empréstimo que dava direito a uma participação nos lucros gerados pelas viagens marítimas, quando a embarcação chegava de volta a Lisboa, caso não naufragasse ou fosse perdida para piratas.

Quando o navio não retornava, os investidores assumiam as perdas junto com a Coroa, não recebendo o pagamento do empréstimo e tampouco qualquer forma de compensação; daí chamar o contrato como “de risco”.

Erasmo distribuía produtos importados pelos portugueses da África e da Índia, intermediando sua venda por toda a Europa, tinha ligações de caráter comercial com seus compatriotas, além de italianos, franceses e alemães.

Posteriormente, o engenho passou a pertencer apenas a firma “Erasmo Schetz e Filhos”, mantida na família até 1603.

Não existem registros da presença de membros da família no Brasil, apenas de representantes nomeados como administradores.

Entretanto, no início do século XVII, as instalações foram quase destruídas por um incêndio.

Depois da morte do pai, Gaspar Schetz assumiu o controle e, quando morreu em 1580, o engenho foi sendo passado de pai para filho, funcionando até o século XVIII.

Momento em que a crise do ciclo do açúcar conduziu ao abandono da propriedade e sua, consequente, deterioração; até se tornar apenas ruínas.

Ao longo dos anos seguintes, o terreno passou por muitos proprietários, até chegar a posse de Otávio Ribeiro de Araújo, em 1943.

Este ordenou que fosse feita uma escavação em "L" no local, quando encontraram uma imagem de Santo Antônio, modelado em terracota e vestígios ósseos humanos - crânios, maxilares, membros inferiores e superiores -, que após a evidenciação, foram novamente enterrados.

Passando-se mais de uma década, em 1958, Otávio doou as ruínas para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, totalizando aproximadamente uma área de 3.250m².


C. Escavações arqueológicas e resultados.

Sob direção da USP, na década de 1960. ocorreram várias intervenções no local.

Luís Saia, arquiteto responsável, coordenou e reconstruindo, com telhas encontradas na prospecção arqueológica, parte da estrutura origina.

Em 1963, aconteceram as primeiras escavações arqueológicas, quando foram encontradas formas de pão de açúcar e louças do período colonial.

Em seguida, as ruínas foram tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAM), permanecendo abandonadas novamente entre até a metade da década 1990.

Durante este período, ainda estavam por ser escavadas as estruturas quinhentistas, cujo registro histórico de 1548; dava conta tratar-se de um moinho comprido, forte, bem construído.

Em 1996, a USP firmou parceria com a Universidade Católica de Santos, realizando um projeto que resultou na escavação de mais de 1700 artefatos arqueológico.

Em 2003, novas investigações foram realizadas pela USP, ainda conveniada com Universidade Católica de Santos, encontrando um cemitério era remota, tinham-se apenas recomendações da veracidade do cemitério da época colonial.

Atualmente, na visitação aberta ao público, pode-se observar o local onde foram encontrados os restos mortais, onde não se pode pisar ao solo, pois futuramente segundo os monitores da USP, serão desenterrados esqueletos para possibilitar novas pesquisas.


4. DISCUSSÃO.

Na pesquisa de campo foram consultados alguns historiadores, surgiram versões diferentes sobre a história do engenho e, cada vez mais, ficou difícil ter confirmações do que acontecia na época de funcionamento.

Uma dúvida bem frequente é de como seria o telhado, porém, quando Luiz Saia fez as escavações, foram encontrados pedaços de telha de barro.

Entretanto, o redor do engenho funcionou como despejo de entulho usado pela prefeitura, o que pode ter contaminado os artefatos encontrados.

Ainda na escavação de Luiz Saia, foi encontrado um buraco revestido de pedras, imitando um fosso, um paiol e alçapão.

Nada foi comprovado, mas neste buraco foi encontrado formas de pão de açúcar e louças.

A ideia do paiol é baseada no estilo de construção dos engenhos da época, que funcionavam como fortaleza.

O alçapão teria como função armazenar mercadorias, alimentos e objetos de valor.

Existe ainda a hipótese de que o fosso seria usado também como o banheiro da época.

Na confecção da maquete das ruínas foram discutidos vários métodos e materiais para serem utilizados, entre eles: palito de picolé, brita (pequenas pedras), argila e isopor.

Após a discussão foi concluído que seria usado gesso em pó e em bloco e, para o telhado, palito de picolé.






5. CONCLUSÃO.

No decorrer da pesquisa foram levantadas várias questões sobre a construção do engenho, como: o telhado, cômodos, acesso ao engenho na época de funcionamento, um suposto paiol em um cômodo que apresenta características de guardar objetos de grande importância.

Luiz Saia, ao fazer suas pesquisas nas ruinas do engenho, tentou restaurar parte das estruturas, no caso um telhado, com a intenção de imitar como seria na época.

Entretanto foi muito criticado, posteriormente por arqueólogos, lembrando que Saia era arquiteto e não possuía o conhecimento técnico para lidar adequadamente com as ruínas.

Trabalhar com história, é na maioria das vezes posicionarmos em cima de suposições.

No decorrer dessa pesquisa foram encontradas barreiras, devido à grande diversidade de opiniões e suposições advindas de pesquisadores entrevistados e teses publicadas.

A maquete tentou reproduzir paredes que hoje estão em ruínas, representando um grande desafio, razão pela qual trabalhamos com suposições.

Por isto optamos por construir a maquete apenas das ruínas tal como se encontravam no momento da finalização deste trabalho, preservando as paredes externas do engenho, visto que a definição dos cômodos ainda é uma cógnita para os arqueólogos.



6. PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO.

GEAMPAULO, Victor Lordani. Engenho de são Jorge dos Erasmo: aproximação acerca da morte e da vida no complexo açucareiro vicentino (XVI-VXII). São Paulo: Dissertação de mestrado apresentada ao departamento de história da Universidade de São Paulo, Orientada pela Profa. Dra. Ana Paula Torres Megiani, 2013. <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-30042013-104452/publico/2013_VictorLordaniGeampaulo_VCorr.pdf> Acesso em março de 2014.

SALVADOR. Frei Vicente do. História do Brasil 1500-1627. Belo Horizonte: São Paulo: USP, s.d.

quinta-feira, 1 de julho de 2021

Breve Ensaio sobre a relação entre o Deus cartesianismo e a ordem dos fundamentos do Cogito.

 Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 12, Volume jul., Série 01/07, 2021.

 

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.


Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.
Graduado em Pedagogia - UNICSUL.


A base e fundamentação do pensamento cartesiano é o pressuposto da existência de Deus, conceito sem o qual todas as contribuições de Descartes para a filosofia seriam anuladas.

Por sua vez, para ele, sem que implique em contradição, a ciência filosófica aparece fundada em dois princípios: o Cogito (Pensamento) e Deus.

Um ou outro aparecerão como princípios primeiros, considerando de um lado as necessidades de nosso entendimento (ou seja, a ordem das razões), ou de outro a necessidade das próprias coisas (ordem das matérias).

Muitos de seus contemporâneos descobriram, em tal fundamento, um círculo vicioso, porque não se pode demonstrar a existência de Deus, senão guiado na evidência de ideias claras e distintas.

A objeção residiria no argumento que não seria possível confiar nessa evidência, a menos que a existência de Deus pudesse ser demonstrada.

Descartes responde dizendo que há duas espécies de certeza: a dos axiomas, que são conhecidos por simples golpe de vista, dos quais não se pode duvidar; e a da ciência, que consiste em conclusões dependentes de raciocínios muito demorados.

A questão é que para vários filósofos contemporâneos e posteriores, essa resposta foi considerada embaraçosa, visto que se a prova da existência de Deus é, como parece, um raciocínio longo e complicado, o círculo vicioso persistiria.

No entanto, o que ocorre é que o conhecimento claro e distinto, ponto de chegada e um fim, é também ponto de partida para o espírito, que busca as combinações e os efeitos das essências.

Para Descartes, a ciência não vai do obscuro ao claro, mas do claro ao claro.

Sendo assim, a dúvida sobre a existência das coisas materiais e a certeza matemáticas, conduz a verdade inabalável do “penso, logo existo”.

A demonstração cartesiana da existência de Deus legitima o Cogito, servindo de partida para a ordem das matérias.

Podemos dizer que partindo da ordem das razões (ou do entendimento), pelos efeitos, podemos alcançar as causas e; por outro lado, partindo da ordem das matérias (ou da necessidade das próprias coisas), pelas causas alcançar os efeitos.

Cabe aqui uma observação, devemos notar que enquanto a ordem das razões é explicita, mantendo-se em conformidade com o método, a ordem das matérias encontra-se implícita dentro das necessidades do entendimento.

Para provar o que acabamos de dizer basta citar as palavras do próprio Descartes: "[...] não ordeno as matérias, mas somente as razões." (Carta a Mersenne - AT, III, 260).

Em outras palavras, não são possíveis senão as coisas que Deus quis tornar verdadeiramente possíveis, a razão de sua vontade depende do que quis fazer.

O pensamento cartesiano faz de Deus não o modelo, mas a garantia de nosso entendimento.

Isto é, segundo o preceito geral de seu método, seguindo não a ordem de produção de Deus às coisas, mas a ordem das razões.

Descartes mostra como uma verdade pode engendrar outra verdade, como a existência de Deus é, para nós, o princípio de outra verdade.

Decorre deste princípio uma das maiores dificuldades da obra "Meditações", abandonar a ordem das matérias que nos é familiar em favor de uma gênese dos conteúdos.

Estes conteúdos são a mesma matéria que hão de aparecer em diferentes passagens do pensamento cartesiano, conforme o lugar exigido pela ordem, sem que a necessidade das próprias coisas seja destituída de sentido.

Desta afirmação decorre uma questão de vital importância: que método é esse, cuja ordem do entendimento abarca, implícita e não destituída de sentido, as próprias coisas?

O método cartesiano é aquele que vêm substituir o aristotelismo, sua máxima da necessidade metódica de questionamento exige que a existência deve ser provada antes da investigação da essência, sob pena de não encontrar senão quimeras, como a figura do satírico.

Isto implica que o juízo de existência pode ser estabelecido antes que se saiba o que é a coisa, afirmando a existência como atitude em conformidade do senso comum.

Por isso mesmo, Descartes é forçado a admitir muitas noções obscuras e mal definidas, na opinião de alguns caindo em afirmações que podem ser desmontadas facilmente.

Estes utilizariam o argumento que era ideia familiar ao tomismo a verdade percebida pelo entendimento humano fundamentada no entendimento divino.

No entanto, a verdade e o entendimento divino não são mensurados nem produzidos, mas medem e produzem uma dupla verdade: uma nas coisas, outra em nossa alma.

Por apagadas que estejam, nossas noções são imagens de razões inteligíveis das coisas, estando contidas em Deus.

Para São Tomás de Aquino, nosso conhecimento é garantido por ser reflexo do entendimento divino, naturalmente voltado para sua origem, de forma que nossa verdadeira vocação está na vida eterna, onde esse reflexo irá converter-se em visão.

Segundo Descartes, ao contrário, o conhecimento intelectual não significa qualquer grau de participação no entendimento divino; as essências, objetos do entendimento humano, são criaturas de Deus.

Deduz-se que Deus é garantia de nosso conhecimento, não por um atributo relacionado com este, mas que se ligam ao seu criador através de sua onipotência e bondade.

O neoplatonismo parte da intuição de um princípio divino para ir de Deus, como causa, às coisas como efeitos dessa causa.

Neste sentido, parece haver uma alternativa à qual, Descartes, deixa apenas implícita e oculta em sua metafisica.

Para concluir basta dizer que, por um lado, o Cogito se apresenta como primeiro princípio, dentro da ordem das razões metafisicas, por outro, a existência de Deus constitui a verdade fundamental que legitima a edificação das ciências e o próprio método cartesiano.

A ciência filosófica aparece fundada em dois princípios: o Cogito e Deus.

O Cogito parece ser o princípio primeiro, mas de acordo com as necessidades de nosso entendimento, que abarca a necessidade das próprias coisas; carece antes de Deus.

Encontramos, portanto, implícito na ordem das razões a ordem das matérias, cujo primeiro princípio é Deus.

As necessidades de nosso entendimento e seu primeiro princípio, o Cogito, ou seja, a ordem das razões, convive de forma harmoniosa com a necessidade das próprias coisas e das matérias, sem que isto implique em contradição.

Para o pensamento cartesiano, “a dedução só se pode fazer, quer das palavras às coisas, quer do efeito à sua causa, quer da causa ao seu efeito, quer do semelhante ao semelhante, quer das partes às partes ou ao próprio todo” (DESCARTES, 1993: Regra XII).

Não obstante, Deus é o garantidor do Cogito e de toda a existência, sem o qual o pensamento ou a concretude do mundo não seria possível.

 

PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO.

BRÉHIER, Emile. História da Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1977.

DESCARTES, René. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

DESCARTES, René. Princípios da Filosofia. Lisboa: Guimarães Editores, 1989.

DESCARTES, René. Regras para a direção do espirito. Lisboa: Edições 70, s.d.

LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1982.

PADOVANI, Umberto & Castagnola, Luís. História da Filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1990.

KUJAWSKI, Gilberto de Mello. Descartes Existencial. São Paulo: Edusp, 1969.