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quinta-feira, 1 de julho de 2021

Breve Ensaio sobre a relação entre o Deus cartesianismo e a ordem dos fundamentos do Cogito.

 Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 12, Volume jul., Série 01/07, 2021.

 

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.


Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.
Graduado em Pedagogia - UNICSUL.


A base e fundamentação do pensamento cartesiano é o pressuposto da existência de Deus, conceito sem o qual todas as contribuições de Descartes para a filosofia seriam anuladas.

Por sua vez, para ele, sem que implique em contradição, a ciência filosófica aparece fundada em dois princípios: o Cogito (Pensamento) e Deus.

Um ou outro aparecerão como princípios primeiros, considerando de um lado as necessidades de nosso entendimento (ou seja, a ordem das razões), ou de outro a necessidade das próprias coisas (ordem das matérias).

Muitos de seus contemporâneos descobriram, em tal fundamento, um círculo vicioso, porque não se pode demonstrar a existência de Deus, senão guiado na evidência de ideias claras e distintas.

A objeção residiria no argumento que não seria possível confiar nessa evidência, a menos que a existência de Deus pudesse ser demonstrada.

Descartes responde dizendo que há duas espécies de certeza: a dos axiomas, que são conhecidos por simples golpe de vista, dos quais não se pode duvidar; e a da ciência, que consiste em conclusões dependentes de raciocínios muito demorados.

A questão é que para vários filósofos contemporâneos e posteriores, essa resposta foi considerada embaraçosa, visto que se a prova da existência de Deus é, como parece, um raciocínio longo e complicado, o círculo vicioso persistiria.

No entanto, o que ocorre é que o conhecimento claro e distinto, ponto de chegada e um fim, é também ponto de partida para o espírito, que busca as combinações e os efeitos das essências.

Para Descartes, a ciência não vai do obscuro ao claro, mas do claro ao claro.

Sendo assim, a dúvida sobre a existência das coisas materiais e a certeza matemáticas, conduz a verdade inabalável do “penso, logo existo”.

A demonstração cartesiana da existência de Deus legitima o Cogito, servindo de partida para a ordem das matérias.

Podemos dizer que partindo da ordem das razões (ou do entendimento), pelos efeitos, podemos alcançar as causas e; por outro lado, partindo da ordem das matérias (ou da necessidade das próprias coisas), pelas causas alcançar os efeitos.

Cabe aqui uma observação, devemos notar que enquanto a ordem das razões é explicita, mantendo-se em conformidade com o método, a ordem das matérias encontra-se implícita dentro das necessidades do entendimento.

Para provar o que acabamos de dizer basta citar as palavras do próprio Descartes: "[...] não ordeno as matérias, mas somente as razões." (Carta a Mersenne - AT, III, 260).

Em outras palavras, não são possíveis senão as coisas que Deus quis tornar verdadeiramente possíveis, a razão de sua vontade depende do que quis fazer.

O pensamento cartesiano faz de Deus não o modelo, mas a garantia de nosso entendimento.

Isto é, segundo o preceito geral de seu método, seguindo não a ordem de produção de Deus às coisas, mas a ordem das razões.

Descartes mostra como uma verdade pode engendrar outra verdade, como a existência de Deus é, para nós, o princípio de outra verdade.

Decorre deste princípio uma das maiores dificuldades da obra "Meditações", abandonar a ordem das matérias que nos é familiar em favor de uma gênese dos conteúdos.

Estes conteúdos são a mesma matéria que hão de aparecer em diferentes passagens do pensamento cartesiano, conforme o lugar exigido pela ordem, sem que a necessidade das próprias coisas seja destituída de sentido.

Desta afirmação decorre uma questão de vital importância: que método é esse, cuja ordem do entendimento abarca, implícita e não destituída de sentido, as próprias coisas?

O método cartesiano é aquele que vêm substituir o aristotelismo, sua máxima da necessidade metódica de questionamento exige que a existência deve ser provada antes da investigação da essência, sob pena de não encontrar senão quimeras, como a figura do satírico.

Isto implica que o juízo de existência pode ser estabelecido antes que se saiba o que é a coisa, afirmando a existência como atitude em conformidade do senso comum.

Por isso mesmo, Descartes é forçado a admitir muitas noções obscuras e mal definidas, na opinião de alguns caindo em afirmações que podem ser desmontadas facilmente.

Estes utilizariam o argumento que era ideia familiar ao tomismo a verdade percebida pelo entendimento humano fundamentada no entendimento divino.

No entanto, a verdade e o entendimento divino não são mensurados nem produzidos, mas medem e produzem uma dupla verdade: uma nas coisas, outra em nossa alma.

Por apagadas que estejam, nossas noções são imagens de razões inteligíveis das coisas, estando contidas em Deus.

Para São Tomás de Aquino, nosso conhecimento é garantido por ser reflexo do entendimento divino, naturalmente voltado para sua origem, de forma que nossa verdadeira vocação está na vida eterna, onde esse reflexo irá converter-se em visão.

Segundo Descartes, ao contrário, o conhecimento intelectual não significa qualquer grau de participação no entendimento divino; as essências, objetos do entendimento humano, são criaturas de Deus.

Deduz-se que Deus é garantia de nosso conhecimento, não por um atributo relacionado com este, mas que se ligam ao seu criador através de sua onipotência e bondade.

O neoplatonismo parte da intuição de um princípio divino para ir de Deus, como causa, às coisas como efeitos dessa causa.

Neste sentido, parece haver uma alternativa à qual, Descartes, deixa apenas implícita e oculta em sua metafisica.

Para concluir basta dizer que, por um lado, o Cogito se apresenta como primeiro princípio, dentro da ordem das razões metafisicas, por outro, a existência de Deus constitui a verdade fundamental que legitima a edificação das ciências e o próprio método cartesiano.

A ciência filosófica aparece fundada em dois princípios: o Cogito e Deus.

O Cogito parece ser o princípio primeiro, mas de acordo com as necessidades de nosso entendimento, que abarca a necessidade das próprias coisas; carece antes de Deus.

Encontramos, portanto, implícito na ordem das razões a ordem das matérias, cujo primeiro princípio é Deus.

As necessidades de nosso entendimento e seu primeiro princípio, o Cogito, ou seja, a ordem das razões, convive de forma harmoniosa com a necessidade das próprias coisas e das matérias, sem que isto implique em contradição.

Para o pensamento cartesiano, “a dedução só se pode fazer, quer das palavras às coisas, quer do efeito à sua causa, quer da causa ao seu efeito, quer do semelhante ao semelhante, quer das partes às partes ou ao próprio todo” (DESCARTES, 1993: Regra XII).

Não obstante, Deus é o garantidor do Cogito e de toda a existência, sem o qual o pensamento ou a concretude do mundo não seria possível.

 

PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO.

BRÉHIER, Emile. História da Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1977.

DESCARTES, René. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

DESCARTES, René. Princípios da Filosofia. Lisboa: Guimarães Editores, 1989.

DESCARTES, René. Regras para a direção do espirito. Lisboa: Edições 70, s.d.

LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1982.

PADOVANI, Umberto & Castagnola, Luís. História da Filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1990.

KUJAWSKI, Gilberto de Mello. Descartes Existencial. São Paulo: Edusp, 1969.




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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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