Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 12, Volume dez., Série 01/12, 2021.
1. INTRODUÇÃO.
A filosofia bergsoniana
tinha horror aos conceitos genéricos, recusando a chave que abre todas as
fechaduras, e adotando a flexibilização de espirito diante do real.
Pretendia resolver os
problemas filosóficos ultrapassando-os e integrando em uma corrente mais
profunda, na medida que convicto de que a solução dos problemas filosóficos se
encontrava no contato com o real.
Nascido em Paris, em
1859, o filósofo Henri Bergson, durante boa parte de sua vida foi professor de
filosofia na Escola Normal Superior e no Colégio de França, além de ter sido
membro da Academia Francesa.
Foi um dos pais e principal
expoente do intuicionismo, sustentando que o genuíno conhecimento não se
encontrava nos conceitos abstratos do intelecto, mas sim na apreensão imediata.
No entanto, este
intuicionismo bergsiniano não deve se confundido com o intuicionismo matemático
de vertente britânica, ligado a lógica de Poincaré.
Antes, é um
intuicionismo francês, vinculado com a metafísica, um método filosófico que usa
a intuição e suas regras específicas, constituindo o que Deleuze (1999: 08)
definiu como aplicação da “prova do verdadeiro e do falso aos próprios
problemas”, denunciando “os falsos problemas”, reconciliando “verdade e criação
no nível dos problemas”.
2. O CONHECIMENTO DA REALIDADE.
O que Bergson chamou de
intuição imediata poderia ser definido como intuição, resultado da experiência
interior, nesta medida concebendo a realidade como sempre nova, de modo que só
poderia ser apreendida unicamente pela intuição concreta, particular e mutável,
portanto, não pelo conceito abstrato, universal e imutável.
Para o pensamento
bergsoniano existiriam dois caminhos para conhecer o objeto real, duas formas
de conhecimento diversas e desiguais entre si: mediante o conceito ou pela
intuição.
O método de
conhecimento através dos conceitos; ou seja, dos juízos, silogismos, análises e
sínteses. quer seja por meio da dedução ou da indução, seria utilizado pelos
filósofos cientistas.
Já o conhecimento
gerado pela intuição, seria um tipo de conhecimento imediato e anterior ao
conhecer dos conceitos, um conhecimento intrínseco, concreto absoluto.
Conhecer através da
intuição significaria transportar-se até à interioridade profunda das coisas,
conhecer a realidade tal como ela realmente é, ou ao menos como parece ser.
Em contrapartida, o
conhecimento da realidade por meio dos conceitos fragmentaria e deformaria a
realidade, a medida que opera através de símbolos e abstrações que deixam
escapar a realidade profunda, concreta e verdadeira das coisas.
Bergson procurou
alertar justamente para o perigo do conhecimento por meio dos conceitos, gerado
pela confusão da intuição filosófica com um iluminismo, feito de imagens e
palavras.
Uma espécie de visão
mística que transforma a filosofia em uma confidência entre iniciados,
reduzindo a uma espécie de língua confusa de que já caçoava Platão.
3. A RENOVAÇÃO DA FILOSOFIA.
Reduzindo a filosofia
por meio dos conceitos em puro sofismo, Bergson procurou demostrar que a
tradição atribuía à experiência imediata um hermetismo que nada tinha a ver com
ela.
Desta forma para
entender o papel da intuição recomendava que mais que pensar na teosofia do
Oriente, pensasse-se nas intuições delicadas dos movimentos do espírito.
Tal como as
encontramos, por exemplo, nos moralistas, ou ainda no bom senso capaz de
adaptar espontaneamente seus juízos às mais variadas situações concretas.
Nesta acepção, a crítica
de Bergson a tradição filosófica não é mais que a crítica às doutrinas que
supõe que a inteligência humana é essencialmente especulativa.
Portanto, o
intuicionismo permitiria conhecer as coisas como são, postulado comum a toda
filosofia Ocidental desde o tempo dos gregos.
Embora os cépticos já
tivessem duvidado da capacidade de conhecer da inteligência humana, e os
relativistas limitado este conhecer aos fenômenos, sem a intuição a filosofia
não poderia validar o conhecimento.
Seria necessário
renovar a filosofia penetrando na natureza da inteligência, considerando o
homem como um criador de instrumentos que fabrica com matéria solida.
O pensamento precisaria
alargar sua ação sobre a matéria, como a inteligência humana que permitiu a
faculdade de fabricar instrumentos.
A semelhança dos
enciclopedistas do século XVIII, que não atribuíam outra finalidade ao espirito
humano que não o transformar o planeta para o seu próprio bem; a filosofia
careceria da intuição para se renovar para o bem de si própria.
Para estes
enciclopedistas, o que constituía o conhecimento eram a matemática e as
ciências da matéria, as ciências humanas, penetradas de materialismo, reduzindo-se
em combinações mecânicas de noções elementares, tornando o funcionamento do
espírito semelhante ao de uma máquina.
Tal concepção, formulada
no século XVIII, no século XIX, terminava por confirmar inteiramente a tese
bergsoniana de uma tendência da inteligência para especular, regulando-se pelo
comportamento dos sólidos.
A intuição aplicada a
filosofia, seria um método para promover um simples arranjos e combinações
mecânicas, explicando tudo na vida e no espirito, renovando o pensamento
filosófico.
4. A APLICAÇÃO PSICOLÓGICA.
Bergson, em seu “Ensaio
sobre os dados imediatos da consciência”, sua tese de doutoramento, datada em
1889, constitui uma análise da psicologia introspectiva.
O ponto de partida de
sua metafísica são os fenómenos psicológicos complexos, por sua vez, formadores
de fenômenos psicológicos mais simples.
Estes seriam reunidos
segundo as leis de associação, provando que existe um determinismo psicológico,
que faz com que os fatos se desprendam de outros fatos, em particular do ato
voluntário que deriva de seus motivos.
Não obstante, estas ideias
entravam em choque com o sentimento espontâneo que se tinha da natureza do ser
vivo e da alma.
Consciente desta
realidade, ao invés de negar, forneceu a prova da contradição em sua obra,
datada em 1900, intitulada “O riso”.
Para ele, o riso
produz-se quando encontramos o automático e o mecânico, onde esperávamos
encontrar o vital e o voluntário.
Sendo assim, o erro que
o mecanicista comete deriva do fato de tentar compreender a vida e o espirito
como uma inteligência que só se dá bem com a matéria bruta.
O esforço da
especulação filosófica processa-se, precisamente, em sentido inverso, obtendo
como resultado um violentar da tendência natural convertida em inércia; ou
seja, a percepção habitual das coisas é utilitária, refém dos resumos fragmentados
da percepção intuitiva.
Um exemplo concreto é
fornecido pela percepção de uma língua estrangeira, que ignora a sequência de
palavras que formam um poema, a qual só é realmente conhecida, tal como um
nativo, quando compreendemos a função das palavras na continuidade e sentido deste
poema.
A inteligência, sem a
intuição, está fora da vida e do espírito como o estrangeiro é alheio às
nuances da língua que, para outros, constitui a língua materna, que torna o
sentido original inteligível para este.
Aplicando o pensamento
bergsiniano a psicologia, enquanto a inteligência apreenderia pelo exterior, a
intuição apreenderia pelo interior.
No ato voluntário, por
exemplo, a inteligência examinando a realidade interiormente, saberia
analisa-la e reconstitui-la.
Por outro lado, a
inteligência seria apenas resultante de composição mecânica desta força, sendo
que o ato voluntário se realizaria instantaneamente e inteiro, indiferente ao
tempo.
O que nos leva a
perceber que a inteligência segue uma via errada, pois ao contrário do
conhecimento direto e interior, exigiria uma lenta maturação.
Uma vez que mecânica,
não poderia agir sobre uma realidade que nunca apresenta o mesmo aspecto da
vida, mas seria descoberto mais tarde que os mecanismos da mente se repetem,
anulando esta premissa.
5. O PROBLEMA DA IMPREVISIBILIDADE HUMANA.
Para Bergson, o real nunca
é o mesmo, o antes e o depois não funcionam como na mecânica, onde os atos são
repetidos e previsíveis.
O depois indica, em
relação ao antes, uma inovação imprevisível e intraduzível em linguagem
abstrata, constituindo uma duração unicamente vivida e que só pode ser objeto
da intuição.
O presente não
sucederia apenas o passado, mas também tornaria-se com ele mais denso, pois
afinal a vida psicológica humana ignora as leis de equivalência que reinam na
mecânica.
Somente pela intuição o
espírito se colocaria acima das alternativas oferecidas pela imprevisibilidade humano,
chegaria-se até à interioridade das coisas.
Dentro deste contexto,
conhecer por intuição significaria transportar-se ao interior da realidade no
que ela tem de único.
A intuição seria a
faculdade suprema do impulso vital, de modo que a humanidade caminha para o
desenvolvimento da intuição como faculdade ordinária de conhecer as coisas.
Para método
intuicionista bergsoniano, mediante a intuição, poderíamos conhecer de maneira
imediata e perfeita, ou pelo menos a realidade do nosso eu.
A essência do sujeito e
de todo o universo, consistiria na duração sucessiva preenchida com atos vitais
sempre novos.
Neste sentido, a fonte
da qual brotariam todas as coisas, quer as materiais, quer as espirituais,
seria o impulso vital consciente ou supraconsciente de produzir, por evolução,
novas e maiores formas.
Originalmente, todas as
propriedades e forças deste dito impulso vital, para Bergson, estavam indivisas
e não desenroladas nele.
A própria evolução
teria obrigado o impulso vital a marchar para diversas direções, de modo que
estas forças teriam tendido a desenrolar-se e dividirem-se, umas se
desenrolando com mais perfeição do que outras.
Este impulso vital, no
homem, chegaria até a plena consciência e à liberdade.
No entanto,
simultaneamente, teria feito com que o homem perder o instinto, faculdade permitiria
perceber a essências das coisas, porque a inteligência conheceria não as
coisas, mas sim apenas relações entre elas e com si mesmo.
6. CONCLUINDO.
Diante da discussão
entre os adeptos do determinismo e do livre-arbítrio, da oposição entre evolução
ou criação, ordem ou desordem, realidade ou nada, causalidade mecânica ou
finalidade, e tantas outras; Bergson termina por contestar ambas.
Para o filósofo, a
escolha consistiria tão somente entre vida e morte, uma vez que o espirito
estaria diante apenas de escolher uma conduta de vida, que faria com que o
sujeito participasse do universo.
O intuicionismo como
método filosófico termina culminando em uma única alternativa: a do vital e
mecânico.
O espírito se definiria
pela contração, cada vez maior, da duração; cujos momentos penetrariam no
presente, na duração do agora para o eu.
Para que tal se torne
possível, ele define o limite superior destes movimentos como sendo a
eternidade divina; e o limite inferior como sendo o espaço homogêneo.
Cabe notar que entre
estas duas direções não há de modo algum uma hierarquia, como se no real a
matéria bruta fosse um primeiro grau entre o nada e a vida.
A doutrina bergsoniana,
no seu conjunto, é uma experiência que tem por objeto o espírito e uma
indagação tendente a conduzir a esta experiência.
Ela deriva do mediato,
do construído para terminar no imediato.
Reside neste ponto a
metafisica, pretendendo seguir a experiência e não ir além dela; não sendo nem
uma construção intelectual, nem a afirmação de um valor.
A intuição não abandona
o dado e nem tão pouco o real, termina constituindo um positivismo radical em
que tudo se reduz a uma experiência real subjetiva e pessoal, além de toda
construção.
Destarte, é impossível
não reconhecer que Bergson, com sua crítica perspicaz e profunda, trouxe uma
contribuição poderosa à liquidação definitiva do materialismo, do determinismo
universal, fundando a psicologia experimental.
Somente Bergson foi
capaz de mostrar com clareza que a filosofia é um "perene recomeçar, não
no sentido de um retorno constante à origem absolutas do mundo, mas no sentido
de que sua descrição sempre deve recomeçar, para acompanhar a experiência
continuamente nova de uma realidade que está sempre em vias de se fazer"
(PRADO JR).
7. PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO.
BERGSON, Henri. As Duas Fontes da Moral e da Religião.
Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
BERGSON, Henri. "Cartas a William James"
In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
BERGSON, Henri. "Conferências: a intuição filosófica,
A consciência e a vida, A alma e o corpo" In: Os Pensadores. Tradução
de Franklin Leopoldo e Silva, Abril Cultural, 1974.
BERGSON, Henri. Ensaio sobre os Dados Imediatos da
Consciência. Lisboa: Edições 70, s.d.
BERGSON, Henri. "Introdução à Metafisica" In:
Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
BERGSON, Henri. Matéria e Memória. São Paulo: Martins
Fontes, 1990.
BERGSON, Henri. "O Cérebro e o Pensamento"
In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
BERGSON, Hernri. "O Pensamento e o Movente"
In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
BERGSON, Henri. O Riso. Rio de Janeiro: Guanabara,
1978.
DELEUZE, Gilles. O Bergsonismo. São Paulo: Ed. 34, 1999.
PRADO JUNIOR, Bento. Presença e Campo Transcendental. São
Paulo: Edusp, 1989.
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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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