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sábado, 7 de maio de 2011

O paradigma do consenso e do conflito.


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume mai., Série 07/05, 2011, p.01-06.

As abordagens clássicas da sociologia conduziram a visões distintas da escola, constituindo o chamado paradigma do consenso e do conflito.

A noção de paradigma envolve um modelo que serve a construção da ciência.

Neste sentido, ambos os paradigmas balizam a concepção de teorias e tendências pedagógicas e representam pontos de referência e lógicas de pensamento.



O paradigma do Consenso.
Representado por Durkheim, Comte e Spencer, para o paradigma do consenso, os valores em comum e a cooperação entre professores e alunos é essencial para que a escola funcione.
A palavra chave é integração.

Dentro desta concepção, além de ensinar conteúdos, a escola deveria moralizar e, para tal, punir as infrações as normas.

Pressuposto que gerou o “mito do controle coercitivo”, apoiado nos estudos de Metz, levado a efeito em 1979.

Segundo o autor, à medida que as sanções coercitivas são usadas consciente e rapidamente contra os transgressores das normas estabelecida, a simples ameaça de coerção, por si só, seria suficiente para manter a ordem.

Ao inverso, a sensação de impunidade geraria desordem.

Seguindo esta tendência, Parson concebeu a sala de aula como uma agência de socialização, por meio da qual as personalidades individuais são preparadas para o desempenho de funções sociais.

Alcançar níveis educacionais elevados e receber boas notas conferiria status ao sujeito, expressando méritos individuais.

A despeito de outros autores defenderem a idéia de que é impossível para maioria das pessoas, por mais que se esforcem, atingir status no âmbito educacional, devido à estrutura montada para que os indivíduos fracassem.

A escola vista como possibilidade de progresso e mobilidade social é tributária de uma visão liberalista, formada a partir do século XVIII, onde todos podem adquiri um lugar ao sol, desde que busquem atingir metas para evoluir.

Destarte, é interessante frisar que o paradigma do consenso, em concordância com o positivismo, o funcionalismo e o darwinismo social; busca a conservação da sociedade, a reprodução das estruturas existentes.

Neste sentido serve a manutenção do sistema capitalista.

Reside ai o grande defeito da tendência, pois o paradigma do consenso não considera os conflitos no interior dos sistemas educacionais.

Sendo estes, em muitos casos, geradores de soluções e aprimoramentos ao invés de problemas.




O paradigma do Conflito.
Representado por Marx, o paradigma do conflito enxerga a escola como uma instituição que impõem valores e que, portanto, gera conflitos entre professores e alunos.

Os ditos professores seriam representantes da cultura dominante e os educando da cultura local, desmotivando a aprendizagem, já que usam linguagens e possuem valores diferentes.

Em geral, ao adotarem a cultura erudita como referência e o padrão culto, os professores representam a ordem estabelecida, enquanto os educandos utilizam a cultura popular mesclada com códigos de linguagem próprios de grupos menores, com valores particularizados.

Diante dos inevitáveis conflitos, a escola necessita exercer controle sobre os jovens para efetivar o processo cognitivo.

No entanto, a tentativa de controle cria um conflito ainda maior que ameaça a existência da escola como instituição, originando um círculo, pois a anômia força o acirramento do controle coercitivo para garantir a ordem, ao passo que este gera mais conflitos.

Pensando nesta questão, em 1970, Levy chegou à conclusão de que a escola educa para o fracasso e, portanto, para a aceitação deste fato.

O que gera conflitos a partir da não aceitação dos indivíduos que tentam contornar esta situação, tanto professores como alunos.

Levando o desentendimento a outro nível, pois passam a existir conflitos no interior das categorias, entre professores ou entre alunos.

Além de conflitos das categorias e subcategorias com o sistema educacional e a sociedade.

É neste sentido que Shipman, em 1979, lembrou que a escola é socialmente complexa, com alunos e professores compartilhando situações conflitivas comuns que terminam unindo ao invés de separar.

Como lembrou McPherson, em 1973, o professor molda seus alunos, mas também é moldado por eles.

O que tanto gera conflitos como consenso.

É por isto que podemos afirmar que o paradigma do conflito é útil para revelar as tensões e oposições dentro da escola, contudo, tende a enxergar conflitos onde não existem.




O Paradigma do Consenso no Brasil.
O paradigma do consenso influenciou fortemente a educação no Brasil, sobretudo a parir da década de 1930, representado pelas idéias de Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira.

A tendência começou a penetrar no Brasil graças à industrialização, iniciada em 1920, quando a necessidade de preparar o desenvolvimento do país levou um grupo de intelectuais brasileiros a se interessar pela educação.

Vista então como elemento central para remodelar a realidade.
Em 1932, durante o governo Vargas, um grupo de vinte e seis intelectuais se reuniram para redigir “O manifesto dos pioneiros da Educação Nova”.

O qual defendia a educação como função essencialmente pública, gratuita, obrigatória, laica e única.


Isto do jardim da infância a universidade, dos quatro aos dezoito anos de idade.

Junto com Cecília Meireles, Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes, estiveram entre estes intelectuais Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, o último foi, inclusive, o redator do manifesto.

Apesar das boas intenções, a verdade é que o manifesto não fez mais que fomentar o tradicionalismo, ajudando a criar um ensino dualista: de um lado a educação publica e sem qualidade e de outro as escolas particulares cobrando pelo serviço prestado.



As idéias de Fernando de Azevedo.
Seguidor e principal representante de Durkheim no Brasil, o sociólogo funcionalista Fernando de Azevedo, autor de “Sociologia da Educação” (1951), enxergava a escola como uma miniatura da sociedade.

A complexidade da sociedade exigiria coesão sócia, imposta por valores transmitidos pela escola.
Neste sentido, à medida que o individuo percorre o sistema educativo da base ao topo, passaria da educação comum, de natureza coercitiva, para as experiências diversificadas, através da especialização, possibilitando a manutenção da ordem capitalista.

Assim, deveria ser função da escola estabelecer uma articulação com o meio social, coordenando, disciplinando e consolidando experiências fragmentárias colhidas no ambiente da criança, servindo como modelo para a sociedade.


No entanto, a escola teria um papel limitado diante do poder coercitivo de outra instituição, a família, responsável pela formação de grande parte dos padrões sociais.

Embora a escola tenha um papel limitado, um elemento pertencente a instituição seria de fundamental importância na formação de padrões sociais, justamente o educador.

Para Fernando de Azevedo, o educador por oficio seria um agente social, importante elemento dentro do organismo vivo e flexível que é a sociedade.

Ele deveria servir de exemplo e contribuir em sinergia de esforços, com várias instituições, como por exemplo a religião, para organizar a sociedade.




As idéias de Anísio Teixeira.
Jurista e pedagogo, Anísio Teixeira tinha idéias bem diferentes de Fernando de Azevedo.

Embora seja considerado um funcionalista e concordasse com as idéias dos pioneiros da Educação Nova, possuía objetivos distintos.

Ele defendia a reestruturação da educação para propagar e aperfeiçoar a democracia, propondo trabalhar conteúdos de forma a discutir benefícios para a coletividade.
Tentando colocar em prática suas idéias, ocupou o cargo de inspetor-geral do ensino na Bahia (1922-1924), o que hoje seria equivalente a secretario da educação.

Depois foi diretor de instrução pública no Rio de Janeiro (1931-1935).

Exatamente por suas idéias, o educador foi perseguido durante o governo Vargas e pela ditadura de 1964.


Ficou exilado nos Estados Unidos da America, onde lecionou em universidades.

Acabou falecendo em 1971, no Brasil, quando foi encontrado morto no poço de um elevador, em circunstancias estranhas e até hoje não esclarecidas.

Autor de “Educação no Brasil”, onde revelou que se considerava um seguidor de Durkheim, Anísio Teixeira também foi influenciado por Dewey.

Tal como o ultimo, considerava a educação uma constante reconstrução da experiência e as verdades apenas provisórias, inserindo-se na corrente pragmatista.

A partir desta concepção, Anísio Teixeira propôs o aprendizado pela ação, defendendo quatro premissas básicas:

1. Educar em vez de instruir.
2. Formar homens livres em vez de homens dóceis.
3. Preparar para o futuro incerto em vez de transmitir um passado claro.
4. Ensinar a viver com mais inteligência, tolerância e felicidade, desprezando a memorização e valorizando o senso crítico.

Pensando em aplicar suas idéias, facilitando o acesso a escola única e democrática, depois de viajar pela Europa e EUA, entre 1925 e 1929, observando vários sistemas educacionais, ele fundou a Escola Parque em Salvador, em 1950.

Esta, mais tarde, inspirou os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPS) no Rio de Janeiro.

A Escola Parque propunha educação gratuita em tempo integral, onde o educando deveria ser preparado para a cidadania, desde o cuidado com os conteúdos até higiene, saúde, lazer, etc.

Para Anísio Teixeira, além de integral, pública, laica e obrigatória; a educação deveria ser municipalizada para atender os interessados, articulando uma rede que precisaria se estender até a universidade.

O educador propôs a criação de fundos financeiros para custear uma educação publica de qualidade, inspirando o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF).

Porém, os recursos se mostraram insuficientes para colocar em prática a proposta, não conseguindo romper com o dualismo educacional que estava se formando.




Concluindo.
Quando discutimos o paradigma do consenso e do conflito como norteadores das ações educativas, existe uma tendência responsabilizar a escola pelos sucessos e os professores e alunos pelos fracassos.

Consenso ou conflito, caberia perguntar se um ou outro são gerados a partir da relação professor/aluno ou virtude da natureza do sistema educacional?

Ou ainda se os problemas recorrentes em sala de aula não tem origem fora dela, na família, política, cultura ou sociedade?

Embora devamos considerar a hipótese que as questões educacionais possuem, em muitos casos, reflexos gerados pela prática didático-pedagógica.




Para saber mais sobre o assunto.

"Anísio Teixeira: O defensor da escola pública na teoria e na prática" Revista Nova Escola, n. 178, dez. 2004, p.26-28.

AZEVEDO, Fernando. "A nova concepção do papel da escola na sociedade" In: Novos caminhos, novos fins. 3 ed. São Paulo: Melhoramentos, s/d. p. 109-111.

AZEVEDO, Fernando. Novos caminhos e novos fins. São Paulo: Melhoramentos, s/d.

CORTELLA, Mário Sérgio. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. São Paulo: Cortez, 1998.

COSTA, Maria Cristina. Sociologia: introdução a ciência da educação. São Paulo: Moderna, 2004.

GOMES, Candido Alberto. A educação em perspectiva. São Paulo: EPU, 1994.

KRUPPA, Sonia. Sociologia da educação. São Paulo: Cortez, 2002.

MARTINS, Calos B. O que é sociologia. São Paulo: Brasiliense, 2004.

MEKSENAS, Paulo. Sociologia da educação: introdução ao estudo da escola no processo de transformação social. São Paulo: Loyola, 2005.

NÓVOA, Antônio. Relação escola e sociedade; novas propostas para um velho problema. São Paulo: Cadernos de Formação, 1994.
 
TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. São Paulo: Editora Nacional, 1971. 
 
TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia da educação. São Paulo: Atual, 1997.



 
Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela FFLCH/USP.

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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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