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Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

terça-feira, 24 de maio de 2011

A boa vontade como dever na obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” de Kant.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume mai., Série 24/05, 2011, p.01-06.


Como é possível o conhecimento e o que deriva a ação humana?

Ora, podemos afirmar que a ação do homem sobre o seu mundo se dá à medida que ele tem uma visão de tal mundo, visão esta denominada de teoria ou conhecimento.

Assim, a ação do homem sobre o mundo é caracterizado pela ética ou moral.

A História da Filosofia Moderna traz grandes pensadores que construíram teorias relativas ao conhecimento humano e dentre todos, estão os racionalistas e empiristas.
Kant irá tentar resolver esta dicotomia.
Em outras palavras, tentar encontrar o elo, o nexo, a conexão do racionalismo e do empirismo.


Thomas Hobbes.
Lembremos que para Thomas Hobbes a natureza humana é guerra de todos contra todos; “o homem é o lobo do homem”; possui em sua natureza o egoísmo e age segundo sua convencionalidade.
Em outras palavras, para assegurar sua sobrevivência, sua vida e obter tudo o quanto lhe possa ser útil, o homem se coloca no mundo como um animal instintivo e hostil a tudo aquilo que lhe apresentar-se-á como obstáculo ou como morte.
Mas Hobbes também afirma que no íntimo o homem tem outra necessidade antagônica e contrária a essa natureza: o desejo pela paz, pela segurança, pela vida, pela saúde.
Desta forma, o Leviatã surge como uma alienação necessária para que a paz e a segurança, enfim, a vida em si seja mantida quando o homem renuncia seu estado de natureza para o bem comum.
Tal desejo ou necessidade de se viver em paz – o homem talvez seja um paranóico, esperando sempre colidir com forças opostas de outros homens – Kant afirma ser uma lei universal, e portanto, moral, que o homem exerce com autonomia.
Aqui está o conhecimento a priori de sua vontade – onde todos os homens reconhecem tal moralidade como fruto da liberdade e da vida, da segurança e da construção de uma sociedade justa e pacífica, acarretando uma sobrevivência necessária a todos os humanos, quando todos navegam no mesmo barco.


O poder do mito e a boa vontade.
Para exemplificar melhor a questão a priori e a posteriori, Joseph Campbell, autor da obra “O Poder do Mito”, narra que em todos os povos e nações, embora distantes e isolados uns dos outros, criaram seus próprios deuses.
Embora sejam eles diferentes, a idéia da criação dos próprios deuses ou a idéia de que algo transcendente e governante do mundo, poderoso e onisciente, se encontra em todas as culturas.
O que equivale a dizer que tal intento é a priori, ou seja, está na forma interna do homem de organizar os eventos do mundo como sendo uma divindade.
A diferença da natureza de tais deuses se dá pelas diferenças dos fenômenos do mundo externo que o homem vive no seu cotidiano, o que equivale a dizer que é a posteriori, como afirmaram os empiristas, ou seja, quando através dos sentidos os homens apreendem o seu meio externo.
Nota-se que tal exemplo se dá bem como uma explicação das teorias kantianas.
Isto porque, somente com a apreensão sensorial do mundo externo, tais imagens ficariam aleatórias e sem nexos uma com as outras no espírito do homem, o que não ocorre, pois são personificadas, organizadas e recheadas de sentidos pelo próprio espírito humano.
Há uma razão, uma ordem, uma resignificação das imagens colhidas pelos órgãos dos sentidos e a esta operação do espírito, a razão, é uma forma de assim proceder, que não depende do posteriori, das experiências externas, mas de uma operação íntima, semelhante em todos os homens, que já existe em seu interior e, por isso, a priori, inata, natural.
Esta razão, então, será a responsável pela criação da Boa Vontade, uma lei intrínseca e universal, categórica e norteadora das ações do homem.

"Conservar cada qual a sua vida é um dever, e é, além disso, uma coisa para que toda gente tem inclinação imediata.
Mas por isso mesmo é que o cuidado, por vezes ansioso, que a maioria dos homens lhe dedica não tem nenhum valor intrínseco e a máxima que o exprime nenhum conteúdo moral.
Os homens conservam a sua vida conforme o dever, sem dúvida, mas não por dever.
Em contraposição, quando as contrariedades e o desgosto sem esperança roubaram totalmente o gosto de viver, quando o infeliz, com fortaleza de alma, mais enfadado que desalentado ou abatido, deseja a morte, e conserva, contudo, a vida sem a amar, não por inclinação ou medo, mas por dever, então a sua máxima tem um conteúdo moral."
(KANT, 1973, p.208).


Matrix e outras ligações com Kant.
Lembro-me de uma cena do filme “Matrix”, quando Cypher promete entregar a vida de Morpheu ao agente da Matrix em troca de riqueza e fama.
Morpheu é apenas um objeto, um meio, em que Cypher usa para atingir seus desejos egoístas.
Sua vontade, estritamente determinada pelo relativismo e convencionalismo, exprime tão bem o estado de natureza proferido por Hobbes.
A incongruência é a imaginação e a ignorância presente na confiança que Cypher deposita no agente: como pode ter tamanha certeza de que o agente irá realizar seus desejos?
Como poderá acreditar na honestidade do agente, sendo este corrupto e tirânico?
Poderá da corrupção e tirania surgir a honestidade e a honradez?
Claro que não.
E é neste exemplo cinematográfico que afirmo que a boa vontade que Kant define, é boa em si mesma.
Não poderá surgir da MÁ vontade, seu oposto.
E se a vontade consiste em obter o que é útil usando outro homem como meio, não pode ser uma lei universal, porque aqui entra a máxima de Protágoras, “quando o homem é a medida de todas as coisas”.
O relativismo é contingente até porque o que deveria ser uma lei, uma norma, pode ser outra lei e outra norma, dependendo das circunstâncias e dos fatos.
Para Kant, a razão, como em Hobbes, isto é, quando o homem, em estado de guerra contra todos, percebido como o lobo do homem, traz em seu íntimo a necessidade de paz e segurança.
Em Kant a razão toma a vontade como uma potência inata para o bem e, para evitar o bem subjetivo e egoísta, aquele bem intencional e condicional, deve ser um bem que se torna universal, onde todos os homens o reconhecem porque a todos hes asseguram a vida e a liberdade, não o praticando por medo, ignorância ou por meios de obter algo, mas por dever, ou seja, porque é um fim em si mesmo, absoluto e categórico.
Faço uma ligação a Espinosa também, partindo do pressuposto de que a imaginação e as idéias obscuras levam o homem a construir uma visão antropomórfica da divindade, submetendo os homens a uma obediência como meio de se atingir algo, sempre através do medo e da punição.
O que não corresponde a um ato moral.  
Em Kant, e é claro suas idéias, não se deve fazer algo tendo em vista os meios pelos quais este algo será a satisfação de nossas necessidades subjetivas, mas sim por dever, por ser uma lei universal, um fim em si mesma, e como no exemplo acima citado, a respeito do filme Matrix, como uma vontade direcionada pela razão humana: Cypher imagina que do mal irá surgir um bem que lhe é seu e único.
A moral como imperativo categórico revela que todos os homens são um fim em si mesmo, pessoas humanas, dignas de respeito, e o que se faz a outro homem e que lhe cause qualquer tipo de prejuízo (mal) poderá ser também feito a mim mesmo, também como homem, e desta forma, nunca poderá advir da BOA vontade.
Guerra de todos contra todos, disputa, concorrência, além de revelar o estado de natureza de Hobbes, não se trata também da definição de BOA VONTADE.
Outro nome seria designado, como por exemplo, egoísmo.  
Assim, o dever é imposto como norma universal.
A razão é universal, pois todos os homens são racionais e poderão contemplar o dever como fruto desta razão que diz, numa língua universal, o que todos anseiam em suas claras e reais existências: a felicidade!

"Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se tome lei universal" (KANT, 1973, p.223).

Como, então, poderemos colocar a liberdade numa lei universal e categórica, por dever?
Ora, se o homem decide suas ações baseando-se em algo que deseja, usando seu próximo como meio de se adquirir algo, ele está sendo determinado pelas circunstâncias e até mesmo por seu desejo, e sendo determinado, está sendo coagido por estes fatores, e não há liberdade, portanto.
Quando ele escolhe agir por um dever, estará contradizendo as forças que o oprimem a ser aquilo que em sua essência não o é: humano.
Estará indo contra sua natureza maléfica e destruidora.
Ele tem, através do dever, a escolha, e isto é liberdade.
Assim, a boa vontade instituída racionalmente como um dever a ser seguido, é fruto da liberdade, quando você escolhe o que é bom em si mesmo, e não como meio para se obter algo, porque a bondade é um fim em si mesma!
Tal como o homem!


Concluindo.
Estaria longe nossa sociedade de viver o ato moral kantiano?
Como poderemos responder essa questão, baseando-se no conhecimento racional dos empiristas?
Precisamente de David Hume, quando o conhecimento é a posteriori, ou seja, devido a experiência?
O que vemos, sentimos e colhemos de nosso cotidiano, enquadrando nossa realidade segundo o capitalismo?
Seria o homem realmente visto como um fim em si mesmo?
Sim, ele é assim visto tendo em consideração as leis brasileiras, quando assegura-lhe a dignidade da pessoa humana.
Mas e na prática?
Os empregados de uma empresa são percebidos como pessoas humanas, como um fim em si mesmo?
Ou são percebidos como meios de se atingir o lucro desenfreado, a concorrência assídua, a competitividade entre as classes profissionais e etc?
Como engrenagens de uma gigantesca máquina venerada e idolatrada como o progresso e a ciência? Nossos conterrâneos servem-se dos atos morais por dever?
Ou o fazem por medo da punição e do castigo, por obter a aprovação de poderosos e, assim, gozar da glória e do bem estar narcísico de suas pessoas?
Nossos jovens tem dentro de suas férteis e dinâmicas mentes as idéias de Kant, do conhecimento filosófico, digo do verdadeiro conhecimento filosófico que permeia as ações humanas buscando sua gênese e essência, como fim em si mesmo que revela a natureza humana e sua metafísica em relação às questões existenciais, tentando harmonizar, tal como o corpo humano o faz e tal ato recebeu a denominação de homeostasia, o emprego da harmonização como um fim em si mesma?
Ou são pessoas que aprendem na realidade cotidiana a serem meios para o transcendental mundo dos homens, cuja imanência se encontra apenas no rastro de seus passos?


E mesmo conhecendo, refletindo, agindo, como – e digo COMO e não porque – poderiam construir uma vida na boa vontade, se nem se fala ou comenta ou impõe tal boa vontade?


Afirmo e sempre afirmarei que não há conhecimento tão valioso e essencial para os homens do planeta Terra, senão o da Filosofia.
Talvez seja por isso que numa realidade construída com imaginação e com ilusões, meios de rodar as engrenagens do sistema, seja realmente sustentada pela fuga de questões essenciais e primordiais que o homem faz a si mesmo, conforme tão bem elucidada o fez o filósofo Blaise Pascal.
Somos realmente míseros e fugimos desta verdade.
No entanto, mais cedo ou mais tarde, seremos vítimas dos efeitos de tais fugas.
Fugimos do maior instrumento que conserva nossas vidas, assim como destruímos todos aqueles que foram o maior de todos os homens.
Seria, por conseguinte, uma necessidade de calar, seja em nós mesmos, seja no outro, as vozes que revelam quem somos nós?
Ética, moral, costumes, hábitos e crenças, a razão, o pensamento, nossa visão de mundo, sua gênese e sua construção...
Kant, como os demais filósofos, refletiram e deram ao mundo suas descobertas e construções.
Agora, quando o mundo for recebê-las que o façam praticando-as, pois é esta a função para a qual o pensamento e a alma elaboram suas atividades: para a sua materialização.


Para saber mais sobre o assunto.
KANT, IMMANUEL. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Editora Abril, 1973.
CAMPBELL, JOSEPH. O Poder do Mito. São Paulo: Editora Palas Athena, 2009.
REALE et. alli. História da Filosofia 4: De Spinoza a Kant. São Paulo: Paulus, 2005.
YOVEL & YIRMIYAHU. Espinosa e Outros Hereges. Brasília: Impressa Nacional/ Casa da Moeda, s.d.

 

 

Texto: Claudio Roberto Gavério.
Aluno da Licenciatura em Filosofia do Centro Universitário Claretiano.
Técnico em Enfermagem integrado ao CAPS-AD (Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas) na cidade de Santa Rita do Passa Quatro (SP).

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