Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume mai., Série 23/05, 2011, p.01-16.
A preocupação com a legislação educacional no Brasil é relativamente recente, começa, obviamente, com a independência, adentrando timidamente o período colonial.
A proclamação da República trouxe mudanças, mas somente no século XX a legislação começou a ser objeto de um debate mais intenso.
Foi quando a sociedade brasileira mudou a forma de enxergar a educação, pressionando o Estado pela abertura de acesso ao ensino básico.
Uma pressão que foi ampliada pela luta ao acesso em nível superior no final do século XX e inicio do XXI.
A legislação educacional evoluiu, acompanhando a tendência em conceber a educação como direito de todos e dever do Estado, balizada por uma construção coletiva garantidora e facilitadora do acesso ao ensino.
Na forma da lei, o Brasil possui uma legislação educacional extremamente avançada, mas será que na prática existe compatibilidade entre teoria e a realidade?
Será que a legislação garante uma gestão educacional eficiente?
Será que garante realmente o acesso de todos a uma escola de qualidade?
A legislação no período colonial.
Durante o período colonial, a educação não foi uma prioridade para o governo português.
Mesmo na metrópole não havia uma legislação especifica para a educação ou a garantia de acesso ao que hoje chamamos letramento.
Havia sim uma série de proibições que visavam exercer controle social e político sobre a colônia.
Dentre outras medidas, a impressão de livros estava proibida, fazendo chegarem poucas obras importadas ao Brasil.
Em geral eram trazidas da França e Inglaterra via Portugal, pagando altas taxas a metrópole.
O que exigia da população de reinóis, portugueses nascidos no Brasil, o conhecimento da língua inglesa, francesa e do latim para ter acesso ao conhecimento contido nos livros.
No entanto, os jesuítas montaram na colônia um sistema educacional equivalente, hoje, ao fundamental e médio, até certo ponto eficiente.
Embora esta estrutura não estivesse atrelada ao Estado, pelo contrário, compunha uma grande escola de catequização.
Os jesuítas fundaram inúmeros colégios, em geral, nas capitais das províncias, implantando métodos pedagógicos avançados para época.
Porém, foram expulsos do Brasil, no século XVIII, pelo marquês do Pombal, déspota esclarecido que governou em nome do rei D. José I, como primeiro ministro.
No que diz respeito ao ensino superior, também houve grande descaso do governo português para com a colônia.
Uma situação que mudou parcialmente com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, quando, em 1817, a abertura dos portos as nações amigas, permitiu o acesso a novos livros e, com eles, novas idéias.
D. João VI adotou o modelo educacional napoleônico, promulgando decretos que criaram escolas, academias, faculdades e centros de pesquisas.
Entretanto, uma legislação totalmente voltada para a educação continuou inexistente.
A legislação no período Imperial.
A partir da independência do Brasil, em 1822, a despeito de continuar inexistente uma legislação educacional, a Constituição de 1824 deu continuidade ao projeto pensado por D. João VI.
A chamada Constituição de Gaveta, pensada pelo próprio Imperador, que dissolveu a Assembléia Constituinte.
Ele fez a Constituição com a colaboração de uns poucos elementos de sua confiança, demonstrando uma tímida preocupação com a educação.
Dentre outros direitos básicos, o titulo 5º. - “Das disposições gerais, e garantias dos direitos civis, e políticos dos cidadãos brasileiros” -, em seu artigo 179, no item 32, afirmava ser direito dos súditos do Imperador “a instrução primária, e gratuita”.
A Constituição fixava no mesmo titulo e artigo, no item 33, que deveriam ser ensinados nos colégios e universidades “os elementos das Sciencias, Bellas Letras, e Artes”.
Nada mais era mencionado com relação à educação.
No entanto, uma lei complementar promulgou liberdade irrestrita ao estabelecimento de instituições de ensino privado.
Na prática funcionou como um convite a iniciativa dos particulares, fomentando o aparecimento de diversas escolas particulares, muitas das quais ligadas a ordens religiosas.
A garantia de acesso gratuito a educação primária não foi atendida pelo Estado, ficando restrita às capitais das províncias e centros urbanos mais populosos.
Segundo dados da época, apenas 3% da população brasileira tiveram acesso às escolas primárias gratuitas, estando fixado neste ponto o dualismo educacional que persiste até hoje, com o ensino publico de um lado e o privado do outro.
Tentando contornar a situação, uma lei, promulgada em outubro de 1827, determinou a criação de escolas elementares em “todas as cidades, vilas e lugarejos”.
O mesmo decreto determinou a separação de meninos e meninas em escolas diferentes com conteúdos diferenciados.
Permitindo a convivência somente em casos em que não fosse possível a separação de gêneros ao menos por sala.
Em outras palavras, salas mistas só eram permitidas quando existisse uma única turma, isto porque a seriação ainda não era uma prática, sendo regra a convivência de crianças de várias idades no mesmo espaço.
Em pouco tempo, todas as medidas passaram a se mostrar insuficientes para dar conta de garantir o cumprimento da Constituição.
Foi quando a obrigação de oferecer educação primária gratuita foi transferida para as províncias.
Em 1854, D. Pedro II tentou reformular o ensino, promulgando decretos que modificaram a estrutura da educação e os conteúdos ministrados.
O ensino primário foi padronizado com duração total de quatro anos, dividido em elementar e superior.
No elementar eram ministradas as disciplinas de instrução moral e religiosa, leitura e escrita, noções elementares de gramática e princípios de aritmética e sistemas de pesos e medidas.
No superior estas mesmas disciplinas se desdobravam, originando dez outras, tal como história, geografia, etc.
Para ingressar no secundário passou a ser exigido o diploma do primário.
Neste sentido, o currículo do Colégio Pedro II, criado em 1837, foi adotado como parâmetro para a reorganização do secundário.
Este último correspondia ao que hoje chamamos de Fundamental II e Médio, com duração de sete anos.
É interessante notar que a Constituição de 1824 só garantia acesso gratuito ao ensino primário, equivalente ao atual Fundamental I, portanto, apenas quatro anos de escolarização.
Era evidente a intenção do Estado de facilitar o acesso da população apenas a alfabetização e letramento, assim como o domínio básico da matemática e demais áreas do conhecimento.
A proclamação da República e a Constituição de 1891.
A proclamação da República, em 1889, trouxe novas mudanças para a educação, sobretudo atreladas à Constituição de 1891.
A nova Carta Magna, notabilizada pela laicização do Estado, pela separação entre política e religião, não mencionava a gratuidade da educação, tocava na questão do ensino de modo vago.
Dava a entender que a educação seria uma responsabilidade que deveria ser assumida pelos Estados da federação.
No entanto, a seção I - “Das qualidades do cidadão brasileiro” -, em seu artigo 70, afirmava que teriam direito ao voto os maiores de 21 anos, com exceção de quatro categorias:
1. Mendigos;
2. Analfabetos;
3. Militares, no caso apenas soldados, praças, já que os oficiais e cadetes tinham direito ao voto;
4. Religiosos.
Assim, a educação se tornou condição essencial para garantir a cidadania.
Porém, o Estado não iria oferecer mais nem sequer o ensino primário gratuitamente.
A seção II da Constituição de 1891 -“Declaração de direitos” -, no artigo 72, garantia ao cidadão o direito a liberdade, segurança individual e propriedade.
Entretanto, apenas mencionava a educação no inciso 6, afirmando que o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos deveria ser leigo.
Havia uma brecha para o oferecimento de educação publica e gratuita no artigo 78, o qual especificava que “garantias e direitos expressos na Constituição não [excluíam] outras garantias e direitos não enumerados”.
Na realidade, o artigo 78 permitia que as escolas já instituídas continuassem existindo custeadas pela União, mas extinguia a obrigação do Estado de oferecer educação gratuita a população.
A questão educacional foi entregue aos coronéis, os grandes proprietários rurais, que passaram a oferecer ensino primário em suas fazendas, quase sempre utilizado como mecanismo de manipulação.
As elites brasileiras ofereciam educação para que as pessoas pudessem se qualificar como eleitores, forçando a votar no candidato indicado quando acontecia à eleição, era o chamado voto de cabresto.
Isto em um momento em que, contraditoriamente, o discurso do governo republicano pregava o ideal positivista do ensino livre, onde todos os cidadãos deveriam ter as mesmas oportunidades de crescimento individual.
No entanto, uma série de decretos modificaram a estrutura do sistema educacional brasileiro.
O Colégio Pedro II foi transformado em Ginásio Nacional, convertido em modelo para a criação de novas escolas públicas.
Ao mesmo tempo houve um cuidado mais apurado para com o ensino superior, ocasionando, inclusive, em pouco tempo, o aparecimento em excesso de diplomados.
Uma tentativa de adoção de parâmetros positivistas para educação esteve representado pela reforma Benjamin Constant.
Quando foi proposta a substituição das disciplinas literárias pelas cientificas, além da transformação da escola primária novamente em gratuita e voltada a preparar os alunos para o ingresso no ensino superior.
A idéia era fazer valer o lema positivista na bandeira do Brasil - ordem e progresso -, fomentando a industrialização do país.
Obviamente, a proposta nunca foi aplicada, novas mudanças tiveram que esperar até 1011, com a chamada reforma Rivadário Corrêa, nome do titular do Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores.
A educação estava então subordinada à pasta, não gozando de Ministério próprio.
O decreto 8.659 de 5 de abril de 1911, a Lei Orgânica do Ensino Superior e Fundamental, que foi complementada pelo decreto 838 de 20 de outubro do mesmo ano.
A reforma propunha a formação do cidadão ao invés de uma educação preparatória para o ensino superior, até porque este foi elitizado.
Na prática a lei conferiu total liberdade de organização e gestão aos estabelecimentos de ensino, referendando a não obrigação do Estado em oferecer educação gratuita, pois a presença dos alunos se tornou facultativa.
Uma reforma, em 1915, pela lei 11.530, extinguiu os privilégios dos concluintes do Ginásio Nacional, os quais entravam direto nas faculdades, sem prestar exames.
A lei instituiu os “exames vestibulares” como forma de ingresso nas faculdades, passando a exigir também o certificado de conclusão do curso ginasial, o qual antes não era necessário nos exames de admissão.
Para expedir certificado de conclusão, os cursos ginasiais passaram a ser obrigados a realizar um exame final.
É interessante ressaltar que chamamos hoje de Fundamental I era equivalente ao primário, e o Fundamental II era equivalente ao ginásio, cada qual com quatro anos de duração, uma estrutura que se manteria intacta por muito tempo.
A Constituição de 1934.
O Estado Novo de Getúlio Vargas trouxe inúmeros avanços para a educação brasileira, dentre os quais uma legislação especifica, quando pela primeira vez o debate em torno da questão mencionava a necessidade de uma Lei de Diretrizes, a qual, posteriormente, iria compor a LDB.
Além disto, o decreto 19.402, de 14 de novembro de 1930, criou o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública.
O qual passaria a chamar, em 13 de janeiro de 1937, Ministério da Educação e Saúde; desmembrado em dois em 1953, quando, ao lado do Ministério da Saúde, nasceu o Ministério da Educação e Cultura (MEC), através da lei 1.920 de 25 de julho de 1953.
Embora um novo desmembramento tenha acontecido em 15 de março de 1985, pelo decreto 91.144, que criou o Ministério da Cultura, transformando a pasta em Ministério da Educação, mas mantendo a abreviação MEC.
Destarte, pressionado pela Revolução Constitucionalista de 1932, Vargas acabou promulgando uma nova Constituição em 1934.
Esta sofreu forte influencia do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, um movimento iniciado em 1932 por vinte e seis intelectuais que defendiam a educação como função essencialmente pública, gratuita, obrigatória, laica e única, desde o jardim da infância até a universidade, dos quatro anos aos dezoito anos de idade.
Movimento do qual fizeram parte Cecília Meireles, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo; estando inserido no Paradigma do Consenso no Brasil.
A Constituição de 1934, logo nas “Disposições Preliminares”, no capitulo I, artigo 5º, que relata o que “Compete privativamente à União”, no inciso XIV, afirmava que o Estado deveria “traçar as diretrizes da educação nacional”.
Portanto, admitindo a necessidade de uma legislação especifica sobre a educação, o que, posteriormente daria origem a LDB.
O mesmo artigo 5º, no inciso XIX, admitia que a Constituição iria deixar lacunas, deixando para as leis estaduais preencher as brechas.
O que era garantido pelo artigo 7º, o qual afirmava, no seu inciso III, ser competência dos Estados “elaborar leis supletivas ou complementares da legislação federal, nos termos do artigo 5º.
A exemplo da Constituição anterior, a Carta Magna de 1934 colocava a educação como condição para o exercício pleno da cidadania, ao definir como eleitor os brasileiros maiores de 18 anos, excluindo do processo eleitoral aqueles que “não sabiam ler e escrever”, no titulo III, capitulo I, artigo 108, em parágrafo único.
Apesar do capitulo II, no artigo 113, ao afirmar serem todos iguais perante a lei, deixar subentendido que o ensino seria publica e gratuita; a Constituição de 1934 reservou uma grande parte de seu texto à educação.
No titulo V - “Da família, da Educação e da Cultura” -, no capitulo II, onze artigos normatizaram a educação, fornecendo parâmetros básicos para a legislação especifica que seria criada pela União, Estados e Municípios.
O artigo 148 afirmava que todas às instancias administrativas deveriam favorecer o desenvolvimento “das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral”.
Enquanto o artigo 149, finalmente, afirmava ser a educação um direito de todos, embora um dever compartilhado pela família e os poderes públicos.
A educação era entendida como agregando fatores da vida moral e econômica, além do desenvolvimento do “espírito brasileiro” e da “consciência da solidariedade humana”.
A despeito de não mencionar a cidadania, este ultimo artigo, junto com o artigo 113, deixava subentendido que seria função da escola formar o cidadão.
Entretanto, o artigo 150, que fixava a fiscalização da educação em todos os níveis, em parágrafo único, afirmava que seria obrigatório e gratuito somente o ensino primário.
O artigo 150 mencionava uma “tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário”, mas não garantia acesso ao ginásio.
Na prática apenas o acesso a quatro anos de escolarização era garantido pela Constituição.
O ingresso aos níveis superiores ao primário era condicionado a “limitação da matricula a capacidade didática” de cada estabelecimento, com “seleção por meio de provas de inteligência e aproveitamento.
Em outras palavras, instituía exames de admissão ao ginásio, ensino médio e superior; criando peneiras que transformaram a educação brasileira em um grande funil.
No entanto, o artigo 156 e 157 representaram um grande avanço, uma vez que o primeiro fixou a aplicação mínima de 10% dos recursos da União e Municípios na Educação, enquanto aos Estados ficava fixado 25%.
O artigo 157, entre outras coisas, instituiu o fornecimento de material escolar gratuito, bolsas de estudo, assistência alimentar, dentária e médica.
Um artigo que foi desvirtuado para o emprego de verba em educação, por exemplo, na saúde, devemos lembrar que o mesmo Ministério respondia pelas distintas áreas.
Isto, a despeito do artigo 152 ter alocado como competência do Conselho Nacional de Educação a organização e sugestão da distribuição dos fundos, além de exercer fiscalização.
Foi o mesmo artigo que criou os Conselhos Estaduais de Educação, com a mesma função em âmbito estadual.
Apesar de atender a reivindicação de oferecimento de ensino publico e gratuito, a Constituição atendia também os interesses dos lobbies do ensino privado.
O artigo 154 estabeleceu isenção de tributos para as escolas particulares primárias e profissionalizantes.
Ao mesmo tempo, atendendo o lobby das escolas privadas religiosas, o artigo 153 admitiu o ensino religioso como facultativo, inclusive agregado às instituições publicas.
No que diz respeito à questão da institucionalização da profissão docente, o artigo 158 padronizou o acesso a carreira no ensino publico por meio de concurso publico.
A Constituição de 1937 e a reforma Capanema.
Tendo assumido o governo provisório como chefe de Estado em 1930; fruto de um golpe que depôs Washington Luís e impediu a posse de Júlio Prestes; Getúlio Vargas foi eleito presidente em 1934, quando promulgou a respectiva Constituição.
Porém, estando no poder desde 1930, quando terminou seu mandato em 1937, ele liderou um novo golpe, através do qual ficaria no poder até 1945.
A rigor, Vargas se tornou um ditador em 1937, quando promulgou uma nova Constituição que ficaria conhecida como a Polaca, devido a sua inspiração identificada com países fascistas da Europa.
A Constituição de 1937 marcou algumas alterações na maneira de conceber a educação brasileira.
Uma das principais mudanças foi efetivada pelo artigo 130, o qual mantinha o ensino primário como obrigatório e gratuito, mas relativizava a gratuidade, pois exigia da família do educando uma declaração alegando “escassez de recursos”, exigindo, caso contrário, “uma contribuição módica e mensal para o caixa escolar”.
No entanto, um avanço foi registrado através do artigo 129, pelo qual ficou instituído que, nos locais onde não houvesse escolas particulares, passaria a ser “dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas (...) ensino em todos os graus”, inclusive acesso ao superior.
Outro detalhe interessante é que a nova Constituição, no artigo 131, tornou obrigatória “a educação física, o ensino cívico e o de trabalhos manuais (...) nas escolas primárias, normais e secundárias”.
Dentro do âmbito da Constituição de 1937, o Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, tentou reformar a educação por meio de uma série de decretos promulgados entre 1942 e 1946, inseridos nas denominadas Leis Orgânicas do Ensino.
Em 1942, o secundário passou a englobar novamente o ginásio, com duração de quatro anos, e o colegial com duração de três anos.
Este ultimo foi dividido em clássico e cientifico, o primeiro enfatizando as humanidades e o segundo as exatas e biológicas.
Além disto, a lei recomendava encaminhar as meninas para estabelecimentos de ensino exclusivamente femininos.
A carência de mão de obra nas indústrias fez também a legislação favorecer o ensino técnico profissionalizante, com a criação do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) em 1942.
Depois da queda de Vargas, em 1946, foi fundado também o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).
Igualmente em 1946, foi instituído o ensino supletivo de dois anos, tentando diminuir o elevado índice de analfabetismo entre jovens e adultos.
Pela mesma altura foi criada a Escola Normal, equivalente hoje ao ensino médio e ao que foi o magistério, com duração de três anos, destinada a formar professores para o primário.
Uma nova modalidade de ensino que anteriormente, durante o período Imperial, havia existido com o Colégio Pedro II, transformando a profissão docente em eminentemente feminina e associada à maternidade.
A Constituição de 1946 e o inicio das discussões em torno da LDB.
A queda de Getúlio Vargas, deposto em 29 de outubro de 1945 por um movimento militar, foram convocadas eleições para presidente e representantes da Assembléia Constituinte.
Assim, em 1946, o Brasil teve sua 5º. Constituição promulgada, marcada pela redemocratização e o conceito de cidadania, vinculado em significativas melhorias na conquista de liberdades individuais. A Carta Magna voltou a definir o ensino primário como obrigatório e gratuito, sem condicionar a qualquer fator.
No artigo 168, abriu uma brecha para o oferecimento do ensino secundário (ginásio e médio) gratuitamente, ao afirmar que “o ensino oficial ulterior ao primário” seria oferecido “para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos”.
Outra novidade apareceu no mesmo artigo, no inciso III, “as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que [trabalhassem] mais de cem pessoas, [ficavam] obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes”, desonerando a obrigação do Estado.
Embora a LDB só fosse promulgada em 1961, a Constituição de 1946 já declarava a intenção de criá-la nas suas disposições preliminares, no 5º. Artigo, inciso XV, no item “D”.
A qual definia como competência da União legislar sobre “Diretrizes e Bases da Educação Nacional”.
A partir da declaração desta intenção Constitucional, em 1948, o Ministro da Educação e Saúde, Clemente Mariani, apresentou o anteprojeto da LDB, baseado em um trabalho confiado a educadores, liderados por Lourenço Filho.
O projeto percorreu um longo caminho até se tornar lei.
Uma divergência inicial surgiu devido às criticas dos representantes escolanovistas, os quais afirmavam ser necessário descentralizar a educação.
Depois, em 1959, o deputado Carlos Lacerda apresentou um substitutivo vetando mo monopólio do ensino estatal, defendendo a continuidade da educação privada, que deveria permanecer convivendo com o ensino publico e gratuito oferecido pelo poder governamental.
O projeto original recebeu inúmeras modificações, sendo desvirtuado, promulgado pela lei 4.024, em 1961.
Na prática a LDB não realizava alterações significativas na estrutura educacional montada pela reforma Capanema.
A despeito das emendas e modificações, a LDB de 1961 teve oito artigos vetados pelo legislativo.
No entanto, o artigo 92 ampliou a porcentagem de gastos com a educação pela União para 12% e pelos Municípios para 20%, antes fixado em 10%; apesar de reduzir os gastos dos Estados para 20%, antes fixado em 25%.
Além de regulamentar o funcionamento do Conselho Federal de Educação e dos Conselhos Estaduais, a LDB subordinou os gastos com a educação a fiscalização do Tribunal de Contas.
Mencionou pela primeira vez, no titulo VI, capitulo I, artigo 23 e 24, a educação pré-primária, destinada aos menores de sete anos.
Flexibilizou a duração e os currículos do ensino primário.
A duração mínima passou a ser quatro anos e a máxima seis anos.
O secundário (ginásio e ensino médio) teve reduzido o numero de disciplinas obrigatórias.
A LDB pensou também no ensino técnico, agregado ao setor industrial, agrícola e comercial.
Além da formação de professores, através da criação do magistério, antigo Curso Normal, destinado a formar mão de obra para a educação primária.
Igualmente, mencionou pela primeira vez a educação de excepcionais, no artigo 88 e 89, entregue iniciativa privada; e a assistência social escolar no artigo 90 e 91.
Entretanto, as disposições vinculadas com o ensino superior foram as que mais sofreram vetos e modificações, mantendo o acesso elitizado.
A Constituição de 1967, a LDB de 1971 e os anos de chumbo.
O golpe militar de 1964, que depôs João Goulart, deu inicio aos chamados anos de chumbo, um período caracterizado por forte repressão a liberdade de expressão, influenciando diretamente a legislação educacional.
A Constituição de 1946 passou a sofrer uma série de emendas, até ser suspenso por seis meses pelo Ato Institucional Nº. 1 (AI-1), sendo substituído pela Constituição de 1967, promulgada pelo Ato Institucional Nº. 4 (AI-4).
Na nova Constituição, a educação que figurava antes no item “D” das disposições preliminares, foi para o item “Q”, junto com as normas gerais sobre desportos; simbolizando a importância que o ensino tinha para os militares.
O titulo IV - “Da família, da educação e da cultura” -, no artigo 168, definiu e referendou a educação como um direito de todos, tornando a freqüência escolar obrigatória e gratuita “dos sete aos quatorze anos” nos “estabelecimentos primários”.
Entretanto, paradoxalmente, o mesmo artigo trouxe um avanço, determinando a gratuidade do “ensino ulterior ao primário”, portanto, para o ensino secundário, fixando a “concessão de bolsas de estudo” para custear os estudantes no caso da falta de vagas no sistema publico, incluindo o ensino superior.
Os demais dispositivos da Constituição anterior foram mantidos, inclusive a liberdade de cátedra.
No entanto, em dezembro de 1968, o Ato Institucional Nº. 5 (AI-5) retirou todas as garantias individuais, instaurando a censura também em sala de aula, com a proibição velada de livros, temas e conteúdos.
Em fevereiro de 1966, o decreto 477 proibiu aos professores, alunos e funcionários das escolas toda e qualquer manifestação de caráter político.
Elitizando ainda mais o acesso ao nível superior, em 1971, o decreto 68.908 criou o vestibular classificatório, restringindo o numero de vagas e condicionando o ingresso não mais a nota, mas a classificação.
É dentro deste contexto que a lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, reformou a educação através da promulgação de uma nova LDB, a qual já tinha sido precedida pela lei 5.540 de 1968.
Esta ultima realizou modificações principalmente na estrutura e funcionamento do ensino superior, extinguindo a cátedra, unificando o vestibular, aglutinando faculdades em universidades e normatizando a nomeação de reitores e diretores de unidades.
A lei 5.540/68 instituiu também o curso básico, com cursos de curta e longa duração, demonstrando uma tendência em centralizar o ensino médio em torno da profissionalização.
As grandes modificações estruturais foram efetivadas pela LDB de 1971, quando a educação foi dividida no ensino de 1º. e 2º. Graus.
O primário foi agregado ao ginásio, cada qual com quatro anos, compondo o 1º. Grau; enquanto o ensino médio, com duração de três anos, sendo chamado de 2º. Grau; já que o ensino superior passou a ser considerado o 3º. Grau.
A LDB fixou como 180 dias o mínimo para compor o ano letivo, excetuando períodos de provas e 90 dias de trabalho escolar.
Assim como determinou a freqüência mínima em 75%, minimizando as disciplinas de humanas, extinguindo filosofia e sociologia do 2º. Grau, introduzindo como obrigatórias: educação física, educação moral e cívica, educação artística e programa de saúde.
O fomento ao estabelecimento do ensino supletivo e profissionalizante foi garantido por diversos artigos, inclusive sendo permitido mediante utilização de meios de comunicação de massa como rádio e T.V.
Os municípios ficaram incumbidos de responder prioritariamente pelo 1º. Grau e os Estados pelos 2º. Grau.
Assinada pelo general Médici, a LDB de 1971 simplesmente esvaziou os conteúdos, tencionando formar seres passivos ao invés de questionadores.
O resultado foi uma elevação da taxa de analfabetismo, que chegou a 33% da população brasileira.
A Constituição de 1988 e a LDB de 1996.
Depois do processo de abertura e redemocratização do Brasil, em 1985, após algumas iniciativas pontuais em alguns Estados, foi a Constituição de 1988 que tentou reformar a educação brasileira.
O capitulo III, na seção I, estabeleceu uma série de artigos que foram objeto de amplo debate, inclusive sofrendo influencia dos lobbies da iniciativa privada.
Entretanto, o artigo 206, que garantiu a gratuidade do ensino, promoveu o conceito de gestão democrática.
O artigo 208, por sua vez, estabeleceu o então chamado ensino Fundamental como obrigatório e gratuito, dos quatro aos dezessete anos, prevendo a progressiva universalização da gratuidade do ensino médio e o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência.
O artigo 211 incumbiu a União de organizar o sistema de ensino e prestar assistência as demais instancias administrativas, fixando a atuação prioritária dos municípios no ensino Fundamental e na educação infantil; atribuindo aos Estados a responsabilidade pela universalização do acesso ao ensino médio.
Já o artigo 212 estabeleceu novas porcentagens mínimas da arrecadação de impostos para serem aplicados na educação: 18% para a União e 25% para Estados e Municípios.
A partir destes parâmetros, a Nova LDB começou a ser discutida, chegando ao legislativo em 1993, sendo aprovada, após debates e modificações, em 1996, através da lei 9.394/96 de 20 de dezembro.
A grande novidade da LDB foi o conceito de educação voltada para a formação da cidadania, com a reintrodução da filosofia e sociologia no ensino Médio.
Além é claro da preocupação com a formação docente, com a obrigatoriedade da formação superior para os professores e a fixação de um prazo apara adequação dos profissionais já atuantes no mercado de trabalho.
Concluindo.
Desde o período colonial, passando pelo Império e o inicio da República, a legislação educacional avançou muito.
Porém, não só de rupturas foi feita a legislação, também tivemos continuidades que influenciaram as práticas educativas.
Em embora tenhamos uma legislação extremamente avançada no Brasil, existe grande disparidade entre a forma da lei e a prática real.
É preciso que cada um de nós reivindique não apenas leis melhores, mas também o cumprimento da atual legislação e a fiscalização de seu cumprimento.
Somente assim poderemos construir um país e um futuro melhor.
Para saber mais sobre o assunto.
CHIRARLDELLI, JR, Paulo. História da educação. São Paulo: Cortez, 1999.
DEMO, Pedro. Desafios Modernos da Educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.
PILETTI, Nelson; PILLETI, Cláudio. História da educação no Brasil. São Paulo: Ática, 1990.
RAMOS, Fábio Pestana. “A constituição afetiva da infância e da família no período colonial? O nascimento da profissão docente no Brasil” In: ALMEIDA, Jane Soares de (org.). Profissão docente e cultura escolar. São Paulo: Intersubjetiva, 2004, p.13-40.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil (1930/1973). 25. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela FFLCH/USP.
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela USP.
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