Para
entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Vol.
abr., Série 02/04, 2012, p.01-06.
Quem se interessa pela História do
Teatro no Brasil, certamente, já ouviu falar deste personagem. Joaquim José da
França Junior (1838-1890) ficou conhecido por escrever comédias como Caiu o Ministério!(1882), Como se Fazia um deputado (1882) e As Doutoras(1889).
Suas peças foram apresentadas,
principalmente, no Rio de Janeiro, nas últimas décadas do reinado de D. Pedro
II (1870 e 1880), mas também fizeram sucesso em outras províncias e, até hoje,
podem ser assistidas em nossos palcos.
Recentemente, uma delas, “O Tipo Brasileiro”, serviu de
inspiração para os dramaturgos Eduardo Rieche e Gustavo Gasparani escreverem o
musical “Oui, Oui... A França é Aqui!” (2009),
que rendeu a eles o Prêmio Shell de Melhor Autor.
O que poucos sabem é que França
Junior foi muito mais que um comediógrafo da segunda metade do século XIX.
Durante a maior parte de sua vida,
ele dividiu-se entre a carreira de folhetinista e de juiz de órfãos no Rio de
Janeiro.
Trabalhou nos jornais mais
importantes da corte como A Gazeta de
Notícias, O Globo e O Paiz.
Em seu primeiro artigo para este
último jornal, França Junior prometeu escrever sobre todas as coisas e “outras cositas mais”(O Paiz, 1884); e
foi o que fez. Seus folhetins refletiam os mais variados aspectos da vida
cotidiana do Rio de Janeiro, principalmente, de uma classe média urbana, a qual
chamava “nossa boa burguesia”.
Origens
e formação.
França Junior, filho de Joaquim
José da França e Mariana Inácia Vitovi Garção da França, nasceu e batizou-se na
freguesia de Santa Rita, Rio de Janeiro.
Conforme relatou em seus folhetins,
perdeu a mãe ainda criança, sendo então criado pela avó: “santa velha [que] preenchia um vácuo imenso de uma mãe, que a
fatalidade roubou-me no momento em que mais precisava de carinhos”.
Uma de suas maiores alegrias
infantis eram as férias que passava na roça, tempos dos quais guardou felizes
recordações, que, vez ou outra, se fizeram presentes em seus textos.
França Junior cursou seus estudos
secundários no prestigiado Colégio Pedro II, onde se formou em 1856. No ano
seguinte, mudou-se para São Paulo, onde estudou Direito, recebendo a carta de
bacharel no início da década de 1860, quando já escrevia para periódicos
acadêmicos e já havia iniciado sua carreira como dramaturgo.
Suas primeiras comédias foram
representadas ali mesmo, na capital daquela província.
Ao retornar ao Rio de Janeiro,
trabalhou na redação do Bazar Volante, periódico de caricaturas, que
surgiu em setembro 1863, dirigido por Eduardo Reinsburg.
Em abril de 1867, iniciou sua
carreira como jornalista e folhetinista no Correio Mercantil. Seu trabalho nestes dois
jornais foi marcado por uma intensa satirização aos Gabinetes
Ministeriais presididos por Zacarias de Góis e Vasconcelos (1815-1877), a
partir de 1864. Conservador declarado, França Junior criticava, principalmente,
o que ficou conhecido como Liga Progressista. Tendo Zacarias de Góis como seu
principal representante, a Liga foi uma facção política que vigorou durante
parte da década de 1860 e caracterizou-se por congregar liberais e
conservadores dissidentes.
Posicionando-se
ante a política Imperial.
França Junior referia-se à Liga em
seu folhetim diário, utilizando-se dos adjetivos e comparações mais
depreciativos, como por exemplo, ao igualar o “progressismo” a uma pipa de
vinagre: “Para dentro da pipa vai tudo o
que o taberneiro acha à mão. [...] Substâncias que já nada valem, completamente
estragadas, o vendilhão delas se apropria, e faz o vinagre./ Conversemos agora
leitor, bem baixinho, de modo que ninguém nos ouça./ - O que é este
progressismo se não uma verdadeira pipa de vinagre?” (Correio Mercantil, 1868)
Quando a Liga Progressista caiu em
1868, e um ministério conservador ocupou o seu lugar, França Junior, que tanto
lutou contra aquele inimigo, recebeu um cargo de secretário do governo
provincial da Bahia, graças à indicação do senador Francisco Gonçalves Martins (1807-1872), o Barão de São Lourenço, que fora
nomeado à presidência daquela província.
Apesar de ter feito amigos na
capital baiana, o jornalista não ficou muito tempo em Salvador. Ao final do ano
de 1869, os jornais já noticiavam a sua candidatura a deputado da Assembleia
Provincial do Rio de Janeiro. Seria a primeira e última vez que este homem de
letras pleiteava um cargo político.
Contudo, mesmo derrotado nas urnas,
França Junior teve muito a comemorar nos dois anos seguintes. Já casado com uma
moça que, possivelmente, conhecera na Bahia, e filha de um rico empresário,
político e dono de jornal, chamado Ângelo Thomaz do Amaral (1822-1911),
trabalhava, então, no Jornal da Tarde,
e começava a ganhar fama como comediógrafo.
De
volta a Corte.
A companhia Phênix Dramática
apresentou neste período oito de suas comédias: Amor com Amor se Paga, O
Defeito de Família, Direito por
Linhas Tortas, Maldita Parentela,
Tipo Brasileiro, A Lotação dos Bondes, Trunfo
às Avessas e Três Candidatos.
Alguns desses textos foram
publicados pela tipografia Americana, propriedade de seu sogro.
Mas o seu conhecimento a respeito
da vida cultural e artística do Rio de Janeiro, certamente contribuiu para que
fosse enviado, pouco depois, como crítico de arte, representante do Brasil na
exposição de Viena, Áustria (1873).
Nessa ocasião, já exercia o cargo
de Curador de Órfãos e ausentes da Corte.
Se, no início da década de 1870,
França Junior havia começado a ganhar fama como comediógrafo, foi no início da
década seguinte que atingiu o ápice de sua carreira como dramaturgo. “Como se Fazia um deputado” e “Caiu o Ministério!” renderam-lhe o
título de verdadeiro escritor de comédias nacionais e garantiram noites de enchentes (como diziam à época
sobre a lotação do Teatro) no Teatro Recreio Dramático.
A
pintura de paisagem.
Durante esses anos, o comediógrafo deu
início a uma nova atividade, a qual se dedicaria até seus últimos dias de vida,
e que se revelaria uma de suas prediletas, a pintura.
Começou por frequentar aulas de
pintura com o aquarelista Benno Treidler e, mais tarde, em 1882, entrou na
Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) como aluno amador.
Participou, então, da Exposição
Geral de Belas Artes (1884), considerada, uma das mais importantes
exposições de Belas Artes no Rio Janeiro.
A comissão julgadora dos trabalhos,
formada por Victor Meirelles (1832-1903), Pedro Américo (1843-1905) e João
Maximiniano Mafra (1823-1908), em seu parecer, elogiou o trabalho do pintor amador:
“O Sr. Dr. França Junior é um ilustre
amador que estreou na atual Exposição com seis pequenos estudos do natural, que
revelam em seu autor felizes disposições para a pintura de paisagem; talento
cuja cultura não deve desprezar.”
Por essa participação, França
Júnior recebeu uma menção honrosa, e seus colegas Giambattista Castagneto
(1862-1900), Thomas Georg Driendl (1849-1916), Domingo Garcia y Vasquez
(1859-1912) e Hipólito Boaventura Caron (1862-1892) também foram premiados. Esses
dois últimos artistas, juntamente com Francisco Joaquim Gomes Ribeiro (1855? –
1900?) e Antônio Parreiras (1860-1937) foram os alunos que acompanharam seu
mestre, o alemão Georg Grimm (1846-1887), quando de seu desligamento da AIBA,
por não se adequar ao método tradicional de ensino da paisagem.
França Junior descreveu em um de
seus folhetins a atitude do professor bávaro no primeiro dia de aula naquela
instituição: “-Quem quer estuda vem comigo. Quem é vagabunda fica em casa. Eu não fica aqui. Atelier de paisagista está na meio da rua e na campo.”(O Paiz, 1885).
Conforme expressou diversas vezes
em seus textos, o período em que esteve em contato com esses artistas,
dedicando-se à retratação da natureza, foi um dos momentos mais felizes de sua
existência.
Numericamente, a maior produção
escrita de França Junior foi para o jornal O
Paiz, onde escreveu de 1884 até o ano de sua morte, 1890.
Um ano antes de morrer, estreou seu
maior sucesso para o teatro “As Doutoras”,
comédia que foi motivo de polêmica nos jornais da época, quanto à sua
originalidade.
A
polêmica do plágio.
Tendo ultrapassado o
meio centenário de apresentações, em uma época em que quinze representações da
mesma peça já denotariam um sucesso, não há dúvida de que As Doutoras agradou o público.
O que não significa,
porém que tenha passado imune a críticas e polêmicas.
Ao contrário, a
esperança depositada naquele renascimento literário de França Junior (que não
escrevia para o teatro há sete anos) levou àqueles mais desconfiados a acusarem
o autor de haver plagiado uma comédia francesa de nome La Doctoresse, de Henri Bocage e Paul Ferrier, apresentada em 1885
no teatro Gymnase de Paris.
A afirmação partiu de
um redator do Diário de Notícias.
A partir daí muitos
críticos teatrais se apressaram em ler a comédia francesa enquanto a notícia
rapidamente corria as ruas e as redações do Rio de Janeiro. Buscando desmentir
aquela acusação foi publicado na Gazeta
um resumo da La Doctoresse em que o
enredo e os personagens desta história foram comparados com os da comédia de França
Junior.
Ao mesmo tempo o Teatro Recreio Dramático anunciou
traduzir e apresentar aquela comédia a fim de provar ao público a diferença
entre as duas.
A Gazeta de Notícias repetia artigos publicados no Novidades e no Jornal do Comércio em defesa da originalidade do comediógrafo.
A partir da leitura da comédia
francesa podemos perceber muitos pontos de semelhança entre essa e As Doutoras.
Contudo, seria muito dura uma
acusação de plágio contra um autor de um período em que a cena nacional era
composta por paródias, operetas e revistas de ano.
Gêneros herdados e reconfigurados à
moda brasileira, do teatro Francês.
Pudéssemos aplicar graus de
originalidade ao teatro produzido no período, poderíamos considerar que As Doutoras estavam bem à frente da
maior parte das peças apresentadas nos demais teatros da corte naquele momento.
Concluindo.
França Junior foi um homem de
múltiplas habilidades, transitou por diferentes ambientes da Corte da segunda
metade do século XIX, e por isso sua produção letrada reflete seu olhar arguto
sobre o dia-a-dia de uma cidade viva e pulsante.
Conhecido somente por sua produção
teatral, esse personagem multifacetado perde a totalidade de seu brilho.
Conhecer esta “outra parte” de sua
obra nos permite, inclusive, lançar um olhar diferenciado sobre suas tão
conhecidas comédias, nos fazendo compreender melhor o que se passa nelas.
Conforme nos ensinou o historiador
Robert Darnton em entrevista a Revista de História nº 61 (outubro de 2010): “Eu diria que, se você entende a piada,
compreende também a cultura de onde ela vem. A piada é uma espécie de porta de
entrada para um outro sistema cultural.”
Texto: Raquel
Barroso Silva.
Doutoranda em História pela Universidade
Federal de Juiz de Fora.
Analista em EAD do Centro de
políticas Públicas e Avaliação da Educação - CAED/UFJF.
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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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