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Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Relações de gênero e construção cultural do corpo feminino: um estudo histórico-social da adolescência feminina e da Educação Física Escolar.


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume out., Série 04/10, 2011, p.01-23.


A construção histórica do corpo feminino é feita por padrões morais severos que são transmitidos de geração a geração e que são reproduzidos no meio familiar, religioso, escolar, no mundo do trabalho, no lazer, nas diferentes relações sociais.
Desse modo, embora devam ser levados em conta os fatores biológicos que diferenciam homens e mulheres, é necessária a compreensão dos aspectos históricos, psicológicos e socioculturais que afetam na construção da identidade feminina e em sua recusa em participar das atividades físicas propostas nas aulas.
A investigação histórica é imprescindível para que seja possível a compreensão do presente e o quanto o paradigma biológico separou, por muito tempo, meninos e meninas, impedindo a co-educação.
E, especificamente na Educação Física Escolar, retomar os motivos que proibiram a prática da mulher nas aulas.
No Brasil, desde a época colonial, no Brasil, a Companhia de Jesus era a única responsável pela educação, mantendo um sistema de ensino destinado à educação religiosa e secundária.
Além desse trabalho, desenvolveram uma ação evangelizadora voltada para a catequese dos índios e da população livre, e fundaram várias escolas destinadas à população masculina branca (SOARES, 2002).
Quanto às mulheres, mesmo das famílias mais ricas, raramente recebiam instrução escolar, e esta se limitava às aulas de boas maneiras e de prendas domésticas.
Os escravos de todas as idades, sendo considerados juridicamente “coisas” e não pessoas, estavam excluídos do processo educacional (WEREBE, 1994)
A estruturação de um sistema educacional ocorreu de forma bastante lenta. Apesar do crescimento do número de escolas, como afirmou Fernando de Azevedo, até o início do Século XX, “mantinha-se um regime de educação doméstica e escolar (...) com o quase absoluto das atividades puramente intelectuais sobre as de base manual e mecânica, mostram em que medida influiu na evolução de nosso tipo educacional a civilização baseada na escravidão” (AZEVEDO, 1963, p.334).


Educação Física e estereótipo feminino.
A respeito do estereótipo feminino predominante no Brasil ao longo de séculos, Castellani Filho (1988), apresenta informações interessantes para essa pesquisa.
O autor afirma que no final do século XIX e começo do século XX, através das influências dos higienistas, os educadores passaram a defender a introdução da Ginástica nas escolas.
Mas houve muita contrariedade das famílias da elite, devido ao pensamento dominante da época, que viam na prática da ginástica inferioridade, pouco valorizada quando comparada ao desenvolvimento das capacidades intelectuais.
A aceitação foi, segundo o autor, muito mais fácil para os homens, já que a Ginástica era realizada pelo exército, mas inaceitável para o sexo feminino.
Muitas famílias proibiam suas filhas de freqüentarem as aulas, mesmo com risco de reprovarem o ano escolar.

No final do século XIX, em 12 de setembro de 1882, Rui Barbosa, no sentido de tornar a Educação Física obrigatória na grade curricular dos institutos educacionais, faz o projeto de número 224, chamado “Reforma do Ensino Primário e várias instituições complementares da Instituição Pública”, que determinava:

1.º – Instituição de uma seção especial de ginástica em cada escola normal;2.º – Extensão obrigatória a ambos os sexos, na formação do professorado e nas escolas primárias de todos os graus, tendo em vista, em relação à mulher, a harmonia de suas formas feminis e às exigências da maternidade futura(CASTELLANI FILHO,1988, p.64).

Era a primeira vez que a Educação Física seria defendida, visando uma sociedade saudável, forte a partir de uma visão dualista do homem, que o físico trabalha em função do intelecto, essa defesa era também, como afirma o autor, para manter a eugenização da raça brasileira.
Em relação à eugenia da raça brasileira, o papel da Educação Física era o de proporcionar às mulheres saúde e força para terem seus filhos saudáveis, tornando-se mães robustas e, conseqüentemente gerando homens fortes e saudáveis para proteger a sua Pátria.
A grande influência higienista esteve marcante no parecer de Rui Barbosa destinando os papéis tanto dos homens como das mulheres na sociedade.
Fernando de Azevedo autor de grande importância na História da Educação Física, tendo publicado um livro em 1916, e que possuía grande admiração por Rui Barbosa.

Em seus artigos, 24 anos depois, tinha compreensão semelhante à de Rui Barbosa a respeito da eugenização da raça:

“... O que é, pois, preciso é ver na menina que desabrocha, a mãe de amanhã: formar fisicamente a mulher de hoje é reformar a geração futura...” (apud CASTELLANI FILHO, 1988, p.57).

E sobre a ginástica destinada às mulheres, Fernando de Azevedo, deixa clara sua opinião:

“... A Educação Física da mulher deve ser, portanto, integral, higiênica e plástica, e, abrangendo com os trabalhos manuais os jogos infantis, a ginástica educativa e os esportes menos violentos e de todo compatíveis com a delicadeza do organismo das mães...” (apud CASTELLANI FILHO, 1988, p.58).

Dessa forma, o autor afirma que devido às diferenças criadas para prática da ginástica entre os gêneros, justificando ser por limitações do sexo feminino, criaram-se também maiores oportunidades para os homens no desenvolvimento de destrezas físicas, bem como reforça também o papel da mulher na sociedade brasileira, associando-a quase que somente ao papel de mãe.
No final do Império e início da República, conforme afirma Soares (2002), ainda era grande a influência católica no ensino brasileiro, mas as igrejas protestantes ganhavam espaço para instalar suas escolas.
Em 1870, em São Paulo, foi fundado o Instituto Mackenzie, com a adoção da co-educação, e, em 1875, sua Escola Normal.
Em 1908, no Rio de Janeiro, o Colégio Batista, que também formava docentes para o Jardim da Infância, escolas primária e normal, além de professores para o secundário, diretores e administradores escolares.
Soares (2002), aponta que em 1920, no Rio de Janeiro, o Instituto Bennett de Ensino, criado para os filhos de protestantes, liberais e progressistas; com curso primário, de duração de sete anos, e curso secundário, com duração de quatro anos e curso normal nos dois últimos anos.
Em 1941, o Instituto Bennett criou o Instituto Técnico, com cursos especializados para a formação de professoras de Economia Doméstica, de Escola Maternal e Jardim da Infância, de Educação Religiosa e Assistente Social.
A ação dos protestantes foi, portanto, importante para criar a educação de ambos os sexos no Brasil, a co-educação, que não era consentida pela Igreja Católica.
As escolas protestantes representaram um avanço em relação ao ensino tradicionalmente ministrado no Brasil, com novas propostas educacionais, co-educação desde as séries iniciais, afirmação dos princípios liberais e profissionalização da mulher.
A autora ainda ressalta que os católicos afirmavam que a educação segundo esses princípios seria incapaz de desenvolver as capacidades dos educandos.
As críticas dos intelectuais ligados à Igreja eram diretamente contra a Escola Nova, que defendia a escola única, a escola oficial obrigatória, o ensino anti-confessional, que, segundo afirmavam os católicos, favoreciam a co-educação e a conseqüente ruptura do quadro familiar.
O Padre Leonel Franca, representante do movimento católico chamado Ação Católica, mostrava uma grande preocupação com a educação adequada à mulher.
Em uma palestra no Colégio católico Sacre Coeur, afirmou que três questões deveriam ser consideradas: as características psicológicas específicas do gênero feminino e os aspectos higiênico e moral da co-educação. 
Segundo ele, era preciso considerar a diversidade de tipos psicológicos entre o homem e a mulher. Esta, é dotada de “natureza alterocêntrica e intuitiva”, possuindo a função natural da maternidade e tem o marido e os filhos como objetos de amor, prazer e ambição.
Somente a conservação das diferenças entre os tipos psicológicos masculino e feminino poderia manter a felicidade pessoal da mulher, a estabilidade e harmonia da família e o progresso da sociedade (SOARES, 2002, p.143).
Para os católicos, a co-educação poderia ser admitida apenas para as crianças menores de oito anos, somente tolerada nas escolas primárias, mas de modo algum para as crianças na fase da puberdade e adolescência, em nome da saúde, da higiene e da moral feminina, como confirmam os textos e discursos da época, quando se referiam ao desenvolvimento natural e à diferença entre os sexos:
Estas meninas submetidas à pressão de um trabalho superior à sua capacidade serão amanhã moças neurastênicas, mães de família incapazes de desempenhar as suas funções e que transmitirão a uma prole raquítica a tara contraída num regime educativo mal inspirado (Padre Leonel Franca, apud SOARES, 2002, p.143).
Segundo Soares (2002), o Padre Leonel Franca associava a co-educação ao fracasso dos casamentos, aos divórcios e até mesmo à criminalidade infantil e adulta, pois, segundo ele, a co-educação contribuiria para "solapar a dignidade feminina", pois a escola leiga e a co-educação favorecem a corrupção da mulher e abala a estrutura da família.
Por essa razão, a educação de meninos e meninas em um só ambiente escolar seria algo pregado pelos inimigos da Igreja.
Naquela época havia uma pregação religiosa sobre os princípios moralizantes da família e a unidade da nação em que, para combater o mal, era necessária a exaltação do papel da mulher na formação da consciência e dos hábitos morais e religiosos da sociedade.
A mulher era considerada "educadora dos filhos e conselheira do marido", portanto responsável pela formação do caráter da nação, devendo ser virtuosa e exemplar (SOARES, 2002 p.145).

Para exemplificar os discursos católicos mais comuns das décadas de 1930 e 1940, a autora cita uma Carta Pastoral, redigida em 1939 pelo Bispo de Bragança:

Isso que constitue o maior padrão de gloria da mulhér virtuosa e cristã, da verdadeira mãe de familia e dona de casa, não no faz, nem póde fazer, - porque ninguem dá o que não tem - a mulher que perdeu a virtude, vitimada pelos males resultantes do luxo, que já atingiu ao requinte inconcebivel, não fôra a realidade do fato, de um par de sapatos custar o preço de seiscentos mil réis !!, das modas exageradas, dos bailes hodiernos, regados a champanha e obrigados ao cigarro, dos esportes em promiscuidade, das piscinas e das práias, das praticas anti-matrimoniais, dos arranha-céos, alguns, não sem propriedade, apelidados de cortiços de luxo, etc., etc.(...) Girando em redór da mulhér a vida sociál, domestica e cristã, é evidente que, si não fôr ela defendida e amparada em sua naturál fragilidade afim de não resvalar, inútil será quanto se tente para que não sossobre a civilização (sic) (SOARES, 2002, p.145).

Desse modo o pensamento religioso católico, predominante no Brasil, influenciava o Estado para adotar uma política de educação que excluísse as mulheres, ou diferenciasse o tipo de educação, seguindo o princípio de que a mulher deve ser preparada apenas para a família.

O Bispo de Bragança fundou a Liga da Defesa da Família, que determinava, entre os seus objetivos trabalhar:

a) pelo afastamento das mulheres, principalmente das jovens, de empregos e ocupações outras fóra do lar e que sejam inadequadas á sua alta finalidade de donas de casa; (...) e) pelo desaparecimento da praxe da familiaridade entre os jovens de um e outro sexo, dando combate a tudo o que a isso conduza, seja a coeducação nos colegios e escolas de qualquer grau ou classe, sobretudo tratando-se de alunos púberes, (sendo que, mesmo entre crianças, deve ser proscrita, pois segundo a experiencia digna o atesta, concorre ela para a desvirilização dos meninos e para a masculinização das meninas); ou sejam os espórtes feitos com promiscuidade de sexos, e os de moças praticados publicamente, por causa dos graves perigos que dêles advéem para a delicadeza do pudor feminino; f) pela nítida compreensão da educação fisica, que, si é aceitavel, quando mantida dentro dos convenientes limites, é altamente nociva quando traz prejuizos á sã moral, como nos casos apontados (...)  (sic) (apud SOARES, 2002, p.148).

Além dos militantes católicos, Soares (2002), explica que os eugenistas brasileiros também interferiram na educação feminina, pois pensavam nas funções sociais da educação e na melhoria da “raça brasileira”.

A esse respeito, a autora cita o ministro da Educação Belisario Penna que, em 1931, referia-se ao caráter higiênico e eugenista da educação escolar:

É indispensável aprendermos e nos compenetrarmos de que cada um de nós é, não só um membro da família, como da raça e da humanidade, que herda dos progenitores e ascendentes qualidades e defeitos, e transmite aos descendentes a herança melhorada ou peorada; que, ao nascer, o homem tem o que lhe dão, e ao reproduzir-se transmite o que herdou ou adquiriu; (...) não reproduzir sómente, mas de superar-se no producto, servindo-se do jardim do matrimonio com a vontade firme de criar filhos, que sejam melhores do que os que os geraram (...). Impõe-se, portanto, a primazia da educação hygienica e eugenica na escola e no lar, como medida fundamental para a formação de uma mentalidade collectiva equilibrada, e de uma consciencia sanitaria, isto é de um espirito nacional absolutamente compenetrado do valor inestimavel da pratica dos preceitos da Hygiene e da Eugenia, como indispensaveis á prosperidade individual, da familia, da sociedade e da especie (sic) (apud SOARES, 2002, p.184).

O modelo de educação era considerado, segundo a autora, como responsável pelo tipo de sociedade, assim como o casamento e a preservação da família e das funções da mulher.
Como males da sociedade, o ministro apontava a doença, a imoralidade, a prostituição, o jogo, a falta de patriotismo e a falsa concepção de casamento, que teriam resultado no endividamento do país e em misérias físicas e morais.
Para mudar essa situação, ele propunha a valorização do homem, a educação e o saneamento, com a implantação de uma educação moderna “bio-físico-social”, que pusesse em prática os princípios higiênicos e de eugenia, o respeito pela saúde, a formação de um caráter de bondade, cooperação, solidariedade e assistência.
A Legislação por sua vez, só reforçava as diferenças entre os gêneros.

O Decreto-Lei nº 3.199, de 1941 (que até o ano de 1975 estabeleceu as Bases de Organização dos Desportos em todo o país), tratava no artigo 54:

 Ás mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo para esse efeito o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país” (CASTELLANI FILHO, 1988, p.61).

Naquela época, a Lei Orgânica do Ensino Secundário, de 1942, diferenciou a educação feminina e masculina, alegando que a co-educação não apresenta inconvenientes na escola primária, o que não ocorre na secundária.
Consagrando essa solução, a reforma de 1942 não somente reconheceu o que já era admitido pelos chefes de família, como seguiu rigorosamente um princípio pedagógico da mais absoluta procedência.
Os estudiosos da educação de há muito estabeleceram que a educação do homem deve diferir da educação da mulher, no período da adolescência.
Na explanação dos programas, no sentido geral das aulas, na organização e dosagem dos trabalhos escolares, na apresentação do ensino enfim, a distinção se impõe e para realizá-la o recurso natural é o da separação das classes (SOARES, 2002, p.237).
Soares (2002, p.237), explica que as justificativas para a diferenciação e separação dos sexos, “baseavam-se nos elementos psicológicos da personalidade feminina, e admitiam o que havia proposto o Padre Leonel Franca nove anos antes”.
Segundo a autora, também a legislação de proteção à mulher trabalhadora considerava as ditas diferenças fisiológicas e psicológicas femininas, sendo considerada adequada para a mulher a atuação profissional nas áreas de “Farmácia, Odontologia, Química, Medicina Pediátrica e Ginecologia, Enfermagem, serviços de laboratório e escritório, Artes e Magistério”.

A autora cita um artigo publicado na época por Arthur Henock dos Reis:

Entre as ocupações do trabalho feminino, em que as aptidões do sexo mais se enquadram, estão as carreiras sociais, tais como os serviços de enfermagem, visitadora-enfermeira, professora infantil, assistência social aos operários, combate à mendicidade etc. Nestas funções a mulher poderá exercitar em toda a sua plenitude, os mais nobres caracteres do seu sexo, nelas desenvolvendo a solicitude, a paciência, a pertinácia nas idéias, a bondade, o afeto maternal, o conforto na adversidade, e a indispensável ação religiosa, - predicados peculiares à mulher e que só ela sabe manejar com a doçura capaz de impressionar as inteligências ainda em formação ou os espíritos abalados pelos embates da Vida” (SOARES, 2002, p.237).

Vilhena (1988), em sua Tese de Doutorado, afirma que a política de proteção à mulher procurava:

(...) dignificar a mãe e salientar o importante papel que ela ocupa na família e na sociedade, por meio de instrução, de educação, do esclarecimento de suas altas funções, dos cuidados especiais à gestante, à mãe de recém-nascidos, rica ou pobre. Nesse sentido (...) espalhou-se por todo o território através de 'escolas, cursos e círculos para mães', não tendo sido esquecidas meninas e moças, às quais incumbiria, no futuro, o desempenho eficiente de suas tarefas domésticas, o que seria conseguido através de uma educação adequada" (VILHENA, 1988, p. 264).


Educação Física, estereótipo feminino e Legislação educacional.
Especificamente tratando da participação das meninas e mulheres nas aulas de Educação Física, Rosemberg (1995), afirma que por muito tempo na História da Educação brasileira, as meninas não puderam participar.
Já o primeiro texto, Tratado de Educação Física-moral dos meninos, publicado em 1828, explicitava essa proibição.

A autora cita como o exemplo o regulamento feito pelo presidente da província do Amazonas, em 1852:

“[Para os meninos] a instrução compreenderá a educação Física, moral e intelectual (...); e para o sexo feminino a mesma instrução intelectual, mas modificada, e as prendas próprias ao sexo (...). As meninas não farão exercícios ginásticos” (ROSEMBERG, 1995, p. 279).

Para Rosemberg (1995), apenas na década de 1920, de acordo com a bibliografia por ela consultada, ocorre a aparição pública de exibições femininas no esporte (natação).
Em 1922 no tanque natatório da Urca, no Rio de Janeiro, por Violeta Coelho Neto e também no Rio de Janeiro, em 1925, Inésia Coelho e Alice Passalo fizeram a travessia do Guanabara.
Em 1931, foi realizada a primeira competição interestadual de natação no Rio de Janeiro, Maria Lenk e Marina Cruz, partem de São Paulo acompanhadas pelo pai de uma delas para a competição.
No ano seguinte, em 1932, Maria Lenk torna-se a primeira mulher brasileira à participar dos Jogos Olímpicos de Los Angeles.
A esse respeito, segundo Rosemberg (1995), Maria Lenk relata que em 1932 era realizado o primeiro campeonato paulista de natação feminina na piscina da Associação atlética São Paulo e que, na mesma data acontecia a primeira competição de atletismo que era destinada a senhoritas.
Lenk explica que o termo “senhorita” utilizado na época, era para diferenciar as participantes, pois, mães e senhoras casadas não poderiam participar.
Apenas na gestão de Gustavo Capanema (1931 a 1944), como aborda Rosemberg (1995), é que o Ministério da Educação e Saúde define o programa de Educação Física para o ensino secundário, determinando a quantidade de aulas semanais para meninos e meninas, três e duas vezes por semana respectivamente, adaptando exercícios aos sexos.
Acrescenta, ainda, que 59% dos professores eram militares e a formação de professores era realizada em cursos esparsos ou na própria Escola Normal.

Devido à nova determinação da Educação Física para o Ensino Secundário, em 1938 o ministro Capanema recebe um documento da Confederação Católica Brasileira de Educação que contestava a Educação Física feminina alegando:

que certas medidas solicitadas não tinham valor, como a dos diâmetros de perna, de quadril e coxa, e estas, ao serem tomadas, feriam o recato natural do sexo feminino. Além disso, não era favorável à prática, pelo sexo feminino, de “exercícios físicos violentos como saltos à distância, transporte e arremesso de pesos, defendendo para as alunas à ginástica rítmica” (ROSEMBERG, 1995, p. 283).

Rosemberg (1995, p.284), explica que o decreto lei 3.199 de 1941 do Ministro Capanema, no Estado Novo, é que normatiza a prática esportiva feminina, decreto este que foi regulamentado em 1965.

Em 1965, foram baixadas instruções às entidades desportivas do país sobre a prática de Esportes pelas mulheres conforme a Deliberação do CND Nº 7/65: 

Nº 1. Às mulheres se permitirá a prática de desportos na forma, modalidades e condições estabelecidas pelas entidades internacionais dirigentes de cada desporto, inclusive em competições, observado o disposto na presente deliberação. Nº 2. Não é permitida a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo aquático, polo, rugby, halterofilismo e baseball” (CASTELLANI FILHO, 1988, p.62-63).

Diante disso, Rosemberg (1995), cita Maria Lenk e Iris de Carvalho, na CPI da mulher em 1976, que relatam sua indignação e recomendam que seja eliminada tal deliberação:

(...) é nobre que os legisladores e os dirigentes se preocupem com a mulher e queiram protegê-la. Tais cuidados não deixam de ser uma discriminação contra o homem, que fica entregue a própria sorte. Certos esportes por ele livremente praticados podem ocasionar-lhes lesões irreversíveis. No entanto...não seria mais certo conferir a mulher o direito de escolher, por livre manifestação de vontade?” (CARVALHO, 1978 apud ROSEMBERG, 1995, p.284-285).

Maria Lenk acrescentou:

“Acentuo bem o futebol, porque atribuo a essa restrição, a essa proibição, a quase impossibilidade do desenvolvimento do esporte feminino no Brasil (...). O futebol é nosso esporte nacional, e através do esporte se revelam, se projetam os campeões, os ídolos do povo que merecem imitação. Então, vêem-se terrenos baldios e qualquer local que se preste, transformados, espontaneamente, num campo ou num quadro, no caso se não tiver gramado, e é ocupado por quem? Por garotos, meninos “(MARIA LENK, 1978 apud ROSEMBERG, 1995, p. 285).

E, para reforçar o papel da mulher na sociedade, transparecendo o pensamento da responsabilidade única e exclusiva da mulher na educação de seus filhos, em 13/12/1977 a Lei Nº 6.503 explicita tais pensamentos no artigo 1º : É facultativo a prática da Educação Física em todos os graus e ramos de ensino: (...) Letra f : Á aluna que tenha prole” (CASTELLANI FILHO, 1988, p.65).
O Conselho Nacional de Desportos (CND), em 1979, pela Deliberação nº 10 revoga nº 7/65, permitindo às mulheres a pratica das modalidades esportivas anteriormente proibidas.
A Deliberação Nº 10, segundo o autor, surgiu devido a um fato interessante ocorrido em 1979, em um campeonato sul americano de judô na Argentina.
Devido a proibição da disputa feminina, Joaquim Mamed registrou suas atletas com nomes masculinos, garantindo medalhas para equipe e, após descoberto, devido ao êxito conseguido, catorze anos depois a Deliberação 7/65 é revogada.
Em 1986, o CND baixa a Recomendação Nº 2, que “...reconhece a necessidade do estímulo à participação da mulher nas diversas modalidades desportivas do país...” (CASTELLANI FILHO, 1988, p. 64).
Assim, as mudanças em relação à visão tradicional vão ocorrer somente após a implantação das leis de diretrizes e bases da educação. Contudo, a primeira LDB, a Lei nº 4.024, de 1961, referenda a co-educação e a Educação Física para ambos os sexos, mas ressalva diferenças nos conteúdos e práticas educativas.
Somente com a Constituição de 1988 e a LDB de 1996, Lei nº 9.394 é que irá vigorar a unidade de programas e objetivos de ensino, não diferenciando meninos e meninas, superando, portanto, as concepções anteriores sobre as diferenças de capacidades, papéis e funções da mulher na sociedade.

           
Estudos sobre Educação Física Escolar e relações de gênero na escola.
A adolescência (do latim adolescere = crescer) é o período de crescimento acelerado que se situa entre a infância e idade adulta.
O sentido desse crescimento é bastante amplo e abrangente, pois se refere a uma série de mudanças em quase todos os aspectos da vida física, mental, social e emocional.
A escola, instituição em que o adolescente passa um período maior do dia, tem grande influência e espaço apropriado, especialmente na disciplina Educação Física Escolar, que os alunos possuem maior simpatia, através de programas relevantes são, além de responsáveis pelo desenvolvimento de habilidades e aprimoramento das capacidades físicas importantes para uma vida saudável, são altamente importantes no processo de socialização, no auxílio para superação dos obstáculos, aumento da auto-estima, a formação de atitudes e para o crescimento moral.
As atividades devem ser estimuladas, dentro ou fora do âmbito escolar, pois são importantes na socialização cultural.
Capitanio (2005), realizou uma pesquisa sobre mulher, gênero e esporte, apontando o problema das desigualdades entre os gêneros masculino e feminino na escola.
Em seu estudo, escolhe uma abordagem que denomina “construcionismo social”, contrapondo-se às discussões tradicionais sobre sexualidades e gênero.
De acordo com a autora, a prática feminina de algumas modalidades esportivas, não apenas no que diz respeito aos esportes competitivos, mas nas atividades escolares, nas torcidas em campos ou ginásios, entre outros locais determinados para homens, assim como esportes masculinos futebol de campo, ou salão, basquetebol e lutas, atribuem às mulheres que praticam essas modalidades estereótipos e preconceitos.
Para demonstrar as desigualdades, a autora apresenta um quadro com a participação das mulheres no comando das principais instituições da administração esportiva do Brasil (CAPITANIO, 2005, p.09).
A autora afirma que uma das conseqüências do histórico da Educação Física é que como o homem sempre esteve ligado ao meio competitivo, sempre se encontra mais familiarizado com as exigências da vida social, diferentemente das mulheres.
E cita Antunes, que afirma que os estereótipos e padrões culturais são definidos socialmente, uma vez que são os tratamentos adotados para meninos e meninas pelos familiares, educadores, instituições que cultivam suas identidades (CAPITANIO, 2005, p.13).
Dentre os estudos sobre o tema, a autora destaca Esportes de competição coletivos e individuais, realizado por De Rose Júnior e Satto (2001) em que os autores apresentam uma amostragem de em um total de 512 atletas, sendo 203 garotas e 309 garotos com idades entre 15 e 18 anos, demonstrando que as meninas adolescentes tiveram um nível maior de stress comparado aos meninos em função das variáveis: sexo, tipo de esporte e modalidades esportivas.
Castillo e Barata citados por Capitanio (2005), apontam que as diferenças nos processos de socialização de meninos e meninas adolescentes afetam a vida cotidiana, sendo que as adolescentes apresentam maior desenvoltura nas práticas de jogos e outras atividades desenvolvidas dentro de casa, enquanto os meninos apresentam maior facilidade nas atividades de jogos e outros esportes praticados em grandes espaços (CAPITANIO, 2005, p.15).
A autora cita também um estudo realizado em Berlim em que de uma listagem apresentada a homens de 75 esportes, quinze modalidades foram consideradas exclusivamente masculinas e duas femininas, sendo considerado a maioria das modalidades como primariamente masculina .
Santos (2007), em sua dissertação de Mestrado realizou uma pesquisa sobre garotas adolescentes no Ensino Médio, destacando o tema da indisciplina.
De acordo com a autora, no livro de Ocorrências Disciplinares da escola pesquisada, a indisciplina das meninas é menor, quando comparada à indisciplina dos meninos.
Consta no livro de Ocorrências 231 registros para os meninos e 70 para as meninas.
Mas, através de um estudo mais detalhado nos anos de 1998 a 2001 e observações diárias, além de entrevistas com os profissionais da escola, a autora verificou que muito embora as adolescentes tenham menor quantidade de registros que os meninos, sofriam punições mais severas e que as mesmas infrações cometidas por ambos os gêneros, tinham uma punição diferenciada pelas meninas.
Nas suas entrevistas com os professores a respeito da indisciplina dos alunos e alunas, verificou que os profissionais consideram a indisciplina um comportamento dos jovens de forma geral, tratada como normal, algo já esperado e que não poderia ser mudado.
Já nas entrevistas com as alunas, observa a grande importância dada aos colegas da escola, as interações sociais e desenvolvimento de amizades, e a escola como um espaço privilegiado de possibilidades de convívio social, enquanto que, para os garotos, as possibilidades de interação são maiores fora da escola, pois possuem mais lugares que podem fazer amigos com liberdade e privacidade.
Santos (2007) detectou que grande parte das meninas tinham afazeres domésticos em seu tempo livre, e apresenta os estudos de Maria Luiza Heibon, em sua pesquisa sobre gênero que constatou que “meninas desde cedo aprendem que a casa é coisa de mulher”, e as restrições que as meninas têm em relações aos locais que podem freqüentar, o tempo que poderiam passar fora de casa, evidenciando um sentimento de maior liberdade quando estão na escola.
Cita também Arrazola, que afirma que a concepção socialmente consagrada faz do homem um ser de direitos, livre, destinado ao público, enquanto a mulher deve ser controlada, destinada ao doméstico, um ser de direitos relativizados.
A autora observa as diferenças na aplicação de punição aos meninos e meninas, as mesmas regras, eram para as meninas inaceitáveis se quebradas, enquanto que para os meninos era muitas vezes visto e ignorado pelos funcionários e direção da escola.
Observou, por exemplo, a quantidade de garotos que fumavam na escola, uma conduta não aceita, porém, nos livros de ocorrências disciplinares aos meninos havia um termo de ocorrência e duas suspensões e para as meninas foram registrados seis termos de advertência e treze de suspensão.
Uma outra questão são as punições em relação aos namoros no espaço escolar proibido pela direção.
No período de fevereiro a agosto de 2005 as meninas tiveram quinze advertências e dezenove suspensões por este motivo.
De acordo com a autora, as meninas namoravam com os meninos que estudavam na mesma escola e no mesmo período, no entanto, esses garotos não receberam nenhum termo punitivo por este motivo.
O espaço escolar é um espelho da sociedade reprodutor de estereótipos e que reforça as diferenças entre os gêneros dificultando a superação desse quadro.
Nesse sentido Pereira Netto (2004), em uma pesquisa sobre as construções de gênero no contexto da Educação Física, afirma que a sociedade tenta explicar o preconceito existente nas relações humanas, com justificativas em teorias biológicas de superioridade.
A escola é, depois da família e amigos mais próximos, um local de relação com as outras pessoas, e se a sociedade tem sido excludente, certamente a escola tem colaborado com essa situação, ou por omissão, ou pela produção ou mesmo pela falta de reflexão para mudanças nesse quadro.
E, nas aulas de Educação Física é evidente a divisão sexista, pois mesmo os professores reforçam padrões discriminatórios de comportamento, deixando-se envolver pela sua evolução histórica.
Segundo o autor, mesmo antes de nascer, as crianças já estão inseridas em padrões de comportamento pré-estabelecidos, a arrumação dos quartos com objetos diferenciados, as cores das roupas, das paredes.
Ao nascerem já são tratadas de maneira diferente e cobradas por comportamentos que devem ser adequados por determinado sexo.

Romero (apud PEREIRA NETTO, 2004, p.227) esclarece:

 “(...) a manutenção do comportamento sexual para homens e mulheres criam e mantêm as desigualdades entre eles existentes na sociedade, quase sempre com prejuízos para a mulher que acaba desempenhando um papel de menor prestígio e valor”, e acrescenta que “espera-se que os homens sejam fortes, independentes, agressivos, competentes, competitivos e dominantes” e, para as mulheres, “a expectativa é de que sejam mais dependentes, sensíveis, afetuosas e que suprimam impulsos agressivos sexuais”.

 Assim, a sociedade exige um modelo delimitado de homem e de mulher em que estes serão pressionados e acabarão por  incorporar e reproduzir identidades discriminadas, estereotipadas e inflexíveis.

Bordieu (Apud Pereira Netto, 2004), aponta que a dominação masculina está suficientemente assegurada na sociedade e define o sexismo:

O sexismo é um essencialismo. Como o racismo, de etnia ou de classe, ele visa imputar diferenças sociais historicamente instituídas a uma natureza biológica funcionando como uma essência de onde se deduzem implacavelmente todos os atos da existência. E dentre todas as formas de essencialismo, ele é sem dúvida o mais difícil de se desenraizar. Com efeito,o trabalho visando transformar em natureza um produto arbitrário da história encontra neste caso um fundamento aparente nas aparências do corpo, ao mesmo tempo que nos efeitos bastante reais produzidos, nos corpos e nos cérebros, isto é, na realidade e nas representações da realidade, pelo trabalho milenar de socialização do biológico e de biologização do social naturalizada [...] aparecer como a justificação natural da representação arbitrária da natureza que está no principio da realidade e da representação da realidade” (apud PEREIRA NETTO, 2004, p.145).

A escola pode transformar a sociedade ou colaborar para mantê-la tal como está.
Cabe perguntar, afirma o autor, que papel realmente ela irá exercer, pois, muitas vezes a escola por reforçar as diferenças entre os sexos contribui para manter o preconceito e o distanciamento nas formas do tratamento social destinado aos meninos e meninas, recorrendo a vários mecanismos de classificação, ordenamento, hierarquização entre os gêneros, do mesmo modo que também diferencia classes sociais, religiões, faixas etárias, etc.
O fato é que, por ser um aparelho ideológico do Estado, a escola, reforça padrões de comportamento e estereótipos, e mesmo nos dias de hoje a educação tem contribuído para manter as desigualdades entre os sexos, o que limita a participação e o desempenho feminino.
Seguindo esse pensamento, Pereira Netto (2004), destaca a necessidade de perceber que tanto a escola como a Educação Física se seguirem um modelo de hierarquia social, certamente estará longe da participação feminina igualitária nas aulas, pois sua participação será adaptada as práticas tipicamente masculinas.
É necessário desconstruir as relações de dominação que separam e hierarquizam meninos e meninas, bem como outras classificações sociais que possam desqualificar os indivíduos, portanto quebrar os preconceitos e dar impulso a transformações sociais.
Para o entendimento dessas questões, o autor afirma ser importante esclarecer a diferença entre gênero e sexo, pois, ainda que se relacionem, sexo é um aspecto biológico dos indivíduos e gênero é um aspecto da relação social entre homens e mulheres, que pode ser igualitária ou discriminatória, dependendo da forma com a sociedade constrói essa relação.
Uma alternativa ao profissional da área é perceber que sua intervenção deve ocorrer no sentido de trazer para situações de confronto aos preconceitos, trabalhando as diferenças entre as crianças buscando a participação de ambos os sexos em quaisquer atividades.
Na intervenção docente é possível amenizar a separação de gêneros, incentivando a prática conjunta e através dessa oportunidade, diminuir os comentários desqualificadores.
Um conceito importante para ser trabalhado na escola e nas aulas de Educação Física é o de igualdade, não para construir a idéia de que meninos e meninas devem disputar entre si os espaços ou assemelhar-se ao outro, mas, ao contrário, que cada um tem contribuições individuais a oferecer ao grupo, justamente pelas suas diferenças, o que requer igualdade de oportunidades nas aulas e a igualdade do tratamento recebido por alunos e alunas.
A noção de igualdade é algo que deve ser também socialmente construída, pois as relações de gênero, bem como as relações étnicas e outras estão presentes no cotidiano dos indivíduos desde cedo, e não apenas na escola.
Para que haja uma transformação e que possa construir essa noção de igualdade é necessário que os professores das diferentes disciplinas tenham uma formação que contemplem o respeito às diferenças.
No caso específico da formação do profissional da Educação Física, uma formação que não valorize apenas as técnicas esportivas, mas o conhecimento dos sujeitos sociais que serão educados pela escola.
Desse modo, para uma formação mais crítica e mais sensível, de professores e professoras de Educação Física, é necessário enfrentar as questões relativas à diferenciação de sexo/gênero, com o aprofundamento dos estudos sobre a formação e manutenção dos estereótipos.
Apesar de a escola ser apenas uma das instituições dentro da sociedade e ter, muitas vezes, recursos limitados para lutar contra as desigualdades, é papel da educação expor as questões de forma crítica, favorecer a conscientização dos indivíduos sobre os papéis sociais que desempenham.


Construção cultural do corpo feminino.
Daólio (1995) em um estudo sobre a construção cultural do corpo feminino, apresenta uma experiência vivida junto a uma turma de alunos da 8ª série, em uma escola pública de São Paulo.
Durante a aula uma aluna ao cometer um erro na recepção de um saque, disse com raiva: “porque eu sou uma “anta?”.
Essa reação, era de fato, algo sufocado entre as meninas ao grau de inferioridade motora em relação aos meninos.
O autor afirma que em São Paulo, a utilização do termo anta, é freqüentemente utilizado nas aulas de Educação Física de modo pejorativo e preconceituoso, associando as mulheres ao animal, talvez pelo seu peso, que pode chegar a 180kg, sendo, portanto, lento, pesado e descoordenado.
O autor considera que há uma construção cultural do corpo, que é determinada pela cultura de cada sociedade.
Afirma: “O conjunto de hábitos, costumes, crenças e tradições que caracterizam uma cultura também se refere ao corpo”.
E ainda ressalta: “ Estamos diante de um fato social, pontuado por uma história cultural que delegou às meninas brasileiras a condição de antas quando realizam atividades que exigem força, velocidade e destreza.”
O autor não desconsidera as diferenças existentes entre os gêneros, mas acredita que o “machismo” brasileiro, “delegou a todas as mulheres um papel inferior no que se refere às habilidades físicas, principalmente as esportivas” (DAÓLIO, 1995, p.100).
É evidente a diferença da construção do corpo feminino e do corpo masculino, e não há porque serem idênticas, pois são diferenças comuns, tanto em nossa sociedade como em todo mundo.
E afirma, que as questões biológicas também influenciam nos comportamentos, seja para motivar, causar interesses de um ou de outro sexo para atividades específicas, dessa maneira, não se trata em igualar homens e mulheres, mas sim “compreender que as diferenças motoras entre meninos e meninas são, em grande parte, construídas culturalmente e, portanto, não são naturais, no sentido de serem determinadas biologicamente, e, conseqüentemente, irreversíveis” (DAÓLIO, 1995, p.102).
No que diz respeito às diferenças motoras entre a menina e o menino, Daólio (1995), exemplifica através de nossa vida cotidiana as expectativas para um e outro sexo.
Aos meninos, os brinquedos, as brincadeiras, a liberdade de brincar na rua seja com bola, skate, soltar pipa, carrinho de rolemã, bolinha de gude, taco, atividades que proporcionam as mais diversas experiências motoras.
Enquanto para as meninas, são educadas para manter a higiene e limpeza com o corpo e com as roupas, à não participar de brincadeiras de meninos para não suar e seus brinquedos são bonecas e utensílios de casa em miniatura, assim como lhe são atribuídas tarefas domésticas, úteis quando se tornarem mães e esposas.
Dessa maneira, ao longo do tempo, as habilidades motoras masculinas tornam-se mais hábeis que as femininas, devido aos hábitos corporais diferenciados.
A esse respeito, quando ambos os sexos tentam contrariar a tradição, os valores ou costumes de determinada sociedade, são pressionadas e marginalizadas pela mesma para terem comportamentos que lhe são destinados, ou seja, as meninas ao participarem de um esporte dito masculino, são chamadas de machona pelos meninos e recriminadas por seus pais, o mesmo ocorre com os meninos ao participarem de atividades ditas femininas, como a dança por exemplo.
Em uma outra experiência profissional, Daólio (1995), relata que lecionava para uma turma feminina da 6ª série, e que ao término da aula, uma aluna, que apesar de sentir-se feliz por sua atuação, esquecendo-se durante a aula sua condição feminina de limpa e cheirosa, logo passou a sentir repugnância pelo seu corpo suado e sujo.
Essa atitude da aluna, segundo o autor, é muitas vezes reforçada pelos pais e professores quando consideram esses fenômenos como naturais e biologicamente determinados.
Daólio (1995), aponta que as aulas de Educação Física e sua tendência histórica contribuem nessa transformação de meninas em “antas”, na medida em que o professor, mesmo os progressistas, ainda não se liberaram da dicotomia criada culturalmente entre os gêneros, limitando o desenvolvimentos motor dos indivíduos.
Nesse sentido, os professores têm enraizada uma concepção biológica sobre o corpo e sobre a área que atuam, tratando as diferenças, as limitações e os conceitos entre um sexo e outro como considerados fenômenos naturais, determinados biologicamente sendo, portanto, inevitáveis.

Mas, entretanto, esclarece Daólio (1995), que o professor de Educação Física pode ter uma outra postura:

Se começarem a compreender que o corpo não é apenas determinado biologicamente, mas constituído culturalmente por causa de valores sociais, poderão concluir que ele (corpo) não está pronto e talvez nunca esteja. Se, por um lado, há um patrimônio biológico que sempre apresentou diferenças entre homens e mulheres, por outro lado, há uma contínua transformação no uso social desses corpos, uso esse que não precisa necessariamente gerar diferenças tão gritantes. Em outras palavras, o professor de Educação Física está continuamente influenciando na construção cultural do corpo de seus alunos. Resta saber se ele está atento a essa importante tarefa” (DAÓLIO, 1995, p.105).

Dessa maneira, Daólio conclui que acredita no surgimento de uma Educação Física sem preconceitos, com igualdade de aprendizagem para todos indistintamente, rompendo com o passado na subdivisão de atividades motoras privilegiando determinado sexo, iniciando uma transformação desses valores a partir das aulas e continua:

Vislumbro uma prática escolar de Educação Física que faça da diferença entre os alunos condição de sua igualdade, em vez de ser critério para justificar a subjugação de uns pelos outros. Dessa forma, meninos e meninas poderão fazer aulas conjuntamente sem nenhum tipo de constrangimento, e a Educação Física não estará mais contribuindo para a criação de “antas” nem de “trogloditas” (DAÓLIO, 1995, p.108).

Em um estudo sobre a fragmentação da identidade feminina e sobre os corpos dos adolescentes, Silva (1995, p.116), aborda o que diz nossa lei: “Podem trabalhar, mas terão de obedecer. Labutar pode, casar não pode. Pode e deve produzir, dirigir automóvel não pode.”
Bartky (Apud Macdonald 1995), declara que apesar de algumas mulheres  parecerem ter algum direito a voz, suas opiniões são moldadas e reprimidas pela hegemonia masculina, o que representa também um desequilíbrio entre o número de docentes que ocupavam cargos mais altos.
Macdonald (1995), realizou uma pesquisa na Austrália, ao longo de um ano e percebeu que só homens atuavam nas áreas vistas como científicas (fisiologia, anatomia, biomecânica, psicologia esportiva).
As mulheres atuavam nas áreas recreativas, pedagógica, dança e saúde, próprias para as mulheres.
Segundo o autor, o chefe do departamento quando questionado explicou que contrataria uma mulher para o cargo, desde que fosse uma candidata adequada.
Desse modo, as conseqüências das formas tradicionais de hierarquização entre as capacidades masculinas e femininas acabam afetando não apenas as atividades sociais e educacionais desempenhadas pelas meninas, mas também o exercício profissional das professoras de Educação Física.


Adolescência feminina e práticas esportivas na escola: o corpo e a identidade em formação.
Cunha (1995), em um artigo intitulado Corpo, Mulher e Sociedade, relata que no ano 585 da nossa era, houve um Concílio de Bispos, em Mâncon na França, onde foi posto em dúvida se a mulher possuía alma, e com muita estranheza, os chefes da Igreja Católica reconheceram à mulher dignidade humana.
Mas, mesmo antes, na Grécia Antiga, havia a diferenciação de tratamento, pois nos textos mais antigos de Platão e Aristóteles esses filósofos atribuíam à mulher uma natureza inferior ao homem, ressaltando a função doméstica da mulher e a função de comando do homem.

E, para demonstrar que esses estereótipos ainda estão presentes na atualidade Cunha (1995), cita um trabalho realizado durante uma semana em 17 jornais e revistas, na imprensa portuguesa, que atribuiu à imagem da mulher alguns modelos. Em primeiro lugar: mulher sedutora; em segundo: mulher-mãe e esposa, ao jeito tradicional; em terceira posição: a mulher objeto, ostentando seu corpo em modos provocantes.

Silva (1995), também aponta as diferenças lendárias na criação do homem e da mulher no Velho Testamento.
Adão foi feito do pó da terra, enquanto Eva é feita a partir de uma costela de Adão.
São tentados por uma serpente, uma espécie feminina, a comer o fruto proibido e, dessa forma, recebem o castigo de Deus.
A mulher, como castigo, recebe as dores do parto e sofrimentos durante a gravidez.
Nesse sentido, a autora afirma que a partir daí muitas deduções interpretativas apresentam conseqüências, como na descoberta da anestesia que serviria para suavizar a dor do parto, no qual muitos médicos preocupavam-se em desafiar as leis de Deus, ou seja, “a maldição Bíblica”, destinada as mulheres, construindo um perfil feminino, reforçado pela sociedade.
Segundo Goellner et all (1995), a violência contra o gênero feminino pode ser observada tanto nos dados atuais de violência contra a mulher, quanto na história.
Ela cita, como exemplo, Olympe de Gouges, que em 1793 foi guilhotinada por ter publicado um artigo sobre o direito da mulher a subir no cadafalso e a igualdade de direito de subir a tribuna.
A Constituição Federal brasileira atual atribui os mesmos direitos para ambos os sexos, de modo que, Goellner et all (1995), apontam para um pensamento mais abrangente,  que os aspectos biológicos não são unicamente as causas pela demarcação de limites, funções, atitudes, comportamentos e papéis entre os gêneros, existe também todo um processo de construção cultural.
E afirmam que a diferença biológica é utilizada tanto para demarcar como para hierarquizar esses papéis sociais. Michelle Perrot (Apud Goellner et all 1995), que explica que a divisão de tarefas e a segregação sexual dos espaços entre homens e mulheres, são acentuados no séc XIX, através da Medicina e da política. Goellner et all (1995) cita Hunt e esclarece tais demarcações:
O útero define a mulher e determina seu comportamento emocional e moral.
Na época, pensava-se que o sistema reprodutor feminino era particularmente sensível e que essa sensibilidade era ainda maior devido a debilidade intelectual.
As mulheres tinham músculos menos desenvolvidos e eram sedentárias por opção.
A combinação de fraqueza muscular e intelectual e sensibilidade emocional fazia delas os seres mais aptos para criar os filhos.
Desse modo, o útero definia o lugar das mulheres na sociedade como mães (GOELLNER et all, 1995, p.141).
Para Goellner et all (1995), a palavra gênero “transcende determinismos biológicos, e traz à tona, as dimensões social, cultural e simbólica que permeiam essa relação” (1995, p.139).
Lomakine (1999, p.22), explica que o corpo, desde a época medieval, foi relacionado pela Igreja Católica como impuro, sujo e pecaminoso.
Já no Renascimento e na Idade Moderna, o corpo relaciona-se a objeto da ciência, ou seja, o homem enquanto máquina.
Através dessa idéia, segundo a autora, origina-se a corrente empirista (filosofia da experiência) afirmando ser necessário primeiramente a vivência de experiências sensoriais, pois sem essa etapa as mentes seriam vazias de conhecimentos.

Mais tarde, o Iluminismo, “movimento cultural, político, intelectual, artístico, revolucionário, onde questões sobre a sensibilidade e idéias sobre a autonomia da razão individual e a possibilidade de identidade no social foram amplamente discutidas”, de maneira que abre um espaço para inovações e críticas:

“A questão da liberdade está calcada sempre na autonomia do indivíduo. Os ideais iluministas de defesa da ciência e da racionalidade crítica contra a fé, a superstição e o dogma religioso, defesa das liberdades individuais e dos direitos dos cidadãos contra o autoritarismo e o abuso do poder, colocam esse movimento como um processo que coloca a razão sempre a serviço da crítica do presente, de suas estruturas e realizações históricas” (LOMAKINE, 1999, p. 23).

De acordo com a autora, já na infância, são impostos métodos que ensinam a utilização dos corpos que variam de cultura para cultura.
E cita Mauss, que esclarece serem esses métodos denominados “técnicas corporais”, ou seja, a utilização dos corpos em diferentes convívios sociais, cujo os ensinamentos são determinados pela sociedade, seja através da sugestão, do exemplo ou pela imitação ou modelo.
Dessa maneira, tudo aquilo em que acreditamos, consciente e inconsciente, dentro do sistema social e cultural, é dissociado de nosso corpo graças a uma educação que padroniza valores e crenças, e que reforça comportamentos.
Assim, os pais observam os filhos para ver se comportam-se bem e os punem quando se conduzem mal.
Os professores, dividindo as responsabilidades com os pais, aprimoram a vigilância, cuidando de ensinar aos alunos sentar direitinho e serem pessoas quietas.
Professores de música, de dança, treinadores esportivos, supervisores de trabalho observam os indivíduos para averiguar se seu desempenho satisfaz suas expectativas.
Com o auxilio de suas muitas representações, o Estado também vigia.
Até mesmo Deus, através dos olhos da consciência bem disciplinada dos homens os vigia, mesmo na escuridão de suas camas, vendo se suas mãos tocam seus órgãos genitais por debaixo dos lençóis, ou se se entregam a fantasia eróticas  (LOMAKINE, 1999, p.30).
Lomakine (1999) usa como referencial também os estudos de Foucault que explica que os métodos de controle sobre o corpo são denominados “disciplinas”, que segundo ele, fabricam corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis” que devem, além de obedecer as normas, também realizar técnicas conforme seja determinado, garantindo rapidez e eficácia.
Assim, para um maior controle sobre os corpos, os espaços são planejados, equipados e organizados de acordo com as necessidades de determinado local, seja nas escolas, fábricas, prisões, etc., assegurando maior controle e rendimento de todos os corpos que os povoam.
O desenvolvimento do organismo humano depende da quantidade e da qualidade da estimulação externa. Porém, desde a infância o ser humano aprende o uso não natural de seu corpo, com proibições e limitações que os adultos impõem, pretendendo que as crianças ajam da forma por eles determinada. A criança aprende muito a imitar os outros e pouco, ou quase nada, a ser ela própria.
Essa imitação se dá não somente em um nível psicológico, mas também num nível respiratório, de movimento, de contração muscular, e o que é mais grave, sem ter consciência disso.
Ao reprimir as investigações corporais-sensoriais da criança, reprime-se também sua inteligência, suas emoções, e seus movimentos (LOMAKINE, 1999, p.35-39).
Para Gonçalves (2008), o modo do ser humano lidar com sua corporalidade, com os controles e regulamentos do comportamento corporal, trata-se de uma construção corporal.
Desse modo, as idéias a respeito da sua corporalidade e as formas de comportar-se corporalmente estão ligadas a condicionamentos sociais e culturais.
A escola, segundo a autora, é uma instituição social e encontra-se em relação dialética com a sociedade que está inserida, ou seja, reproduz as estruturas de dominação existentes na sociedade.
A aprendizagem é realizada e baseada segundo reforços positivos e negativos, ou seja, os comportamentos serão aprovados ou reprovados se houver um desvio padrão exigido pelos costumes e pela sociedade, o considerado adequado tanto para meninas como para os meninos.
As escolas continuam esse processo de reprodução sexista, apontando os comportamentos adequados para cada gênero.
Segundo Romero (1995), os pais possuem posições sólidas dos comportamentos adequados e apropriados para seus filhos e filhas.
Pesquisas indicam que crianças de três a cinco anos já fazem a distinção entre as brincadeiras denominadas masculinas e femininas, demonstrando que os padrões dos adultos são assimilados pelas crianças, e estas condicionadas a comportarem-se de maneira esperada pela sociedade.
Para as meninas essa assimilação ocorre muito mais rápido, pois é realizada pelo processo de identificação, a mãe, a professora, figuras que mais atuam na educação das crianças e que  são os papéis e modelos que serão seguidos e reproduzidos.

E ressalta:
“Os papéis sexuais psicologicamente assimilados são mantidos pelos agentes socializadores na forma de modelos reais e simbólicos. Como modelos simbólicos os livros, as propagandas e os meios de comunicação de massa. Esses agentes reforçam e complementam a influência dos pais para socializar adequadamente meninos e meninas fazendo-os assimilar, de forma marcante, as regras sociais relativas a comportamentos apropriados a cada sexo” (ROMERO, 1995, p. 247).

O corpo feminino, além dos seus atributos físicos, está repleto de conceitos e preconceitos sociais, que apontam comportamentos, gestos e práticas que devem ser seguidas e socialmente reproduzidas.
Bruhns (1995) define que gênero é uma forma de referir-se a organização social e cultural da relação entre os sexos, ressaltando que a palavra sexo diz respeito apenas à sua definição biológica.
Segundo a pesquisadora, as concepções relacionadas a mulher fazem parte de um modelo de dominação, que são interiorizadas pelas próprias mulheres.
A autora cita Woortmann que esclarece que a mulher possui um órgão a mais, o útero que é vermelho e sanguíneo, e, por isso a mulher é considerada mais quente, tendendo para a natureza e para o desequilíbrio.
Abreu (1995), realizou uma pesquisa para identificar quais os motivos de aulas separadas para meninos e meninas, e questiona se a Educação Física Escolar faz esta opção para manter valores conservadores ou se o faz para impedir possíveis conflitos entre os educandos.
Contudo, ela afirma que aulas separadas impedem um melhor relacionamento entre os indivíduos e, nas aulas mistas devem ser utilizados e aproveitados todos os conflitos para que haja possíveis alternativas pedagógicas.
Mas, ao contrário, as discussões sobre as relações homens e mulheres são pouco questionadas pelos docentes, demonstrando assim, nenhum ou pouco interesse em mudança.
Diante desse quadro, alguns docentes argumentam que a divisão das turmas são determinação da legislação e com isso os conteúdos são diferentes para cada sexo.
Dessa maneira, tanto professores como professoras reforçam a discriminação que além do argumento citado, afirmam que o relacionamento com as meninas é mais fácil, sendo mais comportadas, porém a vaidade atrapalha as aulas.
Já os meninos, são rápidos, criativos, mais participantes e receptivos.
O fato de que as meninas são menos participativas, segundo Abreu (1995), é devido a falta de habilidade e estímulos para realizar tais atividades, esta carência é apontada como fator preponderante da incompatibilidade dos sexos em aulas mistas.
Além disso, as atividades que as fazem suar, sentar no chão e despentear, são comportamentos condenáveis pela sociedade.
E ressalta, por razões culturais os meninos apresentam maiores habilidades que as meninas, gerando conflitos e atrapalhando as aulas.
Em relação aos pontos positivos em aulas mistas, são apontados melhoras na relação com todo grupo, além de maior encorajamento para as meninas, que tiveram maior esforço em acompanhar as aulas e ocasionando a integração entre os sexos, importantes para o futuro, pois irão conviver em outros ambientes.

E conclui:

Cabe a um projeto de educação, baseado no compromisso de colaborar para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, tentar desmistificar comportamentos que prejudiquem e afastem as pessoas, e contribuir para uma melhor forma de lidar com diferenças e características pessoais de ambos os sexos, sem, todavia, estabelecer ou reforçar a discriminação. Dessa forma, talvez os desencontros entre homens e mulheres e entre as pessoas, de um modo geral, possam se atenuar, resultando em uma verdadeira complementação que trará vantagens para a vida em comum” (ABREU, 1995, p.175).

Myotin (1995) realizou uma pesquisa sobre a participação da adolescente brasileira em esportes e atividades físicas como forma de lazer, abordando os fatores psicológicos e socioculturais.
Nesse estudo ela indica que o período da adolescência, além de importante para o processo de socialização da mulher com o esporte e as atividades físicas, são também estabelecidos conceitos de ser mulher e feminilidade, fatores que determinam os interesses e comportamentos da mulher no futuro.
A autora afirma que comportamentos e atitudes adquiridas em um estágio anterior, tendem a ser carregados ao seguinte, caso que ocorre entre as meninas durante a adolescência.
Ela ressalta que pais e educadores devem ficar atentos pois esse abandono será, como já dito, carregado para o período de vida adulta, em que terão uma série de privações, como também uma vida sedentária.
Segundo a autora, muitas são as pesquisas que tentam explicar os possíveis motivos dessa decadência no período da adolescência entre as meninas.
Um dos temas em discussão são as constrições psicológicas e sociais impostas pela imagem da feminilidade, e qual comportamento é considerado apropriado ao gênero.
Outra linha de estudo diz respeito à motivação e atração, que acreditam serem os novos interesses e a falta de tempo disponível responsáveis pelo abandono às atividades físicas e ao esporte.
Os estudos apontam que, nessa fase, as mudanças na socialização dos papéis de gênero e exigências para adotar um comportamento condizente com a idade, provocam o distanciamento dos esportes pelas adolescentes.
Essa influência no comportamento das meninas, é logo assimilada por muitas delas preconceituosamente, com a idéia de que o esporte poderia comprometer sua feminilidade e dificultar o relacionamento com o sexo oposto.
Outra possibilidade de explicação é que, no Brasil, ocorre à transição do Ensino Fundamental para o Médio, exigindo dessa forma, novos ajustamentos com os grupos, os professores e as atividades.

           
Concluindo.
Resgatando os aspectos históricos, é possível compreender que desde os primeiros tempos, as práticas físicas eram realizadas em nome da sobrevivência, e quando surgem os esportes nas festividades olímpicas da Grécia, é o corpo masculino que é destacado, como símbolo de força, agilidade e beleza. A mulher não está presente.
Nas teorias sobre a educação, a importância do esporte sempre foi destacada como benéfica à saúde do corpo, mas nem sempre aceita, pois muitos consideravam que a escola é local de aprendizagem intelectual.
Quando finalmente a Educação Física torna-se disciplina escolar, após muitos embates, ela é revestida de vários caracteres, como as práticas militares, o pensamento eugenista, a necessidade de higienização da sociedade.
Assim, o esporte passa a ser pensado como uma forma de regeneração social.
A participação feminina nas aulas de Educação Física foi um tema bastante polêmico, pois a sociedade tradicionalmente patriarcal não concordava que as meninas pudessem expor seus corpos, e nem mesmo via necessidade em tal participação. 
A tradição religiosa, que considerava a mulher como um ser de natureza frágil e indefesa não autorizava a participação das mulheres em aulas mistas, combatendo a co-educação dos sexos.
Afirmava que os meninos ficariam femininos e as meninas masculinizadas, o que representou, por várias décadas um impedimento para as meninas.
Somente nas últimas décadas do século XX é que as leis voltadas à Educação passaram a garantir a igualdade de oportunidades para meninos e meninas quanto às atividades educativas, e mesmo as orientações curriculares mais recentes reforçam a necessidade de garantir a todas as crianças e jovens o pleno desenvolvimento de suas capacidades intelectuais e motoras, em benefício da saúde, da construção de uma sociedade mais igualitária e do exercício dos direitos de cidadania.
Entretanto, ainda são utilizados argumentos, por parte de professores, pais e da sociedade em geral, contra a igualdade de capacidades.
Mas, segundo afirmam os autores pesquisados, esses argumentos estão fundamentados em uma prática social de repressão ao corpo e, em especial, ao corpo feminino.
Tais argumentos são reforçados por comportamentos diferenciados e socialmente aceitos como corretos.
Tanto que as meninas adolescentes, nessa fase de formação, procuram seguir os preceitos impostos pelo grupo e passam a realizar apenas as atividades que são consideradas adequadas à mulher.
Entretanto, os estudos mais recentes desvendam esses pensamentos e atitudes e indicam que se tratam de formas criadas culturalmente para repressão ao corpo e controle social.
Cabe, portanto, aos profissionais da Educação Física Escolar, o entendimento mais aprofundado dessa problemática e a proposição de novas práticas nas aulas, incorporando os valores de respeito às diferenças e igualdade de tratamento para todos os alunos, sejam meninos ou meninas.
A adolescência é uma fase muito importante para a formação da personalidade, um momento em que os estímulos à aprendizagem vão determinar comportamentos futuros.
A escola deve ser um espaço privilegiado para a  superação de dificuldades, desenvolvimento de capacidades e compreensão do indivíduo em sua totalidade.          


Para saber mais sobre o assunto.
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Texto: Profa Andreza Viviane Granzioli.
Pós-Graduada em Educação Física Escolar.
Professora da SME – São Paulo.

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