Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume out., Série 03/10, 2011, p.01-07.
A lógica é uma das partes da filosofia que, pertencendo também à matemática, objetiva determinar o conhecimento da verdade, através de operações intelectuais.
Neste sentido, a lógica é uma ciência autônoma que estuda conceitos, juízos e raciocínios visando demonstrar a validade ou ambigüidade, o duplo sentido dos termos e a falta de definições precisas. A vinculação da lógica com a filosofia da ciência é, portanto, evidente, remetendo ao chamado processo decisório.
Assim, serve a formulação de raciocínios coerentes, tentando evitar erros de julgamento, ajudando a entender proposições com maior clareza e distinção.
A lógica constitui uma ferramenta para desenvolver cadeias de pensamento que, quando aplicadas ao contexto lingüístico, permitem reconhecer contradições e eliminar probabilidades de erro.
Nasceu na antiguidade e foi se desenvolvendo até atingir sua maturidade no século XIX, aplicando-se então a analise de terias e discursos no âmbito da ciência e da filosofia, bem como de outras inúmeras áreas.
Verdade e Validade.
A lógica pretende julgar a validade e verdade dos raciocínios, expressões, a firmações e operações intelectuais.
Entende por verdade a concordância entre o sentido e a realidade, entre os argumentos e a verificação da existência concreta dos elementos que fornecem sustentação à argumentação.
Já a validade, ao contrário, não mede a relação entre o discurso e a realidade, mas apenas o grau de correção, a coerência interna do raciocínio.
História do desenvolvimento da lógica.
A palavra lógica vem do grego “logos”, uma palavra que pode ser traduzida como razão, discurso ou linguagem.
A partir desta palavra deriva o verbo “leigein”, que significa colher, reunir, juntar, calcular ou ordenar.
É neste sentido que se insere a lógica, denotando uma relação entre a linguagem e o conhecimento, pensando o rigor e precisão do discurso lingüístico que expressa o conhecimento.
Para a história da filosofia, Aristóteles é considerado o pai da lógica, pois ocupou-se do tema nas obras “Organon” e “Metafísica”, embora não a designasse por este termo.
No século IV a.C., Aristóteles chamou de “analítica” o que ficaria conhecido como lógica séculos mais tarde.
O termo lógica só passou a ser utilizado no século II a.C., quando filósofos estóicos passaram a adotar a palavra como centro do seu pensamento.
Para o estoicismo, uma tendência latina de origem romana, o universo seria governado por um “logos”, uma razão universal que poderia ser definida como Deus, permitindo ao mundo atingir o “kosmos”, harmonia.
Um conceito, obviamente, influenciado pelo cristianismo que, por sua vez, fomentou o termo lógica aristotélica, nomeando todas as teorias na área até o aparecimento da lógica formal ou matemática.
Esta última apareceu no fim do século XIX, quando o filósofo alemão Friedrich Ludwing Gottlob Frege transformou a linguagem corrente em expressão matemática, para tentar analisar a verdade e validade dos argumentos.
Mais tarde, no inicio do século XX, o matemático inglês George Boole consolidou a linguagem da lógica moderna, trabalhando regras de inferência para analisar tautologias.
Além dele, também no século XX, Bertrand Russel, um britânico nascido no país de Gales, prestou grande contribuição ao desenvolvimento da lógica, convertendo argumentos lingüísticos em fórmulas matemáticas.
No entanto, a contribuição de Boole fez com que a lógica de predicados ficasse conhecida também como linguagem booleana.
Na década de 1960, a linguagem da lógica passou a ser empregada na programação de computadores e, atualmente, é utilizada no desenvolvimento de inteligência artificial, nomeada como álgebra booleana.
Regras básicas da lógica.
Desde Aristóteles, a lógica possui três regras básicas: o principio de identidade, o princípio de não contradição e o principio do terceiro excluído.
1. O Principio de Identidade expressa uma tautologia, demonstra que algo é idêntico a si mesmo, sendo sempre verdadeiro.
Por definição, a tautologia é um enunciado que é verdadeiro, independente dos valores de verdade, sendo, portanto, sempre verdadeira.
Assim, a identidade é uma tautologia.
Sendo, P = E, portanto E = P.
2. O Principio da Não-Contradição diz que uma proposição verdadeira não pode ser falsa e uma proposição falsa não pode ser verdadeira.
Portanto, nenhuma proposição pode ser os dois ao mesmo tempo.
O que é confirmado pelos contraditórios “Laura é psicóloga” e Laura não é psicóloga”.
Já que ela “é” ou “não é”, os dois ao mesmo tempo nunca, pois entraria em contradição.
3. O Principio do Terceiro Excluído afirma que toda proposição ou é verdadeira ou é falsa, e não há um terceiro caso possível.
O que confirma as tautologias e o principio da não-contradição, além dos chamados contingentes.
Os ditos contingentes, apesar de serem enunciados que dependem do valor de verdade de suas partes mais elementares, cabendo analisar cada valor obtido, tem como resultado final apenas duas possibilidades, verdadeiro ou falso, não existindo um terceiro caso.
Conceitos básicos da lógica.
A lógica aristotélica precisou fazer uso de três conceitos básicos para tornar-se funcional: Premissa, Inferência e Argumento.
1. Uma Premissa é um enunciado com razões apresentadas para dar sustentação a uma afirmação, possibilitando construir argumentos para atingir uma conclusão.
Portanto, uma premissa é um indicador que, coordenado com outros, constitui um argumento que sustentará a conclusão.
2. Uma Inferência é uma operação intelectual que afirma a verdade de uma proposição por meio de sua ligação com premissas já reconhecidas como verdadeiras.
Assim, a inferência é uma operação lógica que liga as premissas, construindo o argumento que sustenta a conclusão.
A inferência faz uso do principio de causalidade, o qual afirma que tudo tem uma causa e efeito, uma conexão.
3. Argumento é uma seqüência de enunciados, um grupo de premissas ligadas por inferência, apresentando razões para sustentar uma afirmação.
Neste sentido, os argumentos podem ser simples ou complexos.
Um argumento simples possui poucas premissas, permitindo chegar à conclusão rapidamente.
Um argumento complexo é desenvolvido em etapas, cada qual composta por um conjunto de premissas e conclusões parciais, unindo as conclusões por inferência para chegar a um resultado final.
Além disto, os argumentos podem ser de natureza categórica ou hipotética.
O argumento categórico é formado por premissas aceitas como verdades dogmáticas, inquestionáveis.
O argumento hipotético é construído através de conjecturas, premissas que adotam verdades provisórias, trabalhando com probabilidades.
Silogismo e falácia.
No texto “Analíticos”, Aristóteles definiu uma proposição como “o discurso que afirma ou nega alguma coisa”, propondo termos como verdadeiros, criando a base da chamada lógica aristotélica.
Aristóteles estruturou a argumentação através de silogismos, propondo a busca da verdade por meio de operações intelectuais lógicas.
Um silogismo é um raciocínio que sempre demonstra a validade de uma conclusão, usando premissas tidas como verdadeiras para, por inferência, compor argumentos que permitiriam chegar à verdade.
Para alcançar este resultado, o silogismo utiliza pelo menos duas premissas.
Ao passo que as premissas podem ser universais ou particulares, afirmativas ou negativas, compondo por inferência um argumento ou conjunto de argumentos, permitindo chegar a uma conclusão valida, embora nem sempre verdadeira.
Um silogismo pode compor um raciocínio valido e verdadeiro, tal como no exemplo a seguir:
1. Todo homem é mortal. – Premissa universal afirmativa.
2. Sócrates é homem. – Premissa particular afirmativa.
3. Portanto, Sócrates é mortal. – Conclusão = Premissa Particular afirmativa.
No entanto, um silogismo também pode compor um raciocínio valido e não verdadeiro, como no exemplo que segue:
1. Os biscoitos são feitos de água e sal. – Premissa universal afirmativa.
2. O mar é feito de água e sal. – Premissa universal afirmativa.
3. Portanto, o mar é um grande biscoito. – Conclusão = Premissa universal afirmativa.
Nem mesmo um silogismo complexo escapa deste problema, pois também pode ser valido, apesar de não verdadeiro, tal como no exemplo que segue:
01. Deus é amor.
02. O amor é cego.
03. Steve Wonder é cego.
04. Portanto, Steve Wonder é Deus.
05. Disseram-me que sou ninguém.
06. Ninguém é perfeito.
07. Portanto, eu sou perfeito.
08. Só Deus é perfeito.
09. Portanto, eu sou Deus.
10. Se Steve Wonder é Deus, eu sou Steve Wonder.
11. Portanto, estou cego.
Enquanto o silogismo, cujo significado em grego é “reunir com o pensamento”, utiliza premissas bem definidas e que trabalham com a aceitação de afirmações tidas como verdadeiras, compondo raciocínios validos; a falácia expressa um argumento não valido, mas que aparenta se valido e verdadeiro.
A origem da falácia está fixada na antiguidade, inserindo-se na tradição dos sofistas gregos, extremamente vinculado com a retórica e a política.
Portanto, a falácia não é um argumento que deduz suas conclusões de premissas necessariamente validas ou verdadeiras, constituindo um raciocínio que, quando decomposto e analisado pela lógica, demonstra não ser valido devido a contradições internas, configurando um erro de construção lógica.
Em geral, a falácia procura se sustentar por meio de influências exteriores à sua própria demonstração, valendo-se de ambigüidades, duplos sentidos, apelo à emoção ou utilizando um argumento de autoridade descontextualizado.
Podemos pontuar os tipos de falácia mais comuns como:
1. “Argumentum ad populum”, que faz uso da popularidade do argumentador e apela à emoção.
2. “Argumentum ad baculum”, que apela ao poder detido pelo argumentador, fazendo uso da força para intimidar.
3. “Argumentum ad misericordiam”, um apelo à piedade, tentando despertar a compaixão.
4. “Argumentum ad hominem abusivo”, ataca diretamente uma pessoa, não suas idéias.
5. “Argumentum ad verecundiam”, usa a autoridade de alguém respeitando para validar uma afirmação.
6. “Argumento por acidente”, consiste em aplicar uma regra geral a um caso particular.
7. “Non causa pro”, estabelece ligação entre fatos distintos e sem qualquer relação concreta.
8. “Pergunta complexa”, consiste em uma pergunta que já sinaliza uma resposta.
Assim, a falácia fere duas regras básicas da lógica: o principio da não contradição e o principio do terceiro excluído.
Concluindo.
A aplicação da lógica ultrapassa o silogismo e as falácias, adentrando a construção e depuração conceitual e, conseqüentemente, a diferenciação entre argumentações.
É interessante notar que três conceitos vinculados decorrem da lógica aristotélica: dedução, indução e hipótese.
Concepções importantes para a lógica, mas também para a filosofia em sentido amplo e para a ciência.
Sem os quais a moderna ciência, tal como entendida hoje, nem sequer existiria.
A dedução constitui um método forma de verificação da verdade e validade das conclusões, partindo de premissas verdadeiras para chegar, pretensamente, a conclusões, igualmente, verdadeiras.
A dedução parte de premissas universalmente aceitas, consideradas como comprovadas, para analisar casos particulares, estabelecendo, por inferência, uma relação entre os argumentos, tentando evitar os mesmo erros do silogismo.
Enumera as premissas para construir cadeias de pensamento que permitam conclusões, em concordância com a realidade observável ou perceptível.
Ao contrário da dedução, a indução parte do particular para chegar ao universal ou a uma generalização, valendo-se da probabilidade.
O método típico das ciências naturais, onde as conclusões são induzidas pela probabilidade, muitas vezes se mostrando validas, embora nem sempre verdadeiras.
No entanto, permite criar modelos interpretativos que ajudam a sistematizar o conhecimento.
Já a hipótese está vinculada tanto com a dedução como com a indução, constitui a suposição de uma verdade, sugerida geralmente pela probabilidade fornecida pela indução.
Porém, a hipótese é analisada, embora também possa ser criada, pela dedução para comprovar sua validade, confirmando ou não sua verdade.
Para saber mais sobre o assunto.
COPI, Irving. Introdução à Lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1981.
KENALE & KENALE. O desenvolvimento da lógica. Lisboa: Fundação Gunbenkian, 1996.
MORTARI, Cezar A. Introdução à lógica. São Paulo: Unesp, 2001.
Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela FFLCH/USP.
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela Universidade de São Paulo.
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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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