Trabalho e educação são
categorias interdependentes, pois a relação que um indivíduo, ou grupo, mantém
com o saber e a posição que ocupa no mundo do trabalho definem o seu status e
interferem nas relações sociais e étnico-raciais.
Tais categorias de produção e
organização social começam a ser estruturadas desde o início da histórica da
humanidade, na medida em que os homens agem sobre a natureza em função de suas
necessidades de sobrevivência, de apropriação dos saberes e de educação das
sucessivas gerações.
Portanto, são elementos
fundamentais no processo de humanização.
Nas palavras de Demerval
Saviani:
“Se
a existência humana não é garantida pela natureza, não é uma dádiva natural,
mas tem de ser produzida pelos próprios homens, sendo, pois, um produto de
trabalho, isso significa que o homem não nasce homem. Ele forma-se homem. Ele
não nasce sabendo produzir-se como homem. Ele necessita aprender a ser homem,
precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do
homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo” (SAVIANI, 2007).
A partir da implantação da
propriedade privada e da hierarquização das sociedades, Educação e Trabalho
tornam-se elementos de identificação dos sujeitos no meio social, pois o acesso
aos bens econômicos e aos bens culturais passa a ser condicionado pelo status quo.
Uma breve apreciação
etimológica permite uma melhor compreensão dessas categorias de análise.
TRABALHO, do latim tri + palium = três paus = técnica de
tortura. Refere-se aos castigos aplicados aos insubmissos, de modo que a
palavra acaba definindo os esforços físicos para a manutenção da sobrevivência.
A divisão da sociedade em
camadas hierárquicas, já na Antiguidade, cria a separação entre proprietários e
não proprietários, e entre livres e escravos.
Assim, as sociedades humanas
naturalizam a exploração do trabalho do “outro”, o que permite aos
proprietários a prática do ócio, o não-trabalho, e a criação das escolas, como
um espaço destinado aos que não são obrigados a servir, ou seja, estão livres
do trabalho.
ESCOLA, do grego skhole = ócio, descanso, repouso.
Ou seja, escola é a ocupação do
tempo livre, ou de um homem livre do trabalho servil, enquanto o trabalho é a
ocupação dos que devem servir e que, portanto, não podem se dedicar ao ócio ou
frequentar a escola.
Aliás, a própria palavra
hierarquia faz referência a um processo de distinção social ligado ao saber e
ao fazer, correspondendo ao lugar social e aos conhecimentos sacerdotais,
correspondendo a um saber incomum e necessário para a realização dos ofícios
sagrados, do estudo dos fenômenos, dos registros escritos e do próprio ensino.
Esses termos chegaram aos dias
atuais modificados, com novos sentidos, mas ainda representando a dicotomia
entre os modos de vida das categorias sociais que podem e que não podem estudar,
das que devem trabalhar e das que estão liberadas do trabalho, marcando a
hierarquia social em diferentes tempos e espaços.
Essa dualidade permaneceu até o
início da Idade Contemporânea, com a Revolução Industrial e a Revolução
Francesa.
Para o trabalho industrial as
funções produtivas passam a exigir progressivamente saberes especializados,
adquiridos em instituições formais de ensino.
E a nova configuração da sociedade
liberal-burguesa define, a partir do texto da Declaração dos direitos do homem e do cidadão, que a sociedade
política favoreça os progressos da razão pública e coloque a instrução ao
alcance de todos os cidadãos.
As mudanças históricas não
extinguiram as hierarquias sociais, mas criaram diferentes modelos educativos
que geraram a oposição entre ensino propedêutico e ensino profissional,
trabalho intelectual e trabalho manual.
Mas, a sociedade contemporânea
alterou a representação semântica de
“educação” e “trabalho” ao reestruturar a relação entre o saber e o fazer, empreendendo
projetos para ampliar a produtividade e desenvolver economicamente as nações
industriais e, ao mesmo tempo educar os filhos das classes trabalhadoras.
Educação, trabalho e relações sociais escravistas no Brasil.
A formação histórico-social do Brasil deu-se a partir da movimentação de grupos humanos
de diferentes origens étnicas e nacionais, em processos sucessivos de inserção
no espaço territorial e nas relações econômicas, culturais, políticas e
sociais, em distintos momentos históricos e com papéis determinados pelos
grupos de poder.
As relações sociais foram marcadas
pelo processo de dominação mercantilista e escravista, de modo que os lugares
sociais dos indivíduos e grupos étnicos e nacionais foram definidos pela lógica
da produção de riquezas.
As relações estabelecidas pelo elemento
colonizador tomaram como pressuposto a superioridade cultural europeia,
transplantando para o Novo Mundo instituições e padrões de comportamento,
subjulgando os demais grupos étnicos, seus conhecimentos, seus valores e suas
identidades.
Na Colônia, o trabalho era o
princípio da sobrevivência e a garantia de acumulação de riquezas e associado à
exploração do “outro”, o “não civilizado”, o “inferior”, a quem se podia
legalmente apresar, comercializar, escravizar, cristianizar, castigar.
No período colonial formaram-se os
"povoados brancos" com a adoção provisória de hábitos indígenas.
Mas, do ponto de vista da cultura
letrada, adotou-se a Ratio Studiorum, Plano
de Estudos da Companhia de Jesus, redigido pelo Padre Inácio de Loiola e
adotado como uma espécie de "código de educação" da época, para
preservar os valores civilizatórios europeus.
O ensino
formal deveria fornecer cursos de Teologia com estudos de Escolástica, Moral e
Sagrada Escritura e posteriormente incorporando estudos de Direito Canônico e
História Eclesiástica; Filosofia, também denominado Artes, abrangendo os cursos
de Lógica, Introdução às Ciências, Cosmologia, Psicologia, Física, Matemática e
Filosofia Moral; e o curso humanista, com estudos de Retórica, Humanidades,
Gramática Superior, Gramática Média e Gramática Inferior. Assim, a
organização inicial do ensino caracterizou-se pela implantação de padrões
distantes da cultura brasileira em formação.
A influência das escolas jesuíticas
foi incomparável. Na Europa, no século XVII, a Companhia de Jesus possuía 372
colégios, no início do século seguinte mantinha 612 colégios, 157 escolas
normais, 24 universidades e 200 missões; e, no início da segunda metade do
século XVIII possuía ao todo 728 colégios, contando com cerca de 22 mil membros.
Com essa quantidade de
estabeleciemtnos, a organização geral do sistema de ensino jesuítico era
mantida pela invariabilidade do método e do conteúdo, e, sobretudo, pela
disciplina. A administração das escolas fazia-se através da hierarquia e do
controle de todos os seus membros.
Os colégios distribuíam-se em
províncias administrativas, coordenadas pelo Geral e presididas pelo
Provincial; abaixo deles, na hierarquia, vinham os reitores dos Colégios, os
Prefeitos de Estudos, os inspetores de Ensino, os Mestres, os Monitores e os
Pares. Com esse modelo organizacional a Companhia de Jesus, na Europa, atraiu
católicos e jovens protestantes de diversas comunidades.
No Brasil a ordem
jesuítica manteve um sistema de ensino destinado a preparar os seus próprios
membros e os filhos dos colonizadores que podiam pagar, proporcionando educação
religiosa e secundária.
Desse modo, os
jesuítas colaboraram para a formação dos bacharéis que viriam a compor os
quadros da administração colonial.
Além desse
trabalho, desenvolveram uma ação evangelizadora voltada para a catequese dos
índios e da população livre, e fundaram várias escolas destinadas à população
masculina branca.
Quanto às
mulheres, mesmo das famílias mais abastadas, raramente recebiam instrução
escolar, e esta se limitava às aulas de boas maneiras e de prendas domésticas.
Os escravos de
todas as idades – sendo juridicamente “coisas” e não pessoas – estavam
excluídos do processo educacional.
Conforme salientou Maria José
Werebe, “as crianças negras não tinham
acesso à escolas. Tanto os sacerdotes quanto os senhores consideracam
desnecessário educá-las e até mesmo evangelizá-las” (WEREBE, 1994).
Na prática, até a Abolição, de 1888,
a educação era privilégio e o trabalho considerado indigno, ao passo que a exploração
do trabalho escravo era considerada uma prática civilizadora, pois própria das
culturas adiantadas sobre as atrasadas.
Decorre daí a lógica de que a
inferiorização de todos os sujeitos sociais economicamente dependentes
representava a exteriorização da dignidade e do status social dos grupos
dominantes.
Na relação de status que se
constituiu na sociedade escravista dos períodos colonial e imperial, quanto
maior fosse o prestígio social, menor o esforço físico para a sobrevivência.
Antonil, em seus registros sobre o
Brasil do século XVIII, afirmou: “O ser Senhor de Engenho é título a que muitos aspiram,
porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E se for, qual deve
ser, homem de cabedal e governo, bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de
engenho, quanto proporcionalmente se estimam os títulos entre os fidalgos do
Reino”. (ANTONIL, 2007).
Os indígenas, apenas formalmente
protegidos pelas leis, foram submetidos à expropriação da terra, à violência do
apresamento e da escravização e muitos grupos exterminados pelas doenças e a infame
“guerra justa”, legalmente consentida.
Devido à resistência à produção de
riquezas para o elemento colonizador, foram taxados de “preguiçosos” e “atrasados”.
Como afirmou José Vicente de Souza
Aguiar: “Supostamente, fragmentos dessas
imagens estereotipadas permanecem agindo ou norteando os olhares dos
não-indígenas sobre os povos indígenas, visto que as falas sobre eles
frequentemente estão relacionadas à ideia de atraso, de empecilhos para o
desenvolvimento da sociedade e da produção, para as aberturas das estradas,
para a proteção do território nacional”. (AGUIAR, s.d.)
Quanto aos africanos e
afrodescendentes, capturados na África e forçados ao trabalho escravo no
Brasil, quanto menores fossem seus conhecimentos e maior a pigmentação da sua
pele, mais pesados eram os seus trabalhos.
E assim, preferencialmente eram
escolhidos para os trabalhos domésticos e “de ganho” os escravos morenos e
ladinos, enquanto os boçais e retintos eram destinados aos trabalhos braçais
mais sacrificados.
Um depoimento de Mahommah Baquaqua,
publicado em 1854, exemplifica a perspectiva do escravo e a latência dos
conflitos no mundo escravista:
“Em breve puseram-me para
trabalhar pesado, trabalho a que ninguém deve ser submetido, a não escravos e
cavalos. Quando esse homem me comprou ele estava construindo uma casa. Era
necessário buscar pedas para a construçã a uma distância considerável, do outro
lado do rio, e fui forçado a carregá-las. Eram tão pesadas que três homens
foram incumbidos de erguê-las e colocá-las sobre minha cabeça. Às vezes a pedra
exercia tamanha pressão sobre minha cabeça que era obrigado a jogá-la no chão.
Meu senhor ficava bravo quando isso acontecia e costumava dizer que o cassoori
(cachorro) havia jgado a pedra no chão, enquanto eu, no íntimo, pensava que ele
é que era o pior cchorro; mas era apenas um pensamento, já que não ousava
expressá-lo em palavras” (RBH, 16, 1988).
Mahommah G. Baquaqua foi apresado
na África e traficado para o Brasil ainda jovem.
Do Brasil foi para os Estados
Unidos, onde estudou no Central College, em Nova Iorque, e ingressou na Igreja
Batista.
Tinha cerca de trinta anos quando seu
livro foi publicado. Em 1855 foi para Liverpool, na Inglaterra, pretendendo
ingressar em um grupo de missionários e partir para Serra Leoa na Misssão
Mendi. O último registro que se tem dele, datado de 1857, aponta: “Mahommah, o africano educado neste país [Estados
Unidos], agora na Inglaterra, expressando
o seu desejo de retornar e trabalhar entre seus compatriotas”.
A biografia de Mahommah Baquaqua é
um dos poucos registros escritos que atestam a memória dos africanos
escravizados no Brasil.
Até o fim do século XIX a economia latifundiária
e escravista, com poucas atividades urbanas, condicionava as relações sociais e
étnico-raciais e definia o lugar dos indivíduos no mundo do trabalho e na
sociedade.
E como a produção agrícola ainda
não exigia qualificações ligadas à formação educacional, não houve demanda por
ampliação do ensino e foram praticamente nulas as medidas para a estruturação
de um sistema de educação formal que atendesse aos diferentes segmentos
sociais.
Durante o Império, embora a difusão
do ensino elementar estivesse instituída pela Lei de 1827, poucas medidas
concretas foram tomadas com o propósito de alterar o perfil geral da instrução
e esta permaneceu limitada aos cidadãos, excluindo os milhões de escravos e
índios e, informalmente, os agregados das fazendas, trabalhadores rurais,
pequenos comerciantes, artífices e empregados de profissões modestas.
Essas parcelas da população estavam
inferiorizadas e afastadas dos benefícios concedidos aos grupos da elite
econômica, social e política.
A educação não se constituía em um
direito humano e universal, era, na verdade, um privilégio em todos os níveis
de escolaridade e a sua estrutura estava montada para atender a classe
dominante, o que demonstra o último censo oficial realizado no período
escravista, que apresentou os seguintes dados:
Desse modo, pode-se observar que
durante todo o período imperial o quadro de exclusão social não sofreu
alterações significativas e o panorama geral das relações de trabalho e dos
privilégios educativos do século XIX foi o mesmo dos séculos anteriores.
Educação e trabalho no Brasil pós-Abolição.
No final do século XIX e início do
século XX, a Abolição da escravatura e o processo de imigração modificaram as
relações de produção devido à difusão do trabalho assalariado.
A partir do desenvolvimento da
sociedade urbano-industrial delineou-se a necessidade de estruturação de um
sitema de ensino, no sentido de modernizar a produção, a política e a própria
cultura.
O
crescimento econômico proporcionou recursos para a difusão do ensino público
gratuito, embora o crescimento da população e a introdução de novas parcelas
sociais, ex-escravos, imigrantes, camadas médias, no meio urbano aumentassem a
demanda por educação em proporção que não poderia ser atendida imediatamente.
O ensino e o trabalho deveriam ser
modernizados de modo a se adequarem às mudanças pelas quais passava a
sociedade, obrigando o poder público a reformar a Educação, até então
organizada pela e para a elite dirigente.
Mas a
inserção dos diferentes elementos sociais e do negro na sociedade livre foi um
processo bastante difícil que contou, logo de início, com a oposição dos
eugenistas que afirmavam a inferioridade genética dos negros, indígenas,
miscigenados e asiáticos, bem como sua inferioridade intelectual, moral e
produtiva.
Muitos
eugenistas consideravam mesmo que a educação somente teria plenos resultados
positivos quando aplicada a indiívuos com boa herança genética, como podemos
depreender do pensamento Otávio Domingues, representante da
Sociedade Brasileira de Eugenia:
“A educação
póde muito. Póde quasi tudo em materia de melhorar tendencias e desenvolver
intelligencias mediocres. Mas o que ella não póde é mudar, modificar a
constituição hereditaria do individuo. O individuo amoral, se tiver prole, é
assim como um animador da amoralidade do mundo [...] Não será com a educação
dos delimquentes, dos imbecís, dos tarados mentaes, emfim, que faremos com que
desappareçam da Terra todas essas tendencias más e maleficas. Isso porque os
effeitos da educação são grandes, mas innocuos para a vida da especie,
ephemeros em relação a ella” [sic] (DOMINGUES, [1930]).
Assim, conclui que
o maior proveito da educação pode ser obtido se aplicado em uma raça melhorada,
com homens inteligentes e de "bons
genótipos", pois o homem pode ser aperfeiçoado pelo "cruzamento" das boas heranças
genéticas e pelas condições sociais adequadas.
Nesse sentido,
através da educação as boas índoles podem ser aproveitadas com eficiência
máxima.
Os estrangeiros
eram mais facilmente acolhidos no mundo do trabalho que os negros
recém-libertos.
Muitos grupos de
diversas nacionalidades organizaram-se em núcleos coloniais com forte
característica familiar e constituíram suas próprias escolas.
Por sua vez, os
negros também procuraram se organizar socialmente por meio de agremiações,
clubes, escolas, Imprensa Negra, Centro Cívico Palmares e Frente Negra
Brasileira e outros núcleos.
A Frente Negra
Brasileira foi uma organização iniciada oficialmente em 1931 e chegou a arregimentar
cerca de 60 mil filiados, com sede em São Paulo e postos no Rio de Janeiro,
Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul.
O Centro Cívico
Palmares existiu entre 1926 e 1926, mas foi uma experiência exemplar.
De acordo com Ana
Laura Mendes e Bruna Pereira Alves, “desenvolveu
uma escola com certa estrutura pedagógica, que funcionava nos períodos diurno e
noturno, onde era mantido um curso de alfabetização, possuíam aulas de
gramática, aritmética, geometria, história e geografia, prendas domésticas
(para as mulheres), entre outras matérias. Havia um corpo docente. Lá havia uma
biblioteca e promoviam palestras culturais regularmente de conscientização
racial” (MENDES e ALVES, 2011).
Os jornais da
Imprensa Negra, por sua vez, não poupavam esforços para promover a inserção do
negro no meio social e estimular a escolarização e o sentimento nacionalista.
A intelectualidade
negra constituía o corpo de escritores dessa Imprensa e versava sobre
diferentes aspectos da integração social, denunciando os abusos e as
permanências da mentalidade escravista e das práticas excludentes ao mesmo
tempo em que apoiava as iniciativas individuais e coletivas de superação da
desigualdade econômica, política e cultural.
Segundo José Correia Leite,
militante da Imprensa Negra, os negros participavam ativamente da vida social,
política e cultural, embora contassem com grandes dificudades econômicas que os
identificava meio social.
Como se evidencia pelo depoimento:
“Em 1926 morreu Carlos de Campos, presidente
do Estado de São Paulo [...] No sepultamento, lá no Cemitério da Consolação,
havia três grandes oradores dessa época: Armando Prado, Roberto Moreira e
Alfredo Pujol. Depois dos três terem falado, no meio da multidão surgiu um
negro pedindo a palavra. Pediu a palavra e fez um grande discurso sem ficar
devendo nada para os oradores que tinham falado antes. Daí ficou aquele rumor
no meio negro de que tinha aparecido um grande negro que tinha falado diante do
túmulo do Carlos de Campos. O nome dele: Vicente Ferreira, “Professor” Vicente
Ferreira. [...] Quando chegou no 13
de maio, o Clarim d’Alvorada promoveu uma romaria ao Cemitério da Consolação
para visitar os túmulos dos abolicionistas Luiz Gama, Antônio Bento e outros. O
Vicente Ferreira apareceu. Todo mundo viu aquele negro magro, mas de uma certa
imponência, que impunha respeito, embora estivesse com roupa surrada”
(LEITE e CUTI, 1992).
Mas a permanência
da mentalidade escravista incidia sobre a inserção social afrodescendente, embora
muitos imigrantes, principalmente italianos e espanhóis, fizessem parte do
operariado pobre e, em certa medida houvesse uma aproximação entre as
expectativas dos pobres de diferentes origens e etnias.
A
declaração de um colono alemão, de 1939: “...De
importância, é que com essa situação não pode haver uma educação direita dos
filhos aqui [...] Além disso não estou disposto a mandar meus filhos sentarem
num mesmo banco escolar com negros” (Apud SCHWARTZMAN, 1984) exemplifica o
nível de tensão das relações estabelecidas no meio social.
Contudo, o contexto econômico,
político e social levou à reelaboração
dos discursos sobre as raças.
A percepção da necessidade de
incorporação do trabalhador nacional e de construção de uma consciência
nacional redimensionou as posturas trazendo o discurso favorável à unidade.
Negros, e igualmente índios, tidos
até então como responsáveis pelo atraso do país, passaram a ser pensados como
sujeitos que poderiam favorecer o progresso.
Como afirmou Maria Helena Capelato,
“nessa mudança de enfoque o outro
tornou-se nós, ou seja, parte integrante da comunidade nacional”(CAPELATO, 1998).
Ainda segundo a autora, o passado
escravista do Brasil, suas dimensões territoriais e seu alto índice
populacional, justificava as dificuldades para resolução dos problemas
educacionais, especialmente nos locais distantes, carentes e de concentração de
ex-escravos, o que inviabilizava a formação profissional por meio da educação
formal.
Assim, nas áreas com grande massa
de ex-escravos, os índices de escolarização permaneciam baixos.
Mas as explicações para o
analfabetismo entre os negros baseavam-se no princípio da “inferioridade racial”, o que, afirmavam os defensores dessa idéia,
explicava também a falta de consciência nacional entre os descendentes
africanos e sua conseqüente responsabilidade pelo atraso nacional.
Com o projeto de desenvolvimento
industrial e crescimento econômico o Estado passa a negar as idéias de
separação e inferioridade étnica, em nome da harmonia e do progresso social,
propondo mudanças institucionais para a inegração dos diferentes segmentos
étnicos e sociais, formando uma consciência nacional através da educação e do
trabalho.
O instrumental para explicar as
relações etnico-raciais e apontar soluções para os problemas sociais,
especialmente os relacionados ao desenvolvimento econômico, foi fornecido pelo
nacionalismo que defendia a “desmarginalização”
do trabalhador nacional e sua contribuição para o progresso.
Assim, personagens antes
depreciados passam a ser vistos como “cerne
e vigor da raça” (CAPELATO, 1998).
Somente a partir da segunda metade
do século XX é que surgiram as condições para a superação das marcas da
escravidão e da marginalização do negro no mercado de trabalho, com medidas
jurídicas, políticas e educativas mais igualitárias para favorecer a integração
do afrodescendente ao meio social em condição de igualdade.
Contudo, trata-se de um processo
ainda em curso.
Porém, mesmo com mudanças efetivas
para reverter o longo período de exclusão, as pressões políticas, os movimentos
sociais organizados e a valorização do princípio de equidade, apresenta-se hoje
o seguinte quadro:
Os dados indicam a maior dificuldade de acesso ao ensino superior e a inferioridade dos
salários de pretos e pardos nas capitais, e que ainda há um caminho a
percorrer para a plena igualdade de direitos.
Concluindo.
Ao longo da História, Educação
e Trabalho caminham orientados pelo modo de produção e pelas hierarquias
constituídas, reproduzindo as desigualdades sociais.
Desde a formação da sociedade
industrial entrou em decadência a idéia de que a educação deveria permanecer
como um direito exclusivo da elite.
Em consequência, a legislação
passou por mudanças para garantir o direito à educação, ampliar as unidades
escolares, reduzir o índice de analfabetismo e atender as reivindicações
sociais.
Só recentemente, com o fenômeno da
construção do “estado de direito” é que se tem uma mudança valorativa da
relação entre educação e trabalho e a ampliação desses conceitos, associados,
agora, ao direito de acesso trabalho digno e aos bens culturais.
Para
saber mais sobre o assunto.
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e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Introdução e notas de Andrée
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e Terra; São Paulo: EDUSP, 1984 (Coleção Estudos brasileiros; v. 81).
WEREBE, Maria
José. 30 anos depois. Grandezas e
misérias do ensino no Brasil. São Paulo: Ática, 1994.
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