Para
entender a história... ISSN
2179-4111. Ano 5, Volume jul., Série 10/07, 2014, p.01-12.
Natanael Vieira de Souza.
Acadêmico do 8º Semestre de
HISTÓRIA/UNEMAT.
Trabalho apresentado no I Seminário
internacional e III Seminário do grupo de pesquisa Fronteira Oeste: Poder, Economia e Sociedade.
Para pensar este trabalho será
necessário recorrermos à metodologia da história do tempo presente, mesmo sabendo
das implicações e dilemas da mesma, pois o tempo presente ainda esta em
“aberto”, indefinido e, vários integrantes, personagens desta história, ainda
estão vivos e emitem suas opiniões e as opiniões nem sempre são convergentes,
pelo contrário, quase sempre são divergentes.
Há ainda, no meio acadêmico, importantes
pensadores que consideram a história do tempo presente uma espécie de
“jornalismo”, como já assinalava Timothy Garton Ash:
“A fronteira
entre jornalismo e história (...) é a menos marcada, mas também a mais tensa e
disputada. Posso assegurá-lo, porque vivi em ambos os lados e no meio-termo. No
jornalismo, descrever uma peça como ‘bastante académica’ – significando
aborrecida, de jargão pesado, ilegível – é o caminho mais seguro para a
prateleira. Na academia, considera-se um comentário mordaz dizer que o trabalho
de alguém é ‘jornalístico’, pois tal significa superficial, espirituoso e em
regra não muito sério. História contemporânea? Desdenhou um idoso dignitário,
quando voltei para a minha faculdade de Oxford vindo de um emprego no
jornalismo (...). Quer você dizer jornalismo com notas de rodapé?[i]”
Porém, em contrapartida, há também
grandes historiadores que consideram a história do tempo presente necessária,
neste caso podemos citar Eric Hobsbawm que diz o seguinte:
A
despeito de todos os problemas estruturais da história do tempo presente, é
necessário fazê-la. Não há escolha. É necessário realizar as pesquisas com os
mesmos cuidados, com os mesmos critérios que para os outros tempos, ainda que
seja para salvar do esquecimento, e talvez da destruição, as fontes que serão
indispensáveis aos historiadores do terceiro milênio[ii].
De
forma que, sabendo das dificuldades, mas não da inviabilidade de trabalhar na
perspectiva da história do tempo presente, nos imbuímos da árdua tarefa de
“coser” um texto/pesquisa, de linhas repletas de indagações e ponderações sobre
o tema proposto.
Neste
caso, sendo bem fiel à proposta de Hosbsbawm, este texto mais descreve que
historiciza e/ou problematiza, vemos que dada à necessidade de salvar do
esquecimento ou talvez destruição de algumas fontes, este trabalho seja
necessário, para que no futuro, por mim ou por outros pesquisadores, textos
mais relevantes possam ser escritos e/ou inscritos na historiografia da
fronteira oeste ou na historiografia sobre a cultura em Cáceres-MT.
DO OBJETO/PROBLEMA.
No
final da década de 1980, sob forte influência de grupos musicais bolivianos que
adentravam a nossa fronteira para apresentação musical - mais frequentemente na
cidade de Cáceres-MT -, e de músicos brasileiros que se apresentavam em solo
boliviano - com mais frequência nas cidades de San Mathias, Ascención e San
Ignácio de Velasco -, um “novo” ritmo musical veio somar aos tantos outros
ritmos “estrangeiros” presente no repertório cacerense.
Apenas
para citar alguns ritmos mais próximos, ou seja, alguns ritmos da América do
sul, no repertório cacerense já constava a guarânia e a polca de procedência paraguaia,
o chamamé, as milongas e tangos argentino, sem contar as variações que estas
fusões musicais provocavam nas síncopes rítmicas dos vários “rasqueados” que
aqui houveram/há.
Entre
tantos ritmos caribenhos que se misturaram/amalgamaram com ritmos brasileiros que
adquiriram fortes e “calientes” pitadas do tempero caribenho, podemos citar como
exemplo o carimbo/sirimbó ou a lambada dos anos 1980/1990, etc., onde podemos
notar com mais evidencia as características rítmicas caribenha.
Neste
mesmo tempo apareceu e adentrou em Mato Grosso, mais especificamente em Cáceres[iii],
cidade que faz fronteira com a Bolívia, mais um ritmo caribenho, que foi
prontamente aceito, pelos amantes da dança de salão e inserido no repertório de
músicos populares que animavam as noites quentes da orla ribeirinha cacerense,
refiro-me à cúmbia.
O QUE É CÚMBIA?
Segundo
pesquisamos, a cúmbia é um ritmo musical de origem colombiana, trata-se de uma fusão/mestiçagem[iv]
triétnica, com elementos de três povos, tais como, os tambores de África, as flautas
indígenas, o canto e as vestimentas da Europa, mais precisamente, espanholas.
Deste
encontro interétnico vai nascer o que veio a ser chamado de cúmbia[v].
Apesar
de o nome remeter ao vocábulo africano “Cumbe” ou “kumbé”, não quer dizer que a
cúmbia já existia na áfrica, tornando-se assim, um equívoco, dizer que a cúmbia
foi trazida da áfrica, pois o vocábulo africano (Banto) era designativo de
festa. Sobre o “nascimento/origem” da cúmbia o etnomusicólogo italiano,
Leonardo D'Amico ainda diz o seguinte:
“La
música costeña, es decir de ‘la costa’ por antonomasia (la costa atlántica
colombiana) y ribereña, es decir, del valle de los ríos que desembocan allí
(Magdalena, Sinú y Cesar), es el resultado del largo proceso de fusión de tres
elementos etnoculturales identificados como negro, blanco y indígena. (…) La cumbia es
originaria de la parte alta del valle del río Magdalena y tiene su epicentro en
la ciudad de El Banco (Magdalena), donde desde 1976, se celebra el Festival de
la Cumbia. Posteriormente, su centro de difusión se transladó a la ciudad
porteña de Barranquilla, situada en la desembocadura del río Magdalena, donde
se desarrolla cada año el célebre carnaval.”[vi].
Na
citação acima fica claro, segundo o seu autor, que as condições propícias para
o surgimento da cúmbia na Colômbia, só é possível mediante esta síntese, ou
seja, este “encontro” interétnico das três culturas, então mencionadas. Para o
sociólogo colombiano Orlando Fals Borda (Bogotá, 1986, p. 132):
“la
cumbia encuentra sus propias raíces em las culturas de las sabanas y del Sinú,
y al parecer, posee algunas peculiaridades de las culturas negras e mestizas de
la depresión momposina, especialmente de la zona entre El Banco y Plato”[vii].
Portanto
estas são algumas possibilidades de definição para o questionamento; o que é cúmbia?
Em
sua tese de doutoramento Edwin Ricardo Pitre Vásquez diz o seguinte:
“Mas o que seria a cúmbia? Para
responder a esta indagação de maneira simplificada, defino cúmbia como uma
dança, um ritmo e, finalmente, um gênero musical que teve origem nas costas
caribenhas entre a Colômbia e o Panamá. Entendo que esta resposta seja
insuficiente, uma vez que a cúmbia difundiu-se pelo continente americano. Seria
necessário que toda esta territorialidade fosse contemplada, assim como sua
característica de origem indígena e africana, e o fato de ser cantada em
espanhol”[viii].
De
modo que, apesar de haver toda uma historicidade e controvérsia sobre a origem
da cúmbia, para o que nos propomos neste artigo a cúmbia pode ser definida,
grosso modo, como uma manifestação cultural nascida do encontro de três povos –
negro, indígena e europeu - na costa atlântica colombiana.
A CUMBIA E AS SUAS MESCLAS.
Até
o começo do século XX as músicas tradicionais colombianas – não apenas as
músicas tradicionais colombianas, mas grande parte das músicas tradicionais da
América do sul -, sofreram poucas modificações ou alterações, salvo as fusões consideradas
por alguns intelectuais, menos complexas que se davam pelo contato com outros
povos tradicionais e/ou nas trocas de experiências com povos vizinhos[ix].
Segundo
Guardia (FOLKCOMUNICAÇÃO
– Nº 1, 2003, p. 10):
Desde que comenzó la conquista
se inició el mestizaje. Así como hubo mestizaje biológico entre los andinos y
los europeos, también hubo un rico proceso de mezcla cultural. Esto no quiere
decir que allí comenzaron a combinarse las formas musicales. Antes de la
llegada de los españoles, la cultura y en particular la música se enriquecían a
partir de la influencia de pueblos y grupos vecinos con los que entraban en
contacto. La cultura siempre fue, es y será dinámica, a no ser que esté muerta[x].
Portanto
vemos que as mudanças ou fusões musicais - guardado o anacronismo, tendo em
vista que o conceito de “fusão musical” ainda não existia -, já se iniciam
antes da conquista espanhola, porém se tratava de mudanças dentro do lhe era
conhecido, do que lhe era próximo e familiar.
Dentro de uma
dinâmica própria, que lhe era lógica, mudanças dentro de uma lógica onde estes
atores se sentiam fazendo parte, pois tais mudanças eram internas, por mais que
os povos vizinhos não compartilhassem da mesma cultura, esta não lhe era
distante ou completamente irreconhecível.
Portanto, a
partir da terceira década do século XX que as manifestações culturais
tradicionais, principalmente as sul-americanas, sofrerão mudanças
significativas, dentre elas, a própria cúmbia e, tais mudanças serão provocadas
por uma nova forma de “capitalismo cultural” denominado, cultura de massa.
MODERNIZAÇÃO E CIVILIDADE.
No começo de
século XX o desejo de modernidade e progresso pelo qual toda a América do sul atravessava
só se igualava a ambição, principalmente das elites, de civilidade.
Porém o
desejo de modernidade, progresso e civilidade vinha acompanhado da necessidade
de uma identidade nacional “desvinculada” das influências europeias, tais
mudanças teriam que vir de elementos agregadores de símbolos facilmente
identificados com a cultura popular, cultura esta que agregasse ou sintetizasse
os traços étnicos da formação do seu povo, mas que demonstrasse o máximo de civilidade,
principalmente aos olhos do velho mundo.
Tornar-se
civilizado diante dos olhos do velho mundo agora era um desafio, pois para o
velho mundo, como Narciso, tudo que não o refletia era de algum modo
satanizado. Segundo Jean Starobinski, este conceito de civilidade ou
civilização com o tempo se transformou em um léxico que:
“(…) carregado
de sagrado demoniza seu antônimo. A palavra civilização, se já não designa um
fato submetido ao julgamento, mas um valor incontestável, entra no arsenal
verbal do louvor ou da acusação. Não se trata mais de avaliar os defeitos ou os
méritos de civilização. Ela própria se torna o critério por excelência:
julgar-se-á em nome da civilização. É preciso tomar seu partido, adotar sua
causa. Ela se torna (o critério por excelência) motivo de exaltação para todos
aqueles que respondem ao seu apelo; ou, inversamente, fundamenta uma
condenação; tudo que não é civilização, tudo que lhe resiste, tudo que a
ameaça, fará figura de monstro ou de mal absoluto”[xi].
Diante desta nova realidade a cúmbia, como também
outros ritmos musicais tradicionais sul-americanos, há que passar por um
“processo civilizatório”, no caso da cúmbia colombiana significa diminuir elementos
considerados primitivos, ocultar a presença física/sonora e as ressonâncias dos
tambores africanos – que foram substituídos pelas congas - bem como das flautas
indígenas – que foram substituídas pelos clarinetes e outros instrumentos
similares.
A colombianista Consuelo Posada Giraldo da
universidade de Antioquia[xii]
aponta importantes considerações sobre este aspecto, assinalando no pensamento contemporâneo
a estas mudanças, pontos importantes discutidos pelos intelectuais desta época.
“Repitamos, entonces, que en Colombia la música, los bailes y las
expresiones culturales de una región se juzgaron siempre unidas a las
valoraciones sobre la geografía y sus gentes. Por esto todos los juicios que en
las primeras décadas del siglo XX se referían a la música y a los versos del
Caribe colombiano conjuntamente la región y sus habitantes” (Giraldo, 2005, p. 245).
Segundo as considerações de Consuelo Giraldo,
pouquíssimos intelectuais andinos se aventuravam a defender a música costeña, quando se referiam à arte e a
cultura da costa atlântica, geralmente era para criticá-la, neste sentido
argumentavam sempre com clara intenção de depreciá-la, opondo-a a cultura
“civilizada” branca europeizada/parisiense e new-yorquina.
A música costeña,
junto com o seu espaço geográfico, a sua gente, seus costumes, sua cultura, suas
“cores”, entrará no rol das coisas “incivilizadas”, a ser alvo de
disciplinarização, medicalização, das medidas eugênicas do começo do século XX,
fenômeno este que em larga medida tornou-se muito popular em grande parte da
América do sul.
A CÚMBIA,
SEUS TRAJETOS E ALGUMAS APROPRIAÇÕES.
Com segurança podemos afirmar que, hoje, grande
parte da América conhece a cúmbia, alguns países a incorporaram às suas
culturas e as ressignificaram, atribuindo sentidos e até multiplicando as suas
variações estilísticas/rítmicas, somente na Argentina há mais de uma dezena de estilo
de cúmbias, sendo a mais popular a “cumbia villera”, sem contar o Panamá,
México, Bolivia, Perú, Cuba, Estados Unidos da América, Paraguai, Uruguai,
Chile, Equador, etc., onde em cada um destes países a cúmbia passou a receber
influências e, em alguns casos, a influenciar outros estilos musicais.
Neste tópico estaremos assinalando alguns possíveis
trajetos e apropriações em alguns destes países onde a cúmbia foi incorporada à
sua cultura.
Na Colômbia, com a chegada da radiodifusão e
ascensão da classe média nos anos 40 do século XX, a cúmbia teve que se adaptar
às novas exigências estético/musicais, segundo D’Amico,
“La cumbia llevando en su interior una fuerte huella africana, fue
reinterpretada en forma estilizada por las grandes orquestras de los años Cuarenta
y Cincuenta para hacerla más accesible (estéticamente) y más aceptable
(socialmente) a la clase media, en el interior del país y para promover su difusión
a nivel internacional” (D’Amico, 2011, p.06).
O autor argumenta que, mesmo com as mudanças significativas
que a cúmbia sofreu em suas características, ainda hoje as diferenças entre a cúmbia
produzida na costa colombiana de forma tradicional e a cúmbia produzida em
outras regiões, bem ao gosto da classe média, são imensas.
Desde as décadas de 1970/80, com uma forte pitada
de salsa e novos arranjos a cúmbia, como que se prepara para, a partir dos anos
1980-1990, tornar-se um grande fenômeno musical para exportação, com grande
ressonância nos Estados Unidos da América e parte da Europa.
“En los años Ochenta, la cumbia tuvo una notable resonancia en North
América en forma ‘salsera’ gracias al cantante colombiano Joe Arroyo (ex-grupo
Niche) y en Europa bajo forma di chucuchucu con la canción La Colegiada adoptada
come jingle para una espacio publicitario de una conocida marca de café. Sin
embargo, es sobretodo con Totó La Momposina (alias Sonia Bazanta) que la música
costeña e ribereña traspasa las fronteras nacionales, gracias al festival
itinerante WOMAD y la producción discográfica del sello REAL WORLD de Peter
Gabriel”.
Nesta mesma época – graças, sobretudo ao tempero
cubano com novos e modernos arranjos musicais - em vários outros países a
cúmbia será tocada e cantada, tornando-se assim, um fenômeno musical
sul-americano.
No caso do Panamá, território que foi desmembrado
da grande Colômbia:
“(…) a cúmbia
é encontrada em todo o território e, para cada localidade, possui um ‘sotaque’
próprio. Essa capacidade de adaptação e penetração possibilita que a cúmbia
seja popular e de fácil assimilação. Sua existência como produto da cultura
panamenha também é revelada pela análise do contexto sócio-cultural, que
forneceu subsídios sobre os elementos identitários que contribuíram para
evidenciar que existe uma cúmbia panamenha” (Pitre Vasquez, São Paulo, 2008, 151 folhas, p.09).
Ainda segundo Pitre Vasquez, mesmo com a
presença norte americana no Panamá, quando a cúmbia dava a impressão de
desaparecimento, suprimida por medidas proibitivas, pequenos grupos resistiram
e logo depois reapareceram fortalecidos, se bem que em 1980-1990, havia uma
tendência à imitação de estilos e gêneros musicais com influência
porto-riquenha, dominicana e colombiana (Pitre Vasquez, São
Paulo, 2008, 151 folhas, p.10).
Porém este fato, segundo o autor, adicionou
novos elementos ao paradigma da cúmbia, como tradicionalmente conhecida,
enriquecendo, reafirmando e fortalecendo a cúmbia neste período marcado por
fusões musicais que produziram mutações estéticas e conceituais, algumas delas
se assemelhando com o estilo colombiano, mas também com características/influências
do “danzón” cubano, portanto, mesmo recebendo influências várias a cúmbia
panamenha conseguiu manter-se com características próprias do Panamá, tanto que
Pitre Vasquez na sua tese, em vários momentos estará reivindicando e afirmando
a existência de uma cúmbia panamenha.
Na Argentina, segundo o antropólogo e
sociólogo Darío Blanco, em uma recente entrevista[xiii],
há quinze tipos de cúmbia, mas pelo que constatamos em nossas pesquisas a forma
mais popular, inclusive observada mais amiúde pelos estudiosos, é a polêmica,
“cumbia villera”, que desde a década de 1990 vem crescendo, tendo como seu
ápice a primeira década deste século XXI, mais precisamente o ano de 2001.
Suas letras abordam as experiências e situações cotidianas, dificuldades
enfrentadas pelos moradores das “villas”
vulneráveis, bem como a discriminação e rejeição sofrida, por parte das elites.
Para estas
elites, a qual se refere a “cumbia villera”, os sujeitos integrantes destes
bairros carentes são considerados perigosos, pois pertencem a um espaço “villas” repleto de maus hábitos, crimes,
drogas e prostituição, ou seja, estas villas,
são consideradas pelas elites, inadequadas para se viver em sociedade.
Para a
historiadora argentina Carolina Montero:
“En Argentina, la década de los noventa, representada por
los gobiernos de Carlos Saúl Menem (1989 – 1999), es pensada desde la Historia
Reciente como un bloque caracterizado por la implantación del modelo neoliberal
en concordancia con las políticas impuestas por organismos internacionales como
el Fondo Monetario Internacional. En nuestro país, estas políticas desembocaron
en una fuerte exclusión de las clases medias y populares. Es el momento en que
proliferan los asentamientos de emergencia, la desocupación alcanza cifras
inimaginables y la desestructuración de los marcos sociales de referencia como
lo eran la escuela o el trabajo se desintegran. En este contexto, ciertos
grupos populares, buscan recrear sus identidades por medio de un estilo musical
surgido en las villas de emergencia del conurbano bonaerense: la cumbia villera”[xiv].
Desta forma vemos que,
aparentemente, a cumbia villera torna-se
uma forma artística que visa denunciar as mazelas sofridas pelas populações villeras, que veem nas suas letras
cheias de apologias a delitos, uma espécie de resistência ao politicamente
correto, convencionado pelas elites.
A
doutora em letras, Maria Laura Pardo assinala que a cumbia villera atua em oposição a tudo que os outros estilos de
músicas, inclusive outros estilos de cúmbia representa, neste sentido a autora
dirá que:
“a cumbia
villera en contrapartida, por un lado, viene a dar su presente en el mundo del
espectáculo de la vida social y política de nuestro país, mostrando así a toda
la comunidad la existencia de una vida opuesta a lo lujoso y opulento de toda
esa década y, por otro, señala lo que quedó como resultado de esa exhibición:
una vida a la miseria, el delito y la desesperación.[xv]”
Vemos que diante deste contexto
de exclusão é que músicos villeros
tentarão encontrar novos espaços subjetivos que lhes permitam recriar novas
identidades coletivas, partindo de algo presente no cotidiano – a cúmbia
tradicional – transformando-a e lhe dando novas dinâmicas e novas funções ao
ato de cantar, dançar e se confraternizar.
Segundo Marcelo Guardia Crespo, na Bolívia existem várias comunidades
tradicionais, tais como os Quechuas e Aymarás que ainda conservam suas culturas
de forma que sejam pouco influenciadas pela cultura ocidental, principalmente
conservam conteúdos que tem a ver com cosmovisões milenares, afinal estas
comunidades sempre tiveram uma relação diferente com a natureza, bem como o
mundo místico, uma relação não fragmentada, onde homem, natureza e o sagrado
estão intrinsecamente ligados.
Entretanto outras
manifestações artístico/musicais aderiram ao que o autor chamará de
neo-folclore, uma forma cultural para consumo massivo e é nesta categoria que
Guardia encaixará a cúmbia boliviana, vejamos:
“De estas líneas de producción en el mundo mestizo,
debemos destacar por su importância y representatividad, no sólo como
producción sino también por lo que representa económica y culturalmente, en
primer lugar a la “Cumbia boliviana” o chicha, porque es en este campo donde se
produce más que en cualquier otro en la música nacional, porque es también allí
donde se encuentran los más interesantes productos de hibridación creativa, y
también porque es donde más existe actividad musical , movimiento económico y
por tanto actividad cultural”[xvi].
Nota-se que a
cúmbia boliviana esta fortemente ligada à produção econômica e cultural,
diferentemente da música chamada autóctone dos Quechuas e dos Aymarás que ainda
– em grande medida – persistem em contemplar temáticas ritualísticas e/ou
naturalistas.
No caso da
cúmbia boliviana, diferentemente da cumbia villera argentina, não há um apelo
ideológico, nem engajamento político/musical/social, o que leva o autor a
ressentir a falta de objetividade no tocante a utilização da arte, “por cuanto se podría afirmar que carece de
sentido educativo o conscientizador que también muchos sectores esperan
encontrar en el arte”[xvii].
Vale ainda
ressaltar que neste período a cúmbia boliviana, bem como a equatoriana e a
paraguaia vão aderir – não em sua totalidade - ao que veio ser chamado de
tecnocumbia que o sociólogo Alfredo Santillán e o antropólogo Jacques Ramirez
definirão da seguinte forma:
“La tecnocumbia no es un
género musical del todo homogéneo. Existen diferentes formatos en torno a la
instrumentación y, sobre todo, a los arreglos musicales, pero es la base rítmica
la que de alguna forma define el agrupamiento de las canciones compuestas bajo este
formato. Es decir, es sobre los cimientos de la cumbia clásica más la
incorporación de instrumentos como el sintetizador, tumba y batería
electrónicas, de donde surge este híbrido conocido actualmente como
tecnocumbia. Además, este género se ha apoyado en otros ritmos de la región
para su masificación y aceptación”[xviii].
É exatamente
esta cúmbia que chega a Cáceres-MT, no final da década de 1980.
Nesta época
vários grupos musicais brasileiros faziam incursões à Bolívia, mais
precisamente nas cidades de San Matias, Ascención, San Vicente e San Ignácio de
Velasco e tinham contato com vários estilos ou gêneros de músicas bolivianas,
sendo que os mais populares eram cúmbias,
taquiraris e cuecas.
Mas o estilo
que mais sobressaia era, sem dúvida, a cúmbia ou tecnocúmbia.
O grupo
musical de Cáceres-MT que mais trabalhava na Bolívia e consequentemente quem
tinha mais contato com a cultura boliviana era “Paulinho e seus rapazes”,
sempre que voltavam da Bolívia traziam fitas cassetes de vários grupos tais
como, “Grupo Brindys”, Los Bronco, Grupo Moroyu de Bolívia, e vários outros que
faziam sucesso na época, principalmente entre os jovens.
O público
boliviano que contratava os serviços de grupos musicais brasileiros começou a
exigir que ao menos as músicas mais populares fossem executadas pelos mesmos.
Fato este que
já acontecia com os grupos musicais bolivianos, ou seja, mesmo sem a exigência
do público brasileiro de que deveriam inserir em seu repertório músicas
brasileiras - aliás, acontecia o contrário, o público cacerense exigia que os
grupos musicais bolivianos executassem músicas de seu país de origem – os
músicos bolivianos sempre traziam em seu repertório algumas músicas do
cancioneiro popular brasileiro.
Daí por diante vários grupos musicais cacerenses
começaram a incluir em seu repertório as cúmbias que faziam sucesso nesta faixa
de fronteira, um dos primeiros músicos a cantar cúmbia em Cáceres-MT, foi Fábio
Senatore Vargas Rodrigues, vários outros músicos o seguiram, Marcelinho, Zezé
Dias, Cleumir e Cleomar, Santos e Amarildo, Nato de Souza, Ases do Forró, etc.,
de forma que hoje, principalmente em Cáceres e Porto Esperidião, é quase
inconcebível um baile sem uma boa seleção de cúmbias, talvez pela proximidade,
visto que de Cáceres a San Matias, são apenas 128 km, e Porto Esperidião dista
apenas 211 km da mesma, sem contar outras pequenas cidades bolivianas situadas
nesta rota.
É
importante notar que a cumbia que adentra ao Brasil por este lado da fronteira
oeste, chega a nós “despojada de signos”, não se trata da cumbia como
originalmente concebida na Colômbia, tocada com tambores africanos e flautas
simbolizando a síntese de um povo, nem mesmo como a cumbia villera argentina,
carregada de discursos ideológicos, mas como uma música que cumpre uma das suas
primordiais funções, função que já estava contido em sua gênese, à espreita em
seu embrião, presente no vocábulo “Cumbe” ou “Kumbé”, que é designativo de festa.
Vemos que, apesar da existência de uma fronteira e
um idioma diferente e ambos serem fortes símbolos delimitadores de um território
físico, a cultura, neste momento, estava encontrando um meio de “burlar” estas
delimitações, estava a procurar espaços de porosidade, fendas, brechas por
entre as fimbrias dos dispositivos legais por onde irá adentrar nos respectivos
países – a cultura brasileira adentra a Bolívia e a cultura boliviana adentra
ao Brasil.
CONCLUINDO.
A
intenção primeira deste trabalho, como anunciado em sua introdução, é,
principalmente, recolher algumas fontes e apontar algumas possibilidades de
articular o discurso historiográfico ao discurso cultural/musical neste espaço
de fronteira extraordinariamente dinâmico e complexo.
A
descrição de alguns aspectos da cúmbia e o que ela representa, principalmente
na America do sul, pode ser a ponta do iceberg
para percebermos o quanto a cultura sul-americana é rica, dinâmica e o
quanto podemos ser ajudados por ela para entendermos outros aspectos, sociais,
culturais, econômicos, políticos, etc.
Enquanto
pesquisávamos, pudemos observar que nesta trama historiográfica sobre a cúmbia
em Cáceres-MT, consequentemente, na fronteira oeste, existem várias lacunas a
ser preenchidas, sentimos falta de ouvir outras vozes, tais como, os músicos
que incorporaram este estilo musical ao seu repertório; as pessoas que bailam
este ritmo, sem importarem se esta é a forma correta de bailar a cúmbia;
pessoas que mesmo sem bailar, compram CDs e DVDs, apenas pra ouvir ou assistir;
como essas pessoas se apropriam desta expressão cultural no seu cotidiano, enfim,
uma maior polifonia de vozes, ressonâncias, reverberações…
PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO.
FALS
BORDA, Orlando. HISTÓRIA DOBLE DE LA
COSTA: Resistencia em el San Jorge, Bogotá: Carlos Valencia. Editores, 1986.
GUARDIA,
Crespo Marcelo. “MÚSICA FOLKLÓRICA EN LA
INDUSTRIA CULTURAL” In: Revista Internacional de FOLKCOMUNICAÇÃO – Nº 1.
(UniCEUB/IESB)/Severino Alves de Lucena Filho (UFPB), 2003. Disponível em: http://www2.metodista.br/unesco/revistafolkcom/Revista.pdf
- Acesso em: 01/04/2013.
BLANCO,
Dario. “La cumbia es vertebradora” In:
http://elpais.com/diario/2011/10/15/paisvasco/1318707613_850215.html - Acesso
em: 28/03/2013
JIMÉNEZ GONZÁLEZ, María del Pilar - Disponível
em: http://cumbia.info/index.html - Acesso em: 28/03/2013
MONTERO, Carolina. “CUMBIA VILLERA Y NEOLIBERALISMO: el caso argentino” In: Revista de Claseshistoria – Publicación
digital de Historia e Ciencias Sociales, artículo 183, Fevereiro 2011. Disponível em: http://www.claseshistoria.com/revista/2011/articulos/montero-cumbia.pdf
- Acesso em: 14/04/2013
PARDO, María Laura. “ANÁLISIS CRÍTICO DEL DISCURSO DE LA CUMBIA VILLERA.
Consecuencias del neoliberalismo y la posmodernidad en la Argentina” In:
Vallejos Llobet, Patricia (Coord.). Los
estudios del discurso. Nuevos aportes desde la investigación en la
Argentina. Buenos Aires: Aled, 2007.
SANTILLÁN, Alfredo; RAMÍREZ Jacques. “CONSUMOS CULTURALES URBANOS: el caso
de la tecnocumbia en Quito” In: ÍCONOS, No. 18. Quito: Flacso-Ecuador, 2004, p. 43-52. Disponível em: http://www.flacso.org.ec/docs/santillan-ramirez18.pdf
- Acesso em: 28/03/2013.
Resumo:
Neste trabalho pretendemos pesquisar como se deu a “origem” da “cúmbia” -
manifestação cultural da costa caribenha; Pretende-se, ainda, mesmo que brevemente
descrever e historicizar os seus possíveis trajetos bem como as resignificações
que em alguns países onde a cúmbia foi “recebida”, tiveram. Em certos casos
notamos que este estilo musical, como tantos outros, com o tempo e a sua
difusão, foi incorporando vários elementos de outras culturas e ganhando uma
característica própria, algumas impostas pela indústria cultural de massa e,
outras mudanças que se deram sutilmente, pela própria dinâmica de cada país
onde a cúmbia se inseriu como manifestação artística e/ou cultural; Por último,
pretendemos investigar a inserção deste estilo musical no repertório de baile
cacerense, bem como a sua aceitação no meio musical e sociocultural.
NOTAS.
[i] Timothy Garton Ash, História do Presente, Lisboa, Editorial
Notícias, 2001, p.17.
[ii] HOBSBAWM, Eric.
O presente como história. In: HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p. 244.
[iii] Vale lembrar que
este estilo musical não se restringiu somente a Cáceres, logo se espalhou e,
ainda hoje se dança cúmbia em Cáceres, Porto Esperidião, Pedro Neca e Vila
Cardoso. Na década de 1990, o grupo musical “Pantanal” da cidade de San Matias,
fazia várias apresentações em Cáceres e Mirassol D’Oeste.
[iv] Tendo em vista
que, por um lado, o encontro/mistura de gêneros musicais são chamados de fusão
e de outro, o encontro/mistura étnico é chamado de mestiçagem, creio que a
aplicação de “fusão/mestiçagem” é a mais apropriada, pois este encontro, não
apenas acarretou mudanças significativas na música, como também, nos hábitos
culturais dos três povos que se amalgamaram.
[v] Derivada del vocablo africano "Cumbé" que significa jolgorio o
fiesta. La cumbia es un ritmo Colombiano por excelencia, cuyo origen parece
remontarse alrededor del siglo XVIII, en la costa atlántica de este país, y es
el resultado del largo proceso de fusión de tres elementos etnoculturales como
son los indígenas, los blancos y los africanos, de los que adopta las gaitas,
las maracas y los tambores. JIMÉNEZ
GONZÁLEZ, María del Pilar - Disponível em: http://cumbia.info/index.html - Acesso em: 28/03/2013
[vii] FALS BORDA, Orlando. HISTÓRIA DOBLE DE LA COSTA: Resistencia em el San
Jorge (III) Carlos Valencia. Editores, Bogotá, 1986.
[viii] PITRE VÁSQUEZ,
Edwin Ricardo. VEREDAS SONORAS DA CÚMBIA PANAMENHA: estilos e mudança de
paradigma – São Paulo, 2008, 151 folhas.
[ix] GUARDIA, Crespo Marcelo. MÚSICA FOLKLÓRICA EN
LA INDUSTRIA CULTURAL – In. Revista Internacional de
FOLKCOMUNICAÇÃO – Nº 1, Editores: Antonio Teixeira de Barros
(UniCEUB/IESB)Severino Alves de Lucena Filho (UFPB), 2003. Disponível em: http://www2.metodista.br/unesco/revistafolkcom/Revista.pdf - Acesso em: 01/04/2013.
[xi] STAROBINSKI, Jean. As máscaras
da civilização: ensaios. (Trad. Maria Lúcia Machado). São Paulo: Companhia
das Letras, 2001. p.32.
[xii] GIRALDO, Consuelo Posada.
MÚSICA Y VERSOS POPULARES DEL CARIBE COLOMBIANO EN EL IMAGINARIO NACIONAL – Colombia
e el Caribe / XIII Congreso de colombianistas. Varios autores.- Barranquilla:
Ediciones Uninorte, 2005. 520 p.
[xv] PARDO, María
Laura. ANÁLISIS CRÍTICO DEL DISCURSO DE LA CUMBIA VILLERA. Consecuencias del
neoliberalismo y la posmodernidad en la Argentina, en Vallejos Llobet, Patricia
(Coord), Los estudios del discurso. Nuevos aportes desde la investigación en la
Argentina, Aled, Buenos Aires, 2007, pág. 121.
[xvi] GUARDIA, Crespo
Marcelo. MÚSICA FOLKLÓRICA EN LA INDUSTRIA CULTURAL – In. Revista Internacional de FOLKCOMUNICAÇÃO – Nº
1, Editores: Antonio Teixeira de Barros (UniCEUB/IESB)Severino
Alves de Lucena Filho (UFPB), 2003. p. 11. Disponível em: http://www2.metodista.br/unesco/revistafolkcom/Revista.pdf - Acesso em: 01/04/2013.
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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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