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terça-feira, 8 de julho de 2014

A concepção pedagógica de filosofia no Ensino Médio.


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 5, Volume jul., Série 08/07, 2014, p.01-05.

 

Fábio Pestana Ramos.

Doutor em história social - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em história - CEUCLAR.
Licenciado em filosofia - FE/USP.
Bacharel em filosofia - FFLCH/USP.



Quando o estudante recém-formado no Ensino Médio chega à Universidade, principalmente cursando uma licenciatura, tem um grande choque, sente-se lançado de paraquedas em um mundo totalmente alheio a sua realidade.

O que acontece mesmo quando este teve contato com a filosofia anteriormente na sua trajetória escolar.

O pensamento que passa pela cabeça é de que a filosofia que lhe foi ensinada pelo seu professor do Ensino Médio é totalmente diferente do que os docentes universitários abordam.

Pensa: afinal, o que é filosofia?

Uma questão penosa de ser respondida, mas cuja resposta faz-se essencial, remetendo ao âmago de questões recorrentes no ensino de filosofia no nível médio.

Para responder a indagação é necessário analisar a concepção de ensino de filosofia no Ensino Médio, o que, indiretamente, permite uma comparação com abordagem universitária.

 

Erros recorrentes no Ensino Médio.

Alguns professores de filosofia no Ensino Médio, talvez a maior parte da categoria, consideram correto deixar de lado os grandes pensadores da história da filosofia, abordando questões políticas, morais, sexuais, etc.

Outros relacionam a disciplina com atualidades e fazem da aula um centro de desabafo para extravasar os problemas pessoais dos alunos e discuti-los.

Poucos consideram a filosofia como preparadora para a vivência universitária e abordam o ensino e discussão dos sistemas de pensamento dos filósofos clássicos.

A primeira abordagem traz um grande beneficio e um enorme inconveniente.

É benéfico conscientizar e formar cidadãos, tentando livrar o educando da alienação e, de fato, não se pode negar que também é função da filosofia discutir as questões atuais; mas esta é uma obrigação não só da filosofia, mas sim de todas as disciplinas ministradas no Ensino Médio, sejam quais forem.

Traz ainda o maleficio de deixar de lado os clássicos pelos quais o educando poderia se familiarizar com o que lhe será exigido no nível superior.

Aquilo que poderia ser útil em qualquer segmento de atuação profissional: o rigor da reflexão filosófica expressa através das grandes temáticas que afligem a humanidade em qualquer época e lugar.

O segundo conceito de ensino traz igualmente um aspecto positivo e negativo.

Discutir os problemas vivenciados no cotidiano do educando é hoje função da escola, visto que a família e a sociedade encontram-se em estado anômico, enfrentando crescente desestruturação e carecendo de parâmetros balizadores de um comportamento ético de respeito e tolerância para com o outro.

No entanto, a despeito da filosofia se prestar a este papel indiretamente através do estudo dos clássicos, os quais em muitos casos terminam por abordar os anseios do educando no que diz respeito às questões universais, vinculadas com problemas existenciais e afins.

O espaço mais apropriado para discutir as inquietações pessoais está circunscrito à psicologia, o que poderia e deveria ser resolvido com a permanência desta disciplina na grade do Ensino Médio.

Obviamente, o que exigiria uma carga horária mais ampla e outra estrutura organizacional, remetendo a outra questão que ainda cabe discutir com mais profundidade e que não será aqui abordada. 

Finalmente a terceira abordagem, aquela menos usual entre os professores, deixa claro que a filosofia é indissociável da educação em sentido amplo.

Estudar os clássicos da filosofia permite ao educando se familiarizar com a argumentação lógica, iniciar a trajetória a ser trilhada na Universidade que exige rigor cientifico e articulação racional do pensamento.

Porém, não se pode negar que estudar os clássicos de forma árida, deixando de lado o debate dos problemas contemporâneos, esvazia o sentido original da filosofia de busca da verdade por trás dos fatos apresentados ao senso comum pela mídia de massa e a sociedade.

A solução para este complexo dilema encontra-se mais alcançável do que poderia ser imaginado, está ao alcance do professor e de sua vivência diária em sala de aula.

 

A solução para aprimorar o ensino de filosofia no nível médio.

A abordagem da filosofia no Ensino Médio deveria mesclar o estudo dos clássicos com discussões contemporâneas voltadas a formação da cidadania e de sujeitos éticos.

Associar os benefícios de cada estilo de abordagem educacional da filosofia, excetuando discussões pessoais que caem no vazio, deveria ser o objetivo do professor, tornando as aulas úteis em sentido imediato e futuro.

Em certa ocasião, em aula ministrada no bacharelado em filosofia na Universidade de São Paulo, o professor Franklin Leopoldo e Silva ressaltou:

“Quando o aluno chega ao 2º. Grau, ele em geral está numa faixa etária em que se colocam de forma crítica questões relacionadas à formação, isto porque o aluno, em geral, se encontra num estágio de tomada de consciência de si próprio como indivíduo”.

Portanto, o ensino de filosofia, ao mesmo tempo em que não pode deixar de lado os clássicos, não pode dissociar estes clássicos das questões contemporâneas, prestando-se também a formação da cidadania.

Neste sentido, o ensino de filosofia não pode estar desvinculado da realidade do educando, o que remete aos clássicos, a despeito de não parecer tão óbvio que textos escritos há séculos abordam as mesmas questões de hoje.

Como coloca Jean Maugüé, a filosofia começa com o conhecimento dos clássicos, sem os quais toda filosofia ensinada não é propriamente filosófica.

A leitura dos clássicos da filosofia propicia ao educando um exercício de interpretação de textos mais do que bem vindo e útil à todas as disciplinas ministradas no Ensino Médio.

Não obstante, poderia-se objetar que o ensino de filosofia exigiria dispensar os clássicos, uma vez que, como salientou Kant, a filosofia não se ensina.

Afirmação que não deixa de ser verdadeira, mas ignora que, embora a filosofia não se ensine, é função do professor da disciplina ensinar a filosofar.

Só se aprende a filosofar exercitando a técnica filosófica de interpretação de textos filosóficos, ou seja, através da leitura dos clássicos, os quais deveriam no mínimo ser discutidos em sala de aula.

A meta do ensino de filosofia no nível médio é, e só poderia ser, ensinar a pensar especulativamente em sentido racional e lógico.

O que não significa ensinar o conteúdo dos clássicos, a expressão e entendimento de cada autor, mas sim transmitir o conteúdo da história da filosofia através de interpretações de, se não textos completos, trechos de clássicos, amparados por comentadores.

O objetivo deveria ser instrumentalizar o educando na sua própria interpretação dos clássicos, não se tratando de transmitir conteúdos, até porque isto será efetivado na Universidade.

 

A interpretação dos textos filosóficos.

Alguns objetam que a interpretação de textos filosóficos no Ensino Médio é impossível na prática, uma vez que a filosofia teria uma importância menor na grade do Ensino Médio, não possuindo objeto próprio.

Esta premissa parte da crença de que o ensino de filosofia não pode ser anterior à aquisição de erudição, devendo colocar-se depois desta dita aquisição.

Não existe nada maia falso, o conhecimento filosófico é formador de toda e qualquer área cientifica, é formador de absolutamente tudo e origem de todo conhecimento humano existente.

A filosofia expressa o conhecimento da totalidade, formando sistemas que unem todas as ciências e práticas, representando a busca pela verdade especulativa e uma tentativa maior de entender a realidade de maneira integral, interdisciplinar e transdisciplinar.

Aprender a ler os clássicos e interpretar textos filosóficos, mesmo que trechos, é a melhor forma de adquirir erudição.

O que remete ao aprendizado das técnicas filosóficas, a despeito de que não se aprende filosofia, visto que a leitura dos clássicos permite uma inegável ampliação da capacidade imaginativa, do domínio da língua, da diversidade histórico-cultural e da formação de valores éticos.

 

Por que aprender a filosofar?

Aprender a filosofar é transitar pelas aparências e pela relatividade, separar aquilo que é relativamente daquilo que é absoluto.

É justamente este o papel da instrumentalização do educando na interpretação de textos filosóficos.

O termina se mostrando em perfeita harmonia com as necessidades do educando no Ensino Médio de conhecer melhor a si mesmo e ao mundo ao se redor.

Filosofar instrumentaliza o educando a enxergar além das aparências do senso comum, formando o cidadão não alienado.

Bergson ressaltou que a filosofia é principalmente ciência e arte de elaborar questões, não existe nenhum outro conhecimento humano mais adequado para abrir os olhos do individuo para enxergar por trás das aparências do que o questionamento.

O que coloca em evidência um novo problema: como provocar discussões sobre assuntos contemporâneos através da leitura dos clássicos da filosofia?

 

Filosofia e discussões de temas contemporâneos.

A leitura atenta de textos filosóficos permite um exercício de abstração e reflexão racional, induzindo a um questionamento estimulado pela própria compreensão da problematização.

O ponto comum ao argumento de cada texto é o trabalho do pensamento das particularidades contingentes, individuais e culturais, da opinião e ideologia, em tripla dimensão abordando o uso do conceitual critico e racional contido na escrita.

Não obstante, pode a filosofia ser uma disciplina formadora de um questionar interior e exterior do educando, além de um instrumental de leitura de textos filosóficos e do mundo exterior?

Seria ilusão pensar que a filosofia deveria ter prioridade para os alunos sobre todas as outras disciplinas do Ensino Médio?

A filosofia é a mãe de todas as outras disciplinas, integra seus conteúdos e discuti, através dos clássicos, questões de matemática, física, química, biologia, sociologia, história, etc.

Portanto, a filosofia deveria ser central e centralizadora não só na grade do Ensino Média, mas também no Ensino Fundamental e Superior.

O que infelizmente não ocorre, ao inverso é vista como apenas uma disciplina menor, não formadora, mas informadora.

Em grande parte, esta concepção é tributária da ausência de uma postura que mescle teoria e prática no âmbito do ensino de filosofia em todos os níveis, por sua vez relacionada com o tratamento dispensado à disciplina pelo próprio professor.

O professor de filosofia deveria ser um articulador de conteúdos, relacionando o filosofar com os clássicos e a realidade contemporânea, adentrando problemas universais que afligem a humanidade.

Agindo assim, o professor estaria preparando o educando para lidar com sua realidade presente e futura.

 

Concluindo.

Poderia-se objetar que é inútil, no Brasil, preparar o educando para o ingresso no nível superior, dado que, ainda hoje, uma pequena parcela da população brasileira consegue passar pelo funil educacional.

Além deste discurso parecer um tanto marxista e bastante desatualizado, nivelar os educandos com base em parâmetros de baixa expectativa é colocar-se em uma situação de conformismo improdutivo.

Considerando a crescente ampliação do acesso a Universidade, independente da má qualidade de ensino oferecida pela maioria das instituições, preparar o educando para o ingresso no nível superior é, ao mesmo tempo, fomentar seu ingresso ao estimula-lo.

Não podemos esquecer que a filosofia é formadora inicial e informal de todas as formações e, assim, presta relevante serviço ao estímulo do educando para prosseguir seus estudos continuamente.

Portanto, a filosofia no Ensino Médio, somente neste nível porque no Brasil a disciplina não é obrigatória no Fundamental, não pode deixar de exercitar o rigor filosófico por meio da leitura dos clássicos.

É essencial instrumentalizar o educando através de uma leitura atenta, lenta, contínua e mediada; independente dos conhecimentos prévios, tendo como meta a formação da erudição necessária ao ingresso no nível superior.

Uma concepção pedagógica de ensino que não pode estar desvinculada da prática, devendo ligar-se diretamente com a realidade do cotidiano interior e exterior do educando.

O que não pode se confundir com uma sessão de terapia em grupo, pois sua função não é esta.

Apesar disto, o ensino de filosofia deve ser pessoal, tanto por parte do educando como do professor, porque o sucesso do processo educacional passa pela relação professor-aluno.

No Ensino Médio, a filosofia deve ter como objetivo preparar o educando para viver sua realidade presente, mas, sobretudo, fomentar um futuro na Universidade e, por sua vez, na vida profissional e cívica do aluno como cidadão.

É preciso pensar em formar cidadãos conscientes de seus deveres e direitos, respeitadores da diversidade, livrando os indivíduos da alienação.

Só assim poderemos ter uma sensível melhoria na qualidade do Ensino Médio e, a reboque, universitário; formando um circulo virtuoso de elevação da educação a parâmetros qualitativos crescentemente mais elevados.

 

Para saber mais sobre o assunto.

ARANHA, Maria Lucia Arruda & MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de filosofia. São Paulo: Moderna, 1992.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994.

LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, s.d.

MAUGÜÉ, Jean. “O ensino da filosofia e suas diretrizes” In: Núcleo de estudos Jean Maugüé. São Paulo: Novembro de 1996.

MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. Lisboa: Dom Quixote, s.d.

ROSS, D. Aristóteles. Lisboa: Dom Quixote, s.d.

SILVA, Franklin Leopoldo. “Currículo e formação: o ensino da filosofia” In: Síntese nova forma, v.20, n.63. Belo Horizonte: s.d.

SILVA, Franklin Leopoldo. “Por que filosofia no 2º. Grau” In: Estudos Avançados 6 (14). São Paulo: 1992.

TASSIN, Étienne. “O valor formador da filosofia” In: Tradução de Renata Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Apostila, s.d.

 

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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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