Para entender a
história... ISSN 2179-4111. Ano 5, Volume jul., Série 08/07,
2014, p.01-05.
Fábio Pestana Ramos.
Doutor em história
social - USP.
MBA em Gestão de
Pessoas - UNIA.
Licenciado em história
- CEUCLAR.
Licenciado em filosofia
- FE/USP.
Bacharel em filosofia -
FFLCH/USP.
Quando o estudante recém-formado no Ensino Médio
chega à Universidade, principalmente cursando uma licenciatura, tem um grande
choque, sente-se lançado de paraquedas em um mundo totalmente alheio a sua
realidade.
O que acontece mesmo quando este teve contato com a
filosofia anteriormente na sua trajetória escolar.
O pensamento que passa pela cabeça é de que a
filosofia que lhe foi ensinada pelo seu professor do Ensino Médio é totalmente
diferente do que os docentes universitários abordam.
Pensa: afinal, o que é filosofia?
Uma questão penosa de ser respondida, mas cuja
resposta faz-se essencial, remetendo ao âmago de questões recorrentes no ensino
de filosofia no nível médio.
Para responder a indagação é necessário analisar a
concepção de ensino de filosofia no Ensino Médio, o que, indiretamente, permite
uma comparação com abordagem universitária.
Erros
recorrentes no Ensino Médio.
Alguns professores de filosofia no Ensino Médio,
talvez a maior parte da categoria, consideram correto deixar de lado os grandes
pensadores da história da filosofia, abordando questões políticas, morais,
sexuais, etc.
Outros relacionam a disciplina com atualidades e
fazem da aula um centro de desabafo para extravasar os problemas pessoais dos
alunos e discuti-los.
Poucos consideram a filosofia como preparadora para
a vivência universitária e abordam o ensino e discussão dos sistemas de
pensamento dos filósofos clássicos.
A primeira abordagem traz um grande beneficio e um
enorme inconveniente.
É benéfico conscientizar e formar cidadãos, tentando
livrar o educando da alienação e, de fato, não se pode negar que também é
função da filosofia discutir as questões atuais; mas esta é uma obrigação não só
da filosofia, mas sim de todas as disciplinas ministradas no Ensino Médio,
sejam quais forem.
Traz ainda o maleficio de deixar de lado os
clássicos pelos quais o educando poderia se familiarizar com o que lhe será
exigido no nível superior.
Aquilo que poderia ser útil em qualquer segmento de
atuação profissional: o rigor da reflexão filosófica expressa através das
grandes temáticas que afligem a humanidade em qualquer época e lugar.
O segundo conceito de ensino traz igualmente um
aspecto positivo e negativo.
Discutir os problemas vivenciados no cotidiano do
educando é hoje função da escola, visto que a família e a sociedade
encontram-se em estado anômico, enfrentando crescente desestruturação e
carecendo de parâmetros balizadores de um comportamento ético de respeito e
tolerância para com o outro.
No entanto, a despeito da filosofia se prestar a
este papel indiretamente através do estudo dos clássicos, os quais em muitos
casos terminam por abordar os anseios do educando no que diz respeito às
questões universais, vinculadas com problemas existenciais e afins.
O espaço mais apropriado para discutir as
inquietações pessoais está circunscrito à psicologia, o que poderia e deveria
ser resolvido com a permanência desta disciplina na grade do Ensino Médio.
Obviamente, o que exigiria uma carga horária mais
ampla e outra estrutura organizacional, remetendo a outra questão que ainda
cabe discutir com mais profundidade e que não será aqui abordada.
Finalmente a terceira abordagem, aquela menos usual
entre os professores, deixa claro que a filosofia é indissociável da educação
em sentido amplo.
Estudar os clássicos da filosofia permite ao
educando se familiarizar com a argumentação lógica, iniciar a trajetória a ser
trilhada na Universidade que exige rigor cientifico e articulação racional do
pensamento.
Porém, não se pode negar que estudar os clássicos de
forma árida, deixando de lado o debate dos problemas contemporâneos, esvazia o
sentido original da filosofia de busca da verdade por trás dos fatos
apresentados ao senso comum pela mídia de massa e a sociedade.
A solução para este complexo dilema encontra-se mais
alcançável do que poderia ser imaginado, está ao alcance do professor e de sua
vivência diária em sala de aula.
A
solução para aprimorar o ensino de filosofia no nível médio.
A abordagem da filosofia no Ensino Médio deveria
mesclar o estudo dos clássicos com discussões contemporâneas voltadas a
formação da cidadania e de sujeitos éticos.
Associar os benefícios de cada estilo de abordagem educacional
da filosofia, excetuando discussões pessoais que caem no vazio, deveria ser o
objetivo do professor, tornando as aulas úteis em sentido imediato e futuro.
Em certa ocasião, em aula ministrada no bacharelado
em filosofia na Universidade de São Paulo, o professor Franklin Leopoldo e
Silva ressaltou:
“Quando
o aluno chega ao 2º. Grau, ele em geral está numa faixa etária em que se
colocam de forma crítica questões relacionadas à formação, isto porque o aluno,
em geral, se encontra num estágio de tomada de consciência de si próprio como
indivíduo”.
Portanto, o ensino de filosofia, ao mesmo tempo em
que não pode deixar de lado os clássicos, não pode dissociar estes clássicos
das questões contemporâneas, prestando-se também a formação da cidadania.
Neste sentido, o ensino de filosofia não pode estar
desvinculado da realidade do educando, o que remete aos clássicos, a despeito
de não parecer tão óbvio que textos escritos há séculos abordam as mesmas
questões de hoje.
Como coloca Jean Maugüé, a filosofia começa com o
conhecimento dos clássicos, sem os quais toda filosofia ensinada não é
propriamente filosófica.
A leitura dos clássicos da filosofia propicia ao
educando um exercício de interpretação de textos mais do que bem vindo e útil à
todas as disciplinas ministradas no Ensino Médio.
Não obstante, poderia-se objetar que o ensino de
filosofia exigiria dispensar os clássicos, uma vez que, como salientou Kant, a
filosofia não se ensina.
Afirmação que não deixa de ser verdadeira, mas
ignora que, embora a filosofia não se ensine, é função do professor da
disciplina ensinar a filosofar.
Só se aprende a filosofar exercitando a técnica
filosófica de interpretação de textos filosóficos, ou seja, através da leitura
dos clássicos, os quais deveriam no mínimo ser discutidos em sala de aula.
A meta do ensino de filosofia no nível médio é, e só
poderia ser, ensinar a pensar especulativamente em sentido racional e lógico.
O que não significa ensinar o conteúdo dos
clássicos, a expressão e entendimento de cada autor, mas sim transmitir o
conteúdo da história da filosofia através de interpretações de, se não textos
completos, trechos de clássicos, amparados por comentadores.
O objetivo deveria ser instrumentalizar o educando
na sua própria interpretação dos clássicos, não se tratando de transmitir
conteúdos, até porque isto será efetivado na Universidade.
A
interpretação dos textos filosóficos.
Alguns objetam que a interpretação de textos filosóficos
no Ensino Médio é impossível na prática, uma vez que a filosofia teria uma
importância menor na grade do Ensino Médio, não possuindo objeto próprio.
Esta premissa parte da crença de que o ensino de
filosofia não pode ser anterior à aquisição de erudição, devendo colocar-se
depois desta dita aquisição.
Não existe nada maia falso, o conhecimento filosófico
é formador de toda e qualquer área cientifica, é formador de absolutamente tudo
e origem de todo conhecimento humano existente.
A filosofia expressa o conhecimento da totalidade,
formando sistemas que unem todas as ciências e práticas, representando a busca
pela verdade especulativa e uma tentativa maior de entender a realidade de maneira
integral, interdisciplinar e transdisciplinar.
Aprender a ler os clássicos e interpretar textos filosóficos,
mesmo que trechos, é a melhor forma de adquirir erudição.
O que remete ao aprendizado das técnicas filosóficas,
a despeito de que não se aprende filosofia, visto que a leitura dos clássicos
permite uma inegável ampliação da capacidade imaginativa, do domínio da língua,
da diversidade histórico-cultural e da formação de valores éticos.
Por
que aprender a filosofar?
Aprender a filosofar é transitar pelas aparências e
pela relatividade, separar aquilo que é relativamente daquilo que é absoluto.
É justamente este o papel da instrumentalização do
educando na interpretação de textos filosóficos.
O termina se mostrando em perfeita harmonia com as
necessidades do educando no Ensino Médio de conhecer melhor a si mesmo e ao
mundo ao se redor.
Filosofar instrumentaliza o educando a enxergar além
das aparências do senso comum, formando o cidadão não alienado.
Bergson ressaltou que a filosofia é principalmente
ciência e arte de elaborar questões, não existe nenhum outro conhecimento
humano mais adequado para abrir os olhos do individuo para enxergar por trás
das aparências do que o questionamento.
O que coloca em evidência um novo problema: como
provocar discussões sobre assuntos contemporâneos através da leitura dos
clássicos da filosofia?
Filosofia
e discussões de temas contemporâneos.
A leitura atenta de textos filosóficos permite um exercício
de abstração e reflexão racional, induzindo a um questionamento estimulado pela
própria compreensão da problematização.
O ponto comum ao argumento de cada texto é o
trabalho do pensamento das particularidades contingentes, individuais e
culturais, da opinião e ideologia, em tripla dimensão abordando o uso do
conceitual critico e racional contido na escrita.
Não obstante, pode a filosofia ser uma disciplina
formadora de um questionar interior e exterior do educando, além de um
instrumental de leitura de textos filosóficos e do mundo exterior?
Seria ilusão pensar que a filosofia deveria ter
prioridade para os alunos sobre todas as outras disciplinas do Ensino Médio?
A filosofia é a mãe de todas as outras disciplinas,
integra seus conteúdos e discuti, através dos clássicos, questões de
matemática, física, química, biologia, sociologia, história, etc.
Portanto, a filosofia deveria ser central e
centralizadora não só na grade do Ensino Média, mas também no Ensino
Fundamental e Superior.
O que infelizmente não ocorre, ao inverso é vista
como apenas uma disciplina menor, não formadora, mas informadora.
Em grande parte, esta concepção é tributária da
ausência de uma postura que mescle teoria e prática no âmbito do ensino de
filosofia em todos os níveis, por sua vez relacionada com o tratamento
dispensado à disciplina pelo próprio professor.
O professor de filosofia deveria ser um articulador
de conteúdos, relacionando o filosofar com os clássicos e a realidade
contemporânea, adentrando problemas universais que afligem a humanidade.
Agindo assim, o professor estaria preparando o
educando para lidar com sua realidade presente e futura.
Concluindo.
Poderia-se objetar que é inútil, no Brasil, preparar
o educando para o ingresso no nível superior, dado que, ainda hoje, uma pequena
parcela da população brasileira consegue passar pelo funil educacional.
Além deste discurso parecer um tanto marxista e
bastante desatualizado, nivelar os educandos com base em parâmetros de baixa expectativa
é colocar-se em uma situação de conformismo improdutivo.
Considerando a crescente ampliação do acesso a Universidade,
independente da má qualidade de ensino oferecida pela maioria das instituições,
preparar o educando para o ingresso no nível superior é, ao mesmo tempo,
fomentar seu ingresso ao estimula-lo.
Não podemos esquecer que a filosofia é formadora
inicial e informal de todas as formações e, assim, presta relevante serviço ao
estímulo do educando para prosseguir seus estudos continuamente.
Portanto, a filosofia no Ensino Médio, somente neste
nível porque no Brasil a disciplina não é obrigatória no Fundamental, não pode
deixar de exercitar o rigor filosófico por meio da leitura dos clássicos.
É essencial instrumentalizar o educando através de
uma leitura atenta, lenta, contínua e mediada; independente dos conhecimentos
prévios, tendo como meta a formação da erudição necessária ao ingresso no nível
superior.
Uma concepção pedagógica de ensino que não pode
estar desvinculada da prática, devendo ligar-se diretamente com a realidade do
cotidiano interior e exterior do educando.
O que não pode se confundir com uma sessão de
terapia em grupo, pois sua função não é esta.
Apesar disto, o ensino de filosofia deve ser
pessoal, tanto por parte do educando como do professor, porque o sucesso do
processo educacional passa pela relação professor-aluno.
No Ensino Médio, a filosofia deve ter como objetivo
preparar o educando para viver sua realidade presente, mas, sobretudo, fomentar
um futuro na Universidade e, por sua vez, na vida profissional e cívica do
aluno como cidadão.
É preciso pensar em formar cidadãos conscientes de
seus deveres e direitos, respeitadores da diversidade, livrando os indivíduos da
alienação.
Só assim poderemos ter uma sensível melhoria na
qualidade do Ensino Médio e, a reboque, universitário; formando um circulo virtuoso
de elevação da educação a parâmetros qualitativos crescentemente mais elevados.
Para
saber mais sobre o assunto.
ARANHA,
Maria Lucia Arruda & MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de filosofia. São Paulo: Moderna, 1992.
CHAUÍ,
Marilena. Convite à filosofia. São
Paulo: Ática, 1994.
LALANDE,
André. Vocabulário técnico e crítico da
filosofia. São Paulo: Martins Fontes, s.d.
MAUGÜÉ,
Jean. “O ensino da filosofia e suas diretrizes” In: Núcleo de estudos Jean
Maugüé. São Paulo: Novembro de 1996.
MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. Lisboa: Dom Quixote, s.d.
ROSS, D. Aristóteles.
Lisboa: Dom Quixote, s.d.
SILVA, Franklin Leopoldo. “Currículo e formação: o
ensino da filosofia” In: Síntese nova
forma, v.20, n.63. Belo Horizonte: s.d.
SILVA, Franklin Leopoldo. “Por que filosofia no 2º. Grau”
In: Estudos Avançados 6 (14). São
Paulo: 1992.
TASSIN, Étienne. “O valor formador da filosofia” In:
Tradução de Renata Maria Parreira
Cordeiro. São Paulo: Apostila, s.d.
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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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