Para entender a
história... ISSN 2179-4111. Ano 5, Volume jul., Série 13/07,
2014, p.01-07.
Aurélio de Moura
Britto.
Mestrando pelo
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco.
O estudo do fenômeno
histórico conhecido como peronismo tem suscitado uma série
de interpretações.
Desde
explicações dicotômicas que ora sobrevalorizam acriticamente as implementações
do governo de Perón, até posições igualmente frágeis que rejeitam qualquer
peculiaridade e avanço na política por ele implementada.
Assim
sendo, podemos constatar que estamos diante de um tema “muito controverso e polêmico” (PRADO, 1981, p.37).
Aqui
pretendemos discutir o contexto político nacional e internacional de suas
realizações, descrevendo e explicando momentos decisivos no processo de
ascensão e queda do peronismo.
Na
medida do possível, pretendemos ainda dimensionar aspectos inovadores e elencar
aspectos que guardam precedentes na História argentina em suas práticas
políticas.
O Golpe de 1943.
O
general Perón alcança a presidência da república em 1946, através de eleições
legais, conquanto, esteve diretamente envolvido com o golpe de estado urdido
três anos antes que inclusive o
credenciara a participar do pleito.
Liderado
por A. Rawson, logo substituído por Pedro Pablo Ramirez, ministro da guerra do
governo, o golpe que data de 4 de Junho de 1943 e tencionava, segundo nos
lembra Romero, obliterar “o vazio de poder existente.” (ROMERO, 1991, p.91)
De toda forma, convém pontuar que o golpe foi
desferido por um setor das Forças Armadas de caráter eminentemente
nacionalista, simpatizantes do Eixo na Segunda Guerra Mundial, e foi, ao menos,
visto com bons olhos por parte da oposição submetida a um gama de agruras e
arbitrariedades do governo.
Deste
modo, o golpe de 1943, assim como, o de 1930, era de tendência conservadora,
embora, o primeiro fosse oriundo de tendências “nacionalistas, expansionistas, era antiliberal e antidemocrático”. (PRADO,
1981, p.43).
Dentre
os membros oficiais que implementaram o golpe, progressivamente foi
conquistando notoriedade o general Juan Domingo Perón.
Depois
que Ramirez foi trocado por E. J. Farrell a Secretária de Trabajo e Previsión
foi conferida a Perón.
Segundo
Romero, “perspicácia e preocupação o
levaram a se dedicar a um ator social que, até então, era pouco levado em
conta: o movimento operário” (ROMERO, 1991, p. 93).
A
efetivação de políticas que versavam sobre a relação capital e trabalho
implicou um progressivo, porém, ininterrupto apoio dos trabalhadores a Perón.
Convém
explicitar que, segundo Romero, “desde o
começo do século eles [os trabalhadores] reconheciam o papel de central do
Estado nas relações com os patrões e se acostumaram a negociar com ele”
(ROMERO, 1991, p. 93), deste modo,
Perón expandiu os mecanismos do Estado como arbitro das relações que remontam
ao governo de Yrigoyen, entretanto, a proposta de Perón “radicalizou uma discussão já existente entre os dirigentes sindicais”
(ROMERO, 1991, p. 93).
Neste ínterim, é ampliado o regime de aposentadorias, férias
remuneradas, acidentes de trabalho, as relações entre patrão e empregados são
equilibradas com intervenção estatal e, talvez, a maior inovação: o Estatuto de
Peão, abrangendo os benefícios urbanos aos trabalhadores rurais.
Segundo
Prado:
No
campo, a concretização do “Estatuto do Peão”, ainda que não alterasse
substancialmente as relações entre patrões e trabalhadores, foi um forte sinal
de que o governo reconhecia sua existência e se preocupava também com os
“humildes”. Na cidade, além da concessão de aumentos salariais e da
obrigatoriedade do cumprimento das leis trabalhistas já existentes, (...) da
instituição de uma espécie de 13º salário, foram criados tribunais do Trabalho;
são também regulamentadas as associações profissionais sendo unificado o
sistema de previdência social. (PRADO,
1981, p.45)
Em
contrapartida, desenvolveu sistematicamente uma política que visava
desarticular as organizações sindicais mais politizadas e combativas, mormente,
compostas de anarquistas, socialistas e comunistas por meio tanto da cooptação
como da violência.
Esses
avanços pontuais promovidos por Perón na Secretária de Trabajo e Previsión foi
suficiente para que associações patronais demonstrassem seu desconforto com a
implementação destas medidas, assim, “aos
poucos as associações patronais foram se afastando de Perón e da política da
Secretária, enquanto ele, paralelamente reforçava sua identificação com os
operários” (ROMERO, 1991, p.94).
A
classe dominante mobilizou-se e em 1945, realizou a Marcha de la Consituión y
la Liberdad, exigindo a destituição de Perón, o que ocorreria no dia 12 de
outubro, com sua prisão.
Entretanto,
uma inesperada mobilização popular aconteceu na Plaza de Mayo onde os amotinados
saldavam o general.
Nesta
ocasião, Perón vociferava pelo afastamento das “velhas oligarquias e o
distanciamento do governo de Washington”. Para Romero, “o fato coroava um processo até então silencioso de crescimento,
organização e politização da classe operaria.” (ROMERO, 1991, p. 95)
Estava,
então, aberto o caminho para a conquista da presidência.
Em
24 de outubro de 1945 é fundado o Partido Laborista (PL) que indicará a
candidatura de Perón-Quintino, que saem vitoriosos.
O Primeiro Período Presidencial.
Vitorioso
nas eleições, Perón iniciava seu primeiro período presidencial de forma
bastante auspiciosa.
Afinal,
foi favorecido pela situação que a Argentina logrou alcançar no mercado
internacional dotado de divisas no exterior.
Além
disso, de uma forma geral, a América Latina vislumbrou um período de
crescimento industrial ao termino na guerra.
Deste
modo, aduz Romero, o fim da guerra e a conclusão dessa espécie de “vazio de
poder” no mundo que permitira o crescimento de setores industriais marginais,
como o argentino.
Assim,
nesse momento a argentina vive um período de significativa euforia econômica,
notabilizado pelo crescimento significativo de sua indústria “leve”.
Na
perspectiva de Maria Ligia Prado:
Assim,
o ponto de vista econômico, o primeiro período peronista viveu na euforia e
teve possibilidades de, ao lado de fazer crescer a economia, oferecer aos
trabalhadores aumentos salariais constantes e outros benefícios sociais. (PRADO, 1981, p.43)
De
modo geral, podemos admitir que Perón optou por recrudescer o mercado interno e
pelo defesa do pleno emprego.
Tais
investimentos foram realizados com montantes acumulados durante os anos
prósperos da guerra, e converteram-se no “equipamento
acelerado e desenfreado, porém pouco eficiente, das indústrias”. (ROMERO,
1991, p. 101)
Na
perspectiva de Prado, houve um aturado crescimento das indústrias leves,afinal,
“cresceram extraordinariamente durante o
período peronista; em 1946 havia 85.000 estabelecimentos industriais, que
passaram a 145.000 em 1945” PRADO, 1981, p.49).
Entretanto,
as indústrias de base não lograram êxito semelhante, destacando-se, nesse
sentido, o complexo siderúrgico de S. Nicolau.
Parte
dos recursos acumulados durante o período de guerra foram esvaindo-se em
medidas de caráter nacionalista, implementadas pelo governo, especialmente, a
nacionalização das estradas de ferro, empresas de transportes, serviços de
telégrafos e etc.
Ao
passo que as nacionalizações eram feitas com o pagamento de indenizações as
divisas acumuladas foram sendo progressivamente exaurindo-as, ao passo que “já em 1947 no início no processo haviam
sido gastos 32% das mesmas.” (PRADO, 1981, p. 50)
Deste
modo, a nacionalização da economia e seu ostensivo controle pelo Estado fora
uma das chaves na nova política econômica implementada.
A
outra diretriz estava relacionada aos trabalhadores, notabilizando a manutenção
do emprego e a elevação do nível de vida.
A
partir de então, os operários viam no sindicato um respaldo seguro.
Haja
vista que a serie de concessões feitas já a partir de 1943 foram consolidas e a
legislação trabalhista existente, diga-se em virtude da pressão operária e pela
atuação do Partido Socialista, foram efetivadas cabalmente.
Antes
de 1943 já havia sindicalização, entretanto, houve uma visível consolidação da
organização operária.
Esse
processo atingiu seu ponto alto em 1950 com a lei de associações profissionais
que:
Garantia
a existência de organizações grandes e poderosa com força para negociar de
igual para igual com os representantes patronais, mas ao mesmo tempo,
dependentes dos representantes gremiais definidos pelo Estado.
As
reivindicações circulavam de preferência de baixo pra cima, e a CGT, conduzidas
por figuras medíocres, foi responsável por transmitir as diretrizes do Estado
aos sindicatos e por controlar rebeldes. (ROMERO, 1991, p.103)
Aliás,
a função dos sindicatos era bem próxima disto, afinal, concorriam por funcionar
como correia de transmissão de agendas políticas, reduzindo e morigerando as
ações independentes oriundas de segmentos insatisfeitos.
Nesse
sentido, o peronismo não mobilizou apenas a cooptação, típica do populismo,
como forma de conduzir as relações com a oposição, na verdade o regime “montou um aparelho de propaganda e
repressão de grande envergadura que procurou morizar e silenciar toda e
qualquer oposição” (PRADO, 1981, p. 53)
Segundo
Romero, a política implantada pelo regime tinha uma tendência clara em
“peronizar” às instituições instrumentalizando-as a fim de que se convertessem
em agentes de doutrinamento.
Entretanto,
sempre houve resistências ao regime, desde os agentes de tendências mais a
esquerda, bem como, a própria Universidade que sempre manteve-se “um foco antiperonista forte, ainda que
tivesse havido por parte do governo intervenções”. (ROMERO, 1991, p.53)
Na
base da ação sindical houve vitalidade considerável deliberando sobre uma
infinidade de problemas imediatos no que concernem as relações e condições de
trabalho.
Entretanto,
no geral, o Estado peronista tinha nos trabalhadores sua grande força
legitimadora que em troca concedeu-lhes postos estratégicos como parte das
benesses.
Deste
modo, temos que ter em vista que:
A relação entre Perón e o sindicalismo – crucial no Estado
Peronista – sem dúvida foi complexa, negociada e difícil de reduzir a uma
fórmula simples.
Apesar da forte pressão do governo sobre os sindicatos e da
decisão de controlar sua ação, esses dois elementos nunca deixaram de ser a
expressão social e política dos trabalhadores.
Sob esse ponto de vista, o Estado não apenas facilitava e
estimulava a organização da classe e a cobria de benefícios. (ROMERO,
1991, p.104)
Politicamente, houve um notável recrudescimento do
autoritarismo encabeçado pelo executivo notabilizado pela retaliação a Corte
Suprema, assim como, a Universidade.
Elaborou a constituição justicialista, nome dado ao partido
de Perón, que expressava a voga autoritária do regime, comodamente, não esqueceu
de versar sobre a possibilidade reeleição.
Pouco antes de findar o mandato de Perón, ocorre uma
tentativa frustrada de golpe, em setembro de 1951, o que autorizou o congresso
por meio de sansão ampliar sensivelmente os poderes do presidente.
O Segundo Período Presidencial.
A
coligação Perón-Quinjano saiu outra vez vitoriosa.
Entretanto,
a conjuntura de seu segundo mandato é consideravelmente distinta da primeira.
Do
ponto de vista econômico, caracterizou-se por um período de retração da
economia. As reservas monetárias haviam-se cessado.
Soma-se
a isto o receio do capital estrangeiro em investir no país devido, sobretudo,
ao artigo 40 na constituição justicialista que prescrevia “todos os minerais, quedas d´agua, jazidas de petróleo, gás e demais
fontes naturais de energia, assim como todos os serviços públicos, pertenciam
ao Estado e não poderiam ser alienador ou concedidos a exploração.” (PRADO,
1981, p. 53)
A
situação econômica se agravava, uma vez que, a inflação afetou não só a classe
média, como também as camadas populares da cidade e do campo.
O
arbítrio e autoritarismo do governo populista haviam feito muitos inimigos que
numa situação de restrições econômicas não tardaram a publicizar suas
discordâncias e críticas ao regime.
Deste
modo, houve um crescimento das reivindicações populares, justamente, em momento
em o governo não tinha como atendê-las.
Neste
momento, a CGT, mplamente ligada ao governo, tencionou implementar uma política
assistencialista a fim de sanar as demandas dos trabalhadores, logo tratou de
disseminar entre a base sindical que a “ordem agora era produzir para o
engrandecimento da nação e não fazer greves reivindicativas” (PRADO, 1981, p.
56)
Some-se
a isto que os opositores tradicionais do regime, a oligarquia agrarista, a fração mais poderosa da burguesia
industrial e o capital estrangeiro em geral,
“empenhavam-se no rompimento da aliança entre capital e trabalho celebrada pelo
populismo argentino” (PRADO, 1981, p. 57)
Por
fim, celeumas com outros dois sustentáculos do regime, instauraram
definitivamente a crise do peronismo.
De
um lado, a Igreja Católica que outrora fizera intensa campanha para o primeiro
mandato de Perón convertera-se em oposição ao regime.
O
cerne da questão passa por um reduzido núcleo de cristãos de tendências mais
democratas e antiperonista que passaram a organizar oposição ao regime e a tendência
cada vez menos nacionalista da política peronista.
A
igreja também se encontrava descontente com o “crescente culto laico do presidente e de sua esposa.” (ROMERO,
1991,p.122)
Nisto
desagradava ao regime uma intervenção cada vez mais explicita da instituição
religiosa na esfera da política.
A
partir daí, o digladio será uma constante ação e reação de lado a lado.
O
regime implementa uma série de políticas caracterizadas pelo anticlericalismo
que reduziam a influência da igreja, tais como, “revogação da lei de ensino religioso, implantação do divorcio e, 1955,
a proposta de separação entre a Igreja e o Estado” (PRADO, 1981, p. 57)
Reativamente,
a igreja converte-se também num lócus de oposição ao regime como podemos ver
nas mobilizações ocorridas em atos religiosos congregando opositores do regime.
A
defesa da igreja não foi menos eficaz e demonstrou seu poder como instituição,
mobilizando seus quadros, especialmente, da Ação Católica com intensa
panfletagem contra o que reputavam serem os desagravos do regime.
Por
outro lado, ocorre um levante militar na marinha.
Assim
como outros segmentos da base de apoio de Perón os militares “viam uma distancia muito grande entre o
presidente que firmava da Plaza de Mayo (...) e o Perón que agora negociava um
acordo com Standard Oil Company.” (PRADO, 1981, p. 59)
Em
1955 um levante militar iniciado em Córdoba liberado pelo general Lonardi
avança em direção e depõe o regime.
Perón
que não ofereceu resistência e nem mesmo optou por uma luta civil tinha findado
seu período presidencial.
Concluindo.
Apesar
de sua retórica propor um ataque sistemático e ostensivo a “oligarquia”, o
regime agrário pautado pelo latifúndio continuou intacto, salvo algumas
restrições pontuais.
A
formulação peronista da ‘terceira via’, meio termo entre o capitalismo e
socialismo e superior a ambos, era na verdade um capitalismo controlado pelo
Estado, dito de outra forma, era um projeto capitalista de orientação
nacionalista.
De
fato, trazia de novo para a política argentina, como nos propõem Romero, a incorporação brusca dos setores populares
a esfera antes lhes vetadas.” (ROMERO, 1991,p.111)
Inclusão
sim, porém, subordinadamente, como procuramos demonstrar .
Sem
sua composição social de apoio, em 1955 sucumbi à presidência de Perón,
seguramente, não era o fim do peronismo que ainda hoje permanece atual em
muitas de suas bandeiras e plataformas políticas na Argentina coeva.
Para saber mais sobre o assunto.
BEIRED,
José Luis Bandicho. Movimento Operário
Argentino. São Paulo. Brasiliense. 1984.
PRADO,
Maria Ligia. O populismo na América
Latina. São Paulo: Brasiliense,1981.
ROMERO,
Luis Alberto. História Contemporânea da
Argentina. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 2006.
Resumo:
Neste breve texto pretendemos discutir o contexto político nacional e
internacional das realizações do peronismo. Na medida do possível, pretendemos
ainda dimensionar aspectos inovadores e elencar aspectos que guardam
precedentes na História argentina em suas práticas políticas.
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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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