Aristóteles foi um pensador polivalente, inventou a
análise do silogismo, um método destinado a permitir que um discurso ou
discussão possa ser determinado rigorosamente como válido e verdadeiro.
Não obstante haver transitado por diversos segmentos
da filosofia, desenvolveu de forma rigorosa o que chamou de filosofia primeira,
hoje conhecida como metafisica.
Ao propor uma nova cosmologia, acabou fundando a
teologia, a moral e a politica, no sentido moderno, séculos antes que se quer
fossem vislumbradas como esferas do conhecimento humano científico.
Isto porque foram suas concepções que despertaram na
modernidade os pensadores a elaborar novos conceitos a partir do viés
aristotélico.
Alguns defendem a tese que a influencia de
Aristóteles se estendeu até mesmo a criação da psicologia no período
contemporâneo, tamanho o impacto de suas ideias na construção do conhecimento
humano.
A metafísica aristotélica é antes de tudo uma
ciência do ser como ser, dos princípios e das causas e dos atributos essenciais
do ser.
É neste sentido que Aristóteles pretendeu
estabelecer uma filosofia primeira, sustentando todo o conhecimento humano à
medida que estudo das essências, portanto de natureza ontológica.
No entanto, ao construir a metafisica terminou por
desarticular outras propostas estabelecidas muito antes de sua filosofia
primeira.
Aristóteles,
o Liceu e a metafísica.
Enquanto os sucessores de Platão desenvolviam as
teses do mestre na célebre Academia, Aristóteles fundou em Atenas uma escola
rival em 355 a.C: o Liceu, também
chamado Escola Peripatética (termo
grego que significa aqueles que passeiam, denotando a ideia de itinerante).
O Liceu foi uma
escola regular com aulas pela manhã e tarde, onde o professor educava a elite
de Atenas através de discursos esotéricos, isto é, direcionados a um
público interno mais restrito, com conhecimentos mais avançados sobre lógica,
física, metafísica.
As aulas da tarde
destinavam-se a um público mais amplo e ainda não iniciado nos segmentos a
pouco mencionados, abordando temas mais acessíveis, como retórica, política e
literatura.
Não era um espaço
físico propriamente, pois Aristóteles transmitia seus
conhecimentos dando passeios com os alunos, em um local que hoje fica próximo ao atual Parlamento grego, uma
área de 3,6 hectares.
Dentro deste contexto, poucos sabem, mas as obras de
Aristóteles constituem simplesmente notas de cursos ministrados por ele,
algumas tidas como do próprio professor, mas outras reconhecidamente apenas
anotações de alunos que assistiram às suas aulas.
Algumas versões dos textos aristotélicos que
chegaram até nós não passam de anotações de um professor para ser desenvolvidas
oralmente no Liceu, as quais possuem
acréscimos a partir das discussões com alunos.
Outras versões são anotações de alunos a partir de
sua própria percepção dos ensinamentos do professor com acréscimos que denotam,
provavelmente, reflexões pessoais sobre a aula.
O que, por si só, constitui um desafio para o
historiador da filosofia, visto que é difícil afirmar que tudo que consta nos
textos tidos como sendo de autoria de Aristóteles é realmente de autoria dele.
Sendo notas de aulas, muitos especialistas preferem
considerar as obras aristotélicas como produções coletivas.
Uma segunda dificuldade reside no fato de, em se
tratando de apontamentos de aulas desenvolvidas oralmente, compreender
integralmente o significado conceitual presente nos textos, sem deixar escapar
a real intenção do autor em meio a uma escrita em muitos aspectos enxuta e
obscura.
Lembremos que até mesmo o termo metafísica não foi
uma criação de Aristóteles, mas uma palavra acrescentada posteriormente.
Foi um bibliotecário, no alvorecer do inicio da era
cristã, que juntou textos independentes, nomeados de metafisica, para compor um
único livro.
No ano 50 a.C, Andrônico de Rodes, ao classificar as
obras de Aristóteles, cunhou a palavra, uniu o termo “meta” (depois de, após,
acima de) com “física” (explicação racional da natureza).
A metafísica passou a significar aquilo que está acima das explicações
racionais da natureza, o que Aristóteles chamava de filosofia primeira, o
estudo do ser enquanto ser.
Algo que depois seria chamado ontologia, a tentativa de entendimento das
coisas por trás das aparências, além de sua concretude.
Não bastassem estes dois grandes problemas, ainda existe uma terceira
dificuldade de interpretação das obras de Aristóteles: diversas cópias de
versões das obras dele, que poderiam servir de parâmetro de comparação foram
destruídas no período cristão.
Vários textos só sobreviveram a partir de traduções para o árabe,
possibilitando o resgate posterior.
Outros sobreviveram desde
a antiguidade através da transmissão via manuscritos medievais coletados no Corpus
Aristotelicum, tendo sofrido possiveis alterações para se adequar a
teologia católica.
Acredita-se que a
maior parte das obras de Aristóteles tenha se perdido e apenas um terço de seus
trabalhos tenham sobrevivido, mesmo assim com consideraveis acrecimos aos
originais.
O
nascimento das discussões metafísicas.
A despeito de Aristóteles ser considerado o pai da
metafísica, embora não tenha se quer sido o criador do termo, como objeto de
discussão especulativa, a dita metafísica nasceu quando os gregos começaram a
buscar explicações racionais para a origem do mundo ordenado, o cosmos.
A partir da cosmologia,
a busca pelo principio ordenador da natureza, a força que provocava mudanças,
chamada physis; iniciaram-se intensos
debates para tentar explicar racionalmente o mundo, conduzindo a tentativa de
estudar também aquilo que não era propriamente tangível e observável.
Inicialmente, o que viria a ser conhecido como
metafísica se confundia com o que depois seria chamado de teoria do
conhecimento, indagando sobre o que é a realidade, assim como esta realidade
poderia ser conhecida.
O que originou a busca medieval pelo ser e o ente, sendo ambos de difícil definição, motivo de controvérsias
entre os filósofos ao longo da história, visto possuir uma estrema abstração
conceitual, confundindo-se em muitos casos.
No entanto, em resumo, o ser poderia ser definido como essência de tudo que existe,
transpondo um novo problema, justamente definir o que é essência.
Já o ente
seria os atributos do ser, incluindo
o que não é concreto, trazendo consigo a questão da impossibilidade de
definição da essência de cada objeto.
A busca pelo ente, a essência
das coisas, antes de Aristóteles, já tinha sido objeto dos trabalhos de
Parmênides.
Para ele, o devir, as
mudanças, tornavam o pensar diferente do percebido, já que o percebido era pura
aparência, enquanto o pensar expressaria o que é real.
Dentro desta concepção, aquilo que se pensa é real e não o que parece
concreto e é fornecido pelos sentidos.
Anacronicamente, o imaginado seria real e não que percebemos.
Uma ideia também presente na filosofia de Platão, com sua distinção
entre mundo sensível e inteligível, que seria retomada por Aristóteles e
transformada de especulação em conhecimento concreto estruturado através da
lógica.
Aristóteles
e a paternidade da metafísica.
Muitos autores defendem a ideia de que Aristóteles
deve ser considerado o pai da metafísica porque esta começa de fato a se
separar da teoria do conhecimento apenas no momento em que ele compõe a sua
filosofia primeira.
No entanto, a
metafísica aristotélica está espalhada por todas as suas obra, mesclada com a
ética, politica e lógica, carecendo de uma exposição mais detalhada.
É sem dúvida uma
modificação da teoria das ideias de seu antigo professor Platão, uma tentativa
de distinguir o universal e uma forma particular, estabelecendo uma distinção
entre três substâncias diferentes que formariam a realidade cada uma com sua
essência.
Aristóteles
pretendia investigar não qualquer ser, mas o ser enquanto ser geral, o que pode ser afirmado sobre qualquer
coisa que existe por causa de sua existência e não por algum atributo.
Diferente de seus
antecessores buscava estudar o inteiro, o geral e não apenas as partes,
abordando os diferentes tipos de causas, forma e matéria, a existência dos
objetos matemáticos e de Deus, este ultimo entendido em um sentido amplo.
Para ele, à essência não estaria no intelecto, mas
nas coisas físicas, transformando o intangível em tangível através de operações
intelectuais que visavam entender a essência que estaria presente concretamente
sem ser compreendida.
Existiria uma entidade superior a tudo e que,
ao mesmo tempo, só seria concreta em um mundo separado do nosso, a qual
Aristóteles chamou de ser divino.
O ser divino
seria a realidade suprema e primeira, que originou a essência de todas as
coisas e que, por isto mesmo, faz com que tudo queira imitá-lo para tentar se
aproximar de sua perfeição.
Exatamente por isto, o ser divino
seria o primeiro motor, o principio
que move a realidade, transforma tudo, preservando sua essência.
Para Aristóteles, as coisas seriam compostas de matéria, forma e
substância.
A matéria seria o elemento material; já a forma seria sua
individualidade, suas particularidades.
A substância designaria características gerais, o que existe de comum
entre coisas distintas.
Acontece que, para Aristóteles, as coisas possuem predicados que definem
como podemos percebê-las, ou seja, características que decorrem de sua essência
ou de acidentes.
Nesta acepção, a essência é o que a coisa é originalmente.
O que pode mudar por acidente, através de alterações da essência, está
contido no ato, nas consequências que surgem.
Assim, a árvore seria o ato da semente e, por sua vez, a potência da
semente seria poder tornar-se árvore.
O conceito de potência designa aquilo contido em matéria, a
possibilidade de transformação, sua potencialidade.
Portanto, ao transformar o abstrato em concreto, Aristóteles assumiu
para si a paternidade sobre a metafísica antes mesmo que fosse criada, cunhando
conceitos que influenciaram fortemente os dogmas cristãos e o surgimento da
teologia como ciência investigativa daquilo que não é tangível.
A
filosofia primeira.
Para Aristóteles, a metafísica não seria uma
filosofia que viria depois de todas as outras, tal como pensado contemporaneamente,
mas uma filosofia primeira e, portanto, anterior a todas as outras.
A sua metafísica é a ciência do ser como ser, por
isto, tudo é dito ser; ou ainda dos princípios e das causas do ser e dos seus
atributos essenciais.
Abrangendo o ser imóvel e incorpóreo, princípio dos
movimentos e das formas do mundo; bem como do mundo mutável e material, em seus
aspectos universais e necessários.
Dentro deste contexto, pode-se reduzir
fundamentalmente a quatro as questões gerais da filosofia primeira: potência e
ato, matéria e forma, particular e universal, movido e motor.
O antagonismo entre potência e ato, assim como entre
movido e motor, terminam abraçando todo o ser.
Ao passo que matéria e forma, particular e
universal, estariam presentes em todo o ser.
A doutrina da potência e do ato é fundamental na
metafísica aristotélica.
Potência significa possibilidade, capacidade de ser
e não ser atual.
Ato significa realidade, perfeição, ser efetivo.
Todo ser que não seja ser perfeitíssimo é, portanto,
uma síntese de potência e ato, em diversas proporções, conforme o grau de
perfeição e de realidade dos vários seres.
Segundo Aristóteles, um ser desenvolve-se,
aperfeiçoa-se, passando da potência ao ato.
A passagem seria a atualização de uma possibilidade,
de uma potencialidade anterior.
Esta doutrina fundamental da potência e do ato é
aplicada e desenvolvida na matéria e forma, que representam a potência e o ato
no mundo, a natureza tangível em que vivemos.
Aristóteles
conciliando e transformando seus antecessores.
Aristóteles une o vir a ser de Heráclito e o ser de
Parmênides em uma síntese conclusiva, já iniciada e aperfeiçoada por Demócrito
e Platão.
A mudança, que é intuitiva, pressupõe uma realidade
imutável, que é de duas espécies.
Primeiro de substrato comum, elemento imutável da
mudança, em que a mudança se realiza.
As determinações que se realizam neste substrato é a
essência, a natureza que o ser assume.
A potência assume, na metafísica aristotélica,
várias formas, constituindo a imperfeição.
A atualidade, por sua vez, é realizadora da matéria
buscando alcançar a perfeição.
A síntese da matéria e da forma constitui a
substância, substrato imutável, em que acontecem os acidentes.
A mudança, portanto, consistiria ou na sucessão de
várias formas idênticas na matéria, ou na sucessão de várias qualidades
acidentais na mesma essência.
O que seria forma concretizada na matéria, que
constituiria precisamente a substância.
A matéria sem forma, ou pura matéria, chamada de
matéria prima, seria um mero possível, não existindo por si, sendo um absoluto
indeterminado, em que a forma introduziria as determinações.
No entanto, devemos notar que a matéria aristotélica
não é o puro ser de Platão, mero princípio de decadência, pois é condição
indispensável para concretizar a forma, ingrediente necessário para a
existência da realidade material, causa de todos os seres reais.
Não existiria forma sem matéria, ainda que a forma
seja princípio de atuação e determinação da própria matéria.
Por sua vez, a forma seria princípio de ordem e
finalidade racional.
Diversamente da ideia platônica, a forma
aristotélica não é separada da matéria, é antes imanente e operante nela.
Ao contrário, a forma aristotélica é universal,
imutável e eterna.
Forma
e Matéria: do individuo a Deus.
Para Aristóteles, os elementos constitutivos da
realidade física seriam compostos por forma e matéria.
A realidade, porém, seria composta de indivíduos,
substâncias compostas da síntese da matéria e forma.
Surge a partir desta combinação um terceiro
princípio, a causa eficiente, a qual explica a realidade efetiva das coisas.
A causa eficiente tenta dar conta da síntese da
forma e matéria, mas precisa do auxilio de uma quarta causa, a causa final, que
dirige a causa eficiente para atualização da matéria mediante forma.
Aristóteles explica o individuo, a substância
física, através da única realidade efetiva no mundo, a síntese da matéria e
forma.
A essência, que é igual em todos os indivíduos de
uma mesma espécie, derivaria da forma, a individualidade pela qual toda
substância é original e se diferencia, dependendo da matéria.
O individuo seria, portanto, potência realizada na
matéria universal particularizada.
Neste sentido, Aristóteles estabelece uma critica o
dualismo platônico, unindo mundo das ideias e mundo sensível.
Estabelecendo relações entre potência e ato, matéria
e forma, a filosofia primeira faz surgir o movimento de mudança, o vir a ser,
ao qual é submetido tudo que tem matéria e potência.
A mudança é a realização do possível, o que pode ser
levado a efeito unicamente por um ser que já está em ato, que possui o que a
coisa movida deve vir a ser, visto que o imperfeito não produz o perfeito.
Mesmo que um ser se mova a si mesmo, aquilo que é
movido deve ser composto de um motor e de uma coisa movida.
O motor pode ser unicamente potência e matéria,
fazendo surgir o vir a ser, uma das concepções mais fecundas da metafísica aristotélica,
a doutrina do motor e da coisa movida.
Doutrina que culmina no motor primeiro,
absolutamente imóvel, ato puro, isto é, Deus.
Concluindo.
A noção de ser foi expressa pelos pensadores gregos mediante
a substantivação verbal to ón.
Ao tentar traduzir, os autores latinos clássicos notaram
a dificuldade de tradução de um nome por meio de um verbo.
O que produziu no vocabulário medieval a diferença
entre ente e ser.
Antes de Aristóteles, gregos como Parménides e
Platão observaram que o ser geral não é mais elevado que outros gêneros.
A metafísica aristotélica concebeu o ser como a
espécie de todas as espécies, transformando o conceito de ser em vir a ser,
fazendo com que tudo seja dito ser, mesmo que seja para negar um determinado
conceito.
Dentro deste contexto, existiriam três ordens de
ser, cada um deles estudado por ciências distintas: física, matemática e
metafísica.
Ordens que se dividem entre: os seres que possuem
uma existência separada, mas sujeita a mudar; os seres que são imutáveis, mas
só existem como aspecto separado da realidade concreta; e os seres que tanto
possuem existência separada como imutável.
A metafísica seria o estudo do ser como ciência
primeira, que é a origem de toda concepção de ser presente tanto na física como
na matemática.
Brotou da concepção de ser na metafísica aristotélica
vários conceitos ainda mais fecundos, originando, inclusive, a teologia.
Para
saber mais sobre o assunto.
ARANHA,
Maria Lucia Arruda & MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de filosofia. São Paulo: Moderna, 1992.
ARISTÓTELES.
Metafísica. Porto Alegre: Globo,
1969.
CHAUÍ,
Marilena. Convite a filosofia. São
Paulo: Ática, 1994.
LALANDE,
André. Vocabulário técnico e crítico da
filosofia. São Paulo: Martins Fontes, s.d.
MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. Lisboa: Dom Quixote, s.d.
ROSS, D. Aristóteles.
Lisboa: Dom Quixote, s.d.
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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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