A Carreira da Índia nasceu graças à bem sucedida viagem de Vasco da Gama em 1497, abrindo o comércio de especiarias Orientais via Atlântico e Índico, iniciando o chamado ciclo das especiarias, representado no século XVI pela pimenta e no XVII pelo açúcar.
Carreira era usada como sinônimo de rota, constituindo um caminho regular, com navios ligando um ponto ao outro, transportando mercadorias e passageiros.
Desde que a rota foi inaugurada, os lusos passaram a importar a pimenta da Índia com um lucro médio de 4.000%, tendo atingido o teto máximo de 24.000% em 1620, o que levou a Carreira da Índia ao seu apogeu quase imediatamente.
Já na primeira década partiram de Portugal nada menos que 144 naus, não obstante a um índice de naufrágios da ordem de 13,10%, quase nada se comparado aos lucros obtidos, um ótimo negocio para os investidores, e, ao mesmo tempo, pelos tripulantes terem direito a uma participação nos lucros, a única esperança de enriquecimento rápido e fácil para a gente miúda.
Entretanto, todos os inconvenientes eram superados pelo sonho de enriquecer com o comércio da pimenta, relegando o Brasil ao marasmo no período quinhentista.
Pela altura da União Ibérica, entre 1580 e 1640. tudo se inverteu, a pimenta entrou em declínio sendo substituída pelo açúcar, conduzindo o caminho marítimo do Brasil a tornar-se uma Carreira.
O representou um reajuste forçado no ciclo das especiarias, visando, sobretudo, estender a sua sobrevivência através da troca da primazia da pimenta pelo açúcar.
Como o Brasil se tornou mais importante que a Índia.
Em busca do lucro, a Coroa portuguesa aumentou ano após ano à capacidade de transporte das naus da Índia, superlotando embarcações, cada vez mais, com mercadorias.
Pouco espaço era reservado para os embarcados e os víveres necessários, causando grande mortandade a bordo, mas mesmo assim, enquanto a lucratividade se manteve elevada, voluntários não faltaram, fornecendo uma vasta mão de obra altamente qualificada.
Em contrapartida, no século XVI, a rota do Brasil esteve relegada a segundo plano, estando entregue ao marasmo, isto com exceção de um período experimental de produção de açúcar por Pernambuco, compreendido entre 1540 e 1559, quando o movimento de embarcações alcançou números extraordinários.
O domínio espanhol sobre Portugal, a partir de 1580, condenou a Carreira da Índia ao seu declínio definitivo.
Enfrentando já uma série de problemas, a união da Coroa espanhola a portuguesa, em 1580, não fez mais que atrair contra as naus da Carreira da Índia o assédio dos tradicionais inimigos da Espanha, no caso Holanda e Inglaterra, agravando o índice de naufrágios.
Ao mesmo tempo em que a intermediação da pimenta já não era tão lucrativa, o índice de naufrágios era ampliando por questões decorrentes da má condução dos navios por pilotos não preparados, uma vez que a Coroa não conseguiu dar conta de formar pilotos devidamente qualificados a fim de preencher a demanda.
A solução era vender o cargo a elementos da nobreza que nada entendiam da função, levando vários navios a perdição por sua condução inadequada.
Além deste problema, havia ainda a má construção e conservação dos navios, tributária da evasão de divisas visando cobrir empréstimos externos, o que impossibilitava a renovação da frota.
Assim, na década de 1590 a Carreira da Índia alcançou o maior índice de naufrágios de sua história, 43,64%, seguido na década seguinte por um índice de 41,89%, gerando um prejuízo que começou a afugentar os investidores, bem como um número elevado de mortes que também fez diminuir sensivelmente a quantidade de voluntários, forçando a Coroa a fazer um uso intenso de degredados.
Na verdade, a partir de 1600, havia se iniciado um período de transferência do eixo econômico e social do Oriente para o Ocidente, sobretudo, estimulado por um índice mais baixo de perdas na rota do Brasil, além é claro de um cotidiano um pouco mais ameno e certas facilidades de penetração territorial, isto contraposto as crescentes dificuldades verificadas na Carreira da Índia.
A restauração da monarquia portuguesa, em 1640, forçou a Coroa a optar por incentivar o movimento de navios na rota do Brasil, deixando a Índia em segundo plano.
Sem recursos financeiros para recuperar a frota naval lusitana, o novo rei, abriu a rota do Brasil a todos os navios estrangeiros que se dispusessem a combater os inimigos de Portugal.
Depois, em 1644, instituiu a formação das frotas do Brasil, tornando obrigatório o acumulo de pelo menos 200 navios no porto de Salvador a fim de serem escoltados por 16 naus de guerra até o Reino, sendo proibida a partida de navios fora da frota.
Uma medida que visava evitar o assédio de piratas e facilitar o socorro das embarcações que sofressem a varias durante a viagem.
Entretanto, em poucos anos a Coroa ficou impossibilitada de cumprir seu próprio decreto devido à falta de recursos, obrigando o poder régio a autorizar a partida de todos os navios que requeressem sua partida fora da frota.
O que representava um grande risco de ataque por navios holandeses.
O movimento de embarcações foi elevado na década de 1650 para 1147 navios, contra apenas 34 navios na Carreira da Índia.
Destarte, o ápice da primazia do açúcar havia sido atingido, em poucas décadas o ciclo das especiarias entraria definitivamente em declínio, mas a Carreira do Brasil se manteria em franca ascensão por conta da descoberta de ouro e pedras preciosas, sendo o centro econômico e social da colônia deslocado de Salvador para o Rio de Janeiro em meados do inicio do século XVIII.
Concluindo.
Estimulado pela busca de uma lucratividade mais constante e garantida, um retorno em um prazo mais curto, a partir do crescente número de perdas acumuladas na Carreira da Índia, contraposto a um índice menor de naufrágios na rota do Brasil, os investidores migraram do Índico para o Atlântico, dando inicio a um período de transição compreendido entre 1600 e 1639.
Simultaneamente, diante da gradual viragem do eixo econômico e social lusitano do Oriente para o Ocidente, a recém restaurada Coroa portuguesa optou por incrementar a rota do Brasil em 1640.
As facilidades de penetração territorial, aspectos culturais e o cotidiano mais ameno, facilitaram a consolidação da elevação do Brasil a principal colônia lusitana em detrimento da Índia.
Para saber mais sobre o assunto.
RAMOS, Fábio Pestana. No tempo das Especiarias. Nova Edição. São Paulo: Contexto, 2006.
Texto:
Desculpa meu cara Fábio mas tenho que discordar......O que aconteceu foi que a concorrência ficou muito alta,a Holanda e a Inglaterra entraram no mercado das especiarias do oriente também.E elas eram muito mais competitivas,pois tinham muito mais capital a disposição:Graças a inovação da bolsa de valores,que surgiu na Holanda pra financiar viagens até o Oriente...portugal não tinha condições de competir de igual pra igual,então se concentrou em algo de sua colonia,que teoricamente era só dela,quase um monopólio..Em 1620 a Holanda já era a maior comerciante de especiarias do mundo,e atrás a Inglaterra.sds
ResponderExcluirJustamante contestar esta visão foi um dos objetivos da tese de doutorado que defendi na USP em 2002. A qual, por conter mais de 900 páginas, foi publicada em versão simplificada e destinada ao público leigo em 2004 pela editora contexto. Em breve, ainda este ano, será publicada uma versão completa do texto da tese, com todas as referências a documentação primária, gráficos, tabelas, etc, comprovando tudo que é afirmado neste artigo. Serão três volumes de cerca de 500 páginas cada. Assim que lançar estes novos livros, faço questão de recomendar a leitura, para que possamos voltar a debater o tema.
ResponderExcluirEm todo caso, a história sempre comporta multiplas interpretações, por isto é tão dinâmica e está em constante discussão.
Forte Abraço.
Olás
ResponderExcluirCaro prof. Fábio
na sua tese não há, então, nenhuma referência a competição imposta pelas outras nações, como as citadas por Historiador, ou a sua pesquisa aponta que, mesmo havendo essa concorrência e não conseguir acompanhá-la, o declínio da Carreira da Índia se deu mais pela incapacidade de Portugal de reverter o quadro de degradação da sua frota do que por qualquer outro fator externa?
Olá, na verdade a concorrência sempre existia, pois o fluxo de especiarias via cidades italianas pelo mediterrâneo nunca foi interrompido, mas terminei por abordar a questão na tese de doutorado defendida na USP em 2002, em parte os resultados foram publicados nos livros "No tempo das especiarias" e "Por Mares nunca dantes navegados". Porém, o texto completo da tese está sendo publicado este ano em três volumes, o primeiro volume já está disponivel e referenciado aqui no site ou pelo link.
ResponderExcluirhttps://clubedeautores.com.br/book/123974--O_apogeu_e_declinio_do_ciclo_das_especiarias_1517_Volume_1
Agradeço imensamente a colocação e coloco-me a disposição.
Forte abraço: Fábio.