Recentemente, quando publiquei Por Mares Nunca Dantes Navegados, minha afirmação categórica de que a Escola de Sagres nunca existiu caiu como uma bomba em Portugal. Minha hipótese chamou a atenção da mídia no Brasil e, assim, despertou o interesse dos meios de comunicação em Portugal. A noticia correu o mundo e foi destaque na imprensa na França e chegou até mesmo a Macau (China).
Escute a informação noticiada pela RTP (Rádio e Televisão Portuguesa) pelo link:
http://www.youtube.com/watch?v=60Tvx0yLuCQ
Entre nossos irmãozinhos lusitanos, formaram-se grupos de discussão e fui fortemente criticado, acusado de querer apenas vender livros e de brincar com o orgulho nacional. Várias pessoas fizeram comentários xenofóbicos dizendo que deveria me preocupar em estudar a história do meu país ao invés do país deles, esquecendo-se que não é possível pesquisar a história do Brasil sem trabalhar também com a história de Portugal, afinal temos mais de três séculos de história em comum.
Um grupo ultranacionalista chegou inclusive a fazer ameaças pela internet, dizendo que seria bom que eu nunca passasse por Portugal, pois algo de ruim poderia me acontecer.
O que estas pessoas não sabiam é que minha afirmação tinha sustentação cientifica e foi embasada em pesquisa acadêmica.
Mais recentemente, no início da década de 1990, o historiador português Luís de Albuquerque, em seu livro Curso de História da Náutica, também questionou a existência da Escola de Sagres. Afirmou, categoricamente, que a idéia de ter existido uma escola naval rudimentar, em Sagres, deve ser descartada.
Procurei exaustivamente por qualquer documento da época que pudesse comprovar a existência da Escola de Sagres nos arquivos portugueses e brasileiros, de fato não existe nada que comprove sua veracidade, muito pelo contrário.
A respeito da questão, vale lembrar que o navegador Luís de Cadamosto relatou, em meados da segunda metade do século XV, que tudo o que existia à época, no cabo de São Vicente, o qual o infante nomeou, posteriormente, Sagres, era uma fortaleza, recém-construída para dar apoio aos navios dos Descobrimentos, quando voltavam de sua jornada, contribuindo, única e exclusivamente, com o poder de fogo de seus canhões contra piratas. Lá, não era habitual aportar. A fortaleza foi arruinada no princípio do século XVII. Sob seus escombros, no século XVIII, foi erguida outra fortificação que já mencionei.
Ocorre que todas as fontes dignas de crédito, tanto nos arquivos portugueses como nos estrangeiros, contemporâneas da suposta escola ou imediatamente posteriores a ela, não fazem referência nem, tampouco, citam a existência da Escola de Sagres, sequer uma única vez. Não se trata, portanto, de provar sua inexistência, mas, sim, de ser impossível, a seus defensores, apresentar uma única prova concreta e material a favor dela.
Escavações arqueológicas realizadas no promontório, inclusive, jamais localizaram vestígios que pudessem comprovar ter existido em Sagres uma Escola de Navegação.
Mas se é assim, da onde surgiu a idéia absurda de que teria existido uma Escola de Navegação em Sagres?
O mito nasceu em meio à historiografia nacionalista do século XIX, imbuída do espírito positivista. O pai da idéia foi Oliveira Martins, o qual teria se valido de um desenho, atribuído ao pirata inglês Francis Drake e datado do século XVI, no qual aparece uma fortaleza, destinada a proteger o cabo do ataque de piratas para levantar a hipótese da Escola.
O historiador Luciano Pereira da Silva, professor da Universidade de Coimbra, prestou valorosa contribuição à desconstrução do mito. Ele se debruçou sobre o panegírico que Oliveira Martins consagrou ao infante, demonstrando que as fontes citadas não podem ser consideradas dignas de crédito.
Luciano Pereira da Silva salientou ainda que não houve, em Portugal da época, qualquer escola, no sentido de instituição voltada à transmissão de conhecimentos de caráter teórico e sistematizado, em torno das navegações. Mas, sim, apenas um conjunto de disciplinas, introduzidas na Universidade de Lisboa, que tencionavam auxiliar na formação empírica.
Demonstrei em um livro publicado pela Humanitas no ano 2000, o qual recebeu uma Menção Honrosa da USP, intitulado Naufrágios e Obstáculos enfrentados pelas armadas da Índia Portuguesa, que, em Portugal, a profissionalização do ofício marítimo só foi concretizada no século XVIII, quando o transporte de metais e pedras preciosas, acompanhado da centralização dos esforços do Estado, em prol da ligação com o Brasil, suscitou a criação de uma armada de guerra, desenvolvida durante décadas e consolidada somente no século XIX.
No que diz respeito aos séculos XVI e XVII, não existia ainda uma formação padronizada para soldados e marujos. Não havia um treinamento ou escolas preparatórias, a despeito da existência de uma linha de comando que padronizava cargos e salários, assim como deveres e obrigações. Os indivíduos aprendiam, simplesmente, praticando, observando os colegas mais experientes, instruindo-se com os erros e acertos, seus e dos outros.
Especificamente entre os portugueses, a resistência a rever o “dogma” de Sagres, talvez, possa ser atribuída ao peso do turismo na atual economia lusitana. No entanto, justiça seja feita, embora a imensa maioria dos historiadores em Portugal se recuse a enfrentar a questão, não se pode negar que, mesmo entre os lusos, existem aqueles que questionam o mito de Sagres.
O grande problema é que este entre nós brasileiros, assim como entre os portugueses, nossas crianças continuam a ser obrigadas a decorar uma informação falsa.
Os livros didáticos continuam a insistir que a Escola de Sagres foi fundamental para as navegações portuguesas. Talvez fosse o caso de rever este conceito, pois admitir que a Escola de Sagres nunca existiu, em nada desqualifica os méritos lusitanos, ao contrário, só torna maior os méritos dos navegantes, demonstrando que são as pessoas que fazem sempre a diferença.
Para saber mais sobre o assunto:
RAMOS, Fábio Pestana. Naufrágios e Obstáculos enfrentados pelas Armadas da Índia Portuguesa: 1497-1653. São Paulo: Humanitas, 2000.
RAMOS, Fábio Pestana. Por Mares Nunca Dantes Navegados. São Paulo: Contexto, 2008.
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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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