Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume mar., Série 14/03, 2011, p.01-17.
O ensino superior no Brasil sempre esteve relegado a plano secundário, isto quando não foi tratado com completo desdém.
Uma analise pelo prisma da longa duração braudeliana, com especial atenção sobre as normas e legislação em torno do ensino superior, permite notar que a formação das mentalidades conduziu a constituição do panorama atual.
Hoje temos um dos piores sistemas de ensino universitário do mundo, com uma constante ampliação do acesso ao custo da diminuição do padrão de qualidade, com a exigência cada vez menor da qualificação docente para baratear os custos.
Por outro lado, o corporativismo acadêmico, nas universidades publicas, tem acompanhado a tendência, substituindo uma mão de obra altamente qualificada e reduzida por colegas e amigos nem sempre preparados para manter o padrão dos poucos centros antes considerados de excelência internacional.
Assim, discutiremos aqui a formação deste panorama, recuando até o período colonial e passando pelas várias reformas universitárias que foram alterando as normas e a legislação.
Antecedentes históricos.
Durante o período colonial, as universidades estiveram proibidas no Brasil, assim como a imprensa, dificultando a circulação de livros e do conhecimento.
Os poucos livros que chegavam ao Brasil eram importados da Europa, não só de Portugal, como também da França e Inglaterra. O que, inclusive, exigia o conhecimento de outras línguas, em meio a uma população quase completamente formada por analfabetos.
Uma das razões para a proibição era a tentativa de impedir a circulação de novas idéias que pudessem conduzir a independência, principalmente no século XVIII, a partir da influência do iluminismo e da Revolução Francesa.
Outra razão foi à falta de recursos docentes para enviar a colônia, já que, em Portugal, havia apenas uma única Universidade de prestigio: Coimbra.
Embora também existisse a Universidade de Évora e Lisboa, entre outros centros de ensino superior menores.
O que tornava inviável o envio de professores para as colônias, sem desfalcar a metrópole.
Além é claro, do ensino superior e a impressão e venda de livros, incluindo aqueles intermediados da França e Inglaterra, constituírem um grande negócio, gerando imensos lucros para a Coroa portuguesa.
Os livros, todos importados, sofriam taxação elevada e, igualmente, um controle político e ideológico que, para ser burlado, também gerava dividendos aos funcionários da Coroa.
Para burlar estas taxas e os encargos advindos da corrupção, os colonos no Brasil inventaram os famosos “Santos do Pau Oco”, imagens sacras que tinham o interior oco para carregar contrabando.
Na ida para o reino estes santos levavam ouro e diamantes, na volta para o Brasil traziam livros.
Graças ao enriquecimento dos senhores de engenho, as Universidades portuguesas ficaram cheias de filhos de colonos enviados a metrópole para estudar.
A Coroa fornecia um número limitado de bolsas para os filhos das elites coloniais, quando a opção por cursos universitários se resumia a quatro: teologia, direito, medicina e filosofia.
Portanto, o ensino superior em Portugal tornou-se uma imensa fonte de renda, inclusive porque aqueles que não dispunham de bolsas tinham que arcar com imensas somas para estudar no reino e voltar “doutor”.
A Espanha optou por um caminho diferente, dispondo de consideráveis recursos docentes - oito grandes e prestigiadas Universidades -, fundou centros de ensino superior por toda a América espanhola, permitindo a impressão de livros e jornais.
Um dos motivos que explica esta postura diferenciada é o fato dos espanhóis terem encontrado povos, do ponto de vista antropológico, altamente desenvolvidos. Enquanto no Brasil, a pregação dos jesuítas, aliada a força das armas lusitanas, ao sistema de alianças e a guerra bacteriológica foi suficiente para sujeitar os ameríndios; na América espanhola a presença dos impérios asteca, maia e inca tornou necessária a demonstração de que a cultura européia era superior, através do desenvolvimento acadêmico universitário.
Além disto, os espanhóis não tinham a necessidade de lucrar com o ensino, já que abundava a prata das Américas na ocasião.
A presença dos jesuítas.
Apesar das Universidades estarem proibidas no Brasil, os jesuítas foram responsáveis pela criação das primeiras escolas na colônia.
O lema da ordem era “escrever no papel em branco representado pelas crianças” para propagar a fé cristã.
Os jesuítas criaram, ao todo, dezessete colégios no Brasil.
Para supri-los com professores devidamente treinados no oficio, uma vez que só colocava na função religiosos que tinham passado por cursos de formação superior, a ordem recebeu autorização da Coroa para fundar centros de ensino superior, faculdades, embora as universidades continuassem proibidas. O primeiro estabelecimento de ensino superior no Brasil foi fundado pelos jesuítas em 1550, em Salvador, na Bahia, sede do governo geral, com a criação do curso de Artes e Teologia, mais tarde agregando o de Ciências Naturais e Filosofia, como duração de três anos, compreendendo o ensino de lógica, física, matemática, ética e metafísica.
Em 1553, os jesuítas fundaram o curso de Teologia pura, com quatro anos de duração, destinado a formar novos quadros de religiosos, enquanto o curso de Ciências Naturais e Filosofia continuou a formar professores e foi aberto também aos leigos.
Na realidade, muitos optavam por cursar primeiro teologia, consagrando-se sacerdotes, cursando depois filosofia para se formar professores, já que todo jesuíta era um educador.
As faculdades jesuítas se disseminaram, sendo instaladas, posteriormente, em São Paulo, Pernambuco, Maranhão, Pará e no Rio de Janeiro; inclusive com a fundação de um novo curso: matemática.
No entanto, este tímido inicio sofreu um retrocesso no século XVIII, quando o Marquês de Pombal, déspota esclarecido que governou em nome do rei D. José I, como primeiro ministro, expulsou os jesuítas do Brasil.
Pensando em obter mais rendas para o falido Estado português, Pombal confiscou os bens da ordem e assumiu a direção do sistema de ensino jesuítico.
O Marques de Pombal fechou as faculdades jesuítas e colocou os sargentos, os únicos que sabiam ler, escrever e fazer contas simples, além dos oficiais das milícias, como professores nos colégios.
O ressurgimento do ensino superior no Brasil teria que aguardar até o inicio do século XIX, com a vinda da família real em 1808.
Mudanças advindas com a presença da família real no Brasil.
Entre o fogo e a caldeirinha, sofrendo pressão da Inglaterra e da França, dentro do contexto das guerras Napoleônicas e do bloqueio continental imposto aos ingleses, quando franceses espanhóis invadiram Portugal; D. João VI, então príncipe regente, fugiu de Portugal.
Optou por aceitar a ajuda inglesa, fugindo para o Brasil com toda a nobreza lusitana, a alta burocracia civil, militar e eclesiástica em uma esquadra da Inglaterra.
Juntos com cerca de dezoito mil pessoas, vieram os tesouros da Coroa, os livros da Biblioteca Nacional e Instituições econômicas, financeiras, administrativas e culturais, até então proibidas.
Uma das primeiras medidas do príncipe regente, o qual se tornaria rei em 1817 com a morte de D. Maria (a louca), foi a abertura dos portos as nações amigas, em resumo aos navios ingleses.
O que possibilitou a importação e livre circulação de livros ingleses no Brasil, fomentando a construção do conhecimento na área de exatas e biológicas, apesar do modelo educacional adotado ser, contraditoriamente, o francês.
A despeito da guerra com a França, D. João VI adotou o modelo educacional napoleônico, o vinculo com a cultura francesa era muito forte, Portugal tinha sido fundado por nobres e peregrinos franceses.
Embora, o vinculo da família real portuguesa com a inglesa também fosse forte, costurado através do casamento de D. João I com Dona Filipa de Lascaster, filha do rei da Inglaterra.
D. João VI não criou Universidades no Brasil, optando pelo sistema de cátedras, unidades de ensino de extrema simplicidade, formadas por professores que, com seus próprios meios, ensinavam seus alunos em locais improvisados, cobrando pelo serviço.
Em 1808, D. João VI fundou a cátedra de Medicina, na Bahia e no Rio de Janeiro, e em 1819 a cátedra de Engenharia, embutida na Academia Militar, destinada a formar oficiais no Rio de Janeiro.
Em 1813, as cátedras evoluíram, originando as escolas, academias e faculdades especializadas, unidades de ensino superior organizadas em torno das cátedras, com seriação, meios de ensino e locais próprios e fixos.
O que fez nascer uma estrutura burocrática não docente dando apoio aos professores e alunos.
As cátedras de Anatomia e de Cirurgia foram reunidas a outras recém criadas, originando a Academia de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, as quais fazem parte, contemporaneamente, das respectivas universidades federais.
Entretanto, o sistema de cátedras originou uma tradição nos meios universitários brasileiros que se mantém até hoje, baseado na amizade e no corporativismo, onde o titular de uma disciplina se sente dono de sua cadeira, cometendo excessos e abusos.
O período imperial.
Depois da independência do Brasil, em 1822, as tendências iniciadas anteriormente foram mantidas, a despeito da necessidade da formação de uma nacionalidade brasileira.
Em 1827, D. Pedro I fundou Faculdades Jurídicas em São Paulo e Olinda, esta ultima depois transferida para Recife. Em 1832, a província de Minas Gerais deu origem à primeira tentativa de criação de uma faculdade desvinculada do governo central, fundando o curso de Estudos Mineralógicos em Ouro Preto.
A tentativa não obteve sucesso, embora se encontre atualmente integrada à respectiva universidade federal.
O curso de engenharia só foi desvinculado de instituições militares em 1874, quando D. Pedro II passou a responsabilidade da administração para o Ministro do Império, originando a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, destinada a formar engenheiros não militares.
Até então, as elites optavam por enviar os filhos para Portugal, França e Inglaterra para estudar.
Uma tendência que se manteria ao longo do século XIX e inicio do XX.
Porém, o governo imperial foi gradualmente mudando o panorama, a partir do incentivo ao surgimento de faculdades isoladas.
O final do século XIX, depois da Guerra do Paraguai, assistiu uma onda progressista, com a expansão da economia cafeeira e a construção de ferrovias, estradas, portos e fábricas de tecido.
A conseqüência foi o surgimento de uma camada média ligada ao comércio e formada por operários nas cidades, as quais passaram a contar com uma série de serviços públicos, tal como iluminação a gás e água encanada.
As mudanças, junto com o crescimento do aparelho burocrático do Estado, fomentou a demanda por profissionais capacitados tecnicamente, fazendo o governo imperial criar uma legislação que normatizava e restringia o acesso a diversos cargos públicos.
O funcionalismo publico se tornou o melhor dos empregos, mas para conseguir uma colocação era necessário possuir formação superior especifica, criando uma cultura voltada para a valorização dos bacharéis, criando demanda por vagas nas faculdades.
Ao mesmo tempo, os barões do café começaram a pressionar D. Pedro II para ampliar o acesso as faculdades.
Uma pressão que foi acompanhada pelas reivindicações da classe média urbana.
Todos queriam garantir que os filhos pudessem se tornar bacharéis para ter acesso aos cargos públicos ou para poder entrar na política.
Isto, como forma de manter o status da família ou melhorar de vida.
O número de faculdades, até então exclusivamente vinculadas ao governo imperial, começo gradualmente a aumentar, cátedras se juntaram originando novas academias e faculdades.
No entanto, com a tendência positivista já dominando o panorama e principalmente forte entre os militares, as Universidades nem foram cogitadas.
Para os positivistas, as Universidades eram vistas como centros metafísicos, a verdadeira ordem e progresso - lema do positivismo depois incorporada à bandeira do Brasil pelos republicanos -, só poderia surgir a partir do ensino tecnicista.
Seguindo o modelo da Faculdade de Filosofia da Universidade de Berlim, teoricamente baseado no cultivo do livre saber, mas na prática calcado no ensino da técnica; foi adotado por paradigma.
O Imperador instituiu os centros de livre docência, criando faculdades de Medicina, Engenharia, Direito, Odontologia, Arquitetura, Economia, Serviço Social e Jornalismo.
A proliferação do ensino superior no século XIX e inicio do XX.
Desde 1808, a admissão dos candidatos às escolas superiores estava condicionada à aprovação nos chamados “exames preparatórios”, prestados no estabelecimento de ensino procurado pelo dito candidato.
A partir de 1837, os concluintes do curso secundário do recém criado Colégio Pedro II passaram a ter o privilégio de matricula, sem exames, em qualquer escola superior do Império.
Também por volta de 1837, diante das pressões das elites, os “exames preparatórios” passaram a ser realizados perante juntas especiais nas capitais das províncias, passando a não ter mais validade instantânea, mas sim permanente.
Estes exames deixaram de ser aplicados de forma integrada e em um único momento, o estudante passou a ser examinado por disciplina no tempo e lugar mais convenientes para si, o que facilitou o acesso não só para as elites como também para os filhos de operários.
A situação permaneceu inalterada até a proclamação da República, em 1889, quando o regime federalista permitiu e incentivou a criação de faculdades estaduais públicas e privadas.
A partir de alterações na legislação, a República fomentou o ideal de livre ensino positivista, segundo o qual todos os cidadãos deveriam ter as mesmas oportunidades educacionais.
Junto com a Constituição de 1891, vieram reformas educacionais que transformaram o Colégio Pedro II em Ginásio Nacional, convertido em modelo para a criação de novas escolas públicas.
Neste sentido, o acesso a educação publica e gratuita foi estendido ao ensino superior, principalmente para os concluintes das escolas que mantivessem os mesmos parâmetros do Ginásio Nacional.
Desde que estas escolas públicas se submetessem a fiscalização federal, seus estudantes tinham direito ao ingresso no ensino superior sem precisar prestar “exames”.
Em 1901, o privilégio foi estendido aos colégios privados, criando uma ampla demanda por novas faculdades, fazendo surgirem inúmeros centros de ensino superior privados, embora não tivessem se quer o status de faculdade.
Para termos uma idéia deste crescimento, entre 1891 e 1910, foram criados no Brasil vinte e sete escolas superiores, dentre as quais: nove de medicina, obstetrícia, odontologia e farmácia; oito de direito, quatro de engenharia; três de economia; e três de agronomia.
No entanto, a busca da população por prestigio e poder através do diploma, junto com a facilitação do acesso, trouxe consigo um problema: o excesso de diplomados, muito além da capacidade do mercado de absorver esta mão de obra.
O que motivou uma nova reforma educacional, em uma tentativa de conter o acesso ao nível superior.
A reforma Rivadário Corrêa, nome do titular do Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores, originou o decreto 8.659 de 5 de abril de 1911, normatizando o ensino médio e superior.
Os concluintes do ensino médio, incluindo o Ginásio Nacional, deixaram de gozar do privilégio de ingresso direto no ensino superior.
Os estabelecimentos de ensino superior federal passaram a ser considerados corporações autônomas, devendo cobrar taxas para os exames de admissão, matricula, curso, uso da biblioteca e emissão de certificado.
Esta era uma forma de tentar incentivar uma manutenção financeira independente do poder publico.
A sistemática dos exames de admissão também foi modificada, passando a constar de uma única forma escrita sobre línguas e ciência, tendo novamente validade apenas imediata.
A tentativa de diminuir o número de diplomados não surtiu efeito, ao contrario, multiplicou as faculdades privadas, conduzindo a reforma educacional Carlos Maximiliano, nome do novo Ministro do Interior.
A reforma tencionava corrigir as distorções da lei 8.659, originando o decreto 11.530 de 18 de março de 1915.
A nova reforma manteve a extinção dos privilégios dos concluintes do Ginásio Nacional e o ingresso ao ensino superior através dos “exames de admissão”, os quais passaram a ser chamados de “exames vestibulares”.
Todavia, trouxe mudanças profundas, além da aprovação no vestibular, passou a exigir a apresentação do certificado de conclusão do curso ginasial, o qual antes não era necessário, bastando à aprovação nos exames de admissão.
Para expedir certificado de conclusão, os cursos ginasiais passaram a ser obrigados a realizar um exame final, o qual, instituições de ensino fixados em cidades com menos de cem mil habitantes não podiam realizar.
Na prática, forçava os concluintes do curso ginasial a se deslocarem para os centros urbanos mais destacados para realizarem os exames finais, iniciando um processo de elitização do ensino superior.
No entanto, apesar da reforma ter reduzido o acesso, não freou a ampliação do numero de faculdades e não resolveu o problema do excesso de diplomados.
Assim, foi instituída a reforma Rocha Vaz, nome do presidente do Conselho Superior de Ensino, órgão criado para fiscalizar as instituições superiores.
A reforma foi promulgada através do decreto 16.782-A de 13 de janeiro de 1925, o qual finalizou o processo de elitização do ensino superior no Brasil.
O decreto procurou restringir o acesso, impondo um número de vagas fixas por curso e turma, conforme determinação de cada diretor de faculdade, o qual deveria ser aprovado pelo Conselho Superior de Ensino.
Antes não havia um número de vagas fixo, todos os aprovados no vestibular tinham direito ao ingresso, com a reforma passaram a ter direito a vaga somente os candidatos melhor classificados até o limite de vagas.
A reforma atingiu seu objetivo, diminuindo a procura pelos cursos mais concorridos, conduzindo estudantes das classes mais baixas para os cursos menos procurados, reduzindo o número de diplomados em Direito, Medicina e Engenharia, cursos que passaram a ser destinados as elites.
O surgimento das Universidades.
Em seu ultimo pronunciamento, o Imperador D. Pedro II anunciou a intenção de criar duas Universidades, uma no sul e outra no norte, mas, com a proclamação da República, o projeto nunca foi colocado em prática.
O predomínio das idéias positivistas, entre os republicanos, atrasou o aparecimento de universidades no Brasil.
A primeira Universidade criada no Brasil, embora não constituísse propriamente o que se entende pelo termo (agregando docência e pesquisa), nasceu em Manaus, em 1909, fomentada pela prosperidade econômica do chamado ciclo da borracha.
A Universidade de Manaus juntou os cursos de Engenharia, Direito, Medicina, Farmácia, Odontologia e formação de oficiais da Guarda Nacional em uma única instituição.
No entanto, sua vida foi breve, a Universidade acabou junto com o fim da prosperidade da borracha, em 1926, sendo diluída e restringida a faculdades independentes, incorporadas a recém criada Universidade Federal do Amazonas em 1962.
Destarte, a reforma educacional Rivadário Corrêa, de 1911, ao permitir a cobrança de taxas pelas instituições de ensino superior, permitiu o surgimento de duas outras Universidades, uma privada e outra Estadual.
No mesmo ano da reforma, em 1911, um “sócio capitalista”, um empresário, criou a Universidade de São Paulo (não confundir com a USP), esperando recuperar o investimento através da cobrança de taxas, oferecendo os cursos de Medicina, Odontologia, Farmácia, Comércio, Direito e Belas Artes.
Entretanto, concorrendo com a Faculdade de Medicina, criada pelo governo do Estado de São Paulo, esvaziada e com custos elevados, a primeira Universidade privada brasileira tornou-se inviável, sendo extinta em 1917.
Em Curitiba, capital do Paraná, em 1912, o governo do Estado criou uma Universidade que oferecia os cursos de Direito, Engenharia, Medicina, Farmácia, Odontologia e Comércio.
A Universidade era dotada de orçamento e verbas públicas, porém, a proibição da expedição de certificado de conclusão do ginásio para cidades com menos de cem mil habitantes, esvaziou seus cursos, resultando em sua dissolução poucos anos depois.
Os seus cursos se tornaram faculdades independentes, posteriormente incorporadas, em 1950, a Universidade Federal do Paraná.
Assim, a primeira Universidade de fato a obter sucesso e perpetuar sua continuidade surgiu somente em 1920, com a criação da Universidade do Rio de Janeiro, por iniciativa do governo federal, que juntou as Faculdades Federais de Medicina e Engenharia, mais a Faculdade de Direito, em uma única instituição realmente voltada para o ensino e pesquisa.
A mesma técnica de criação de Universidade por aglutinação de faculdades foi adotada pelo governo do Estado de Minas Gerais, em 1927, a qual juntou as Faculdades de Engenharia, Direito, Medicina, Odontologia e Farmácia para criar a Universidade do Estado de Minas Gerais, dotada de verba pública.
Tanto no Rio de Janeiro, como em Minas Gerais, foi criado um Conselho Universitário, formado pelos diretores das faculdades e dois professores de cada centro, compondo a administração de cada Universidade.
Estas tinham ainda um funcionamento bastante independente e pouco integrado.
Até então, embora existisse uma legislação para o funcionamento das faculdades, não existia normatização para as Universidades, o que foi corrigido pelo decreto 5.616 de 28 de novembro de 1928.
O decreto determinou que as Universidades passariam a gozar de “perfeita autonomia administrativa, econômica e didática”, fixando o ingresso de alunos através das mesmas normas vigentes para as faculdades, sendo fiscalizadas pelo Departamento Nacional de Ensino.
Na prática, o decreto vedava a criação de Universidades privadas, pois exigia fundação através de lei estadual ou federal, devendo o reitor ser nomeado pelo governador do Estado ou o Presidente da República.
Para a criação de uma Universidade ficava determinado ainda ser necessário, no mínimo, três faculdades funcionando ininterruptamente há pelo menos quinze anos.
A partir do decreto de 1928, surgiu, em 11 de abril de 1931, uma nova lei (19.851), promulgando, pretensiosamente, o Estatuto das Universidades Brasileiras.
O Estatuto era pretensioso porque existiam até então apenas duas Universidades no Brasil, porém, estabeleceu padrões de organização para as instituições de ensino superior.
Cada Universidade seria criada pela reunião de faculdades, pelo menos três, obrigatoriamente, dentre as seguintes: Direito, Medicina, Engenharia, Educação, Ciências e Letras.
A direção de cada faculdade seria entregue a uma congregação, integrada pelos professores catedráticos efetivos e por um representante eleito dos livre-docentes.
Três a seis catedráticos, escolhidos pelo ministro da educação, dentre uma lista elaborada pela congregação, constituiriam o conselho técnico administrativo de cada faculdade.
O diretor de cada faculdade seria, também, escolhido pelo ministro da educação, usando a mesma sistemática.
A administração central da Universidade seria composta pelo Conselho Universitário e pelo reitor, este ultimo escolhido pelo presidente da República ou governador do Estado a partir de uma lista de três professores eleitos pela comunidade acadêmica interna.
Isto em caso de Universidade Pública, já que o decreto passou a permitir novamente a criação de instituições privadas.
Neste caso, era livre a nomeação do reitor, podendo o ministro da educação vetar a escolha.
O corpo docente seria constituído por professores catedráticos, um para cada cadeira do curso, cargo vitalício após dez anos de exercício, cujo acesso se daria mediante aprovação em concurso de títulos.
O catedrático indicava seus auxiliares, os quais estavam obrigados a se submeter ao concurso de livre docente para se manter no cargo.
Todo curso superior, de instituição publica ou privada, precisava ser credenciado pelo Ministério da Educação para expedir diplomas.
Quanto ao ingresso dos estudantes, a fixação de um número de vagas, o exame vestibular e a apresentação de certificado de ensino médio foram ratificados, sendo acrescentada uma prova de idoneidade moral.
O Estatuto refletia o resultado da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, espelhando o controle estatal sobre a educação, através da intervenção do ministro da educação na nomeação do corpo diretivo das faculdades e universidades.
Destarte, fomentou a criação da terceira Universidade brasileira em 1934: a Universidade do Rio Grande do Sul, com uma orientação totalmente diversa das já existentes.
Ao invés de resultar da reunião de faculdades pré-existentes, dado a abertura propiciada pelo Estatuto das Universidades Brasileiras, o qual deixou de exigir três faculdades existentes há pelo menos quinze anos; foi criada a partir de uma única faculdade.
A Universidade do Rio Grande do Sul foi criada tendo por base a Escola de Engenharia de Porto Alegre, existente desde 1896 e mantida pelo mecenato de uma baronesa, o que permitiu a contratação de cinqüenta professores estrangeiros, principalmente alemães.
O que contrariava o paradigma francês em voga.
A partir de 1907, a faculdade tinha passado a ser mantida pelo governo do Estado, através de uma taxa de 2% cobrada sobre rubricas do orçamento público, em 1909 elevada para 4%.
Em 1928, contando com mil e duzentos alunos, passou a oferecer o curso de Agronomia, Veterinária, Química e formação de operários industriais e agrícolas; passando a chamar a si mesma de Universidade Técnica do Rio Grande do Sul em 1932.
Em 1934, finalmente a instituição adquiriu o status e reconhecimento como Universidade.
No mesmo ano surgiu, em São Paulo, a USP; ao passo que, em 1940, apareceu no Rio de Janeiro a primeira Universidade privada: a Pontifícia Universidade Católica, a PUC.
A partir de então se multiplicaram as Universidades pelo Brasil.
A criação da Universidade de São Paulo.
Derrotada na Revolução Constitucionalista de 1932, São Paulo adotou por principio que, vencido pelas armas, iria perseverar no esforço de alcançar a hegemonia pela ciência.
Nasceu assim, em 27 de maio de 1933, a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, instituição privada, destinada a formar a elite dirigente das grandes empresas particulares.
Inspirado pela iniciativa, o governo do Estado de São Paulo, ocupado por Armando Salles de Oliveira, professor da Escola Politécnica, criou, em 25 de janeiro de 1934, através de decreto estadual, a Universidade de São Paulo, a USP.
Na ocasião foi incorporada a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, a Escola Politécnica, a Escola Superior de Agronomia, a Faculdade de Medicina, a Escola de Veterinária e o recém criado Instituto de Educação, além de diversos institutos de pesquisa técnica e cientifica estaduais.
A Universidade reorganizou a estrutura das faculdades, criando a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; o Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais; e a Escola de Belas Artes; além da Faculdade de Educação.
O que atendia um antigo projeto do educador Fernando de Azevedo, para quem a Faculdade de Educação deveria ser o centro de formação de professores para o ensino secundário, enquanto a Faculdade de Filosofia deveria ser o coração da Universidade, o lugar onde deveria se desenvolver “os estudos de cultura livre e desinteressada”.
Nela funcionaria uma espécie de curso básico, preparatório para todos os demais.
Para integrar o corpo docente da nova Universidade, diante da carência de doutores no Brasil, foram contratados treze professores europeus - seis franceses, quatro italianos e três alemães.
Uma política que foi continuada até 1942, totalizando a passagem de quarenta e cinco professores estrangeiros até esta data, os quais formaram uma mão de obra altamente qualificada, aproveitada nos quadros da própria Universidade, fortalecendo a tradição acadêmica francesa no Brasil.
A USP terminou se tornando, acima de tudo, um centro de formação de pesquisadores, incentivada a partir da dotação de uma porcentagem do ICMS para sua manutenção.
Seguindo o mesmo modelo, em 1947, foi criada a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), mantida através de 0,5% da receita do Estado, para sustentar as pesquisas.
Hoje a FAPESP responde por 90% do financiamento de pesquisas no Estado de São Paulo.
A reforma de 1950 e a expansão das Universidades.
Quando chegou ao fim o Estado Novo e começaram os governos populistas, iniciou-se um processo de ampliação do acesso ao ensino médio, conduzindo também a ampliação da demanda por acesso ao ensino superior.
Ao mesmo tempo em que novas faculdades e universidades privadas surgiram, o governo federalizou faculdades privadas e estaduais, reunindo-as para criar novas Universidades Federais.
O que levou a reforma de 1950, promulgada pela lei 1.254.
A reforma transformou os professores e funcionários de Universidades vinculadas aos Estados e a União em funcionários públicos, com remuneração e privilégios idênticos aos seus colegas da Universidade do Brasil, antes chamada Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Os docentes passaram a contar com estabilidade e aposentadoria integral, tendo a obrigação de desempenhar a função docente junto com o de pesquisador, em regime de dedicação integral e exclusiva, ainda hoje em voga.
A reboque da nova orientação, surgiu em 1951, o CNPq e a CAPES.
O CNPq, o Conselho Nacional de Pesquisa, a partir de 1971 nomeado como Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico, apesar de manter a sigla, foi criado para incentivar e financiar as pesquisas dentro do âmbito universitário.
A CAPES, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, destinada a estimular e fiscalizar, assim como financiar, os cursos de pós-graduação stricto senso (mestrado e doutorado) nas Universidades.
A reforma de 1968.
Pouco antes do golpe militar de 1964, a comunidade acadêmica tinha iniciado a discussão em torno da necessidade de reforma universitária, envolvendo a criação de institutos de pesquisa, a modificação da estrutura da carreira docente, o reajuste salarial dos professores e a assistência aos estudantes, através de bolsas, alimentação, alojamento, etc.
No entanto, o governo militar atravancou a discussão, adiando as reformas, as quais terminaram sendo parcialmente colocadas em prática, em 1968, pelas leis 5.539 e 5.540.
Estas leis criaram o Estatuto do Magistério Superior Federal, embora as mudanças viessem mais ao encontro do acirramento do controle do Estado sobre as Universidades.
O regime de cátedras foi extinto, substituído pelos departamentos, visando eliminar a duplicidade de disciplinas oferecidas em vários cursos, restringidas a um único departamento, eliminando gastos em duplicidade.
No entanto, a extinção das cátedras foi acompanhada pela aposentadoria compulsória de professores que se opunham ao regime militar; assim como da destituição de reitores e outros administradores, substituídos por interventores nomeados pelo governo federal.
A reforma de 1968 criou, também, o Conselho Federal de Educação, o qual optou por instituir o sistema de créditos nas Universidades públicas, visando impedir a formação de turmas.
Seguindo a orientação, o campus das Universidades foram transferidos para as periferias, seguindo o modelo americano, aglutinando todas as faculdades em um mesmo local.
Tudo pensando para exercer pressão e controle eficaz sobre estudantes e professores.
O Conselho Federal de Educação, ao mesmo tempo que fragmentou o ensino público, procurou incentivar a iniciativa privada, retirando uma série de restrições.
Tal como exigências quanto à qualificação docente, a um número mínimo de periódicos nas bibliotecas, a pesquisa necessária ao status de universidade, etc.
Concluindo.
Desde janeiro de 1995, o governo federal empreendeu uma série de reformas no ensino superior, seguindo orientações da Constituição de 1988 e da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela forma do capitulo IV da lei 9.394/96.
Foram promulgadas novas leis e decretos, porém, a legislação passou tão somente em se preocupar em ampliar o acesso ao ensino superior, sobretudo fomentando o aparecimento crescente de instituições privadas.
Pouco foi feito no sentido de fazer cumprir a determinação constitucional da LDB de obrigar as Universidades privadas a terem pelo menos um terço de seu corpo docente titulado e trabalhando em regime de tempo integral.
Isto, a despeito da tentativa de criar parâmetros de avaliação da qualidade dos cursos de graduação.
Para saber mais sobre o assunto.
BUARQUE, C. A Aventura da Universidade. São Paulo/Rio de Janeiro: Unesp/ Paz e Terra, 1994.
CHIRARLDELLI, JR, Paulo. História da educação. São Paulo: Cortez, 1999.
DEMO, Pedro. Desafios Modernos da Educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.
PILETTI, Nelson; PILLETI, Cláudio. História da educação no Brasil. São Paulo: Ática, 1990.
RAMOS, Fábio Pestana. “A constituição afetiva da infância e da família no período colonial? O nascimento da profissão docente no Brasil” In: ALMEIDA, Jane Soares de (org.). Profissão docente e cultura escolar. São Paulo: Intersubjetiva, 2004, p.13-40.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil (1930/1973). 25. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Boa Tarde!
ResponderExcluirprimeiro quero agradecer pelo conteúdo postado, e parabeniza-lo pelo blog, mas estou com uma dúvida, estudando para prestar concurso publico pesquisei sobre a primeira universidade do Brasil e em vários estudos consta que a UFRJ foi a primeira, em alguns como neste excelente post consta que é a universidade de Manaus. Poderia me dar uma luz do porque de tal confusão?
Desde já agradeço a atenção.
Rita Dias
r.cassia_@hotmail.com
Agradecemos as palavras gentis.
ResponderExcluirO motivo da confusão é o fato da Universidade de Manaus, após ser fundada em 1909, por meio de agregação de faculdades já existentes, fomentada pelo ciclo da borracha. Ao termino da prosperidade da região, quando o ciclo da borracha chegou ao fim, a Universidade foi extinta em 1926, diluída novamente em faculdades independentes.
É o mesmo caso da Universidade de São Paulo (não confundir com a USP), criada em 1911 por um “sócio capitalista”, um empresário que fundou a instituição esperando recuperar o investimento através da cobrança de taxas, oferecendo os cursos de Medicina, Odontologia, Farmácia, Comércio, Direito e Belas Artes. A qual foi extinta por falência em 1917.
Já a primeira Universidade de fato a obter sucesso e perpetuar sua continuidade surgiu somente em 1920, no caso a Universidade do Rio de Janeiro, por iniciativa do governo federal, que juntou as Faculdades Federais de Medicina e Engenharia, mais a Faculdade de Direito, em uma única instituição realmente voltada para o ensino e pesquisa. Esta foi a primeira a ser fundada que continua existindo até hoje.
Embora na realidade, independente de sua continuidade, a primeira universidade no Brasil foi em Manaus, no meu entendimento existe um egocentrismo sulista em colocar a UFRJ como oficialmente a primeira universidade brasileira. Algo comum na historiografia de cunho eurocêntrico no Brasil, que valoriza os feitos dos descendentes europeus em detrimento dos avanços propiciados por mestiços, índios e negros.
Para entender melhor esta questão da historiografia, recomendo a leitura do seguinte texto
Etnocentrismo e historiografia: a distorção do outro na história.
http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2010/08/etnocentrismo-e-historiografia.html
Forte Abraço:
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.