Para entender a
história... ISSN 2179-4111. Ano 5, Volume dez., Série 12/12,
2014, p.01-12.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em história
social - USP.
MBA em Gestão de
Pessoas - UNIA.
Licenciado em história
- CEUCLAR.
Licenciado em filosofia
- FE/USP.
Bacharel em filosofia -
FFLCH/USP.
Contemporaneamente existe uma popularização da
gastronomia, com programas de TV voltados para a área, reality shows e cursos
para leigos aficionados pelo comer bem.
No entanto, especialmente no Brasil, este segmento
carece de embasamento teórico mais apurado, sendo escasso o material acadêmico
voltado às concepções e conceitos inerentes a terminologia e resgate da memória
da cultura gastronômica.
Partindo de pressuposto, seria necessário, em
primeiro lugar, entender o que é gastronomia e, depois, como a cultura
gastronômica se constituiu e está configurada.
Antecedentes
em torno do banquete grego.
A gastronomia nasce e inicia sua trajetória somente
depois que a humanidade começou a viver com opulência, quando surge um
excedente e trocas comerciais que permitiram intercambiar ingredientes e
cultura.
Neste sentido, na antiguidade, o conceito de
gastronomia apareceu antes do termo, nas cortes dos grandes impérios Orientais;
porém é institucionalizada no âmbito da cultura grega.
Antes da gastronomia, os gregos antigos fundaram a
gastrosofia, termo que juntou a palavra gaster
(significando ventre ou estomago) com sofia
(conhecimento, sabedoria), como em filosofia.
A gastrosofia possuía um carácter sagrado, sendo
celebrada por um sacerdote do paladar, o gastrófogo, responsável pelo preparo
do alimento e os ritos de consumo.
Para o grego, o banquete estava no centro da vida
social e política, tornando o ato de se alimentar uma ação carregada de
significados que estendiam do profano ao sagrado.
Era o espaço do estabelecimento ou estreitamento das
relações sociais, onde além de confraternizar, o corpo era alimentado junto com
o espirito.
É interessante lembrar que somente os homens participavam
do banquete, uma vez que as mulheres estavam margem da sociedade,
inferiorizadas por sua condição e estética feminina e relegadas à função de
procriadoras e mães.
Portanto, neste ambiente predominante masculino,
onde a hierarquia social era quebrada, deixando de existir divisões
estamentais; as pessoas se reuniam para saciar os sentidos pelo paladar, olfato,
visão, tato e audição.
Isto porque não apenas se degustava o sabor e
sentia-se o cheiro dos pratos oferecidos aos convidados, mas a estética possuía
um significado simbólico que ultrapassava a função de atrair pela apresentação.
O tato era utilizado para efetivamente pegar o
alimento, pois não se utilizava ainda talheres, comendo-se com as mãos.
A audição era alimentada pelo som de música e poesia,
além de representações teatrais e espetáculos de acrobacia e dança, oferecidos
para complementar a refeição e enaltecer todos os sentidos simultaneamente.
Este deleite em torno da comida regada a vinho,
envolvendo o banquete, era acompanhado por um refinamento que foi sendo
gradativamente ampliado, adentrando a racionalização propiciada pelo surgimento
da filosofia, ainda antes da invenção da escrita entre os gregos.
Momento em que o banquete foi assumindo uma função
simultaneamente política, servindo para igualar os envolvidos, que partilhavam
valores, dividindo o poder na pólis.
Um ato religioso que se transformou em representação
cívica, expressando a cidadania, assumindo uma conotação cívica.
Pertencente à tradição oral, a gastrosofia tornou-se
gastrologia, logia no sentido de
ciência, conhecimento racionalizado, visto que ainda não existia um
conhecimento propriamente cientifico.
A preparação do banquete exigia especialistas que
dominassem os segredos das técnicas de preparo dos alimentos, da harmonização
de ingredientes, cunhando o termo gastrólogo, uma figura que hoje chamamos
cozinheiro, quiçá chefe de cozinha.
Um indivíduo capaz de preparar o banquete para os
convivas, a despeito de raramente participar dele, possuído conhecimentos
racionalizados da techné, que para os
gregos era a soma do que atualmente chamamos técnica com a arte.
Este artista da culinária muitas vezes era um
escravo, altamente valorizado no mercado como mão-de-obra disputada; importado,
em alguns casos, de terras distantes, trazendo consigo novos sabores de uma
cultura exótica.
Gastrófogo e gastrólogo harmonizavam o banquete,
conduzindo os convidados por uma experiência única, onde, após a refeição e
intensos debates filosóficos, o ritual dionisíaco encerrava o cerimonial,
possibilitando conhecer a essência do outro.
Rito em homenagem ao deus Dionísio, que os romanos
transformariam em Boco, convertendo a nomenclatura do ritual em bacanal.
Origem
e popularização do termo gastronomia.
O criador da palavra gastronomia foi um general
grego, chamado Arquestrato de Gela, famoso por oferecer grandes e inesquecíveis
banquetes aos seus convidados e que viveu na mesma época do filosofo
Aristóteles.
Ele percorreu a Grécia na antiguidade, sendo também
um notório viajante, buscando inicialmente variedades de videiras para produzir
vinhos, mas, depois, também novos ingredientes para alimentos que pudessem
acompanhar a bebida.
Avaliando e comentando pratos do repertório
alimentar grego, no século IV a.C, utilizou-se de um poema para escrever a
“Hedypatheia”, cuja tradução é vida de luxo; obra que na época ficou conhecida
como “O mundo dos prazeres”, posteriormente nomeada como “Gastronomia de
Arquestrato”.
No poema, pela primeira vez surgiu a palavra gastronomia,
criando uma tradição culinária vinculada com a erudição e o saber formalizado
pela escrita.
O que faz do poema de Arquestrato, oficialmente, o
primeiro livro sobre gastronomia.
Etimologicamente, o termo é uma junção de duas
palavras: gaster, amplamente
utilizado antes do general, denotando palavras pelas quais os gregos já
chamavam a arte culinária; somada com nomia,
no sentido de norma, lei; representando o estudo da lei do estomago.
No entanto, devemos observar que palavra nomia decorre de némo, significando governar; e esta de nómos, incorporada ao grego a partir do egípcio, cujo significado
original era repartir, parte, porção.
No Egito antigo, os nomos eram pequenas unidades político-administrativas que
originaram os nomarcas, reis locais depois submetidos ao poder centralizador do
faraó; um conceito que foi incorporado pelos gregos e relacionado com os genos, uma organização política
familiar.
Assim, ao criar a palavra gastronomia, foi
simbolizado um novo segmento do conhecimento humano baseado não só no
entendimento das leis da alimentação, mas também no governo, na condução
daqueles que desfrutam do prazer de comer, envolvendo uma ampla gama de porções
para compor o todo do deleite.
Neste sentido, Arquetrato foi o que chamamos hoje de
anfitrião, um termo que deriva do nome do rei de Tebas (cidade grega), famoso
por oferecer esplendidos banquetes: Anfitrión.
Na realidade uma figura mitológica que seria neto do
semideus Perseu e bisneto de Zeus, simbolizando o caráter sagrado do banquete.
É interessante ressaltar que o anfitrião, a despeito
de assistido pelo gastrófogo e gastrólogo, era aquele que recebia para o
banquete e, como tal, responsável pela organização de todos os detalhes.
Para receber bem em sua casa, o anfitrião precisava
entender da seleção dos ingredientes, do preparo dos pratos, da encenação dos
atos, das ações em torno do comer e beber, da teatralização do rito e da
coordenação do pessoal envolvido neste processo.
Ao mesmo tempo, embora o termo ainda não existisse,
Arquestrato foi o que conceitualmente poderíamos nomear como cicerone, aquele
que conduz e explica, um especialista no comer bem que possui uma erudição
compartilhada com os convidados, ensinando e conduzindo pelo mundo
gastronômico.
A palavra cicerone deriva do nome de um orador,
político, advogado e escritor romano que viveu séculos após a morte de
Arquestrato.
Trata-se de Marco Túlio Cícero, que viveu entre 106
e 43 a.C, também famoso por oferecer banquetes e pela sua erudição e paciência
didática ao explanar assuntos os mais diversos.
Destarte, durante a antiguidade o termo gastronomia se
difundiu e tornou-se popular no mediterrâneo, sendo incorporado pelos romanos.
Porém, com o advento da Idade Média e o fechamento
da Europa Ocidental em feudos, voltados à cultura de subsistência, o
desaparecimento do requinte culinário fez o termo se perder.
Somente no ano de 1800, outro poeta, o francês
Joseph Berchoux recuperaria a expressão gastronomia.
Conhecido como humorista, publicando sátiras em jornais
no período da Revolução Francesa, além de Juiz de Paz, Berchoux era um grande
apreciador da boa comida, escrevendo o poema “La gastronomia”; também conhecido
como “O homem do campo a mesa”.
A princípio uma piada satirizando velhos hábitos
alimentares herdados dos gregos e romanos, o qual foi ganhando corpo e terminou
influenciando a concepção teórica sobre a culinária.
O humorista italiano Jacopo Landoni traduziu o poema para sua lingua, ajudando
a difundir o termo.
Em 1825, outro francês, Jean Anthelme
Brillant-Savarin, incorporou a palavra na obra “Fisiologia do gosto”.
O autor foi um notório político, advogado,
magistrado e cozinheiro; participando ativamente da Revolução Francesa e
chegando a ser eleito deputado da Assembleia Nacional Constituinte de 1789.
Na fase do terror, com sua cabeça colocada a prêmio
e destinada a guilhotina, fugiu para o exilio, primeiro na Holanda e depois nos
Estados Unidos da América, onde sobreviveu dando aulas de violino e francês;
mas com a ascensão de Napoleão Bonaparte, retornou a França em 1797, sendo
nomeado juiz do supremo tribunal.
O seu livro é o primeiro tratado sistematizado
abordando a culinária no sentido que a gastronomia assumiria
contemporaneamente, ainda hoje constituindo uma referência obrigatória para os
estudantes da área.
Finalmente em 1863, Émile Littré, um dos divulgadores do positivismo na
França e seguidor muito próximo a August Comte, referenciou o termo e significado
no seu “Dicionário da Língua Francesa”.
Representando, mais
do que a dicionarização do termo, a oficialização de um novo segmento do
conhecimento humano, fazendo parte do processo iniciado com o iluminismo e a
enciclopédia de compartimentação do conhecimento filosófico.
A partir da França,
já então centro cultural do mundo, com sua culinária apreciada e valorizada
internacionalmente desde antes da Revolução Francesa, pelo menos a partir auge do Antigo Regime, a monárquia
absolutista; o uso da palavra e do conceito gastronomia se difundiu
definitivamente pelos mais diferentes países e continentes, incluindo as
Américas e o Brasil.
Gastrônomo,
gourmet, gourmand e foodie.
Acompanhando a consolidação da gastronomia como área
do conhecimento humano autónoma e embasada em princípios teóricos, no inicio do
século XIX surgiram termos para nomear os profissionais ou aficionados na boa
culinária.
A partir do inglês groom e groomet apareceu
na França da palavra gourmet.
Na Inglaterra, o groom
era o servidor, serviçal da nobreza; enquanto o groomet - da onde deriva também o termo grumete em português - era
um criado especializado em servir vinho, por isto, entendedor das safras, do
manuseio, da conservação e até do processo de confecção.
Quando foram incorporadas ao francês, as duas
palavras fomentaram o aparecimento do termo gourmet, inicialmente significando
especialista nos sabores proporcionados pelos vinhos.
Por oposição surgiu o termo gourmand, derivado da palavra francesa glutany, o guloso, depois simbolizando o apreciador de doces;
incorporado ao vocabulário gastronômico como especialista em comidas.
Depois passou a ter uma conotação pejorativa,
supondo um prazer relacionado mais com a quantidade do que com a qualidade.
À medida que o conhecimento gastronômico foi
evoluindo, ainda no século XIX, gourmet passou a significar especialista tanto
em vinho como em comida, aquele que sabe analisar sensações gustativas com
erudição, decodificando e propondo novos códigos e significados.
Ao mesmo tempo, gourmand adquiriu o significado de
apreciador não especializado da gastronomia, seria o consumidor apaixonado por
comer bem, mas que não possui o conhecimento técnico e teórico.
Contrapondo-se a terminologia francesa, no século XX
surgiu na Inglaterra a palavra foodie,
denotando o aficionado pela boa comida, não necessariamente conhecedor do
contexto teórico gastronômico.
Também no século XX, o termo gastrósofo foi
recuperado da antiguidade, sendo usado para substituir indistintamente gourmet,
gourmand e, depois, foodie; designando especialistas e aficionados pela
culinária.
Conforme a gastronomia foi se difundindo mundo a fora,
sendo, inclusive, massificada em certo sentido; firmou-se o termo gastrônomo,
aquele capaz de preparar e/ou desfrutar a boa cozinha, possuindo conhecimentos
para selecionar ingredientes, preparar a comida, cuidar da estética e servir.
Atualmente o gastrônomo é o especialista em
gastronomia envolvido com a produção da culinária; enquanto o gourmet
representa o entendedor das teorias que consome a boa comida; e o gourmand ou
foodie é o consumidor comum que aprecia, mas não domina o saber acadêmico.
Cultura
e cozinha.
A culinária faz parte e utiliza uma ampla gama de
elementos da cultura gastronômica, um rico emaranhado de códigos e significados
específicos que guardam, no entanto, intima relação com conceitos gerais do
aspecto cultural.
Definir cultura não é uma tarefa fácil, pois se
trata de um conceito polissêmico, com inúmeros significados que transitam entre
o micro e o macro.
Porém, em linhas gerais, uma definição abrangente
diria que cultura envolve crenças, valores construídos ao longo de gerações,
denotando uma identidade.
A palavra cultura é originária do latim colere,
que significa cultivar; foi definida em um sentido academico pela primeira vez por
Edward Burnett Tylor - um
antropologo britânico do final do século XIX -, segundo o qual engloba todo
elemento que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os
costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como
membro da sociedade.
A despeito da
definição clássica ainda em vigor criada por Tylot; ao criarem o termo, os
romanos associaram o termo, com as altas formas de manifestação artísticas e
técnicas da humanidade, como a música, arte, etc; expressando as
caracteristicas tipicas de um povo ou civilização.
A partir de textos do final do século de XIX, do
critico literário britânico Matthew
Arnold, a
cultura começou a ser pensada em três vertentes: popular, erudita e de massa.
A cultura popular seria aquele que brota do seio do
povo, nasce espontaneamente, sendo geralmente oral e transmitida de geração
para geração.
A cultura erudita seria mais refinada, formalizada
pelo saber acadêmico e/ou escolarizado, exigindo conhecimentos teóricos e
vinculada com os avanços tecnológicos e científicos.
A cultura de massa, ampliada no século XX e, sobretudo,
XXI, comportaria a massificação de conceitos, principalmente pelos meios de
comunicação, utilizada para servir aos interesses capitalistas, fomentando o
consumo e, para tal, nivelando a qualidade por baixo para ampliar a quantidade.
A cultura gastronômica massificada originou, após a
2º. Guerra Mundial, a generalização do fast-food,
a comida rápida sem grande requinte, não exigindo conhecimentos especializados,
associada com métodos industriais de produção e com a dinâmica do fordismo.
Cabe lembrar que o fordismo remete a técnica
industrial de massificação da fabricação de automóveis criada por Henry Ford, em
1914, para produzir carros em série e controlar a mão-de-obra.
Antes de Ford os carros eram produzidos
artesanalmente por trabalhadores que dominavam todo o processo, possuindo
conhecimentos que hoje são detidos pelo que chamamos engenheiro
automobilístico.
A linha de produção em série de Ford passou a
utilizar operários não especializados, os quais deveriam apenas repetir ações
automáticas e especificas em uma esteira, compartimentando as etapas produtivas
e o conhecimento necessário.
No fast-food, o fordismo eliminou a figura do chefe,
substituído pelo gerente; eliminando também o cozinheiro, o qual cedeu lugar ao
operário, sem nenhum conhecimento gastronômico, meramente repetindo processos
divididos em uma equipe que trabalha em uma linha de produção.
Acelerando a produção, mas reduzindo a qualidade e
excluindo o elemento artístico, estético, criativo e inovador.
Opondo-se a cultura massificada do fast-food, surgiu
na Itália, em 1986, um movimento de contracultura chamado slow-food (comida lenta) liderado por Carlo Petrini, um jornalista
especializado em crítica gastronômica.
O qual ergueu uma bandeira contra o predomínio de
uma grande rede de fast-food norte-americana no segmento de hambúrgueres e batatas
fritas acompanhados de refrigerante.
Petrini criou a Universidade de Ciência Gastronômica em Parma, publicando
vários livros defendendo o resgate do prazer à mesa, o que exigiria calma e um
consumo envolvendo saborear e vivenciar o prazer do momento.
Para o slow-food,
seria necesspario resgatar identidades culturais ligadas com tradições
gastronômicas, implicando em proteger produtos, processos e técnicas de
cultivo, além de tradições herdadas através de gerações.
Neste sentido,
defende a preservação de espécies vegetais e animais, domésticas e selvagens;
afirmando que a boa culinária deve limpa, saborosa, respeitando o meio ambiente
e oferecendo preços justos ao gourmand.
Também se opondo ao
fast-food, na virada no século XX para o XXI, surgiu um controverso movimento
de contracultura: o fast casual.
Embora para alguns
teoricos represente somente uma evolução do fast-food, o fast casual proprõe
servir comida barata e rápida, mas com qualidade mais elevada, contando com
ingredientes selecionados e serviço amigável.
A ideia seria
servir refeições saudáveis, esteticamente trabalhadas, com uma área de preparo
a vista do consumidor e contando com cozinheiros responsáveis pela totalidade
da elaboração do prato.
Não obstante, a
cultura gastronômica é muito mais ampla do que a tentativa de sua massificação
pelo capitalismo selvagem vigente.
Em linhas gerais,
podemos dividir a cultura gastronômica em três grandes vertentes: a cozinha
tradicional, evolutiva e de vanguarda.
A cozinha
tradicional é aquela que possui vinculo direto com a identidade cultural de um
determinado territorio, povo ou grupo; com um desenvolvimento histórico proprio
e receitas oficiais reproduzidas por gerações.
Subdivide-se em três
segmentos: popular, erudita e clássica.
A cozinha tradicional popular é ancestral, sua
origem se perde no tempo e se confunde com a identidade dos povos,
caracteristicamente não codificada é anomima e pertence à tradição oral,
guardanda na memória e reproduzida através da repetição de geração em geração.
A cozinha
tradicional erudita representa a codificação do popular, sua transposição para
o universo acadêmico, icorporando a tradição oral transformada em registro
histórico escrito, com receitas bem definidas e inalteráveis.
A cozinha
tradicional clássica espelha a culinária usual, tipica e regionalizada; a
despeito de constantemente associada à tradição francesa; expressa a identidade
de um grupo amplo ou mais restrito de determinada região - a exemplo da
tradição classica baina, nordestina ou brasileira -, comportando ingredientes
que pertencem a um territorio especifico e denotando hábitos alimentares e
comportamentais.
No ambito das três
grandes vertentes da cultura gastronômica, a cozinha evolutiva incorpora a
tradicional em todas as suas variantes, apresentando uma ligeira modernização,
adaptando valores e gostos, alterando alguns ingredientes sem modificar a
essencia do prato.
Parte do popular,
erudito ou tradicional, trabalhando gostos com prudência muitas vezes apenas
adptando o alimento ao paladar da clientela conforme os ingredinetes
reginalmente disponiveis e/ou assimilando avanços técnicos e tecnologicos para
modernizar o prato.
Também inserida no
ramo principal da cultura gastronômica, a cozinha de vanguarda rompe totalmente
com a tradição, propondo novos conceitos e sabores e misturando os ingredientes
sem repeitar receitas, técnicas e processos instituídos.
Este segmento
possui inumeras divisões, as quais, devido a peculiar característica inovadora
da vanguarda, aumentam crescentemente, conforme o estilo gastronômico evoluí.
No entanto, a
cozinha de vanguarda possuí algumas divisões estudadas e catalogadas,
comportando: a cozinha criativa, autoral, molecular, tecnoemocional e
recreativa; além de tendências mais recentes como a neocozinha e o menú
degustação.
A cozinha de
vanguarda criativa está reservada aos grendes especialistas e cozinheiros
profissionais com conhecimento prático e teorico aprofundado; é aquela que
apresenta o novo, revolucionando a culinária, assemlhando-se a criação de uma
obra de arte.
A cozinha de
vanguarda autoral possuí vínculo com os grandes chefes de cozinha, consagrados
e apreciados por gourmets e goumands; é única, singular, artesanal, trabalhando
com misturas inusitadas, renovando e inovando no sabor e na apresentação,
guardando um toque que permite identificar seu autor.
Portanto, apresenta
um padrão associado ao estilo do chefe, a despeito da variedade de pratos,
representando o equivalente a produção de um artista ou escritor singular que
altera o traço da pincelada ou a estrutura narrativa.
A cozinha de
vaguarda molecular é uma tendência relativamente recente, apareceu em 1988,
simultaneamente, na França e Espanha, associada ao trabalho conjunto de
cientistas e cozinheiros, transformando alimentos com respaldo dos avanços tecnologicos
e da composição quimica dos ingredientes.
A cozinha de
vanguarda tecnoemocional é ainda mais recente, apareceu na virada para o século
XXI, especificamente na Espanha, onde é mais difundida, apesar de estar
atualmente disseminada pela Europa e outras partes do mundo, tendo chegado com
grande força no Japão.
O próprio termo
denota um neologismo que se refere a uma culinária de alta tecnologia que busca
resgatar emoções, apelando ao espírito para despertar sentimentos em quem
degusta.
Apesar de recente,
já foi desdobrada em uma variante, a cozinha técnico-conceitual, que além de
emocionar, apresentando o novo, representa conceitos vinculados com identidades
regionais.
A cozinha de
vanguarda recreativa, embora pareça ligada a pratica culinária amadora, é
altamente especializada, sendo práticada pelos grandes gourmets, reunidos em um
ambinete de camaradagem e companheirismo por puro divertimento.
Representa a
produção culinária efetivada no tempo de ócio dos gastronômos, misturando
ingredientes conforme o paladar individualizado, sem preocupação com a
possibilidade de reprodução posterior da receita ou de comercialização.
Dentro do ambito da
vanguarda, a neocozinha, uma tendencia exclusivamente espanhola, propõe a
renovação do tradicional e evolutivo.
Já o menú
degustação retomou no século XXI uma prática que nasceu no século XIX, propondo
a degustação gourmand de miniaturas, pequenas porções em grande variedade,
misturando sabores no paladar, possibilitando conhecer pratos criativos em
diversidade.
Concluindo.
Adentrando a
gastronomia e a cultura gastronômica, passeando em meio ao surgimento e
evolução da terminologia, somos conduzidos a uma questão central, cuja resposta
envolve a analise do desenvolvimento da história da alimentação: o que é
gastronomia?
Ao contrário do que
imagina o senso comum, este segmento do conhecimento humano é milenar,
guardando enorme complexidade e compondo um complexo quadro evolutivo
intimamente relacionado com a própria história da humanidade.
Não obstante, a
gastronomia, conceitualmente é uma mistura de técnica, ciência e arte.
É tecnica,
derivando da techné grega na
antiguidade, porque requer o domínio de procedimentos e o conhecimento dos
sabores contidos em ingredientes, além do requisitado pelos paladares.
Os gregos antigos
chamavam techné algo que se confundia
com a arte, envolvendo certa criatividade, capacidade de improvisação,
respondendo às necessidades construtivas que conseguem reproduzir inovações e
utilizar tecnologias para facilitar o trabalho humano.
Mas a gastronomia,
neste sentido é também ciência, porque não apenas reproduz, cria o inteiramente
novo e ajuda a construir e aprimorar racionalmente o conhecimento, estudando o
que existe e incorporando novos sabores.
Responde por uma
esfera acadêmica, formalizando o saber culinário, encontrando suas raizes e
conceituando os pratos e práticas da cozinha em todas as esferas territorias e
teóricas.
Como pretendiam os
gregos e outros povos antes deles, é sobretudo arte.
Pensada em sua
origem ars, definida pelos romanos
como processo criativo a partir da percepção, com o intuito de expressar
emoções e ideias, produzindo novos e múltiplos significados.
Adentra um
referencial polissêmico que se estende para o termo gastronomia, visto que a
arte possuí inumeras definições possíveis, com variações ao longo do tempo e
espaço.
Todas dentro do
âmbito de um mesmo significado geral, a arte culinária procura estabelecer
ordem ao caos representado por gostos diversificados e individualizados,
percepções interiorizadas em quem degusta.
Para
saber mais sobre o assunto.
ARANHA,
Maria Lucia Arruda & MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de filosofia. São Paulo: Moderna, 1992.
CHAUÍ,
Marilena. Convite a filosofia. São
Paulo: Ática, 1994.
GÓMEZ,
Fernando Sánchez. La cocina de la
crítica: história, teoria e práctica de la crítica gastronómica como género
periodístico. Madri: Amazon, 2014.
PETRINI,
Carlo. Slow Food: Princípios da Nova Gastronomia. São Paulo: Senac, 2009.
PETRINI,
Carlo. Slow Food Nation: Why Our Food Should Be Good, Clean,
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PETRINI,
Carlo. “Slow Food Revolution: A New
Culture for Dining and Living” In: Conversation
with Gigi Padovani, Rizzoli, September 2006.
PETRINI,
Carlo. Slow Food: The Case for Taste (Arts & Traditions of
the Table: Perspectives on Culinary History). Columbia University Press , April 2003.
PINTO, Geraldo Augusto. A organização do trabalho no
século XX: taylorismo, fordismo e toyotismo. São Paulo: Expressão Popular,
2010.
WOMACK, James P. A máquina que mudou o mundo. Rio
de Janeiro: Campus, 1992.
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