Flávia Braga.
Graduada
em licenciatura em História pela UFPE.
Graduanda
em bacharelado em História pela UFPE.
José Murilo de Carvalho
em seu livro Cidadania no Brasil faz um comentário aparentemente simples acerca
do governo de Getúlio Vargas em 1930: “Certamente
não se tratou de Revolução, se compararmos o episódio com o que se passou na
França em 1789, na Rússia em 1917, ou mesmo no México de 1910.” (CARVALHO,
2001: 89).
Apesar do comentário passageiro, não podemos deixar de notar que o
historiador colocou os acontecimentos do início do século XX no México no mesmo
sentido dos acontecimentos da Revolução Francesa e da Bolchevique, o que nos
trás um bom começo argumentativo.
Entretanto, outros autores, como Héctor
Aguilar Camín e Lorenzo Meyer se referem aos acontecimentos mexicanos entre
1910 e 1917 como uma Guerra Civil (CAMÍN; MEYER: 1993, 107). Já Héctor H. Bruit
considera o mesmo período como a Revolução dentro do quadro das “revoluções” na
América Latina. (BRUIT, 1988: 15).
Maria Lígia Prado nomeia o período como
“Revolução Camponesa de 1910” (1981: 14) .Se os historiadores não estão de
acordo quanto à conceituação deste período confuso da história do México, como
classificá-lo?
Antes de argumentar se
os acontecimentos no México entre 1910 e 1920 merecem ou não o título de
Revolução, é preciso que se defina previamente qual o conceito utilizado aqui
para fazer tal julgamento. Como análise do conceito de Revolução utilizamos o
verbete do Dicionário de Política de Norberto Bobbio (1997: 1131) que, entre
outros aspectos define:
A Revolução é a tentativa, acompanhada do uso da violência, de derrubar as autoridades
políticas existentes e de substituí-las, a fim de efetuar profundas mudanças
nas relações políticas, no
ordenamento jurídico-constitucional
e na esfera socioeconômica. A Revolução
se distingue da rebelião ou revolta, porque esta se limita geralmente a
uma área geográfica circunscrita, é, o mais das vezes, isenta de motivações
ideológicas, não propugna a subversão total da ordem constituída, mas o retorno
aos princípios originários que regulavam as relações entre as autoridades
políticas e os cidadãos, e visa à satisfação imediata das reivindicações
políticas e econômicas [...] A Revolução se distingue do golpe de Estado,
porque este se configura apenas como uma tentativa de substituição das
autoridades políticas existentes dentro do quadro institucional, sem nada ou
quase nada mudar dos mecanismos políticos e socioeconômicos. [...] a Revolução só se completa com a introdução
de profundas mudanças nos sistemas político, social e econômico. (Grifos
nossos) .
Tendo em evidência o
conceito formulado por Bobbio, podemos analisar o período em questão.
MÉXICO,
1910-1917.
Primeiramente é
importante ressaltar o contexto mexicano do governo de Porfírio Díaz para
entender os aspectos continuístas e de rupturas nos movimentos a partir de
1910.
Em tal ano, Díaz já contava com 80 anos de idade e 34 anos de governo.
O
México do final do século XIX assistiu a um longo período de avanço econômico,
principalmente com a construção de milhares de quilômetros de ferrovias,
exploração crescente do petróleo por companhias estrangeiras como a Standard Oil e Royal Dutch Shell, indústria, entre outros.
Entretanto, esse
crescimento econômico não foi acompanhado de um melhor equilíbrio entre as
classes, pelo contrário, o abismo social que separava a elite do povo era
impressionante.
Agrava-se a essa situação o período imediatamente anterior aos
períodos revoltosos em que as primeiras greves operárias se iniciam em 1906, da
grande crise financeira de 1907 somada as secas de 1908 e 1909.
É, portanto, um
período de intensa mudança social e econômica porque passa o México pré-1910.
Assome-se a esse período a grande movimentação intelectual positivista que
contestava a antiga ordem política de Díaz, vista como ultrapassada e
retrógrada, principalmente através do jornal Regeneración.
A questão aqui é ressaltar que o governo de Porfírio Díaz é marcado por um
longo período de “paz” e prosperidade capitalista no México.
A Constituição de
1857, utilizada pelo ditador a partir do início do seu governo de 1877,
desenvolveu-se dentro de uma política de privilégios, com garantias especiais
aos grandes proprietários, homens de negócio, enfim, as altas classes.
Esse
período de aparente crescimento, entretanto, ficou marcado por uma massificação
da classe popular que, em 1900, representava a soma absurda de 91% do total da
população. (BRUIT, 1988: 16).
Essa população, por sua vez, vivia com o
movimento de expansão dos centros urbanos, não alcançado no mesmo ritmo pelas
políticas sociais.
A urbanização do
México teve outras consequências, entre elas a ruína de muitos artesãos frente
ao crescimento industrial, a falta de oportunidade de profissionais liberais e
intelectuais além da falta de liberdade de expressão.
O meio rural, por seu
lado, estava em processo de desapropriação em larga escala para a construção de
ferrovias que, em muitos casos, senão todos, serviam como escoamento da
produção petrolífera, basicamente em continuidade do próprio sistema
ferroviário norte-americano.
A longo prazo – leia-se os 33 anos de ditadura
porfirista – esse sistema de governo de privilégios, autoritário, centralizado,
de desenvolvimento capitalista acelerado, com desapropriações que atingiam a
maior parte da população, só aumentou a tensão social no México.
Quando em 1908
o ditador Porfírio Díaz anunciou ao jornalista do Persons Maganize, James
Creelman que seria a hora de retirar-se, as forças que contavam com a renovação
da política mexicana em moldes neoliberais tiveram o pontapé que faltava para
rebelar-se.
No mesmo ano, Francisco Madero, rico proprietário rural de
Coahuila, escreve A Sucessão Presidencial
de 1910 que, em moldes neoliberais lança as bases do movimento madeirista
de democratização do regime, respeito a constituição e as leis e, obviamente, o
respeito a propriedade privada.
Não iremos aqui descrever o processo de tomada
de poder, pois foge a resposta da pergunta.
O que podemos analisar são as
consequências das sucessivas tomadas de poder entre o movimento madeirista de
1910 até o carrancista de 1917.
O que, de fato, mudou no México, neste período?
Logo de início, quando
Francisco Madero consegue assumir a presidência, nota-se a moderação quando
este permanece com a máquina estatal do antigo ditador já deposto.
Os
funcionários públicos que há décadas serviram ao ditador praticamente
permaneceram na presidência de Madero.
Além disso, durante o processo da
mudança do regime, se aliaram ao movimento maderista vários movimentos
regionais sociais, tais como o Zapatismo e o Villismo que, por suas vezes,
exigiam do novo governo as reformas sociais que defendiam, principalmente, a
reforma agrária.
Agrava-se ao novo governo as tentativas pacificadoras
conciliatórias que, entre outros, exigia o desarmamento das tropas
revolucionárias e também conciliar tensões seculares entre proprietários e
camponeses.
Se o novo governo maderista pode ser visto como revolucionário, é muito
provável que os camponeses revoltados que viram seus interesses no campo marginalizados
por Francisco Madero não concordem.
A vinculação liberal de Madero era, em
muitos aspectos, incompatível com os movimentos espalhados no país naquele
momento.
Zapata, líder do movimento camponês em Morelos, é o mais conflituoso
contra o novo governante, escreve o Plan de Ayala
que irá acompanhar o movimento até a sua morte.
Não apenas o conflito continuou
em lados opostos, mas os próprios generais da esquerda madeirista, como Pascual
Orozco, sublevaram-se contra Francisco Madero, dando continuidade ao processo
revolução popular, buscando a ampliação das aspirações camponesas e, também,
das operárias.
Em 1913 num movimento contrarrevolucionário que ficou lembrado
como Dezena Trágica, Francisco Madero é deposto e assassinado junto com seu vice,
sendo procedido por Victoriano Huerta.
O governo de Huerta não
melhora a condição social no México.
Pelo contrário, a repressão militar
recrudesce, impõe-se a limitação democrática, tudo em nome da “pacificação”
interna e do reconhecimento internacional do regime.
Tentando conciliar as
várias manifestações, busca a conciliação com Orozco e Zapata,
tendo o primeiro aceitado o governante e o segundo rechaçado.
Os conflitos se
agravam quando nem mesmo o apoio da Câmara dos Deputados é conseguido e esta é
fechada por Huerta, seguido pelo Senado.
Internacionalmente, o governo tampouco
consegue o reconhecimento norte-americano, agravado pelo incidente de Tampico.
Neste período diversas
forças estavam em conflito para derrotar Huerta.
Desde o movimento liberal, que
não era muito diferente do antigo regime porfirista, até revoltas de generais
madeiristas, todos se dividiram.
Desponta-se nesse período a organização do
exército constitucionalista de Venustiano Carranza que, aliado com setores da
alta e média sociedade, marchava contra o ditador Huerta.
Estando este quase
sem apoio, nem dos movimentos populares – a exceção de Orozco – nem dos EUA,
nem do Congresso ou Senado, Victoriano Huerta renuncia e foge do país em 1914.
Durante o período posterior as três facções revolucionárias – Villa, Zapata e
Carranza – se reuniram em torno da Convenção de Aguascalientes.
Nesta convenção
definia-se a renuncia ao governo por Carranza, o afastamento de Villa e Zapata
e a nomeação de Eulalio Gutierrez como chefe de Estado. Não há acordo. Carranza
só se torna presidente do México em 1915, após intensa luta com tropas
villistas e zapatistas, e só promulga a Constituição do México em 1917.
Esta
constituição é vista como a mais democrática do mundo na época e a primeira a
defender os direitos sociais, entre as mudanças: reforma agrária; separação
entre Igreja e Estado, jornada de oito horas, direito a greve, sindicatos,
limitação do trabalho feminino e infantil, etc.
De maneira geral, as conquistas
constitucionais deste período refletem as aspirações dos diversos movimentos
populares da época.
Esse período, nomeado
de Guerra de Facções, é bastante elucidativo para a tentativa de definição do
período mexicano. Se por um lado nem Francisco Madero nem Victoriano Huerta
foram capazes de modificar o sistema político-social do México porfirista, o
movimento Zapatista lutava exatamente por isso, de acordo com Bruit:
“... a revolta não visava apenas
derrotar o latifundiário, o comerciante, o homem rico, que sufocavam a
existência do camponês, mas construir uma sociedade mais justa, igualitária,
onde o trabalhador se reencontraria consigo mesmo e com seu próprio trabalho;
uma sociedade baseada no trabalho coletivo de indivíduos concretos, que não se
deixariam explorar pela classe burguesa.” (1988, 25)
CONCLUINDO.
Se a alcunha de
Revolução não podia ser atribuída aos chefes de Estado, à luz do conceito
argumentado por Bobbio supracitado, a Revolução Mexicana pode ser associada ao
movimento popular das bases, majoritariamente ao movimento Zapatista, mas aí
entraríamos numa outra questão: foi o movimento zapatista de caráter nacional,
como exige Bobbio para a aceitação do vernáculo Revolução? Neste sentido, não.
O movimento zapatista restringiu-se basicamente a cidade de Morelos, mesmo que
com simpatizantes no resto do território nacional.
Avaliar esse período, no
sentido geral e nacional, desde a fronteira do México com a Guatemala e o
Belize até o norte dividido com os EUA, onde seriam aplicadas mudanças
políticas, sociais, culturais e etc, fica difícil aceitar, então, o conceito de
Bobbio para a Revolução Mexicana. Mas fica então a reflexão de considerar qualquer
movimento histórico, como analisou José Murilo de Carvalho, como uma revolução.
Foi a revolução bolchevique de 1917 realmente generalizante? Foi a Revolução
francesa?
Nessa perspectiva fixa do dicionário, nenhum movimento histórico
poderia ser chamado de revolução.
A questão é avaliar as conquistas do povo
mexicano durante esse processo.
A constituição de 1917 foi, talvez, a mais
avançada de sua época e, provavelmente, uma das mais avançadas até a
atualidade.
A garantia dos direitos camponeses, a reforma agrária, os direitos
políticos, sociais e civis mais democráticos, são quase inimagináveis em outros
pontos do globo no mesmo período, muito menos no Brasil, por exemplo.
As conquistas
constitucionais dos camponeses e operários do México no período de conflito,
entretanto, não permaneceram no período da década de 20.
Comenta Maria Lígia
Prado (1981 : 15) que a reforma agrária prevista em 1917 virou letra morta na
década seguinte.
É só após a Crise de 29, numa política de substituição de
importações sob governos nacionalistas, que o populismo mexicano se desenvolve
e retoma muitas reivindicações de décadas anteriores.
É em Lázaro Cárdenas,
expressão máxima do populismo mexicano, que 17890 mil hectares de terras (37%
do total) serão doadas ao processo de reforma agrária. (PRADO: 1981 : 23).
Revolução ou não, é
incontestável que o México entre 1910-1917 teve em muitos dos seus cidadãos o
sentimento revolucionário, ainda que morrendo de fome tal quais seus pais.
PARA
SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO.
BOBBIO,
Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUIN. O, Gianfranco. Revolução. In: Dicionário
de política. 10. Ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1997. 2 vol. p.1131-1137.
BRUIT,
Héctor h. A Revolução Mexicana. In:
Revoluções na América Latina. São Paulo : Atual, 1988.
CAMÍN,
Héctor Aguillar. MEYER, Lorenzo. Do
caudillo ao maximato: 1920-1934. In: À Sombra da Revolução Mexicana:
História mexicana contemporânea, 1910-1989. São Paulo ; Edusp, 2000.
CARVALHO,
José Murilo de. Cidadania no Brasil:
o longo caminho. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2001.
PRADO, Maria Ligia. O populismo na
America Latina: (Argentina e México). São Paulo: Brasiliense, 1981.
80p.
WOMACK, John. A Revolução Mexicana. In: História de América Latina. São Paulo :
Edusp; Brasília : Fundação Alexandre Gusmão. p.105-192.
RESUMO:
O artigo trabalha os principais aspectos da Revolução Mexicana de 1910,
buscando compreender se o movimento popular daquele país pode ser chamado pela
historiografia de Revolução ou de Revolta.
PALAVRAS-CHAVE:
Revolução; Revolta; México.
De acordo com
Fábio da Silva Souza “o jornal Regeneración foi fundado em agosto de 1900, pelos irmãos
Ricardo e Jesús Flores Magón, na Cidade do México. Publicado até 16 de março de
1918, esse periódico contou com quase 300 números e foi fundamental na
divulgação dos ideais anarquistas e anarco-sindicalistas no México no final do
século XIX e nas primeiras décadas seguintes. Chegou a ter 30 mil exemplares
distribuídos e, como consequência da intensa perseguição política imposta a
seus editores, durante anos foi editado na Califórnia. Inicialmente, quando
surgiu, em 7 de agosto de 1900, o Regeneración tinha como postura
uma crítica liberal ao regime porfirista.” Em : SOUZA, Fábio da Silva. A Revolução Mexicana
de Regeneración e as redes libertárias nas Américas. Encontrado em < http://www.anphlac.org/revista/revista9/fabio.pdf > Acesso em 16 de abril de
2013.
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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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