Para entender a
história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Vol. jun.,
Série 05/06, 2012, p.01-12.
O artigo faz parte da Monografia
de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia Institucional pelo
INEC/Universidade Cruzeiro do Sul,
orientada pelo Prof. Dr. Fábio Pestana
Ramos.
A idéia dessa
pesquisa surgiu devido ao crescente número de manifestações de violência
exercida por adolescentes nos últimos anos.
São inúmeros os
fatores que influenciam no processo da conduta delinqüente entre os jovens, dentre
eles está o processo de adolescer, que é um momento onde o jovem desenvolve suas
potencialidades e incorpora novos valores éticos e morais à sua identidade,
estando assim suscetível a influências externas e internas, pois é um período
em que se reestrutura o psiquismo humano.
Essa é uma
problemática que resiste ao longo dos tempos e está em constante ascensão,
tratado de acordo com o contexto social em que o individuo está inserido.
Para a realização
desse trabalho foi utilizado uma verificação literária de autores
psicanalíticos e comportamentais, a fim de entender como o “ter” deu lugar ao
“ser”, levando os jovens a juntarem-se em bandos, tal qual uma legião cega pela
intolerância ao outro.
Entendo o adolescer.
Na percepção de
Levisky (1998), o suporte para essa mudança e reestruturação, parte do
reconhecimento do adolescente pelos pais no grupo social, bem como de um bom
narcisismo por parte do adolescente na construção dos laços sociais.
Reestruturação
essa que é marcada pela crise de identidade, pela busca desse reconhecimento e
pela busca de espaço pertencente a ele enquanto sujeito social e que deve ser
ouvido.
É nessa fase que a
atuação se apresenta como forma de mostrar sua existência.
Em 1932 Freud já
se preocupava com a origem da agressividade.
O que constatamos
nas correspondências que trocou com Eistein no texto “Por que a guerra.”, onde discutem o porquê o homem precisa ser tão
agressivo.
Em “Totem e Tabu” (1912, 13), ele faz
menção ao mito da horda primitiva, no qual os filhos colocam-se contra o pai
violento e detentor do poder, onde somente através do assassinato deste
tomariam o poder para si.
E o poder nada
mais é do que a ordem e a lei.
Sendo assim,
percebemos que a violência tem inicio na cultura dos povos.
Para um estudo
mais eficiente se faz necessário entender o processo de “adolescer”.
Esse processo é o
momento em que a criança desenvolve suas potencialidades incorporando novos
valores à sua identidade, esse período de reestruturação do psiquismo humano,
vem repleto de conflitos, que conforme Levisky, é marcado pelo luto infantil,
luto dos pais idealizados, retorno ao complexo de Édipo e a busca da
identidade.
Na opinião de
Myers (1999) psicólogos e estudiosos do comportamento já percebem a
adolescência como uma das características principais do comportamento
distorcido, com suas oscilações de humor que é também vista como um tempo de
vitalidade, sem os cuidados da vida adulta, amizades vazias, idealismo intenso,
uma crescente sensação de excitantes possibilidades.
O desenvolvimento
moral e a moral pró-social dependem de uma complexa relação interna entre
fatores como ordem familiar, social, educacional e cultural, além de processos
cognitivos, afetivos e motivacionais que permeiam as experiências de
socialização às quais a criança está exposta.
Dessa forma
Lustosa (2005) afirma que os valores, as crenças, e os princípios morais de
educadores, principais agentes responsáveis pela socialização, bem como outras
figuras de autoridade para a criança, e até mesmo a mídia, influenciarão a
aquisição e evolução do conceito de moralidade dos indivíduos.
O comportamento
normal da adolescência e o comportamento delinqüente.
Conforme Knobel
(1981), quando estamos na “normalidade”
temos a capacidade de utilizar ferramentas, existentes em nossa estrutura
psíquica, para atingir as satisfações básicas do sujeito, de forma a alcançar
substituições favoráveis tanto para o individuo, quanto para a sociedade.
Defende que a
personalidade bem integrada nem sempre é a melhor adaptada, mas que possui
recursos internos para modificar a sua conduta de acordo com as necessidades
circunstanciais, quando o meio entra em conflito com os objetivos de satisfação
do individuo.
Freud em “Além do Principio do Prazer” (1920),
afirma que, é necessário o individuo identificar sua destrutividade consciente
ou inconscientemente e que, a partir disto, desenvolva mecanismos adaptativos
que atenuem ou sublimem a ação dessas forças.
Knobel (1981)
pontua, também, que na fase adolescente há uma ameaça constante de ruptura das
relações intra, inter e trans-subjetivas, fato este que acaba por provocar
maior incidência de mecanismos psicológicos regressivos, de natureza psicótica,
neurótica ou psicopática.
São mecanismos
como: onipotência, egocentrismo, cisão, negação, projeções, acting-out o que,
então, se refletem no comportamento dos jovens, com tendência a se cristalizar
como modo de funcionamento mental.
O autor fala
ainda, sobre uma patologia normal, no período da adolescência, onde para
conseguir a estabilização da personalidade o adolescente necessita de uma
conduta ligeiramente patológica.
Por isso os
comportamentos externalizados de luta e rebeldia, não são mais do que reflexos
dos conflitos internos, sendo esperado durante esse processo o surgimento de
atuações como características defensivas de caráter psicopático.
Nesse sentido, o
autor cita Anna Freud, que diz não ser o esperado a presença de um equilíbrio
estável, durante o processo adolescente, e conceitua a sintomatologia que
integra está suposta síndrome:
a)
Busca de si
mesmo e da identidade: todo o processo de adolescer está baseado na busca
da própria identidade, que é a principal função desta fase, que se desenvolve à
medida que o sujeito vai integrando e introjetando concepções de muitas
pessoas, grupos e instituições a respeito dele mesmo.
b)
Tendência
grupal: o adolescente utiliza a uniformidade como comportamento defensivo,
que proporciona segurança e estima pessoal, juntando-se, assim, em grupos, onde
todos se identificam com cada um.
c)
Necessidade de
intelectualizar e fantasiar: a realidade impõe ao adolescente a necessidade
de renunciar ao corpo, ao papel e aos pais da infância, fazendo com que este
vivencie esta fase com sentimento de fracasso e impotência frente a estas
situações tão dolorosas.
d)
Crises
religiosas: nesta fase o individuo pode apresentar desde o ateísmo mais
intransigente até o misticismo mais fervoroso com situações extremas. Ele está em
busca de ideologias para seguir valores éticos e morais que farão parte de sua
personalidade.
e)
Deslocalização
temporal: ele converte o tempo presente e ativo, numa tentativa de
manejá-lo, sendo as urgências enormes e as postergações aparentemente
irracionais. À medida que vão se elaborando os lutos típicos dessa fase, a
dimensão temporal adquire novas características, o que implica a conceituação
de tempo, noção de passado, presente e futuro.
f)
Evolução sexual manifesta: evolução do auto-erotismo, onde há o
contato sexual de caráter exploratório e não procriativo. Inicia-se a busca por
um parceiro e, consequentemente, as primeiras relações de carinho, afeto e
sexuais.
g)
Atitude social
reivindicatória: a idéia de poder transformar o mundo é muito presente
nesta fase e se caracteriza pelo pensamento fantasioso onipotente de manejo do
mundo.
h)
Contradições nas
manifestações de conduta: o pensamento se torna ação para poder ser
controlado, sua personalidade é permeável, na qual os processos de projeção e
introjeção são intensos, variáveis e freqüentes, fazendo com que este não possa
ter uma linha de conduta determinada.
i)
Separação
progressiva dos pais: uma das tarefas básicas na busca da identidade do
adolescente é a de ir separando-se dos pais. Isto só é possível através da
internalização de boas imagens parentais, com papéis bem definidos, uma cena
primaria amorosa e criativa.
j)
Flutuação de
humor: as mudanças de humor são típicas desta fase, tendo sua base nos
mecanismos de projeção e de luto pela perda dos objetos já citados. Os
sentimentos de ansiedade e depressão acompanham permanentemente o processo de
adolescer.
Levisky
(1998) pontua que, para se ter um diagnóstico diferencial entre a crise normal
da adolescência e os quadros psicóticos ou psicopáticos, deve-se observar a
constância do comportamento, sua mobilidade, considerando o desenvolvimento
evolutivo, antecedentes pessoais e familiares.
Conforme
Knobel (1981), o processo de busca de identidade pode fazer com que o sujeito a
encontre de forma errônea, baseada em figuras negativas, onde é melhor ter uma
identidade perversa a não ter nenhuma.
Isto
acontece muitas vezes quando já houve transtornos na aquisição da identidade
infantil, o que constitui a base dos grupos de delinqüentes e adeptos de
drogas.
De acordo
com Ballone, dentro da psiquiatria da infância e da adolescência, um dos
quadros mais problemáticos tem sido o chamado de Conduta, anteriormente chamado
de delinquencia, o qual se caracteriza por um padrão repetitivo e persistente
de conduta anti-social, agressiva ou desafiadora, por no mínimo seis meses (
segundo o CID 10).
Para ser
considerado Transtorno de Conduta, esse tipo de comportamento deve alcançar
violações importantes, além das expectativas apropriadas à idade da pessoa e,
portanto, da natureza mais grave que as travessuras ou a rebeldia normal de um
adolescente.
O padrão de
comportamento no Transtorno de Conduta se caracteriza pela violação dos
direitos básicos dos outros e das normas ou regras sociais.
Conforme o
mesmo autor citado acima, o Transtorno de Conduta é um diagnostico especialmente
infantil ou da adolescência, pois após os 18 anos, persistindo os sintomas
básicos (contravenção), o diagnóstico deve ser alterado para Transtorno de
personalidade Anti-social.
Outra
característica do Transtorno de Conduta é que esse padrão sociopático de
comportamento costuma estar presente numa variedade de contextos sociais e não
apenas em algumas circunstâncias, ou seja, não só na escola, no lar ou na rua,
por exemplo.
O portador
desse transtorno causa mal estar e rebuliço na comunidade em geral.
Atualmente
a psiquiatria tende a considerar dois subtipos de Transtorno de Conduta com
base na idade de inicio, isto é, o Tipo com inicio na Infância e Tipo com
inicio na Adolescência.
Ambos podem
ocorrer em 3 níveis: leve, moderada ou severa.
As pessoas
com Transtorno de Conduta apresentam sintomas como: pouca empatia e pouca
preocupação pelos sentimentos, desejos e bem-estar dos outros, sensibilidade
grosseira para as questões sentimentais e emocionais dos outros, não possuem
sentimentos próprios e apropriados de culpa, ética, moral ou remorso, são
extremamente manipuladores, costumam delatar seus companheiros e tentar culpar
outras pessoas por seus atos.
Apresentam,
também, baixa tolerância à frustração, irritabilidade, acessos de raiva e
imprudência quando contrariados e este transtorno está freqüentemente associado
com o início precoce de comportamento sexual,
consumo de álcool, uso de substâncias ilícitas e atos imprudentes e arriscados.
O
diagnostico de Distúrbio de Conduta deve ser feito somente se o comportamento
anti-social continuar por um período de pelo menos seis meses e assim
representar um padrão repetitivo e persistente.
Devem estar
presentes algumas características importantes para o diagnóstico: Furtos, fugas
noturnas da casa dos pais, mentiras freqüentes, faltas à escola ou ao trabalho,
destruição da propriedade alheia, crueldade física com animais, atividades
sexuais forçadas, envolvimentos repetidos em confrontos físicos e outros.
Muitos
indivíduos com Transtorno de Conduta, particularmente aqueles com inicio na
adolescência e aqueles com sintomas leves, conseguem um ajustamento social e
profissional satisfatório na idade adulta.
O início
muito precoce indica um pior prognóstico e um risco aumentado de o transtorno
persistir e se agravar na vida adulta.
Herança cultural e
social.
Aragão (1991) no
texto “Mãe preta, tristeza branca” faz
uma ligação da violência brasileira com a história cultural do Brasil.
Ele trata a
violência como um sistema de troca, como relacional, analisando a questão da violência
a partir do modelo familiar composto, além dos pais e dos filhos, pela ama de
leite ou “babá”.
Teoriza, então,
que a relação entre a criança e a ama está fortemente marcada pelo contato
corporal, onde esta imprime na criança, suas modalidades de organização
efetiva.
O que quer dizer
que o corpo no qual a criança tem acesso não é reconhecido socialmente, sendo
que o corpo reconhecido pelo social, ela não tem acesso.
Consequentemente,
este fato marca uma dissociação da sexualidade e do reconhecimento social,
impossibilitando o individuo de reconhecer-se a partir do outro e a partir do
contato com outro.
Essa afetividade
difusa, passada pela “mãe preta” e o contexto das relações sociais, marca o
individuo desde o nascimento até a morte.
À luz desta teoria
estamos diante de uma sociedade que historicamente, tem provado sua
incapacidade em produzir uma estruturação das diferenças, em troca de uma
totalização social.
Portanto, para
Aragão, a violência no Brasil está ligada ao processo de socialização, ao modelo
de colonização caracterizado, principalmente, pela escravidão e pela divisão
entre as elites e as classes trabalhadoras.
Arendt apud Fleig
(1999) pontua que junto à transição da sociedade pré-moderna para a moderna
ocorreu também uma transição das formas de poder e violência que está
focalizada no eixo dos valores.
Isto porque na
sociedade pré-moderna os valores estavam centrados no todo, no relacional
(parentesco), na hierarquia, na tradição: enquanto que na modernidade os
valores são situados nas coisas, no conceito de igualdade, autonomia,
individualismo, onde para se dizer quem é o sujeito, é necessário que este
possua bens, que consiga acumular objetos.
É o “deslocamento
do poder sobre as pessoas para um poder sobre os objetos” (129).
Para o mesmo autor,
a violência é oriunda dos ideais de igualdade, individualismo e autonomia.
Já para Calligaris
apud Fleig (1999) a violência é um resíduo do poder pré-moderno (escravidão) e
do efeito do poder moderno, que priva a maioria da população do poder sobre os
objetos, que se caracteriza como um convite à violência.
De acordo com
Foucoult apud Birman (2001), as normas regulam as práticas sociais, de maneira
arbitrária e relativa, de acordo com as particularidades culturais de
determinada tradição histórico-social.
Para Birman
(2001), o Brasil tem uma das contribuições mais avançadas do mundo, mas, em
oposição, os princípios desta não funcionam nas práticas sociais da justiça,
talvez por estar marcada pela tradição escravista patrimonialista da sociedade.
Enfim, o que funda
as práticas sociais da justiça é essa tradição.
Santos e Tirelli
(1999) fazem uma reflexão da interação entre a policia e as classes sociais,
enquanto expressão das formas de dominação, marcada pela violência física e
simbólica.
Nesta interação, o
fato da dominação e excesso de poder por parte da policia e a falta de
cidadania do povo brasileiro está marcado pela herança social, pela extrema
hierarquização social e por um forte autoritarismo do Estado.
Assim, a violência
entraria como recurso para assegurar a hierarquização presente no Brasil, na
falta de outra base consensual.
Para Fleig (1999)
existem três tipos de violência na atualidade: contra os objetos, na forma de
rapto ou depredação; contra os corpos dos semelhantes e a terceira e mais
brutal, é a violência do objeto contra si mesmo.
“O objeto a ser
consumido e destruído ocupa este lugar de quem nos comanda e a quem nos
submetemos passivamente” (p.130).
Assim, estamos
expostos à escravidão voluntária, sensíveis a um gozo sem falha, como se
tivéssemos garantia absoluta de banir o mal-estar em que nos encontramos.
Segundo Kunzel
(1998), a sociedade atual está marcada pela estrutura perversa, o que nos leva
em direção a um sintoma social perverso, o que está diretamente ligado à
sociedade moderna, onde a tradição se encontra recalcada e no lugar desta surge
uma nova conduta, observada através da busca desenfreada dos indivíduos pelo
novo.
Neste contexto a
sociedade do consumo é a resposta ao direito de gozo, a um gozo sem limites.
E para tanto a
modernidade se apresenta como um fracasso do arbitrário, da lei, da frustração
paterna.
Calligaris apud
Kunzel (1998) diz que a função paterna se mede pelo gozo que interdita e
imaginariza, e não pelo gozo que permite.
Desta forma
possibilita ao sujeito um lugar simbólico, idéias de referência e limite, sendo
que a falha desta função acarreta ao sujeito se reconhecer através da
criminalidade, buscar um nome que não lhe foi dado, a sanção que não foi
exercida, o lugar a ser ocupado, o lugar que lhe foi privado.
Bonin (1998) diz
que cada individuo ao nascer traz consigo determinados comportamentos inatos.
Entretanto no
decorrer do seu desenvolvimento, ele é moldado pela cultura que constitui o
sujeito através da rede de inter-relações sociais.
O primeiro contato
que o individuo tem com a sociedade é através do grupo familiar no qual está
inserido, portanto são os pais que enunciam e investem o lugar que os filhos
irão ocupar no círculo familiar e na sociedade.
Violante (2000)
diz que não são somente os pais que devem investir no sujeito, a sociedade
também deve projetar sobre este a mesma antecipação, pré investindo o lugar
supostamente ocupado quando adulto, possibilitando que este encontre no
discurso social referenciais que lhe permitam projetar-se no futuro, servindo,
então, de suporte identificatório.
Nesse contexto, a
mesma autora designa o contingente populacional como produto histórico da
lógica perversa, através da qual a sociedade produz e distribui suas riquezas,
e que condena uma parcela social a viver no nível da necessidade do imediato,
desprovendo-as das condições materiais básicas de sobrevivência e do acesso aos
bens culturais.
A relação individuo x
sociedade.
A relação
“individuo” e “sociedade” pode ser analisada pela lógica da oposição, sendo que
o individuo estaria preso entre as forças da “cultura” e da “natureza”, onde
apenas haveria desintegração, hostilidade, destruição e desespero.
Pela lógica
funcional-interacionalista, o individuo é reconhecido e se reconhece como
constituído pela complementaridade entre “natureza” e “cultura”, neste caso
haveria o mal-estar “um estado crônico, mas tolerável de desprazer, é
intrinseco à constituição do psiquismo e uma condição básica para a procura
pelo homem das felicidades possíveis” (DERRIDA apud FIGUEIREDO, 1999, p.26).
E por fim pela
lógica da suplementariedade, onde um certo desprazer é constitutivo à
subjetividade, pois se ela se constrói na e como conquista deste desprazer,
enquanto condição para a procura de formas de felicidade qualitativamente
diferenciadas.
Em 1915, Freud no
texto “Reflexão para os tempos de guerra
e de morte”, teorizava que os
impulsos não eram “nem bons, nem maus”, onde, a partir de uma ótica
evolucionista, aponta-nos, que o ser humano é instintivamente destrutivo.
Em “Além do principio do prazer” (1920) Freud formula a noção de pulsão de vida
e de morte, onde o equilíbrio entre estas forças garante o funcionamento
satisfatório da vida psíquica do sujeito, visto que uma sem a outra torna
insustentável a vida psíquica e social do ser humano.
Em “O mal-estar na civilização” (1930),
Freud coloca que o mal-estar sentido por todos os seres humanos liga-se
diretamente à não satisfação de suas pulsões, principalmente da sexual e da
agressiva (pulsão de morte), pois a civilização impõe ao homem esses
sacrifícios.
Sendo assim, a
evolução da civilização pode ser descrita como a luta entre as pulsões de vida
e as pulsões de morte.
No texto “Por que a guerra?” (1933), Freud
utiliza a palavra violência num primeiro momento associada a agressividade, mas
logo depois a utiliza como expressão que define a conseqüência entre os
conflitos de interesses, o que, portanto se aproxima muito da violência atual.
Para Birman
(2001), estamos vivendo na cultura do narcisismo e na sociedade do espetáculo,
o que está possibilitando novas formas de subjetivação, onde o sujeito encara o
outro como objeto para seu usufruto, podendo este ser eliminado assim que lhe
satisfizer.
Então os desejos
assumem uma direção exibicionista e autocentrada, na qual o horizonte
intersubjetivo se encontra esvaziado, desinvestindo das trocas inter-humanas.
Sendo assim essa manipulação do outro que permite a existência do
sujeito atual nada mais é do que a exaltação de si mesmo.
Aberastury apud
Levisky (2000) identifica a sociedade atual dentro de um quadro de violência e
destruição, que não oferece garantias de sobrevivência.
Assim, o
adolescente, cujo destino é a busca de idéias e de figuras ideais para identificar-se, depara-se com a violência e o poder
e também os usa.
Knobel (1981)
coloca que na falta de um pai simbólico, o delinqüente faz tentativas de se
constituir como sujeito por conta própria, visto que a apreensão do objeto
através do furto é um modo de comunicação, sendo assim, valorizando o ato e não
o objeto como capital.
Ceccarelli (2001)
contribui dizendo que a descrença generalizada dos valores tradicionais levou a
uma intensa busca do prazer pessoal, do individualismo ao desencontro dos
ideais coletivos, fazendo com que haja uma substituição, ou mesmo eliminação
dos ideais que não se enquadram nas referencias do sistema de produção
idealizado pelo capitalismo.
O que leva, então, ao empobrecimento da subjetividade em prol da
cultura globalizante, transformando o sujeito em objeto, onde este em desamparo,
fica esvaziado.
Uma reflexão sobre
livre-arbítrio.
Em “A Dissolução do Complexo de Édipo” (1924),
Freud postula sobre a constituição do homem enquanto sujeito através da
passagem pelo complexo de Édipo, ou seja, através da posição que a criança
ocupa em relação aos seus pais que será possível que ela adentre ao universo da
cultura e compreenda o mundo através de uma ordem geral, simbólica, regida por
leis que têm seu inicio na Lei contra o incesto.
Entrar no mundo da
Cultura implica no recalque dos desejos incestuosos, mas possibilita a relação
e a compreensão dos demais sujeitos à sua volta, o que torna possível o ato da
linguagem e a expressão de suas demandas.
Além disso, o
sujeito continua regido por outra instância, o inconsciente, que influência o
homem em direção à satisfação dos desejos recalcados.
Temos aqui a noção
de um sujeito clivado que vive entre dois pólos: a Cultura e o Desejo,
constituído ainda na infância como humano pela relação com as instâncias
maternas e paternas.
Tendo isso em
vista, o sujeito se vale de subterfúgios diversos para a realização de seus
desejos: se por um lado ele é limitado pela cultura que o cliva, o sujeito da
psicanálise pode valer-se de todos os recursos que a cultura oferece para
apostar na realização de seus desejos.
Se por um lado o
sujeito segue a uma lei que o limita, por outro lado ele possui uma infinidade
de recursos que o permitem, conscientemente ou não, satisfazer seus desejos.
A expressão “livre
arbítrio” costuma ter conotações objetivas e subjetivas.
No primeiro caso
indicam que a realização de uma ação por um agente não é completamente
condicionada por fatores antecedentes.
No segundo caso
indicam a percepção que o agente tem em que sua ação originou-se em sua
vontade.
O conceito de
livre arbítrio tem implicações religiosas, morais, psicológicas e cientificas.
Por exemplo, no
domínio religioso o livre arbítrio pode implicar em que uma divindade
onipotente não imponha seu poder sobre a vontade e as escolhas individuais; já
no campo da ética, ele implica em um individuo que pode ser considerado
moralmente responsável pelas suas ações.
Baum (1999), fala
que com tudo isso, não podemos confundir o conceito de livre arbítrio com a
capacidade de escolha.
Esta faz parte da
vida e do comportamento humano e o conceito de economia comportamental tem
ainda muito a contribuir para seu estudo.
Já enquanto a
noção implícita de que a pessoa tem uma liberdade de se comportar
independentemente do seu ambiente passado e presente, esse é um conceito ainda
conflituoso.
O mesmo autor diz
ainda que o livre arbítrio supõe um terceiro elemento além da hereditariedade e
do ambiente, supõe “algo” dentro do individuo.
Este algo nos
remete a uma noção de que a escolha não é uma ilusão e que são as pessoas
inteiramente causadoras do próprio comportamento.
Na adolescência
são muito comuns as reivindicações de liberdade.
O jovem nesta fase
de contestação e auto-afirmação passa, segundo Gusdorf apud Aranha e Martins
(1986), por momentos onde a liberdade do adolescente é uma liberdade de
aspiração, diz ainda que a juventude é tempo de aprendizado da própria liberdade,
onde esse individuo; experimenta, testa, contesta e se contradiz todo o tempo.
Para Locher
(2000), a vontade não necessita de um ato, justamente por que tem em si a livre
determinação.
De acordo com o
autor podemos, decidir entre atuar ou não, entre atuar deste ou daquele modo.
“O pássaro, a quem
hoje sou a liberdade é, contudo, determinado intrinsecamente a suas ações
instintivas, ao passo que ao criminoso agrilhoado possui, em sua alma, um
santuário, onde ele sempre será seu próprio e absoluto senhor – a vontade;
porque nada no mundo o forçará a querer o que ele mesmo não quer”. (Locher,
2000. p. 228)
Concluindo.
A adolescência é
um período privilegiado da existência humana, período este no qual as mudanças
orgânicas, cognitivas, sociais, e afetivas, interferem largamente no
relacionamento interpessoal, quer de ordem familiar, escolar ou social.
O adolescente tem
a necessidade da atuação de algo concreto e real, a fim de manipular seus
desejos e inseguranças.
Essa fase também
propicia a experimentação de diversas situações, do exercício da criatividade,
a busca da ideologia a ser seguida, o que nada mais é do que a busca da
identidade.
Neste contexto, a
cultura, a família e a sociedade mostram os caminhos a serem percorridos pelos
adolescentes na busca de sua identidade.
Temos a identidade
como um conjunto de idéias e conceitos, que o jovem vai absorvendo e
armazenando em seu cérebro desde recém-nascido e tudo isso irá compor a maneira
como ele agirá no futuro.
Assim percebemos
que é a partir do outro que o adolescente constrói a noção do eu.
A função da
família, enquanto primeira ordem social a qual o sujeito entra em contato, é
transmitir a cultura e desenvolver o individuo psíquico.
Para tanto, é
necessário que a família proporcione à criança um ambiente saudável, onde haja
espaço para que ele encontre seu lugar simbólico e conheça seus limites, para
poder alcançar sua liberdade subjetiva e realizar seus desejos.
Através dos
estudos de Freud, isto só será possível através da figura paterna, que marca a
cisão entre a figura materna e o filho, representando a lei e,
consequentemente, garantindo o lugar simbólico de filho.
Já ao olharmos
para a nossa sociedade, percebemos que essa está numa busca alucinada por um
“bem estar”, ilusório, onde tudo o que você quer está ao seu alcance, é só consumir e introjetar, sem pensar e refletir,
onde o caminho a ser percorrido, para se ter o gozo (ilimitado) prometido, é
longo e penoso e pode apresentar inúmeras formas de ser realizado, sendo que o
mais comum é o uso da violência, baseado nos postulados de Freud (1932),
violência no sentido de conflitos de interesses, tendo em vista o
individualismo pregado pela sociedade capitalista, visto que os bens desejados
por muitos, somente serão acessados por poucos, o que vai contra a ideologia de
igualdade.
Violante (2000)
ressalta, que essa idéia de igualdade, prometida pela sociedade, promove na
verdade uma grande desigualdade que muitas vezes leva a exclusão social.
Cada vez mais
adolescentes crescem na rua, fazendo dessa suas casas, depositando todos seus
sentimentos que antes se davam dentro do círculo familiar e escolar.
Estes adolescentes
delinqüentes não ocupam lugar na sociedade e nem são reconhecidos.
Esse
reconhecimento e gozo que não lhes é dado de direito é buscado através da
violência, onde se fazem reconhecer pelo outro, causando uma morte simbólica
determinada pela exclusão.
Por outro lado
Forte (2003), sinaliza o aumento dos comportamentos delinqüentes entre
adolescentes de classes não tão excluídas (média e alta), dando ênfase à crise
moral que atinge toda a sociedade, a qual vem exigindo dos homens uma conduta
cada vez mais individualista.
O aumento
tecnológico permite a satisfação imediata dos desejos, fazendo com que o
sujeito perca o senso critico e coloque-se numa posição passiva que o conduz
culposamente a atuar de maneira delinqüente.
Notamos aqui que,
é mais fácil compreendermos o adolescente delinqüente que fora espancado durante
a infância por um pai alcoolista e subempregado, e indulgenciar o infrator das
classes médias altas, mas a causa essencial do jovem abastado é a mesma do
garoto carente.
Ambos erram porque
fazem mau uso da liberdade de escolha, que lhes é concedida.
Será que é só por
isso?
Será que também
não tem a ver com a falta da figura paterna que interdite, que imponha limites,
que permita o encontro com os valores morais.
Ou também a falta
de uma sociedade que permita ao adolescente ocupar um lugar saudável?
Enfim, toda essa
discussão é de extrema importância para que se possa refletir sobre maneiras de
intervir e prevenir comportamentos delinqüentes na adolescência, principalmente
no que diz respeito aos valores atuais, ou seja, buscar entender as
necessidades pertinentes a este período da adolescência, a fim de que estes
jovens encontrem seu lugar nessa sociedade e o ocupem de maneira saudável tanto
para si quanto para o social.
Levando em
consideração que os jovens vivem, em sua grande maioria, com pleno uso de sua
liberdade e livremente se deixam impulsionar a atos e comportamentos
inadequados para o convívio social, faz-se necessário uma discussão sobre a
responsabilidade moral dos adolescentes sobre seus atos, de uma maneira mais
ampla, que englobe uma questão não só social,
mas também política, ficando esta sugestão para trabalhos posteriores.
Para saber mais sobre o assunto.
ABERASTURY, A;
KNOBEL, M. O adolescente e a liberdade. In – Adolescência normal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1981, p. 13-23.
ARAGÃO, LUIZ
Tarlei de. ET AL. Mãe preta, tristeza
branca. Processo de socialização e distância
social no Brasil. In: ____. Clinica do
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Texto: Carla Cristine de Almeida Zotino.
Psicóloga, atua em treinamento e seleção na
área de segurança pública.
Pós-Graduanda em Psicopedagogia
Institucional pelo INEC/UNICSUL.
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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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