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terça-feira, 5 de junho de 2012

Comportamentos delinquentes na adolescência: de quem é a culpa?




Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Vol. jun., Série 05/06, 2012, p.01-12.



O artigo faz parte da Monografia de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia Institucional pelo INEC/Universidade Cruzeiro do Sul, orientada pelo Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.



A idéia dessa pesquisa surgiu devido ao crescente número de manifestações de violência exercida por adolescentes nos últimos anos.

São inúmeros os fatores que influenciam no processo da conduta delinqüente entre os jovens, dentre eles está o processo de adolescer, que é um momento onde o jovem desenvolve suas potencialidades e incorpora novos valores éticos e morais à sua identidade, estando assim suscetível a influências externas e internas, pois é um período em que se reestrutura o psiquismo humano.

Essa é uma problemática que resiste ao longo dos tempos e está em constante ascensão, tratado de acordo com o contexto social em que o individuo está inserido.

Para a realização desse trabalho foi utilizado uma verificação literária de autores psicanalíticos e comportamentais, a fim de entender como o “ter” deu lugar ao “ser”, levando os jovens a juntarem-se em bandos, tal qual uma legião cega pela intolerância ao outro.





Entendo o adolescer.

Na percepção de Levisky (1998), o suporte para essa mudança e reestruturação, parte do reconhecimento do adolescente pelos pais no grupo social, bem como de um bom narcisismo por parte do adolescente na construção dos laços sociais.

Reestruturação essa que é marcada pela crise de identidade, pela busca desse reconhecimento e pela busca de espaço pertencente a ele enquanto sujeito social e que deve ser ouvido.

É nessa fase que a atuação se apresenta como forma de mostrar sua existência.

Em 1932 Freud já se preocupava com a origem da agressividade.

O que constatamos nas correspondências que trocou com Eistein no texto “Por que a guerra.”, onde discutem o porquê o homem precisa ser tão agressivo.

Em “Totem e Tabu” (1912, 13), ele faz menção ao mito da horda primitiva, no qual os filhos colocam-se contra o pai violento e detentor do poder, onde somente através do assassinato deste tomariam o poder para si.

E o poder nada mais é do que a ordem e a lei.

Sendo assim, percebemos que a violência tem inicio na cultura dos povos.

Para um estudo mais eficiente se faz necessário entender o processo de “adolescer”.

Esse processo é o momento em que a criança desenvolve suas potencialidades incorporando novos valores à sua identidade, esse período de reestruturação do psiquismo humano, vem repleto de conflitos, que conforme Levisky, é marcado pelo luto infantil, luto dos pais idealizados, retorno ao complexo de Édipo e a busca da identidade.

Na opinião de Myers (1999) psicólogos e estudiosos do comportamento já percebem a adolescência como uma das características principais do comportamento distorcido, com suas oscilações de humor que é também vista como um tempo de vitalidade, sem os cuidados da vida adulta, amizades vazias, idealismo intenso, uma crescente sensação de excitantes possibilidades.

O desenvolvimento moral e a moral pró-social dependem de uma complexa relação interna entre fatores como ordem familiar, social, educacional e cultural, além de processos cognitivos, afetivos e motivacionais que permeiam as experiências de socialização às quais a criança está exposta.

Dessa forma Lustosa (2005) afirma que os valores, as crenças, e os princípios morais de educadores, principais agentes responsáveis pela socialização, bem como outras figuras de autoridade para a criança, e até mesmo a mídia, influenciarão a aquisição e evolução do conceito de moralidade dos indivíduos.





O comportamento normal da adolescência e o comportamento delinqüente.

Conforme Knobel (1981), quando estamos na “normalidade” temos a capacidade de utilizar ferramentas, existentes em nossa estrutura psíquica, para atingir as satisfações básicas do sujeito, de forma a alcançar substituições favoráveis tanto para o individuo, quanto para a sociedade.

Defende que a personalidade bem integrada nem sempre é a melhor adaptada, mas que possui recursos internos para modificar a sua conduta de acordo com as necessidades circunstanciais, quando o meio entra em conflito com os objetivos de satisfação do individuo.

Freud em “Além do Principio do Prazer” (1920), afirma que, é necessário o individuo identificar sua destrutividade consciente ou inconscientemente e que, a partir disto, desenvolva mecanismos adaptativos que atenuem ou sublimem a ação dessas forças.

Knobel (1981) pontua, também, que na fase adolescente há uma ameaça constante de ruptura das relações intra, inter e trans-subjetivas, fato este que acaba por provocar maior incidência de mecanismos psicológicos regressivos, de natureza psicótica, neurótica ou psicopática.

São mecanismos como: onipotência, egocentrismo, cisão, negação, projeções, acting-out o que, então, se refletem no comportamento dos jovens, com tendência a se cristalizar como modo de funcionamento mental.

O autor fala ainda, sobre uma patologia normal, no período da adolescência, onde para conseguir a estabilização da personalidade o adolescente necessita de uma conduta ligeiramente patológica.

Por isso os comportamentos externalizados de luta e rebeldia, não são mais do que reflexos dos conflitos internos, sendo esperado durante esse processo o surgimento de atuações como características defensivas de caráter psicopático.



Nesse sentido, o autor cita Anna Freud, que diz não ser o esperado a presença de um equilíbrio estável, durante o processo adolescente, e conceitua a sintomatologia que integra está suposta síndrome:

a)                  Busca de si mesmo e da identidade: todo o processo de adolescer está baseado na busca da própria identidade, que é a principal função desta fase, que se desenvolve à medida que o sujeito vai integrando e introjetando concepções de muitas pessoas, grupos e instituições a respeito dele mesmo.

b)                 Tendência grupal: o adolescente utiliza a uniformidade como comportamento defensivo, que proporciona segurança e estima pessoal, juntando-se, assim, em grupos, onde todos se identificam com cada um.

c)                  Necessidade de intelectualizar e fantasiar: a realidade impõe ao adolescente a necessidade de renunciar ao corpo, ao papel e aos pais da infância, fazendo com que este vivencie esta fase com sentimento de fracasso e impotência frente a estas situações tão dolorosas.

d)                 Crises religiosas: nesta fase o individuo pode apresentar desde o ateísmo mais intransigente até o misticismo mais fervoroso com situações extremas. Ele está em busca de ideologias para seguir valores éticos e morais que farão parte de sua personalidade.

e)                  Deslocalização temporal: ele converte o tempo presente e ativo, numa tentativa de manejá-lo, sendo as urgências enormes e as postergações aparentemente irracionais. À medida que vão se elaborando os lutos típicos dessa fase, a dimensão temporal adquire novas características, o que implica a conceituação de tempo, noção de passado, presente e futuro.

f)                   Evolução sexual manifesta: evolução do auto-erotismo, onde há o contato sexual de caráter exploratório e não procriativo. Inicia-se a busca por um parceiro e, consequentemente, as primeiras relações de carinho, afeto e sexuais.

g)                 Atitude social reivindicatória: a idéia de poder transformar o mundo é muito presente nesta fase e se caracteriza pelo pensamento fantasioso onipotente de manejo do mundo.

h)                 Contradições nas manifestações de conduta: o pensamento se torna ação para poder ser controlado, sua personalidade é permeável, na qual os processos de projeção e introjeção são intensos, variáveis e freqüentes, fazendo com que este não possa ter uma linha de conduta determinada.

i)                   Separação progressiva dos pais: uma das tarefas básicas na busca da identidade do adolescente é a de ir separando-se dos pais. Isto só é possível através da internalização de boas imagens parentais, com papéis bem definidos, uma cena primaria amorosa e criativa.

j)                   Flutuação de humor: as mudanças de humor são típicas desta fase, tendo sua base nos mecanismos de projeção e de luto pela perda dos objetos já citados. Os sentimentos de ansiedade e depressão acompanham permanentemente o processo de adolescer.



Levisky (1998) pontua que, para se ter um diagnóstico diferencial entre a crise normal da adolescência e os quadros psicóticos ou psicopáticos, deve-se observar a constância do comportamento, sua mobilidade, considerando o desenvolvimento evolutivo, antecedentes pessoais e familiares.

Conforme Knobel (1981), o processo de busca de identidade pode fazer com que o sujeito a encontre de forma errônea, baseada em figuras negativas, onde é melhor ter uma identidade perversa a não ter nenhuma.

Isto acontece muitas vezes quando já houve transtornos na aquisição da identidade infantil, o que constitui a base dos grupos de delinqüentes e adeptos de drogas.

De acordo com Ballone, dentro da psiquiatria da infância e da adolescência, um dos quadros mais problemáticos tem sido o chamado de Conduta, anteriormente chamado de delinquencia, o qual se caracteriza por um padrão repetitivo e persistente de conduta anti-social, agressiva ou desafiadora, por no mínimo seis meses ( segundo o CID 10).

Para ser considerado Transtorno de Conduta, esse tipo de comportamento deve alcançar violações importantes, além das expectativas apropriadas à idade da pessoa e, portanto, da natureza mais grave que as travessuras ou a rebeldia normal de um adolescente.

O padrão de comportamento no Transtorno de Conduta se caracteriza pela violação dos direitos básicos dos outros e das normas ou regras sociais.

Conforme o mesmo autor citado acima, o Transtorno de Conduta é um diagnostico especialmente infantil ou da adolescência, pois após os 18 anos, persistindo os sintomas básicos (contravenção), o diagnóstico deve ser alterado para Transtorno de personalidade Anti-social.

Outra característica do Transtorno de Conduta é que esse padrão sociopático de comportamento costuma estar presente numa variedade de contextos sociais e não apenas em algumas circunstâncias, ou seja, não só na escola, no lar ou na rua, por exemplo.

O portador desse transtorno causa mal estar e rebuliço na comunidade em geral.

Atualmente a psiquiatria tende a considerar dois subtipos de Transtorno de Conduta com base na idade de inicio, isto é, o Tipo com inicio na Infância e Tipo com inicio na Adolescência.

Ambos podem ocorrer em 3 níveis: leve, moderada ou severa.

As pessoas com Transtorno de Conduta apresentam sintomas como: pouca empatia e pouca preocupação pelos sentimentos, desejos e bem-estar dos outros, sensibilidade grosseira para as questões sentimentais e emocionais dos outros, não possuem sentimentos próprios e apropriados de culpa, ética, moral ou remorso, são extremamente manipuladores, costumam delatar seus companheiros e tentar culpar outras pessoas por seus atos.

Apresentam, também, baixa tolerância à frustração, irritabilidade, acessos de raiva e imprudência quando contrariados e este transtorno está freqüentemente associado com o início precoce de comportamento sexual, consumo de álcool, uso de substâncias ilícitas e atos imprudentes e arriscados.

O diagnostico de Distúrbio de Conduta deve ser feito somente se o comportamento anti-social continuar por um período de pelo menos seis meses e assim representar um padrão repetitivo e persistente.

Devem estar presentes algumas características importantes para o diagnóstico: Furtos, fugas noturnas da casa dos pais, mentiras freqüentes, faltas à escola ou ao trabalho, destruição da propriedade alheia, crueldade física com animais, atividades sexuais forçadas, envolvimentos repetidos em confrontos físicos e outros.

Muitos indivíduos com Transtorno de Conduta, particularmente aqueles com inicio na adolescência e aqueles com sintomas leves, conseguem um ajustamento social e profissional satisfatório na idade adulta.

O início muito precoce indica um pior prognóstico e um risco aumentado de o transtorno persistir e se agravar na vida adulta.





Herança cultural e social.

Aragão (1991) no texto “Mãe preta, tristeza branca” faz uma ligação da violência brasileira com a história cultural do Brasil.

Ele trata a violência como um sistema de troca, como relacional, analisando a questão da violência a partir do modelo familiar composto, além dos pais e dos filhos, pela ama de leite ou “babá”.

Teoriza, então, que a relação entre a criança e a ama está fortemente marcada pelo contato corporal, onde esta imprime na criança, suas modalidades de organização efetiva.

O que quer dizer que o corpo no qual a criança tem acesso não é reconhecido socialmente, sendo que o corpo reconhecido pelo social, ela não tem acesso.

Consequentemente, este fato marca uma dissociação da sexualidade e do reconhecimento social, impossibilitando o individuo de reconhecer-se a partir do outro e a partir do contato com outro.

Essa afetividade difusa, passada pela “mãe preta” e o contexto das relações sociais, marca o individuo desde o nascimento até a morte.

À luz desta teoria estamos diante de uma sociedade que historicamente, tem provado sua incapacidade em produzir uma estruturação das diferenças, em troca de uma totalização social.

Portanto, para Aragão, a violência no Brasil está ligada ao processo de socialização, ao modelo de colonização caracterizado, principalmente, pela escravidão e pela divisão entre as elites e as classes trabalhadoras.

Arendt apud Fleig (1999) pontua que junto à transição da sociedade pré-moderna para a moderna ocorreu também uma transição das formas de poder e violência que está focalizada no eixo dos valores.

Isto porque na sociedade pré-moderna os valores estavam centrados no todo, no relacional (parentesco), na hierarquia, na tradição: enquanto que na modernidade os valores são situados nas coisas, no conceito de igualdade, autonomia, individualismo, onde para se dizer quem é o sujeito, é necessário que este possua bens, que consiga acumular objetos.

É o “deslocamento do poder sobre as pessoas para um poder sobre os objetos” (129).

Para o mesmo autor, a violência é oriunda dos ideais de igualdade, individualismo e autonomia.

Já para Calligaris apud Fleig (1999) a violência é um resíduo do poder pré-moderno (escravidão) e do efeito do poder moderno, que priva a maioria da população do poder sobre os objetos, que se caracteriza como um convite à violência.

De acordo com Foucoult apud Birman (2001), as normas regulam as práticas sociais, de maneira arbitrária e relativa, de acordo com as particularidades culturais de determinada tradição histórico-social.

Para Birman (2001), o Brasil tem uma das contribuições mais avançadas do mundo, mas, em oposição, os princípios desta não funcionam nas práticas sociais da justiça, talvez por estar marcada pela tradição escravista patrimonialista da sociedade.

Enfim, o que funda as práticas sociais da justiça é essa tradição.

Santos e Tirelli (1999) fazem uma reflexão da interação entre a policia e as classes sociais, enquanto expressão das formas de dominação, marcada pela violência física e simbólica.

Nesta interação, o fato da dominação e excesso de poder por parte da policia e a falta de cidadania do povo brasileiro está marcado pela herança social, pela extrema hierarquização social e por um forte autoritarismo do Estado.

Assim, a violência entraria como recurso para assegurar a hierarquização presente no Brasil, na falta de outra base consensual.

Para Fleig (1999) existem três tipos de violência na atualidade: contra os objetos, na forma de rapto ou depredação; contra os corpos dos semelhantes e a terceira e mais brutal, é a violência do objeto contra si mesmo.

“O objeto a ser consumido e destruído ocupa este lugar de quem nos comanda e a quem nos submetemos passivamente” (p.130).

Assim, estamos expostos à escravidão voluntária, sensíveis a um gozo sem falha, como se tivéssemos garantia absoluta de banir o mal-estar em que nos encontramos.

Segundo Kunzel (1998), a sociedade atual está marcada pela estrutura perversa, o que nos leva em direção a um sintoma social perverso, o que está diretamente ligado à sociedade moderna, onde a tradição se encontra recalcada e no lugar desta surge uma nova conduta, observada através da busca desenfreada dos indivíduos pelo novo.

Neste contexto a sociedade do consumo é a resposta ao direito de gozo, a um gozo sem limites.

E para tanto a modernidade se apresenta como um fracasso do arbitrário, da lei, da frustração paterna.

Calligaris apud Kunzel (1998) diz que a função paterna se mede pelo gozo que interdita e imaginariza, e não pelo gozo que permite.

Desta forma possibilita ao sujeito um lugar simbólico, idéias de referência e limite, sendo que a falha desta função acarreta ao sujeito se reconhecer através da criminalidade, buscar um nome que não lhe foi dado, a sanção que não foi exercida, o lugar a ser ocupado, o lugar que lhe foi privado.

Bonin (1998) diz que cada individuo ao nascer traz consigo determinados comportamentos inatos.

Entretanto no decorrer do seu desenvolvimento, ele é moldado pela cultura que constitui o sujeito através da rede de inter-relações sociais.

O primeiro contato que o individuo tem com a sociedade é através do grupo familiar no qual está inserido, portanto são os pais que enunciam e investem o lugar que os filhos irão ocupar no círculo familiar e na sociedade.

Violante (2000) diz que não são somente os pais que devem investir no sujeito, a sociedade também deve projetar sobre este a mesma antecipação, pré investindo o lugar supostamente ocupado quando adulto, possibilitando que este encontre no discurso social referenciais que lhe permitam projetar-se no futuro, servindo, então, de suporte identificatório.

Nesse contexto, a mesma autora designa o contingente populacional como produto histórico da lógica perversa, através da qual a sociedade produz e distribui suas riquezas, e que condena uma parcela social a viver no nível da necessidade do imediato, desprovendo-as das condições materiais básicas de sobrevivência e do acesso aos bens culturais.





A relação individuo x sociedade.

A relação “individuo” e “sociedade” pode ser analisada pela lógica da oposição, sendo que o individuo estaria preso entre as forças da “cultura” e da “natureza”, onde apenas haveria desintegração, hostilidade, destruição e desespero.

Pela lógica funcional-interacionalista, o individuo é reconhecido e se reconhece como constituído pela complementaridade entre “natureza” e “cultura”, neste caso haveria o mal-estar “um estado crônico, mas tolerável de desprazer, é intrinseco à constituição do psiquismo e uma condição básica para a procura pelo homem das felicidades possíveis” (DERRIDA apud FIGUEIREDO, 1999, p.26).

E por fim pela lógica da suplementariedade, onde um certo desprazer é constitutivo à subjetividade, pois se ela se constrói na e como conquista deste desprazer, enquanto condição para a procura de formas de felicidade qualitativamente diferenciadas.

Em 1915, Freud no texto “Reflexão para os tempos de guerra e de morte”,  teorizava que os impulsos não eram “nem bons, nem maus”, onde, a partir de uma ótica evolucionista, aponta-nos, que o ser humano é instintivamente destrutivo.

Em “Além do principio do prazer”  (1920) Freud formula a noção de pulsão de vida e de morte, onde o equilíbrio entre estas forças garante o funcionamento satisfatório da vida psíquica do sujeito, visto que uma sem a outra torna insustentável a vida psíquica e social do ser humano.

Em “O mal-estar na civilização” (1930), Freud coloca que o mal-estar sentido por todos os seres humanos liga-se diretamente à não satisfação de suas pulsões, principalmente da sexual e da agressiva (pulsão de morte), pois a civilização impõe ao homem esses sacrifícios.

Sendo assim, a evolução da civilização pode ser descrita como a luta entre as pulsões de vida e as pulsões de morte.

No texto “Por que a guerra?” (1933), Freud utiliza a palavra violência num primeiro momento associada a agressividade, mas logo depois a utiliza como expressão que define a conseqüência entre os conflitos de interesses, o que, portanto se aproxima muito da violência atual.

Para Birman (2001), estamos vivendo na cultura do narcisismo e na sociedade do espetáculo, o que está possibilitando novas formas de subjetivação, onde o sujeito encara o outro como objeto para seu usufruto, podendo este ser eliminado assim que lhe satisfizer.

Então os desejos assumem uma direção exibicionista e autocentrada, na qual o horizonte intersubjetivo se encontra esvaziado, desinvestindo das trocas inter-humanas.

Sendo assim essa manipulação do outro que permite a existência do sujeito atual nada mais é do que a exaltação de si mesmo.

Aberastury apud Levisky (2000) identifica a sociedade atual dentro de um quadro de violência e destruição, que não oferece garantias de sobrevivência.

Assim, o adolescente, cujo destino é a busca de idéias e de figuras ideais para identificar-se, depara-se com a violência e o poder e também os usa.

Knobel (1981) coloca que na falta de um pai simbólico, o delinqüente faz tentativas de se constituir como sujeito por conta própria, visto que a apreensão do objeto através do furto é um modo de comunicação, sendo assim, valorizando o ato e não o objeto como capital.

Ceccarelli (2001) contribui dizendo que a descrença generalizada dos valores tradicionais levou a uma intensa busca do prazer pessoal, do individualismo ao desencontro dos ideais coletivos, fazendo com que haja uma substituição, ou mesmo eliminação dos ideais que não se enquadram nas referencias do sistema de produção idealizado pelo capitalismo.

O que leva, então, ao empobrecimento da subjetividade em prol da cultura globalizante, transformando o sujeito em objeto, onde este em desamparo, fica esvaziado.





Uma reflexão sobre livre-arbítrio.

Em “A Dissolução do Complexo de Édipo” (1924), Freud postula sobre a constituição do homem enquanto sujeito através da passagem pelo complexo de Édipo, ou seja, através da posição que a criança ocupa em relação aos seus pais que será possível que ela adentre ao universo da cultura e compreenda o mundo através de uma ordem geral, simbólica, regida por leis que têm seu inicio na Lei contra o incesto.

Entrar no mundo da Cultura implica no recalque dos desejos incestuosos, mas possibilita a relação e a compreensão dos demais sujeitos à sua volta, o que torna possível o ato da linguagem e a expressão de suas demandas.

Além disso, o sujeito continua regido por outra instância, o inconsciente, que influência o homem em direção à satisfação dos desejos recalcados.

Temos aqui a noção de um sujeito clivado que vive entre dois pólos: a Cultura e o Desejo, constituído ainda na infância como humano pela relação com as instâncias maternas e paternas.

Tendo isso em vista, o sujeito se vale de subterfúgios diversos para a realização de seus desejos: se por um lado ele é limitado pela cultura que o cliva, o sujeito da psicanálise pode valer-se de todos os recursos que a cultura oferece para apostar na realização de seus desejos.

Se por um lado o sujeito segue a uma lei que o limita, por outro lado ele possui uma infinidade de recursos que o permitem, conscientemente ou não, satisfazer seus desejos.

A expressão “livre arbítrio” costuma ter conotações objetivas e subjetivas.

No primeiro caso indicam que a realização de uma ação por um agente não é completamente condicionada por fatores antecedentes.

No segundo caso indicam a percepção que o agente tem em que sua ação originou-se em sua vontade.

O conceito de livre arbítrio tem implicações religiosas, morais, psicológicas e cientificas.

Por exemplo, no domínio religioso o livre arbítrio pode implicar em que uma divindade onipotente não imponha seu poder sobre a vontade e as escolhas individuais; já no campo da ética, ele implica em um individuo que pode ser considerado moralmente responsável pelas suas ações.

Baum (1999), fala que com tudo isso, não podemos confundir o conceito de livre arbítrio com a capacidade de escolha.

Esta faz parte da vida e do comportamento humano e o conceito de economia comportamental tem ainda muito a contribuir para seu estudo.

Já enquanto a noção implícita de que a pessoa tem uma liberdade de se comportar independentemente do seu ambiente passado e presente, esse é um conceito ainda conflituoso.

O mesmo autor diz ainda que o livre arbítrio supõe um terceiro elemento além da hereditariedade e do ambiente, supõe “algo” dentro do individuo.

Este algo nos remete a uma noção de que a escolha não é uma ilusão e que são as pessoas inteiramente causadoras do próprio comportamento.

Na adolescência são muito comuns as reivindicações de liberdade.

O jovem nesta fase de contestação e auto-afirmação passa, segundo Gusdorf apud Aranha e Martins (1986), por momentos onde a liberdade do adolescente é uma liberdade de aspiração, diz ainda que a juventude é tempo de aprendizado da própria liberdade, onde esse individuo; experimenta, testa, contesta e se contradiz todo o tempo.

Para Locher (2000), a vontade não necessita de um ato, justamente por que tem em si a livre determinação.

De acordo com o autor podemos, decidir entre atuar ou não, entre atuar deste ou daquele modo.

“O pássaro, a quem hoje sou a liberdade é, contudo, determinado intrinsecamente a suas ações instintivas, ao passo que ao criminoso agrilhoado possui, em sua alma, um santuário, onde ele sempre será seu próprio e absoluto senhor – a vontade; porque nada no mundo o forçará a querer o que ele mesmo não quer”. (Locher, 2000. p. 228)





Concluindo.

A adolescência é um período privilegiado da existência humana, período este no qual as mudanças orgânicas, cognitivas, sociais, e afetivas, interferem largamente no relacionamento interpessoal, quer de ordem familiar, escolar ou social.

O adolescente tem a necessidade da atuação de algo concreto e real, a fim de manipular seus desejos e inseguranças.

Essa fase também propicia a experimentação de diversas situações, do exercício da criatividade, a busca da ideologia a ser seguida, o que nada mais é do que a busca da identidade.

Neste contexto, a cultura, a família e a sociedade mostram os caminhos a serem percorridos pelos adolescentes na busca de sua identidade.

Temos a identidade como um conjunto de idéias e conceitos, que o jovem vai absorvendo e armazenando em seu cérebro desde recém-nascido e tudo isso irá compor a maneira como ele agirá no futuro.

Assim percebemos que é a partir do outro que o adolescente constrói a noção do eu.

A função da família, enquanto primeira ordem social a qual o sujeito entra em contato, é transmitir a cultura e desenvolver o individuo psíquico.

Para tanto, é necessário que a família proporcione à criança um ambiente saudável, onde haja espaço para que ele encontre seu lugar simbólico e conheça seus limites, para poder alcançar sua liberdade subjetiva e realizar seus desejos.

Através dos estudos de Freud, isto só será possível através da figura paterna, que marca a cisão entre a figura materna e o filho, representando a lei e, consequentemente, garantindo o lugar simbólico de filho.

Já ao olharmos para a nossa sociedade, percebemos que essa está numa busca alucinada por um “bem estar”, ilusório, onde tudo o que você quer está ao seu alcance, é só consumir e introjetar, sem pensar e refletir, onde o caminho a ser percorrido, para se ter o gozo (ilimitado) prometido, é longo e penoso e pode apresentar inúmeras formas de ser realizado, sendo que o mais comum é o uso da violência, baseado nos postulados de Freud (1932), violência no sentido de conflitos de interesses, tendo em vista o individualismo pregado pela sociedade capitalista, visto que os bens desejados por muitos, somente serão acessados por poucos, o que vai contra a ideologia de igualdade.

Violante (2000) ressalta, que essa idéia de igualdade, prometida pela sociedade, promove na verdade uma grande desigualdade que muitas vezes leva a exclusão social.

Cada vez mais adolescentes crescem na rua, fazendo dessa suas casas, depositando todos seus sentimentos que antes se davam dentro do círculo familiar e escolar.

Estes adolescentes delinqüentes não ocupam lugar na sociedade e nem são reconhecidos.

Esse reconhecimento e gozo que não lhes é dado de direito é buscado através da violência, onde se fazem reconhecer pelo outro, causando uma morte simbólica determinada pela exclusão.

Por outro lado Forte (2003), sinaliza o aumento dos comportamentos delinqüentes entre adolescentes de classes não tão excluídas (média e alta), dando ênfase à crise moral que atinge toda a sociedade, a qual vem exigindo dos homens uma conduta cada vez mais individualista.

O aumento tecnológico permite a satisfação imediata dos desejos, fazendo com que o sujeito perca o senso critico e coloque-se numa posição passiva que o conduz culposamente a atuar de maneira delinqüente.

Notamos aqui que, é mais fácil compreendermos o adolescente delinqüente que fora espancado durante a infância por um pai alcoolista e subempregado, e indulgenciar o infrator das classes médias altas, mas a causa essencial do jovem abastado é a mesma do garoto carente.

Ambos erram porque fazem mau uso da liberdade de escolha, que lhes é concedida.

Será que é só por isso?

Será que também não tem a ver com a falta da figura paterna que interdite, que imponha limites, que permita o encontro com os valores morais.

Ou também a falta de uma sociedade que permita ao adolescente ocupar um lugar saudável?

Enfim, toda essa discussão é de extrema importância para que se possa refletir sobre maneiras de intervir e prevenir comportamentos delinqüentes na adolescência, principalmente no que diz respeito aos valores atuais, ou seja, buscar entender as necessidades pertinentes a este período da adolescência, a fim de que estes jovens encontrem seu lugar nessa sociedade e o ocupem de maneira saudável tanto para si quanto para o social.

Levando em consideração que os jovens vivem, em sua grande maioria, com pleno uso de sua liberdade e livremente se deixam impulsionar a atos e comportamentos inadequados para o convívio social, faz-se necessário uma discussão sobre a responsabilidade moral dos adolescentes sobre seus atos, de uma maneira mais ampla, que englobe uma questão não só social, mas também política, ficando esta sugestão para trabalhos posteriores.





Para saber mais sobre o assunto.

ABERASTURY, A; KNOBEL, M. O adolescente e a liberdade. In – Adolescência normal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1981, p. 13-23.

ARAGÃO, LUIZ Tarlei de. ET AL. Mãe preta, tristeza branca.  Processo de socialização e distância social no Brasil. In: ____. Clinica do social: ensaios. São Paulo: Escuta, 1991, p. 21-37.

BALLONE, GJ. Transtornos de Conduta In: PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br/infantil/conduta.html revisto em 2003. Acesso em 10set,2010.

BAUM, William M. Compreender o Behaviorismo Ciência, Comportamento e Cultura. São Paulo: Editora Artmed, 1999.

BAPTISTA, J. Exclusão Social: O nosso mundo. Oeiras: Celta Editora, 2005 (p.14-59).

BIRMAN, Joel. Mal Estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2001.

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CECCARELLI, Paulo Roberto. Delinquencia: resposta a um social patológico. In: Boletim de novidades da Livraria Pulsional. São Paulo: ano XIV, 145, maio, 2001, p.05-13.

FIGUEIREDO, Luiz Cláudio. Psicanálise e Brasil: considerações acerca do sintoma social brasileiro. In: SOUZA, Edson de. (Org.). Psicanálise e colonização: leituras do sintoma social no Brasil. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999, p.24-39

FREUD, S. Totem e Tabu. (1912/13). In: - Obras Completas. Edição standart brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XIII, p. 21-162.

FREUD, S. Reflexões para os tempos de guerra e morte. (1915). In:___. Obras completas. Edição standart brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XIV, P. 311-339.

FREUD, S. Além do principio do prazer. (1920). In: ___. Obras completas. Edição standart brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XVIII, p. 17-88.

FREUD, S. A dissolução do Complexo de Édipo. (1924). In:  ___. Obras completas. Edição standart brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XIX, p. 215-226.

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Texto: Carla Cristine de Almeida Zotino.

Psicóloga, atua em treinamento e seleção na área de segurança pública.

Pós-Graduanda em Psicopedagogia Institucional pelo INEC/UNICSUL.

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