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Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

História e Geografia e sua importância em sala de aula: reflexões sobre o estudo das Ciências Humanas na educação básica.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume ago., Série 15/08, 2011, p.01-07.


História e geografia estão intimamente relacionadas, uma área é diretamente dependente da outra, não por acaso uma é considerada ciência auxiliar da outra.
É interessante lembrar que ambas pertenciam à filosofia até o século XVIII.

Foi dentro do contexto da Revolução Francesa que, os iluministas, ao criarem a enciclopédia, iniciaram a subdivisão do conhecimento; depois, no inicio do século XX, levada ao extremo pelo fordismo.

No entanto, apesar de diversos setores da geografia constituírem pura história e de, inversamente, pressupostos teóricos e metodológicos da história dependerem da geografia; o trabalho do historiador e do geógrafo possui distinções marcantes.
Entretanto, em sala de aula, principalmente na educação básica, história e geografia deveriam ser abordadas de forma mais integrada, visando propiciar de fato a formação da cidadania, fortemente apregoada pela LDB.
Alias, no âmbito das Ciências Humanas, não só a história e a geografia deveriam fazer parte da formação do educando no ensino infantil e fundamental, mas também a filosofia e a sociologia.
Estas duas ultimas, embora pertençam apenas aos currículos do ensino médio, na realidade podem e devem estar inseridas nos conteúdos de história e geografia na educação básica, inclusive porque são ciências auxiliares destas áreas.


O que é história?
A história é a ciência que estuda o passado, analisando as transformações para tentar entender o presente.
Neste sentido, ao resgatar o passado, permite conferir sentindo para o presente, ajudando a transformar a realidade a partir de sua compreensão, guiando rumo ao futuro.
Para Sócrates, na realidade Platão falando através do personagem, a história seria pura memória circunscrita ao fato de conhecer.
Enquanto Aristóteles afirmou que a história seria uma coletânea de fatos que guardam a memória.
Conceitos ultrapassados, pois atualmente a história trabalha com a memória, mas vai muito além, envolve a interpretação dos fatos, problematizações e até ideologias.
Seja como for, a palavra “história” tem origem grega, significando investigação ou informação, tendo surgido no século VI a.C.
Foi utilizada neste sentido pela primeira vez por Heródoto de Halicarnasso, considerado o pai da história.
Ele escreveu sobre as guerras entre gregos e persas, tentando entender como os últimos haviam conseguido criar um Império, entrevistando contemporâneos dos fatos e buscando relatos como fontes para reconstruir os acontecimentos.
Afirma-se que Heródoto é o pai da história porque a partir dele começou a mudar a lógica de pensamento humano, antes as explicações para o presente tinham origem nos mitos.
Os mitos forneciam explicações divinas para aquilo que o homem primitivo não conseguia explicar através da razão.
Mesmo depois de Heródoto, entre os romanos, por exemplo, mitologias divinizavam a fundação da cidade de Roma, através da clássica estória de Rômulo e Remo sendo criados por uma loba.
Na realidade, a História de Heródoto é um marco de um longo processo de consolidação da racionalidade.
O qual se iniciou antes dele, com o surgimento da filosofia no século VII a.C., questionando os mitos e as opiniões de senso comum.
Um processo que se estendeu até século XX, passando por fases transformadoras.
É por isto que história e filosofia se confundiram até o século XVIII.
Ambas tinham o mesmo objetivo: entender a realidade através da observação do presente e do passado.
Cabe lembrar que, até o século XVIII, as várias áreas do conhecimento humano pertenciam à filosofia e não só as Ciências Humanas, a qual englobava também matemática, biologia e psicologia, embora não assim nomeadas.
 A história, como a geografia, era só mais uma das faces da filosofia, já que o conhecimento estava dividido em quatro grandes áreas: Teologia, Direito, Medicina e Filosofia.
Somente a partir do iluminismo é que a história apareceu como ciência autônoma.
O iluminismo pretendia iluminar o mundo com o conhecimento, ilustrando e trazendo luzes a ignorância.
O que revolucionou o conhecimento a partir da sistematização do saber através da enciclopédia, a subdivisão do conhecimento.
Assim, a história enquanto ciência surgiu a partir da especialização do conhecimento, no século XVIII, bem como depois de se embasamento metodológico no século XIX e XX.
Passando pelo cientificismo positivista, a escola metódica alemã, a escola de Annales, a tendência marxista, a nova história, a história das mentalidades, a história cultural, a micro-história e a história regional, entre outras tendências.
Esta especialização fez com que a história passasse a se ocupar do estudo dos fatos históricos, acontecimentos relevantes para o entendimento das questões do presente.
Fatos que provocam rupturas ou que contribuem para continuidades.
A análise e interpretação da história, o entendimento dos processos de transformação e continuidades, além de utilizado para entender o presente, passou a servir ao fomento de novas mudanças, ou ainda, inversamente, para impedir qualquer mudança.
Dependendo dos interesses dos grupos dominantes, resgatar o passado pode servir para criar um modelo que busque retrocessos, a adoção de valores antigos.
Em contraponto, o resgate do passado pode servir também a formação de uma nova identidade, manipulando as massas segundo os interesses de determinados grupos.
Em outro sentido, a história pode ainda fornecer probabilidades sobre o que esperar do futuro, embora não seja possível prever com exatidão o que irá acontecer.


O que é geografia?
A geografia é a ciência que estuda a relação entre a terra e seus habitantes, analisando tanto características físicas como humanas.
Portanto, ao estudar os aspectos físicos, observa a superfície do planeta, a distribuição espacial dos fenômenos da paisagem e a dinâmica de interação com a atmosfera e o universo.
No que tange aos aspectos humanos, estuda a integração e relação estabelecida entre os homens (políticas sociais, culturais e ideológicas) e entre estes e seu meio ambiente.
Como se pode observar, principalmente, no que diz respeito à geografia humana, a relação da área com a história é óbvia, muitas vezes se confundindo.
Destarte, os primórdios da geografia, como no caso da história, remontam a antiguidade.
A palavra geografia surgiu no século III. a.C., criada pelo filosofo Erastótenes, um estudioso que se dedicou também a astronomia, física e matemática.
Etimologicamente, a partir do grego, geografia (geo + grafia) significa estudo ou descrição da terra.
No entanto, alguns autores defendem a idéia que, antes ainda da palavra ser criada, a geografia remonta aos primórdios da humanidade.
Quando os primeiros humanos precisaram observar o terreno para preparar a defesa contra grupos rivais e ampliar o sucesso nas tentativas de caça e, posteriormente, cultivo das terras.
Porém, pensada racionalmente, a geografia surgiu no século VII a.C. com a filosofia, sendo objeto de reflexão de Tales de Mileto, Ptolomeu e do próprio Heródoto.
Na antiguidade, devido às exigências requeridas pelas guerras e comércio, a geografia criou uma de suas subáreas: a cartografia (chartis = mapa + grapheim = escrita).
Palavra que a partir do grego simboliza o estudo e utilização dos mapas.
Foram os romanos que aprimoraram inicialmente os mapas para controlar seu vasto Império, o que depois foi complementado pelos árabes, italianos e português devido às necessidades comerciais e navais.
 Na Idade Média, quando muitos conhecimentos acumulados na antiguidade foram trancados nos mosteiros e bibliotecas de circulação restrita, os conhecimentos geográficos foram preservados pelos árabes.
Depois, dentro do contexto da intermediação de especiarias pelas cidades italianas de Genova, Veneza e Florença; estes conhecimentos retornaram a Europa e estiveram relacionados com o aprimoramento da navegação no Mediterrâneo e, posteriormente, no Atlântico.
A geografia foi introduzida como disciplina nas primeiras Universidades, mas não era considerada uma área autônoma, estando inserida na filosofia.
A exemplo da história, a geografia só começou a ser reconhecida como ciência no século XVIII, com a Revolução Francesa e o Iluminismo.
Entretanto, seu reconhecimento completo, como conhecimento cientifico, precisou aguardar o século XIX e XX.
Foi quando passou por quatro fases inteiramente relacionadas com a geografia humana e a história.
No século XIX, influenciado pelo materialismo histórico de Hegel e pelo marxismo, surgiu o determinismo geográfico.
Concepção segundo a qual o meio ambiente determina a fisiologia e psicologia humana.
Teoria que serviu de justificativa para o domínio neocolonial europeu sobre a África e Ásia, além do nazismo.
Na segunda metade do século XIX, surgiu a geografia regional, o estudo integrado de elementos humanos e naturais para tentar entender as características de determinada região e sua integração com o resto do mundo.
Na metade do século XX aconteceu à chamada Revolução Quantitativa, quando pressupostos matemáticos, estatísticos e econômicos foram agregados a geografia para tentar entender a formação do panorama político.
Na década de 1970 apareceu na Europa a geografia radical, também chamada critica por afirmar que os métodos estatísticos não trazem contribuição para a compreensão da sociedade por mitificarem a realidade.
Segundo esta tendência seria papel da geografia repensar questões sociais como o desenvolvimento do sistema capitalista, a globalização, a disparidade entre ricos e pobres e questões relacionadas ao meio ambiente.
O que novamente fez história e geografia se aproximarem e, na opinião de alguns teóricos, perderem seu sentido e identidade como disciplinas autônomas.
No entanto, ao invés de representar o fim da história e da geografia, a tendência pode resgatar o sentido original do conhecimento humanista, significando maior integração entre as áreas.
Integração que, no caso da geografia, sempre foi estreita também com a geologia e a botânica, trazendo a partir deste conceito a sociologia e a filosofia para dentro da área.


O trabalho do historiador.
O historiador dedica-se a desvendar a realidade histórica, a conhecer o passado através da investigação, buscando indícios, provas e testemunhos para abordar problemáticas, relacionando fatos para encontrar as razões de continuidades e rupturas no presente.
Embora o professor de história possa ser também um historiador e vice-versa, exercem funções distintas.

Enquanto o professor de história transmite o conhecimento acumulado, discutindo fatos previamente selecionados pelos historiadores; estes últimos são responsáveis pela construção das narrativas históricas.

Neste sentido, apesar da tentativa de imparcialidade, o trabalho do historiador é fabricar a historia.
É verdade que o historiador precisa fundamentar sua narrativa do passado através de pesquisa, carecendo de fontes que confirmem suas hipóteses; porém, enquanto sujeito histórico, não está isento de concepções políticas e ideológicas que interferem na seleção de fatos e na sua interpretação.
Diante de uma imensidão de dados, o historiador termina ignorando alguns, enfatizando outros, compondo uma visão do passado dentre inúmeras outras possíveis.
O que constrói os fatos que serão incorporados aos livros didáticos.
Por isto, passa ser função do professor realizar uma critica dos conteúdos, ao mesmo tempo em que transmite o saber acumulado pela humanidade.
É função da escola formar não só sujeitos que conhecem e dominam conteúdos, como também indivíduos críticos, capazes de questionar e ajudar a reformular o conhecimento.


O trabalho do geógrafo.
O geógrafo é o responsável pelo estudo da interação entre o homem e a natureza, fazendo parte de sua área de abrangência uma ampla gama de subáreas e possibilidades.
Este profissional pode se dedicar, por exemplo, a elaboração de mapas, trabalhando com cartografia, ou realizar analises do impacto ambiental da interferência humana sobre a natureza, lidando com a ecologia.
Pode ainda interpretar questões de natureza política, econômica e cultural para ajudar no entendimento e mapeamento das relações estabelecidas entre regiões e/ou com o meio ambiente.
Portanto, o geógrafo possui um amplo mercado de trabalho fora da sala de aula, podendo atuar em agencias publicas e privadas, em instituições de planejamento e gestão ambiental e territorial, além de empresas de engenharia, levantando dados essenciais para construção civil.
Exatamente por esta razão, este profissional, quando bacharel, possui o direito de registro no CREA (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia), subordinado ao Conselho Federal.
O que, muitas vezes, faz a maioria dos geógrafos optarem por não lecionar, deixando as escolas desfalcadas, ao passo que professores de história terminam preenchendo esta brecha.


Concluindo.
Pensando na história e na geografia, no âmbito das Ciências Humanas, voltados para o ensino infantil e fundamental, este conhecimento se torna essencial na formação de indivíduos críticos, contribuindo com a construção da cidadania.
História e geografia, abordados de forma integrada, até mesmo devido a sua proximidade e aos temas transversais que atravessam as duas áreas, devem ajudar a se situar no mundo.
Ajudam as pessoas a entenderem a si mesmas e o mundo em que vivem, criando consciência da necessidade de uma participação mais ativa na sociedade e na caminhada rumo a um futuro melhor.
Entretanto, para que isto aconteça, cabe ao professor abordar conteúdos de forma mais dinâmica, estimulando questionamentos ao invés de fornecer respostas prontas.


Para saber mais sobre o assunto.
KARNAK, L. (org.). História na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2008.
PINSKY, C. B. (org.). Novos temas nas aulas de história. São Paulo: Contexto, 2009.
CARLOS, A. F. A. A geografia na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2010.


Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela FFLCH/USP.
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela USP.

Um comentário:

  1. Parabéns professor.

    Uma excelente demonstração do saber. De forma sucinta pontuou o tema, e ao mesmo delineou os limites do mesmo.

    Obrigado.

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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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