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segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Empirismo e Teoria do Conhecimento.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume ago., Série 01/08, 2011, p.01-05.


No século XVII, Descartes fundou o racionalismo, difundido pelo continente europeu, representado por Spinoza na Holanda e Leibniz na Alemanha.
Seguindo então o modelo das exatas, principalmente da matemática, defendendo idéias abstratas e o inatismo como ponto de sustentação da ciência e garantia da possibilidade concreta da construção do conhecimento.
Conceitos que, inclusive, forjaram uma ética que procederia do ser, seria inata, estando na essência do sujeito.
No mesmo período, em oposição, surgiu na Grã-Bretanha, sobretudo na Inglaterra, o empirismo, representado por John Locke, Thomas Hobbes, George Berkeley e David Hume.
O empirismo defendia a idéia de que o conhecimento só podia ser construído através dos sentidos, de experiências concretas, particularizadas.
Seria, portanto, impossível alcançar leis universais, como pretendiam os racionalistas.
Um embate que dominou a Idade Moderna, passando necessariamente pela Teoria do Conhecimento.


Concepções empiristas.
O modelo empirista de construção do conhecimento estava baseado nas chamadas Ciências Experimentais, tal como botânica, química, astronomia e mecânica.
Eram ciências contrárias ao inatismo e que negavam conceitos clássicos da filosofia, a exemplo de “essência” e “ser”, considerados puro nominalismo,
Este ultimo termo se refere a conceitos que não passam de nomes, estariam esvaziados, pois refletiriam sensações e não concepções racionais.
Neste sentido, os empiristas tencionavam alcançar a verdade tentando antecipar experiências, sobretudo, através da descoberta das leis da natureza.
O que fundou uma ética utilitarista e hedonista, baseada nos costumes úteis para tornar a convivência social possível e a vida mais feliz e prazerosa.


John Locke e o empirismo.
John Locke (1632-1704) nasceu na Inglaterra, em uma família burguesa abastada, conduzindo seus estudos para se preparar para a vida religiosa.
Estudou em Oxford, onde cursou medicina, interessando-se pela anatomia, fisiologia, química e física; onde obteve o titulo de mestre em filosofia e começou a lecionar em 1658.
É considerado um dos fundadores do liberalismo inglês e grande defensor da liberdade, tendo sido nomeado membro da Real Sociedade de Londres em 1668.
No entanto, em 1667, tornou-se médico particular do líder da oposição ao rei Carlos II, o qual foi acusado de traição e obrigado a fugir da Inglaterra em 1682.
Locke, devido a sua ligação com ele, também foi perseguido e obrigado a fugir para a Holanda em 1683.
Só voltou a Inglaterra depois do fim do absolutismo, com a Revolução Gloriosa de 1688.
Após seu retorno à pátria, em 1689, sua fama se espalhou por toda Europa, ocupando vários cargos públicos na Grã-Bretanha.
Recebeu honrarias e o oferecimento de postos administrativos e burocráticos em outros países, os quais recusou em nome de suas pesquisas.
A partir de 1689, publicou suas principais obras filosóficas, morrendo em 1704, aos 72 anos, sendo considerado o autor do texto que sintetiza o empirismo: “Ensaio acerca do entendimento humano” (1690).

Além desta obra, cabe destacar:
1. “Dois tratados sobre o governo civil” (1689).
2. “Alguns pensamentos referentes à educação” (1693).
3. “Racionalismo do cristianismo” (1695).
4. “Cartas acerca da tolerância” (1690).

No “Ensaio acerca do entendimento humano”, Locke demonstrou sua intenção de fixar a gênese, a natureza e o valor do conhecimento, estabelecendo seus limites e suas possibilidades.
Ele chegou à conclusão que a experiência é o limite, sendo os sentidos a origem de todos os tipos de idéias.


Teoria do Conhecimento.
Para Locke é impossível conhecer as substâncias, a essência das coisas, pois seria algo indistinto, impreciso e incognoscível.
A substância não poderia ser distinguida, precisada, assimilada, estando fora do alcance da experiência humana e, portanto, não poderia ser conhecida.
O que não significa que o conhecimento é inviável como um todo, mas sim que as idéias inatas não existem.
O que significaria dizer que a pretensão racionalista da construção de um conhecimento universal é impossível.
Locke pergunta como é possível existirem idéias inatas, já que conceitos morais e gostos são relativos.
Caso existissem idéias inatas, nascendo o homem com estes conceitos, todos deveríamos ter os mesmos costumes, independente da cultura e experiências individuais.
O que não acontece.
Assim, a origem do conhecimento estaria nos sentidos e na experiência.
Como Aristóteles, Locke defendeu a idéia de que o conhecimento da realidade depende da junção de graus.
No entanto, enxergava a mente humana como uma “tabula rasa”, um papel em branco que, só à medida que é preenchido pelos dados dos sentidos e da experiência, permite organizar o conjunto de páginas escritas, uma a uma, para tentar entender o mundo.

A realidade seria percebida pelos sentidos, produzindo:
1. Sensação: idéias externas que vem a partir dos sentidos, como cor, sabor, frio, quente, etc.
2. Reflexão: idéias internas, percebidas pela mente, como impressões, experiências internas.

Neste sentido, as idéias produzidas por estímulos externos e internos, pelo simples fato de terem sido produzidas pelos sentidos e a experiência, fornecem um indicio de que a realidade existe.
Entretanto, estas idéias não permitem obter certezas, apenas ajudam arriscar possibilidades, uma probabilidade de entendimento da realidade.
Alcançar a verdade, portanto, não é entender a realidade, mas estabelecer uma coerência entre as idéias possíveis, produzindo o que chamamos de ciência, a busca por verdades provisórias.


Concluindo.
Segundo Locke, as idéias seriam representações mentais da realidade e o conhecimento apenas a combinação das idéias pela mente.
O filosofo entendia idéias como a realidade percebida pelos sentidos, enquanto o conhecimento seria aquilo que percebemos combinado com outras percepções, representadas na mente pelas ditas idéias, produzindo algo novo.
Portanto, o conhecimento nada mais seria que a junção do que já conhecemos, o já percebido, com  novas percepções.
A exemplo do que ocorre com as figuras de gestalt, perceber o objeto dependeria da associação que fazemos com o já conhecido.

Ao realizar esta operação, a mente humana produz dois tipos de idéias:
1. Simples: derivadas de sensações ou reflexões simples, onde o intelecto seria passivo, refletindo pura e simplesmente a realidade percebida ou vivenciada pela experiência, comum a todo ser humano.
2. Complexas: derivadas da combinação das idéias simples, refletindo qualidades subjetivas, pois depende da combinação que cada sujeito estabelece.

O conceito de idéias complexas conduziu Locke a sustentar a opinião que o conhecimento é relativo e que, portanto, não é possível falar em idéias universais.
O que remete novamente a discussão da substância, já que a essência seria, teoricamente, universal e imutável, algo cuja existência seria impossível por não existirem idéias universais na concepção empirista.
Para Locke, as idéias universais não passam de nomes (nominalismo), são só uma convenção humana que não tem correspondência com a realidade, porque não podem ser sentidas ou experimentadas.
A conseqüência da negação da substância é a negação absoluta da metafísica.
O que traz em si uma negação indireta da existência de Deus.
Segundo Locke, o conhecimento só pode se dar pela sensação, intuição ou demonstração; como Deus não pode ser percebido pelos sentidos, combinado conceitualmente com uma idéia que confirme sua existência, ou demonstrado; a existência de Deus seria negada.
No entanto lembremos do contexto histórico da época do autor, a Inglaterra não era católica, desde 1534 havia passado a ser anglicana, quando Henrique VIII, irritado com a recusa do Papa em anular seu casamento com Catarina de Aragão, auto proclamou a si mesmo chefe da igreja na Grã-Bretanha.
Como bom cristão, Locke, embora não católico. precisou resolver este problema da existência de Deus.
O que fez através do argumento da “Fé como Probabilidade”.
Para ele, embora não tenhamos como provar a existência material de Deus, o simples fato de sentirmos que deve existir, garante que provavelmente existe.


Para saber mais sobre o assunto.
SANTOS, Jose Henrique. Do empirismo a fenomenologia. São Paulo: Loyola, 2010.


Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela FFLCH/USP.
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela USP.

Um comentário:

  1. "A experiencia é o fator mais importante na formação do conhecimento ( razão ou mente)". A afirmação contida neste fragmento é decorrente da linha de reflexão filosofica denominada A) ASSOCIACIONISMO B) EMPIRISMO

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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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