Para entender a
história... ISSN
2179-4111. Ano 4, Volume jul., Série 05/07, 2013, p.01-09.
Profª. Janete de Jesus Neves.
Licenciada em Pedagogia pela Faculdade
de Ciência e Tecnologia Albert Einstein - FACTAE.
Especialista em Estudos Linguísticos e
Literários pela Universidade Federal da Bahia – UFBA.
Professora das séries iniciais na rede
pública de ensino.
O presente artigo é resultado de
parte do trabalho monográfico apresentado na graduação, no âmbito do curso de
Licenciatura em Pedagogia, onde buscou-se apresentar uma síntese do processo
histórico envolvido no acesso à leitura em nosso país.
As reflexões apresentadas apontam
de forma clara os problemas que permearam o difícil acesso dos brasileiros às
situações de letramento no geral (leitura e escrita), assim como esboça uma
figura do leitor que temos hoje.
Para tanto, recorre-se a história,
a fim de descrever literalmente uma “linha do tempo” na qual estão presentes os
eventos que desenharam o cenário que hoje se visualiza no Brasil.
Um Brasil “outrora” colonizado:
cenários do difícil acesso à leitura.
Nunca se falou tanto na
importância da leitura quanto nos últimos tempos. Isso porque jamais se deu
demasiado valor a função social da mesma, fato que só veio acontecer
recentemente, com o advento da industrialização, na década de 1920 do século
passado.
Nem sempre se pensou em políticas
que elucidassem o problema do analfabetismo, haja vista, a leitura ser tida
como extremamente perigosa, e privando-se na “ignorância” o povo aceitaria com
maior facilidade a supremacia dominante.
Os que se aventuraram, indo de
encontro ao estabelecido, enfrentaram muitos conflitos e contribuíram em menor
ou maior grau para transformar a realidade que hoje se tem da leitura em nosso
país.
Os ranços advindos de outrora, o
fator da estratificação social totalmente presente na pirâmide construída sob a
miséria de uma grande maioria, nos mostra que “ainda” somos colônia de um
sistema altamente capitalista/ consumista, que antes de tudo, prima pelo ter e
não pelo ser.
O germe do conhecimento, que nos
chega através da leitura, abalou séculos de escuridão e escravidão, levou
muitas pessoas à morte e fez de tantos outros gênios de sua época.
A leitura nos deu o poder sobre
nós mesmos, o direito à escolha de um governante, a independência a mulher da
contemporaneidade.
Talvez, em nenhuma outra época,
fizesse-se possível uma promoção efetiva da leitura quanto agora.
Quiçá, se não retrocedêssemos sem
cessar a toda iniciativa de “descolonização”, pudéssemos nos transformar numa
nação autônoma, quebrando desta forma, uma hegemonia social presente há
séculos, ao alcançar o tão almejado “aburguesamento”.
Como não poderia deixar de ser, o
histórico do difícil acesso à leitura no Brasil, iniciou-se com o da educação
no século XVI, quando da ocupação e/ou exploração do Brasil, chegaram aqui os
Jesuítas à frente da Companhia de Jesus, imbuídos por, através das chamadas
“missões”, incutirem aos índios uma “religiosidade importada” por meio da
catequização, e promover o estudo de textos clássicos aos descendentes da elite
local.
É nesse contexto que surgem os primeiros colégios em território
brasileiro.
De acordo com a Revista
Educação (2007), no século XVIII, mais precisamente em 1747, no Brasil é
implantada a primeira oficina de imprensa. Entretanto, logo em seguida, as
máquinas foram confiscadas, com a desculpa de que as despesas com impressões
aqui eram maiores que em Portugal, tendo a Corte necessidade de redução de
gastos.
Proibida as impressões em
território brasileiro, o Marquês de Pombal cria em 1768 a Real Mesa Censória
(que tinha a finalidade de reformar o sistema de censura de livros que
circulavam em Portugal e seus domínios), atribuindo a esta o poder de deliberar
sobre quais materiais de leitura nós, enquanto colônia lusitana, teríamos
acesso.
Esta medida teve como objetivo
ocultar dos olhos brasileiros as obras consideradas por eles “perigosas”, por
divulgarem ideias iluministas revolucionárias.
Assim, camuflados sob este
jargão, os livros passam muito tempo em poder dos clérigos nos mosteiros.
O quadro só veio ter alguma
alteração com a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, no ano de 1808,
quando, em prol do conforto de Sua Majestade (e família), voltaram a ser
permitidas as impressões, e paulatinamente foram introduzidos os primeiros
livros na colônia lusitana.
Tais livros eram exclusivos para meninos, e
baseavam-se numa tendência eurocentrista e categoricamente excludente, no que
diz respeito ao sexo feminino (REVISTA EDUCAÇÃO, 2007).
Desta forma, embora com quase
três séculos de atraso (se comparado a outros países e a sua criação no século
XV), estabelece-se a imprensa em território brasileiro, uma pequena conquista,
que fora longamente esperada.
Segundo Marisa Lajolo e Regina
Zilberman (2002, p. 9-10), o fato de o Brasil enquadrar-se na condição de nação
periférica e dependente contribuiu necessariamente para o seu constante
retrocesso com relação à leitura.
Conforme as autoras, o nível
cultural no Brasil colônia era muito pequeno, problema esse advindo da falta de
espaços próprios para a sua produção (escolas, gráficas, livrarias e
bibliotecas).
Enquanto na Europa o ensino
adquiria proporções cada vez maiores e mais modernas, aqui nossos colonizadores
davam pouca (ou nenhuma) importância à instrução.
Mesmo porque, de que lhes servira
escolarizar a quem pretendiam explorar?
Nada mais natural do que nos
conservar na “ignorância”, explorando nossos antepassados cada vez mais.
A Revista Educação (2007)
informa que alguns anos mais tarde (ano de 1827) o Brasil já “independente” de
Portugal, é regulamentada a primeira Lei de Instrução Primária (Art. 179), a
qual estabelecia os objetivos pelos quais a escola deveria primar, ou seja,
seria objetivo da escola o ensino da leitura e da escrita, das operações
matemáticas e conhecimentos geométricos, além de “prendas domésticas” para as
meninas.
Na falta de materiais
específicos, as escolas utilizariam qualquer documento escrito para a leitura,
a exemplo da Bíblia e da Constituição do Império.
É notável que, apesar dessas
pequenas conquistas terem sido alcançadas, muito pouco foi mudado, pois, ainda
faltavam escolas, livros, bibliotecas, dentre outros difusores da leitura em
nosso país. Além disso, o índice de analfabetos atingia quase a totalidade da
população (85% de analfabetos, conforme primeiro censo realizado em 1872).
Lajolo e Zilberman (2002, p.
108-109) apontam que isto ocorreu devido ao fato da implantação da imprensa,
mesmo tardiamente, ter acontecido de forma isolada e medíocre em nosso país.
Outro problema, também apontado
pelas autoras, seria a precariedade, ou ausência de políticas educacionais que
provesse uma rede escolar eficiente em terras brasileiras.
Entre os anos de 1860 e 1910, os
livros didáticos crescem em importância, dado ao fato de estarem intimamente
ligados a escola, passando a ser produzidos com regularidade.
Neste momento, cresce também o
número de produção de obras voltadas para as crianças nas metrópoles (Rio de
Janeiro e São Paulo).
Marisa Lajolo e Regina Zilberman
(1996) referem-se ao livro didático como o “primo-pobre” da literatura, por ser
descartável, ter “prazo de validade”, tendo em vista os avanços que acontecem a
todo o momento, e “primo-rico” das editoras, dada a sua vendabilidade.
O livro didático, esse primo-pobre,
mas de ascendência nobre, é poderosa fonte de conhecimento da história de uma
nação, que, por intermédio de sua trajetória de publicações e leituras, dá a
entender que rumos seus governantes escolheram para a educação, desenvolvimento
e capacitação intelectual e profissional dos habitantes de um país (LAJOLO;
ZILBERMAN, 1996, p. 121).
O fato dos livros didáticos
informarem o mínimo, serem “anacrônicos”, como apontam Lajolo e Zilberman, nos
faz pensar (em termos de produção) em seu grande crescimento, isto, em
detrimento aos livros literários, modernos e mais abrangentes.
É de conhecimento amplo, as
várias discussões em torno das informações (na grande maioria das vezes
retrogradas) fornecidas pelos livros didáticos, e dos malefícios que estas
informações incorporam a leitura crítica do sujeito.
As cartilhas, por exemplo, perpetuaram
uma época da história de nossa educação, projetando uma ideia medíocre da
inteligência de nossas crianças ao portarem séries de textos obsoletos
(anacrônicos).
O ano de 1921 foi marcado pelo
nascimento oficial no Brasil da literatura infantil, através das obras de
Monteiro Lobato.
Este, astutamente deu
características rebuscadas às suas obras, aproximando sua linguagem à da
população brasileira (SARAIVA, 2001, p.37).
Já na década de 1930 do século
passado, muitos acontecimentos permeiam a face da educação que hoje se
visualiza: o governo Vargas cria o Ministério da Educação; inicia-se o
Movimento da Escola Nova; novo programa é implantado ao curso fundamental do
ensino secundário, com a inserção da disciplina português; estabelece-se a
Pedagogia, enquanto curso de Ensino Superior.
Tudo aparentemente ia bem, um
novo modelo de educação tinha possibilidade de nascer, estávamos a avançar.
Dessa forma, em 1961, após duas
décadas de protelação é sancionada a Lei n. 4.024/61 (Lei de Diretrizes e Bases
da Educação) que proclama o texto literário como base do ensino de português,
prioridade para o acesso ao ensino universalizado pretendido pelos
movimentos populares da época (Centros Populares de Cultura, Movimento de
Cultura Popular e movimento de Educação de Base).
Entretanto, tendo o presidente
João Goulart sido deposto em 31 de março de 1964, instala-se em nosso país o
movimento cívico-militar (golpe militar de 1964) que impiedosamente
descaracterizou todos os movimentos culturais presentes no Brasil.
Até mesmo a literatura infantil
adquiriu um atípico caráter conservador ao explorar em suas histórias,
principalmente, o meio ruralista em detrimento do urbano (SARAIVA, 2001).
Igualmente, na década de 1970,
uma Nova Lei de Diretrizes e Bases (Lei n. 5.692/71) volta a priorizar o ensino
do português, intensificando a sua necessidade à comunicação e expressão
cultural.
Neste momento histórico, a
literatura infantil vive um bom momento, assim como os livros paradidáticos, ao
serem inseridos no contexto escolar.
Em meados da década de 1980
(entre 1986 e 1988) surge a ideia de letramento, que passa a ser
difundida ao serem analisados as práticas de leitura e escrita em nosso país.
Com a promulgação da Lei 9.394 de
dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN) no
governo de Fernando Henrique Cardoso, a educação passa por muitas modificações,
até chegarmos aos dias atuais.
Observa-se que a origem dos
problemas convergentes na prática da leitura no Brasil reside na sistemática
predileção da classe dominante aos seus próprios interesses.
Desenraizar acepções de um modelo
de leitor mediano, impresso há séculos não é tarefa das mais fáceis, muito
menos num país que, de certa forma, “acostumou-se” a ser colônia.
É imprescindível apontar que apesar
de tantas leis vangloriando as premissas do ensino das letras, andamos a passos
lentos, quando o que se considera são efetivas mudanças, isto quando não
retrocedemos por uma, ou por outra razão.
Não que as mudanças não estejam
ocorrendo, elas acontecem sim, mas a morosidade de tais mudanças, torna, na
maioria das vezes alguns, eventos defasados.
De acordo com estudos da Organização
dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) divulgado
em nota à Revista Educação (2007, p. 20), apesar da taxa de
“analfabetismo” ter caído no Brasil, o Nordeste é a região brasileira onde
concentra-se 71%, dos 1,1 milhão de jovens entre 15 e 24 anos iletrados de
nosso país, sendo que um terço deles encontram-se no estado da Bahia e de
Pernambuco.
Também no Nordeste concentram-se
as mais divulgadas intempéries da seca e da fome, tanto quanto de outras
mazelas presentes na realidade brasileira (desemprego, exploração de trabalho
inclusive infantil, etc.).
É igualmente fato, que a
população desta região é constituída em sua grande maioria de personagens que
contribuíram com força/ trabalho à nossa história, mas que sempre estiveram à
margem da sociedade.
Os jovens deixam as escolas para
enfrentarem uma maratona de trabalho precoce, viabilizada pela realidade da
miséria em que vive a base da pirâmide social, a massa assalariada (para não
dizer, os que sobrevivem com menos de um salário), conforme podemos verificar,
nos diversos noticiários do país.
De acordo com Saraiva (2001):
O fator
econômico impede o acesso de alunos à escola ou os obriga a abandoná-la antes
mesmo de terem se tornado leitores efetivos, lacuna que, por um lado, denuncia
os reflexos nefastos da estrutura social sobre a educação e, por outro, impede
os indivíduos de exercerem seu papel como sujeitos históricos (p.24).
Esse percurso que fizemos,
apontando dados imprescindíveis com relação à história da leitura no Brasil vai
simultaneamente influenciar na formação do leitor brasileiro, caracterizando,
assim, a figura de quem tanto dialeticamente falamos na contemporaneidade.
Formação do leitor brasileiro: um
problema solucionado?
Normalmente falamos do leitor com
tanta propriedade, que esquecemo-nos de analisar o que é realmente ser um
“leitor”.
Com precisão, as autoras Marisa
Lajolo e Regina Zilberman (1996, p.09) nos apresentam a figura do leitor sob
duas perspectivas.
A primeira retrata-o através do
ponto de vista de público participante de uma “massa anônima” de vontade
própria; já a segunda, visualizada através do ponto de vista de leitor, nos
oferece uma imagem do mesmo, enquanto indivíduo “habilitado à leitura”, com
preferências estabelecidas, uma figura que o escritor tenta seduzir.
De acordo com a autora Regina
Zilberman, o leitor, este sujeito tão íntimo, por vezes tão distante de nosso
entendimento, aproxima-se do texto de “modo ritualístico”, onde:
primeiro, ele apalpa a obra,
sentindo-a de modo táctil e explicitando a natureza carnal do livro. Depois,
procura as figuras, detendo-se nas imagens visuais, para só então mergulhar nas
letras, que o conduzem a universos fantásticos, distantes no tempo, no espaço e
nas idéias, mas próximos dele, dada a materialidade do livro, para onde o
leitor apaixonado, sempre retorna (CONDINI; PRADO, 1999, p. 146-7)
Portando, a leitura deve convidar
o sujeito para o seu desbravamento, para o seu entendimento, e ousando
discordar de Regina Zilberman, a ordem deste ritual não importa dada a
autonomia depositada no leitor no ato de sua leitura.
A leitura adquiriu nova roupagem
nos diferentes contextos que a permeavam e vinculou-se as mais prementes
necessidades da população em cada época.
O contexto familiar, por exemplo,
adquiriu grandes proporções em importância, na legitimação da leitura e
formação do leitor, por ser dentro desta instituição “nuclear” (que adquiriu
ares modernos com a Revolução Industrial) que acontecia a maior difusão da
leitura.
A questão da religião também
contribuiu em prol da formação do leitor que temos hoje, tendo em vista a
ansiedade por parte dos religiosos (protestantes, reformistas, etc.) de terem
acesso aos saberes bíblicos e a formação moral.
A difusão da literatura é outro
ponto a ter seu mérito, por terem se constituído nas primeiras manifestações
baratas de lazer, assim como o nascimento no meio rural, da literatura de
cordel, ponto de partida para a criação dos folhetins que ganharam pouco tempo
depois, as ruas das metrópoles brasileiras, por meio dos jornais (LAJOLO;
ZILBERMAN, 1996).
Com relação às mulheres, o
processo foi ainda mais complicado.
Ainda no século XIX, o sexo
feminino tinha pouco (na maioria das vezes nenhum) acesso a materiais de
leitura, apenas atendo-se aos conhecimentos necessários a sua formação
doméstica.
Não obstante, devemos acrescentar
que, visualizada através da constante interferência de uma série de
acontecimentos que contextualizaram a história da leitura (assim como da
educação propriamente dita) em nosso país, a formação emancipatória do leitor
brasileiro ainda não se deu completamente.
A habilidade natural do sujeito
para a leitura e o fato deste ter participado e/ ou ainda participar de uma
história familiar que apresentou-lhe a leitura desde tenra idade são fatores
que viabilizam em grande medida a formação do leitor em seu sentido pleno e de
direito.
No entanto, sabemos que esta
regra é exceção na nossa realidade, tendo em vista, os dados relacionados aos
altos índices de analfabetismo (para não falar dos analfabetos funcionais)
obtidos através de censos realizados no país.
Apesar de encontrarmo-nos no
interior de uma sociedade letrada, a leitura acrítica é uma constante nas salas
de aula brasileira, fato que vem já há algum tempo perturbando o âmbito
educacional.
Neste contexto, a escola, na sua
posição de uma das instituições mais importantes, presentes na sociedade, tem a
responsabilidade de procurar compensar o que falta nos lares desses sujeitos
(contato com livros, bibliotecas, etc.), além da falta de habilidade destes
para a leitura.
Dessa forma, frente a uma luta
“solitária”, a escola vem tendo constantes insucessos ao promover a leitura
apenas como forma de se alcançar sucesso social e econômico no atual mundo
capitalista.
Não seria talvez, o momento de passarmos a promover a urgente
necessidade de obtermos momentos prazerosos e conhecimento diversos com ela?
Muitas vezes, enveredamos o
sujeito por um caminho que não caracteriza-se como sua necessidade imediata de
aprendizagem (e leitura) e esquecemos de levar em conta as pistas que ele
anteriormente já nos apresentou (sua leitura de mundo, seus saberes cotidianos,
o que rabisca nas paredes, nas carteiras, nos cadernos, etc.) e acabamos por
fazer um caminho contrário, o que acaba por afastar esse sujeito do nosso
objetivo: a leitura.
Mas se observarmos as pistas,
aquelas as quais não demos a mínima importância (e pior, que taxamos de puro e
simples vandalismo), ele desejava o acesso à leitura, pois apresentou as pistas
claramente, a escola é que estando limitada de criticidade não soube ler nas
entrelinhas.
Comumente observamos a
preocupação de muitos professores no que diz respeito à promoção de projetos
educativos, que culminem no incentivo aos “hábitos de leitura”.
Entretanto, esses projetos, na
grande maioria das vezes caem no vazio, visto o fato de estarmos tão
acostumados à motricidade dos hábitos (rotina) que acabamos por torná-los
fazeres mecânicos isentos de criticidade.
Na perspectiva de Paulo Freire
(2005), por exemplo, “o ato de ler e não o hábito da leitura” é pensado como
possibilidade de articulação de ideias (aversão ao pensamento inanimado) e
exercício da criticidade.
Segundo ele, “muito de nossa
insistência, enquanto professoras e professores, em que os estudantes leiam,
num semestre, um sem-número de capítulos de livros, reside na compreensão
errônea que às vezes temos do ato de ler” (p.17).
Infelizmente, apenas incentivar o
hábito de leitura não assegura que este “hábito” perdure fora dos bancos
escolares e, este é um dos grandes problemas que repercute na formação do
leitor brasileiro.
Segundo dados divulgados em 2008
pela pesquisa Retratos da leitura no Brasil promovida pelo Instituto
Pró-Livro a título de compreender o perfil do leitor em nosso país, o
brasileiro lê em média 1,8 livros por ano e se tirarmos os livros indicados
pela escola este número cai para 1,3 livros por habitante/ano.
Além da questão da quantidade,
também a escolha desses materiais de leitura desempenha seu papel no desenho do
perfil deste leitor.
Quando se trata da lista dos
livros mais vendidos no Brasil, os dados da pesquisa apontam à existência de
três categorias: 1) ficção (narrativa, poesia e drama); b) não-ficção (crônicas
no geral) e; c) auto-ajuda (assim como esoterismo, guias, espirituais e
negócios).
Essa última categoria, segundo
nos informa Regina Zilberman em artigo apresentado a Revista Eletrônica de
Jornalismo Científico – Com Ciência, surgiu há aproximadamente uma década e
figura o elenco dos materiais que “colaboram para o êxito pessoal ou
profissional do sujeito”.
Vale ressaltar, que nesta lista não há predominância
dos autores de língua portuguesa.
Com o advento das Tecnologias da
Informação e Comunicação (TICs) uma competição é estabelecida entre o objeto
livro e os aparelhos audiovisuais ultramodernos.
O confinamento da população
brasileira em frente dos aparelhos de TV, assim como dos microcomputadores e
consequentemente da Internet reduzem em grandes proporções as possibilidades de
aproximação com a leitura (de um livro, jornal, etc.), pois, uma vez
aprisionados ao recurso áudio-visual, vinculado a um motivo maior, a exemplo,
de um programa preferido e/ou algum “reality show da moda”, o leitor
contemporâneo gravita entre as várias possibilidades de informação, na maioria
das vezes optando pela maneira mais rápida e fácil de adquiri-la, esquecendo-se
de contabilizar que esta também, pode não ser a mais eficiente.
A leitura e a troca de experiências
de leitura e de vida já não fazem parte dos encontros familiares. O
encantamento oriundo de fábulas e de lendas, de narrativas fantásticas ou
realistas, das histórias de vida, marcadas por fracassos e sofrimentos ou por
sucessos e alegrias, bem como o ludismo dos jogos poéticos não mais agregam a
família em torno de um círculo solidário e cedem lugar aos programas
televisivos ou jogos eletrônicos, comprovando a afirmação de procedimentos que
estimulam o individualismo e empobrecem o sujeito em sua capacidade de diálogo
(SARAIVA, 2001, p. 24).
Dessa
forma, percebe-se que o perfil deste leitor tão inquietantemente comentado no
âmbito educacional e fora dele, independe tão somente do número de livros (aqui
entendido como qualquer material de leitura) que ele tem acesso efetivo.
Mais
precisamente, este perfil de leitor leva em conta (e talvez com maior
criticidade) a escolha e/ou gosto do sujeito.
Concluindo.
Seria
coerente dizer que esta formação do leitor (ainda inconclusa se formos levar
em conta os apontamentos ora realizados) ultrapassa as barreiras das
questões políticas.
Na
verdade, pode-se dizer que apesar dos ranços de outrora refletirem na nossa
realidade atual, e do Estado, assim como a escola terem suas responsabilidades
nesse processo, a formação do leitor hoje, permeia muito mais uma questão
pessoal politizada.
A
formação do leitor hoje é em primeira instância, responsabilidade de cada
sujeito; é responsabilidade de seu querer e do seu estado de pertencimento a
algo maior: a sociedade, a história.
Estamos
acomodados no conforto de algumas situações, que nem ao menos nos damos conta
que o mundo está mudando, o tempo é motriz, também devemos sê-lo mais vezes.
Responsabilizar outrem sobre essa crise tão propriamente pessoal é tentar
ocultar uma verdade que possivelmente desagradará a nós mesmos.
Para saber mais sobre o assunto.
COSSON,
Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. São Paulo:
Contexto, 2006.
FREIRE,
Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.
São Paulo: Cortez, 2005.
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http://www.cerlalc.org/redplanes/boletin_redplanes/documentos/Noticia1/Retratos_2008.pdf
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KOCH, Ingedore Villança; ELIAS,
Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo:
Contexto, 2006.
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Paulo: Ática, 1996.
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Petrópolis: Vozes: 1984.
LOBO,
Luiza . Leitor. In: JOBIM, José Luís (Org.). Palavras da crítica: tendências
e conceitos no estudo da literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
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Maria Helena. O que é leitura. 19. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.
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SARAIVA, Juracy Assmam (Org). Literatura
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Ezequiel Theodoro da. Leitura e realidade brasileira. Porto
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SOARES,
Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte:
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ZILBERMAN,
Regina. Leitor brasileiro “em primeiro lugar”. Com Ciência. São Paulo,
Seção Artigos. Disponível em:
<http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=40&id=480>.
Acesso em: 31 ago. 2009.
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