Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 4, Volume jul., Série
02/07, 2013, p.01-06.
Prof. Jairo
de Lucena Gonçalves.
Graduado
no curso de Historia da Universidade de Pernambuco.
Este artigo tem como finalidade explanar pontos
importantes da trajetória histórica do vaqueiro nordestino, como sendo um dos
personagens de grande importância no processo de colonização dos sertões[i].
Buscando descrever fatos que passam despercebidos quando se estuda a História
do Brasil em Especial a do nordeste.
O
aparecimento dos marrueiros[ii]
nas terras brasílicas.
O marrueiro surgiu no Brasil em tempos coloniais na
primeira metade do século do século XVI. Com a introdução dos primeiros
rebanhos bovinos pela capitania de São Vicente, no entanto a atividade pecuarista
teve maior sucesso na capitania de Pernambuco e posteriormente se espalhou para
varias regiões do nordeste.
Goulart (1965) citando Gilberto Freire, onde este
explana que a maioria do gado que habitavam o nordeste provia de cabo verde
(outra colônia de Portugal) e de são Vicente, Freire não descarta que o
donatário de Pernambuco Duarte Coelho teria trazido algumas cabeças de gado
quando veio residir no Brasil em 1535.
Inicialmente a pecuária se deu nos arredores dos
engenhos nas regiões litorâneas.
Esse fato foi possível porque o numero de animais não
era tão grande, e fica de certa maneira fácil cuidar deles.
Porém, com o crescimento dos rebanhos e a falta de
cercas para proteger as plantações os bois começaram a invadir os canaviais e
os mandiocais causando uma grande desavença entre criadores e agricultores.
Esse problema só foi resolvido em 1701 com o decreto
do rei D. Pedro II proibindo a criação de rebanhos próxima dos engenhos ou dos
roçados de qualquer tipo, á distancia mínima que os animais podiam ser criados
era de dez léguas de distancia (cerca de 60 km).
Esse fato se explica porque a
pecuária era apenas uma atividade de apoio que tinha importância secundaria
perante o governo português, a grande “menina dos olhos” destes era a cana da
qual se fabricava o açúcar que gerava tanta lucratividade para a metrópole.
Como destaca Goulart citando Caio
Prado Jr. (1965:50):
Acultura da cana não permitiu que a (pecuária) se
desenvolvesse nas férteis e favoráveis terrenos da beira-mar. relegou-a para o
interior mesmo quando este apresentava os maiores inconvenientes a vida humana
e suas atividades, como se dá em particular no sertão do nordeste.
Porém não podemos ofuscar a importância dos rebanhos
na manutenção dos aglomerados humanos, já que esses animais serviam de alimento
tanto para as pessoas dos engenhos e vilas quanto para os escravos.
O boi era utilizado também para o transporte de
cargas mais pesadas que não pudesse ser carregado pelos escravos ou pelos cavalos.
Sabe-se que para se produzir o açúcar era necessário
uma grande queima de madeira por esse motivo as matas que circundavam os
engenhos foram gradativamente sendo dizimada.
Cabendo aos homens que domesticavam os bois buscarem
as madeiras em lugares mais longínquos, era também trabalho dos bois levarem o
açúcar para os portos quando os engenhos se situavam afastados destes, (essa
afirmação não quer dizer que os bois foram os únicos animais a serem utilizados
para transportar os produtos pesados, pois os equinos e os muares também foram
de grande valia e não podiam ficar sem seus créditos).
O
cotidiano dos sertões.
Os marrueiros eram os próprios lusitanos de inicio,
entre tanto com a decisão do real em
afastar os rebanhos para os sertões ouve uma necessidade de ensinar aos
indígenas aliados as técnicas de criação de bovinos, acredito que tenha sido
coerente para os portugueses o auxílio dos índios, pois estes já tinham um
conhecimento geográfico das regiões para onde iam os bois. Salientando que isso
não que dizer que os lusitanos não foram para os sertões; os índios apenas
davam um suporte para os europeus.
Se a vida nas vilas coloniais já eram desconfortáveis
como seria a vida nos sertões?
Onde ainda não tinha sido feito nenhuma melhoramento
de infra-estruturar. Como
assinala Priore e Venâncio (2006: 70):
“[...] A vida aí não
era fácil. O cotidiano desenrolava-se sob sol causticante e solo árido [...], a
falta d’água era tanta que, frequentemente muitos não tinham o que beber. Junto
com a seca vinham as crises de abastecimento. Quase nada florescia, nem
crescia. A regularidade das estiagens era apavorante.”
Os marrueiros
levavam uma vida seminômade, pois precisavam se deslocar todas as vezes que o
gado buscava novas pastagens, provavelmente eles viviam em cabanas improvisadas
com peles ou tecidos.
Como defende Darcy
Ribeiro (2006), o boi foi uma mercadoria que se conduziu por se mesma, o
vaqueiro e a apenas seguindo seus rastros.
Outro fato a ser
observado no dia-a-dia doa marrueiros era o grande risco de morte que estes
corriam, por diversos motivos não apenas no oficio do seu trabalho mais também
por causa dos ladrões que vinham das vilas para roubarem o gado; é de se
imaginar que era muito fácil roubar uma rês nas condições que estas viviam,
longe dos aglomerados humanos, o gado se espalhava na imensidão da caatinga
facilitando a pratica do furto, já que os vaqueiros não podiam observar todo o
rebanho simultaneamente.
As feras das terras
praticamente intocável pelos homens brancos igualmente proporcionavam muitos
perigos para os marrueiros, pois eles deveriam ter um cuidado redobrado com as
crias novas que fossem aparecendo no rebanho, já que estes eram presas fáceis
para os carnívoros principalmente a onça parda.
Mas nenhum dos
conflitos foi tão grande e sangrento quanto dos marrueiros contra os indígenas,
verdadeiras guerras foram travadas nos sertões; já que a expansão do território
era algo vital para o crescimento dos rebanhos.
Desde o século XVI, o movimento de ocupação do
sertão norte do Brasil confrontou o colonizador com povos indígenas que
habitavam estas regiões destinadas a criação do gado. [...] a acentuação do
movimento de expansão da pecuária, conflitos antes limitados tornaram-se cada
vez mais frequentes, de modo que em breve uma situação de conflagração geral
surgiria as vistas das autoridades coloniais, sendo denominada “Guerra dos
Bárbaros”. (Puntoni,apud,
Priore e Venâncio,2006, p71).
Muitas tribos indígenas foram “deserdadas” da terra
que era deles; onde estes enterravam seus entes queridos e cultuavam seus
deuses.
Entre tanto não podemos imaginar que os índios não
lutaram por eu território; pois os índios atacavam os rebanhos matando desde
reses a vaqueiros e cavalos, é de se imaginar como os aborígines brasileiros
tinham hábitos antropomorfos que muitos dos marrueiros tenham virado alimento
em um cerimonial.
Goulart (1965: 27) relata sobre essa questão:
Mas em 1687, os Janduís à frente, ecôa o grito de
guerra das tribos inconformadas: é quando inicia-se a correia dos nativos, de
fachos em punho e setas em riste, incendiando fazendas, matando gados e
flechando vaqueiros, dizimando o que de branco lhes embargasse os passos.
Observa-se que na questão levantada nesta elocução,
que os indígenas dos sertões resistiram bravamente até quando puderam para
retomar o seu território nas mãos dos invasores.
Curral
de criar gente.
É do antropólogo Darcy Ribeiro (2006: 312) essas
palavras “Assim é que é que os currais se fizeram criatórios de gado [...] e de
gente” a elocução do autor pode ser justificável, pois como já foi relatado
anteriormente os marrueiros viviam em provavelmente em cabanas já que
precisavam se deslocar constantemente, impossibilitando este de fixar moradias.
Periodicamente era necessário levar um determinado
numero de animais para serem abatidos ou para prestarem serviços de transporte
nas vilas.
Esse fato demandava um grande trabalho por parte do
vaqueiro que precisavam captura os animais que eram praticamente selvagens,
eles amarravam os animais, porém muitos se libertavam e voltavam par o mato
fechado.
Era necessário se criar um espaço onde os animais
pudessem ser aprisionados antes de ser levado para as vilas.
Primeiramente os materiais utilizados para construir
os primeiros currais foram as madeira das caatingas, os “currais de varas” não
foram muito eficientes, pois os animais escapavam com facilidade e, além disso,
precisavam de manutenção constante, pois os bois quebravam muitas varas quando
fugiam.
Logo o material foi trocado por outro também
encontrado com abundancia na natureza a pedra; os currais de pedra eram muito
difícil de construir, mas sua durabilidade era muito maior (em varias regiões
do nordeste ainda podem ser vistos
vários currais em pé).
Com o aparecimento dos currais os familiares dos
marrueiros puderam se fixa nos arredores destes, todo o cotidiano da família se
passava próximos aos currais e aos rebanhos, nesse período meados do século
XVII os indivíduos sobreviviam com o que retiravam do gado.
Pessoas acostumadas à vida simples longe dos padrões
das cidades litorâneas. Estes não buscaram construir uma nova Europa no Brasil (ou
pelo menos com o passar dos anos esse sentimento foram se perdendo).
Barroso (2003) enfatiza que as populações que
habitam os sertões nordestinos são em sua maior parte miscigenações de europeus
com indígenas. Isso explica porque estes de certo pontos estiveram por logo
tempo desconectados culturalmente dos costumes litorâneos.
Á distancia do “mundo civilizado’ também foi um
fator que propiciou a criação de uma cultura própria dos povos sertanejos.
Vida
nas fazendas.
Segundo Sampaio (1987) o surgimento das primeiras
fazendas esta compreendida entre o final dos séculos XVII e meados do século
XVIII.
Nesse período a grande preocupação dos marrueiros
não era somente com os rebanhos, mas também com água (era importante que os
latifúndios fossem pelo menos cortado por um rio).
Era função do vaqueiro cavar barreiros em regiões
que ficassem muito afastadas dos rios;
estes recebiam o auxílio de outros empregados das fazendas, mais os
marrueiros eram os grandes responsáveis pelo serviços.
O trabalho era algo comum no cotidiano das fazendas,
Mary Del Priore e Renato Venâncio (2006), em uma pesquisa documental, observam
que as fontes oficiais relatavam com normalidade o trabalho dos “pequenos
vaqueiros” nas fazendas campeando o gado.
Quando a seca era prolongada a única opção para
saciar a sede não somente dos animais mais também dos homens era a cavação de
cacimbas dos leitos dos rios secos.
Nas fazendas as moradias dos marrueiros e dos
fazendeiros eram bem diferentes, as dos primeiros era feita de taipas (Barro e
varas) chão de terra batida.
Residências pequenas e baixas quase sem moveis; na
sala um tronco de árvore vazia a vez de sofá, seus utensílios de trabalho (gibão,
arreios, espingardas) eram penduradas nas paredes.
Em seus quartos não aviam camas, segundo Priore
(2011) a cama era um artigo de luxo só que possuíam era indivíduos que tinham
um grande poder econômico.
Estes dormiam em esteiras ou em redes, nos quartos
as roupas eram guardadas em varais.
Na cozinha um fogão de lenha sempre aceso, paredes
presas tingidas pela fumaça produzida pela queima da lenha da caatinga.
O marrueiro era um abio caçador; era um cenário
comum nas conzinhas se encontrar carne de caça defumada pela fumaça dos fogões,
(no período das chuvas), no verão as carnes e os peixes eram salgados e
colocados para secar no sol. Isso fazia que os alimentos durassem mais tempo,
ou seja, não entrasse em estado de putrefação.
As residências dos fazendeiros eram de alvenaria,
construções altas, que mantinham traços europeus, residências caracterizadas
por muitas salas e quartos demonstrado que as residências das fazendas era âmbito
de encontros destes informais até mesmo políticos (que os fazendeiros mantinham
uma grande influência na política regional).
Pernambuco tem muitas cidades que nasceram das
primeiras fazendas Sampaio (1988) relata algumas destas entre elas; Caruaru,
Salgueiro, Buique, Gravatá,entre outras tantas. Priore e Venâncio (2006: 71)
fazem uma elocução sobre essa questão: “alguns arraiais e vilas nasciam no
centro dessas fazendas, dando origem a muitas das atuais cidades nordestinas.”
Esse processo se deu pelo grande comercio de gado
dos séculos XVIII e XIX. Que incentivou a muitos indivíduos se transferir das
cidades litorâneas e seguissem para os sertões em busca de melhores condições
de fida nas imensidões dos latifúndios ou em seus arredores.
Com o aparecimento dessas cidades no interior os
marrueiros poderão encontrar outra fonte de renda.
Já que estes possuíam “juntas de bois mansos”[iii],
estes eram utilizados para carregarem mercadorias das cidades Pólos para as
cidades e vilas menores e destas para as budeguinhas[iv] da
zona rural.
A agricultura também foi praticada pelo marrueiro, apesar
de que geralmente as roças eram cuidadas por suas esposas e filhos.
Que também tratavam do seu pequeno rebanho, enquanto
seus maridos e pais cuidavam dos rebanhos dos patrões.
Foi também no inicio do século XIX que foi se
iniciando um “novo capitulo” na História da trajetória dos marrueiros; eles
começaram a comprar pequenas porções de terras e deixavam de ser apenas
empregados e se tornavam proprietários de seus próprios destinos.
Concluindo.
As narrativas da vida dos homens que foram
“obrigados” a desbravar os sertões seguindo o gado são cheio de detalhes que
pode apaixonar a qualquer estudioso que busca se debruçar sobre esta questão.
O grande objetivo deste artigo não foi de forma
alguma explanar todos os detalhes do cotidiano dos vaqueiros; ele teve como
finalidade principal apenas aguçar a curiosidade do leitor para as Histórias
dos sertões e dos seus homens.
Que são contadas de varias formas (música, versos,
cordéis, etnografias, documentos históricos, e pela memória dos indivíduos mais
velhos).
Uma História caracterizada pelas dificuldades, porém
muito bela de ser vislumbrada.
Para
saber mais sobre o assunto.
BARROSO, Gustavo. Terra de Sol. Fortaleza: Edição
Demócrito Rocha, 2003.
MAURICIO, de Albuquerque, Mª Laura.
Cantos de aboio. João Pessoa: Ed.
Sal da Terra, 2007.
PRIORE,Del, Mary. ; VENÂNCIO,
Renato. Uma História da Vida rural no
Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
PRIORE, DEL, Mary. Histórias íntimas: sexualidade e erotismo
na história do Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2011.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 18. ed.
SP : Ed. Nacional, 1989.
GULART, José Alípio. Brasil de boi e do couro. Rio de
Janeiro: edição GRD, 1964.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. SP, companhia de
letras, 2006.
SAMPAIO, Francisco, Coelho. Estudos
sociais: Pernambuco. SP: Ed. Do Brasil, 1988.
[i]
Como eram chamadas as regiões que não eram banhadas pelo mar, ou seja, os
interiores do território.
[ii]
Forma que os primeiros vaqueiros eram chamados.
[iii]
Dupla de bois domesticados que são utilizados para puxar carros de madeira os
chamados “carros de boi”.
[iv]
Pequenos estabelecimentos comerciais; um misto de mercado e bar, ainda muito
comum de ser encontrada atualmente na zona rural.
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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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