Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Volume fev., Série 01/02, 2012, p.01-06.
Hoje a palavra ética é recorrente nos meios de comunicação, muito se fala de transgressões e quebra de preceitos éticos.
No entanto, os profissionais da comunicação quase sempre confundem ética com moral e direito, não conseguem discernir problemas específicos exatamente por carecerem de formação teórica.
Como formadores de opinião, estes profissionais terminam convertendo a ética em ideologia que aliena a massa e desvirtua o significado e função da ética.
É por isto que, tradicionalmente, a imagem do Brasil, perante os estrangeiros e os nacionais, situa a esfera ética confusamente, perpetuando, por exemplo, a inexistência de fronteiras entre o público e o privado, principalmente, quando se trata da organização do Estado.
Neste sentido; enquanto em outros países a separação do público e privado domina discussões na mídia e no seio da sociedade; no Brasil a junção é nítida, descambando na utilização de recursos públicos para gerir gastos pessoais, no nepotismo e em tantas outras mazelas.
Tudo, sem que as pessoas debatam estas situações adequadamente, fazendo imperar a impunidade, mesmo quando as são infringidas.
A transformação da sociedade, para dar conta de construir valores éticos que beneficiem a coletividade, passa pela mudança de mentalidade individual, onde os meios de comunicação se tornam essenciais para liderar debates e esclarecer educando o grande público.
Entretanto, antes, é necessário possibilitar aos profissionais da comunicação uma fuga do senso comum, penetrando além das aparências alienadoras, formando conceitos teóricos sólidos para informar corretamente a massa.
É óbvio que, para isto, faz-se necessário também abordar a ética enquanto constitutiva de uma prática profissional, padronizando e regulando comportamentos e posturas, organizadora de procedimentos.
O que, em simultâneo, poderia, junto com outros meios, como a educação, por exemplo, mudar significativamente a vida das pessoas para melhor e ajudando o Brasil a progredir.
Uma discussão que remete a formação acadêmica dos profissionais da comunicação, com conceitos e parâmetros adquiridos ainda durante os cursos de graduação.
A formação teórica dos profissionais da Comunicação.
Como integrante da coletividade, o profissional da comunicação é também um individuo polos rumos da sociedade, integra a massa e compartilha seu destino.
A despeito de, ao mesmo tempo, ser um formador de opinião, influindo na direção da coletividade, o que remete a responsabilidade social e a formação teórica.
A responsabilidade social pode ser definida como a capacidade de colaborar com a sociedade, considerando seus valores, normas, expectativas e necessidades; atendendo uma obrigação imposta pelo chamado Pacto Social, que permite ao ser humano viver em grupo.
Isto porque a vida em sociedade só é possível a partir do respeito ao outro, da imposição de limitações que garantem a liberdade de todos e um ambiente de colaboração garantidor da sobrevivência da espécie frente às forças da natureza.
O âmago do Pacto Social é justamente este, caracterizado pelo fato do individuo abrir mão de sua liberdade plena em favor da garantia de proteção, representada pela coletividade e o Estado.
Diante deste panorama, a formação ética do profissional da comunicação torna-se essencial, atendendo uma necessidade coletiva que tem o Pacto Social no centro do processo educativo.
A circulação de informações através da mídia pode ajudar a solucionar os problemas enfrentados pela sociedade ou, ao inverso, agrava-los, prejudicando a coletividade e, indiretamente, os indivíduos responsáveis por sua divulgação ou criação.
A partir deste fato e de outros decorrem consequências práticas inerentes à presença da ética nos cursos de comunicação, tornando a disciplina indispensável.
O momento da formação profissional comporta uma construção epistemológica do conhecimento que guiará a conduta do individuo, fornecendo embasamento para responder a questão do que e como comunicar, assim como proceder na relação com o outro.
O que implica em perguntar o que deve ou não ser comunicado, além do questionamento dos limites e barreiras colocados diante da prática profissional; facultando um exercício virtuoso da profissão.
A grande questão é que não se ensina virtude, mas apenas preceitos, conceitos considerados corretos em determinado contexto e, portanto, relativos no tempo e espaço.
Assim, o que precisa ser abordado na formação do profissional da comunicação é a abordagem conceitual e os fundamentos axiomáticos, permitindo ao estudante discernir por si só o certo di errado, construindo seu caráter ético.
Cabe lembrar que, por definição, um axioma é uma verdade autoexplicativa, portanto universal e atemporal; servindo para a construção de teorias e para deduções por inferência.
A palavra axioma vem do grego e significa “considerar valido”, derivando de axios, cujo significado é válido, equilibrado ou valor.
Nos cursos de comunicação, para atingir esta intenção, é necessário discutir os fundamentos da ética, sua evolução conceitual e distinção com relação a moral e o direito.
Remetendo a teoria e práxis, a aplicação prática do conceito de ética e as possibilidades abertas pela postura tida como correta ou errada.
O que conduz aos fundamentos da moral, sua evolução, presença no Estado e sociedade, além do vinculo com a ética e a religião.
Munido destes referenciais, é possível adentrar a ética nas comunicações, penetrando na problemática da responsabilidade social, na legislação atualmente existente e na padronização e sistematização de condutas profissionais.
Não se trata de doutrinar o estudante, mas sim de instigar o questionamento e fornecer base teórica para uma discussão aprofundada sobre a ética na comunicação, dinamizando a relação do profissional com a sociedade.
Ética na Comunicação.
A partir da década de 1990, o avanço da tecnologia e a globalização criaram novas mídias que complementaram o que podemos chamar de meios tradicionais.
Ao lado da mídia impressa – tal como jornais e revistas – e da mídia eletrônica – como radio e TV –; apareceu a internet, embrião da multimídia, composta por computadores, aparelhos portáteis de áudio e vídeo, celulares, tablets, etc.
No século XXI, a responsabilidade dos profissionais de comunicação tornou-se ainda maior, não por acaso, mais do que nunca, passou a constituir uma camada que controla o chamado quarto poder (os três primeiros seriam referentes ao Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário).
A popularização do acesso às novas mídias transformou a sociedade da informação, criando novos espaços de circulação de conteúdos e formas de comunicação; dinamizando o relacionamento com o público, que passou também a contar com oportunidades oferecidas pela interatividade, fiscalizando e cobrando a responsabilidade por parte do profissional da comunicação.
Neste sentido, as empresas de comunicação e os profissionais de jornalismo, rádio e TV, audiovisuais e publicidade passaram a ter que lidar com os velhos dilemas éticos renovados e novos problemas que foram aparecendo.
Diante da facilidade de produção de informação e divulgação de ideias, a questão da privacidade, por exemplo, tornou-se um dos velhos temas renovados e, simultaneamente, um novo problema; com o argumento do respeito ao outro usado pelos defensores da não divulgação de informações e pelos adeptos da liberdade de expressão irrestrita.
Enquanto a divulgação responsável de informações pautou a defesa do respeito à privacidade, uma vez que poderia causar prejuízos aos envolvidos; em outra vertente, os defensores da quebra da privacidade usaram o argumento que todos têm direito ao acesso a informação, seja qual for.
Outra questão que se tornou importante foi dos direitos autorais, além do abuso da liberdade de expressão.
Problemáticas parcialmente contornadas através de legislação especifica e códigos de ética que tentam autoregulamentar os meios de comunicação e a prática de seus profissionais.
Destarte, o centro da conscientização para um exercício profissional responsável continua presente no momento da formação, onde está fixado o espaço adequado para testar, errar e reformular a postura de trabalho.
Isto porque um erro, durante a atividade profissional, pode ser prejudicial não só ao sujeito, mas principalmente ao outro, consequentemente, agredindo o conjunto da sociedade.
Ética, Liberdade e Responsabilidade.
Pensando nos meios de comunicação, em sentido amplo, somos lançados de volta aos dois elementos inerentes e indissociáveis da ética: liberdade e responsabilidade.
A facilidade de disseminação de informações, transmitidas on-line quase imediatamente, quando ocorrem os fatos ou são criadas novas ideias, acessível a qualquer um; garantiu uma liberdade irrestrita a participação nas novas mídias, que, inclusive, não estão restritas só a internet.
O que fez aflorar dois problemas que estão se tornando, cada vez mais, importantes e que precisam ser adequadamente abordados na formação dos profissionais de comunicação, remetendo novamente a relevância da ética:
1. O abuso da liberdade na divulgação de informações, em muitos casos não verdadeiros e nocivos à sociedade.
2. A facilidade e fomento ao plágio.
A sociedade capitalista nem sempre enxerga como imoral a empresa ou pessoa que inventa uma informação para obter lucro; ou aquele que comete plágio para promover sua própria imagem; mas, de uma forma ou outra, termina prejudicada direta ou indiretamente.
A problemática da liberdade conduz, portanto, a questão da responsabilidade, um olhar mais amplo do que o “eu”, para entender o “nós”.
Não se trata somente de agir em conformidade com a lei ou os preceitos estabelecidos por um grupo especifico que se autoregulamenta, é uma questão de coerência com o coletivo expresso em uma consciência interna sobre o certo e o errado.
O grande problema é que conceituar o correto passa por uma relativização que corresponde às necessidades pragmáticas do coletivo, transformando-se no decorrer do tempo, espaço e cultura.
A ética, dentro do âmbito da formação do profissional de comunicação, torna-se essencial para entender esta dinâmica e pautar definições justas e uteis ao “eu” e ao “nós” ao mesmo tempo, avançando até o “eles” e o respeito ao outro, mesmo quando diferente de nós e constituindo minorias.
Caso contrário corremos o risco de cometer os mesmos erros do passado que terminaram culminando com o nazismo e o fascismo europeu; ou ainda associados ao totalitarismo na América Latina, ao desrespeito aos direitos humanos; conduzindo até o fim da liberdade de expressão.
É uma situação paradoxal, pois o excesso de liberdade, ao deixar a ética de lado, trás em si a semente para colocar fim a qualquer forma de expressão.
Concluindo.
A problemática da ética e da liberdade na comunicação, imediatamente, conduz a uma questão de imensa importância filosófica, carecendo de uma discussão sobre o conceito de verdade.
Um debate complexo, porque, ao contrário do que se imagina, a verdade é relativa.
Pode significar simplesmente o que é verídico, tem verossimilhança; um conceito herdado dos romanos, de onde vem a palavra “veritas”, que nem sempre corresponde ao real ou a realidade.
A verdade pode ser também o que é garantido pelo argumento de alguém que é considerado confiável, hoje um papel assumido pelos meios de comunicação e seus profissionais.
Uma concepção herdade dos hebreus, para os quais a verdade era determinada pela autoridade de Deus, sendo revelada.
Embora, filosoficamente, a verdade deveria estar baseada no sentido grego; para os quais a verdade seria o que esta por trás das aparências.
Portanto, no sentido grego, nunca é verdadeiro o que é apresentado, já que a verdade carece de investigação e ponderações.
O que trás um enorme problema para qualquer mídia que comunica o que seja; visto o comunicado adquirir credibilidade perante o público.
Pensando especificamente no jornalismo, a questão da verdade adquire proporção e implicações éticas.
O jornalista pretende ser o bastião da divulgação da verdade, mas definir o que é verdadeiro não é tão fácil, depende de um tempo que o profissional não dispõe para investigar os fatos.
Por esta razão, o período de formação torna-se valioso para definir conceitos éticos que, depois, balizaram o exercício profissional, ajudando a discernir entre o certo e o errado, criando um compromisso com a verdade e o beneficio da sociedade.
Já pensando no audiovisual, ou mesmo na publicidade, a questão do plágio se coloca no centro do debate ético.
A imensa quantidade de ideias circulando pelo mundo, disponíveis a um clique nas novas mídias, torna quase impossível verificar o plágio, a não ser que o próprio autor ou outra pessoa tome conhecimento e denuncie.
A despeito da lei dos direitos autorais, no Brasil, prever e punir o plágio; é a ética que regula o comportamento, discernindo o certo do errado, evitando a infração do direito do outro e garantindo a eficácia da legislação.
Novamente, a liberdade remete a responsabilidade, a um agir coerente que pode ser categorizado como comportamento profissional.
Assim, caímos na questão do que é ser profissional; outro problema relativo e que se modifica conforme os valores construídos pelo grupo no transcorrer do tempo e espaço.
Uma problemática que conduz a formação do sujeito, pensada como mesclada entre teoria e prática, elaborada nos cursos de graduação em comunicação pelo estudo da ética.
Em todo caso, qualquer que seja a profissão, retorna ao principio básico da ética, definido como ação coerente consigo mesmo, internalizada para se fazer externa; exigindo comprometimento do sujeito com o mundo e seus semelhantes.
Agir certo é fazer a diferença para que o próprio indivíduo, o outro e a humanidade possam chegar mais próximos de alcançar a felicidade.
O problema é que agir certo também pode ser relativizado, sendo determinado, em muitos casos, pelas concepções morais.
Mais uma vez, remetendo a ética como racionalização das ações humanas e parte importante da formação acadêmica do profissional.
Para saber mais sobre o assunto.
BOFF, Leonardo. Ética e moral. 1ª ed. São Paulo: Vozes Ed., 2003.
CARDOSO, Onésimo de Oliveira. “Ética da comunicação do moralismo ao compromisso social” In: Comunicação e Sociedade. São Paulo: v. 7, 13, p. 53-58.
SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
VALLS, Alvaro Luiz Montenegro. O que é ética. São Paulo: Brasiliense, 1996.
Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela USP.
MBA em Gestão de Pessoas.
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela Universidade de São Paulo.
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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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