Para entender a história... ISSN 2179-4111.
Ano 7, Volume dez., Série 22/12, 2016.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.
Dentro do
contexto medieval, onde apenas o primogênito habilitava-se a herdar o título e
as terras de seu pai, restando aos outros filhos homens entrar para o clero; o
início de uma cruzada contra os infiéis, instalados na Península Ibérica, foi
visto por inúmeros elementos da nobreza como a oportunidade ideal de alcançar
títulos e terras pela força das armas e através de atos de heroísmo.
Os cristãos
refugiados no norte da península obtiveram um importante reforço à reconquista
quando justamente estes nobres, em sua imensa maioria oriundos do sul da
França, rumaram como peregrinos aos territórios que viriam a constituir mais
tarde Espanha e Portugal.
Depois que Fernando
Magno, Rei de Castela e Leão, conquistou definitivamente Coimbra, fixando a
fronteira cristã da zona ocidental da península no rio Mondego, após uma
disputa sucessória que dividiu o Reino; poucos progressos foram realizados no
avanço da reconquista, praticamente se estagnando.
Entretanto, com
a subida de D. Afonso VI ao trono de Leão, a guerra contra os infiéis ganhou
novo fôlego, Coria foi conquistada em 1079 e Toledo em 1085.
Porém, em 1086, as
tropas cristãs foram completamente destroçadas pelos guerreiros almorávidas,
comandados por Yusuf bem Tusufin, na batalha de Zalaca.
A reconquista
poderia ter sofrido um significativo retrocesso, não fosse à chegada, no mesmo
ano, de levas de peregrinos francos a Península Ibérica para lutar contra os
mouros.
Entre os
cruzados estavam dois nobres da Casa de Borgonha: D. Raimundo e D. Henrique;
cavaleiros que terminaram por se notabilizar na guerra de reconquista,
recebendo vários privilégios e mercês do Rei de Leão.
Desde a subida
ao trono de D. Afonso VI, ao longo da segunda metade do século XI, os ibéricos
haviam iniciado uma aproximação junto ao reino franco e o papado, estando na
base destes laços à atração exercida pelas riquezas em poder dos mouros.
Ao mesmo tempo, um
surto demográfico, visível em todo o Ocidente cristão, contribuiu ativamente
para expansão territorial e um movimento de reforma eclesiástica, estimulando a
vinda de nobres e de um importante contingente de monges francos que, pela via
das peregrinações a Santiago de Compostela, já se deslocavam à península
anteriormente.
Um destes
cruzados foi D. Raimundo, senhor de Amous, que esteve integrado nas hostes do
Duque de Borgonha, Eudes I.
Ele era filho de
Guilherme, Conde de Borgonha, e irmão do futuro Conde Renato II, provinha de um
condado de escassa importância.
Partiu, como
muitos outros, em busca de melhor fortuna, uma vez que sua condição de filho
segundo não lhe permitia aspirar a um grande futuro na sua terra natal.
Outro importante
cruzado foi D. Henrique, filho de Henrique de Borgonha e de Sibila, irmão do Duque
Eudes I; era neto pelo lado paterno do Duque de Borgonha, Roberto I,
sobrinho-neto do abade S. Hugo de Cluny e sobrinho da rainha Constança, mulher
de Afonso VI, Rei de Leão. Constança era irmã de seu pai.
Pelo lado
materno, D. Henrique era sobrinho do Conde de Borgonha, Guilherme I, o Grande,
irmão de sua mãe, e, como tal, primo direto de Raimundo.
Não obstante ao
fato de não existirem relatos da atuação de D. Raimundo e D. Henrique como
cruzados, seus feitos foram premidos com a mão das filhas do Rei de Leão.
Em 1090 ou 1091,
o primeiro casou-se S. Urraca, filha legítima de D. Afonso VI; o segundo
uniu-se a D. Teresa, filha ilegítima, em 1094.
Após seu
casamento, foi confiado a D. Raimundo o território da Galiza e de Portugal,
conquistando ele aos mouros Santarém, Sintra e Lisboa, por volta de 1093; no
entanto, Lisboa foi retomada pelos infiéis em 1095.
O que levou,
entre outras causas, D. Afonso VI a substituí-lo por D. Henrique no comando da
Galiza e do condado Portucalense, em 1096, nascendo já aí à rivalidade que
daria origem entre portugueses e espanhóis.
Uma série de
retrocessos em batalhas contra os mouros e toda uma conjuntura política fez com
que a Galiza voltasse às mãos de D. Raimundo, enquanto por sua vez D. Henrique
foi nomeado como o novo conde portucalense.
A fronteira com
a Galiza passou a constituir um foco de tensão permanente, dada a rivalidade entre
D. Henrique e seu primo.
O único fator a
impedir uma guerra feudal entre os dois era a coesão exercida pela luta contra
o Islã, dentro do condado portucalense agregando um poder fortemente
centralizado na figura do conde D. Henrique, o principal estimulador da criação
do Reino de Portugal uma geração depois.
Os primos
firmaram um Pacto Sucessório, segundo o qual Henrique reconhecia Raimundo como
legítimo herdeiro da coroa castelhano-leonesa, assumindo-se como seu vassalo;
em contrapartida, Raimundo deveria conceder ao primo o território de Toledo,
juntamente com a terça parte das suas riquezas ou em alternativa a Galiza.
Este acordo foi
abalado quando, em 1105, nasceu o infante Afonso Raimundes, filho do Conde
Raimundo e de D. Urraca, cuja educação foi confiada ao Conde galego Pedro
Froilaz; agora havia um herdeiro para se apossar do que fora prometido a D.
Henrique.
D. Raimundo
faleceu em 1107 , sendo reconhecido pelo próprio Afonso VI, no ano seguinte, o
direito sucessório ao trono de Leão e Castela à D. Urraca; alterando
significativamente o cumprimento dos termos do Pacto Sucessório, nada mais
obrigava a cessão da Galiza à D. Henrique.
No mesmo ano em
que o trono de Castela foi garantido à D. Afonso Raimundes, D. Henrique e D.
Teresa assistiram ao nascimento de seu filho, Afonso Henriques, em 1108.
O aparecimento
deste herdeiro do condado portucalense no cenário político foi tido como uma
ameaça à sucessão de D. Afonso VI.
Depois da morte
do marido, D. Teresa conseguiu costurar uma aliança com os barões portucalenses,
depois de armado cavaleiro em 1125, aos 17 anos; garantindo ao filho um poder
ainda mais centralizado ao seu redor do que havia forjado seu pai, bem como apoio
irrestrito da nobreza aos seus intentos de fundar um novo Reino.
Em 1127, D.
Afonso Henriques assumiu efetivamente o governo do Condado Portucalense, autointitulado
Rei de Portugal em 1139; passando Guimarães a ser a capital do Reino e reiniciando,
simultaneamente, o processo de reconquista, uma guerra em beneficio da
independência contra o Reino de Leão e Castela.
O que exigiu, já
por esta época, o aprimoramento da indústria naval com fins de combate aos
espanhóis.
A guerra contra
Castela durou vários anos e não fez mais do que intensificar a rivalidade
luso-espanhola, criando o anseio entre os espanhóis de um dia retomarem
Portugal.
O que seria
responsável, no final do século XVI, pelo desejo concretizado de união da Coroa
espanhola a portuguesa, levando o poderio lusitano a declinar no Oriente,
contribuindo para a mudança do eixo econômico e social português, no século
XVII, da Índia para o Brasil.
Todavia, em 1179,
uma Bula do Papa Alexandre III terminou por confirmar a independência de
Portugal.
Desde que D.
Afonso Henriques, chamado pelos cronistas da época como “o melhor cavaleiro do
mundo”, proclamara-se rei, as fronteiras do novo Estado haviam expandido muito
e, com a subida ao trono de D. Sancho I, dito “o lavrador”, em 1185, continuou
a estender-se.
Na realidade, o
Estado português nasceu do expansionismo territorial e continuou a guiar-se por
esta premissa, em conjunto com o combate aos infiéis.
D. Afonso II
(1211-1223), “o gordo”, e D. Sancho II (1223-1248), “o capelo”, deram
continuidade à guerra de reconquista e combate aos castelhanos; enxergando no
aprimoramento da indústria naval um meio de fazer frente, em termos militares,
tanto aos mouros como aos inimigos.
Escaramuças
navais e fronteiriças luso-espanholas tornaram-se frequentes, intensifica-se
após o reconhecimento da independência de Portugal pelo papado.
Não é de se
estranhar que a referência mais antiga ao uso da caravela pelos portugueses
date de 1226, sendo já usada no combate aos mouros e castelhanos; embora em sua
tipologia primitiva não devesse ser como a que se tornaria famosa no século XV.
Seja como for,
com o auxilio do desenvolvimento da indústria naval, a expansão das fronteiras
de Portugal continuaram com grande êxito.
A ponto de D.
Sancho II, pouco depois de assumir o trono em 1248, assumir o título de Rei de
Portugal e do Algarve; este último território em poder dos mouros foi
conquistado um ano depois, enquanto combates contra os castelhanos continuaram.
A situação de
guerra com Castela só foi parcialmente resolvida em 1297, por conta de tratados
que estenderam a fronteira portuguesa para oeste, em detrimento dos interesses espanhóis.
Expulsos os
infiéis e garantida a autonomia de Portugal com relação à futura Espanha, a
continuidade da cruzada contra os mouros constituiu um segundo passo natural em
direção à expansão naval ultramarina.
Para saber mais sobre o assunto.
RAMOS, Fábio
Pestana. No tempo das especiarias.
São Paulo: Contexto, 2006.
RAMOS, Fábio
Pestana. O apogeu e declínio do clico das
especiarias: 1500-1700. Volume 1: Em busca de cristãos e especiarias. Santo
André: FPR/PEAH, 2012.
RAMOS, Fábio
Pestana. Por mares nunca dantes
navegados. São Paulo: Contexto, 2008.
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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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