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quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

A localização geográfica favorável de Portugal: fator que contribuiu para o pioneirismo naval.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 7, Volume dez., Série 15/12, 2016.



Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.

Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.



Dentre os fatores que criaram condições favoráveis, para além de várias razões que levaram os lusos a buscarem no mar a expansão da fé e o enriquecimento; a localização geográfica esteve na gênese do pioneiro nas grandes navegações do século XV e XVI.
Todavia, como cantou Camões, foi graças a estar situado quase no cume da cabeça de Europa , onde a terra se acaba e o mar começa, que Portugal pôde lançar-se à aventura ultramarina.
O território, na antiguidade, era considerado, principalmente no período romano, uma região periférica, situada nos limites do mundo conhecido, concepção herdada dos gregos.
A Odisseia, de Homero, retratava o Estrito de Gibraltar como a entrada do submundo, nomeado como um lugar para além das Colunas de Hércules.
Nem por isto o território era desprovido de valor, em suas terras podiam ser encontradas ricas jazidas de ouro e prata e os melhores ourives de todo o mundo greco-romano.
Na História, Heródoto utilizou pela primeira vez o nome Tartessos, narrando o caso de um mercador grego, Colaios de Samos, que teria comercializado com o rei Argantonio.
Este nome carregava um simbolismo de como a Península Ibérica era vista pelos gregos, pois na versão arcaica deste idioma significa “o homem da montanha de prata”, sugerindo a riqueza mineral.
Uma característica que explica, posteriormente, a criação de núcleos populacionais romanos, no atual Portugal, de grande importância no mundo antigo, tal como Conimbriga, a 17 Km a sul da atual Coimbra.
Uma cidade cujas ruínas, em bom estado de conservação, foram em grande parte já escavadas, dando provas da importância da colônia da Lusitânia, dentro da amplidão do Império Romano desde pelo menos 83 a.C.
Portanto, desde a antiguidade, localizado no extremo Ocidental da Europa, contido em suas fronteiras Orientais pela Espanha, graças aos ventos e correntes que levam ao mar aberto, Portugal esteve condicionado a buscar uma saída pelo Atlântico.
Possuía ancoradouros naturais ao longo da costa e uma tradição de deslocamento por via fluvial, o que estimulou a entrada das primitivas embarcações lusas cada vez mais em direção ao alto mar.
O condicionante geográfico conduziu ao aprimoramento da indústria naval, chamada na época de arte náutica.
Não obstante, embora a posição geográfica explique a intimidade do povo com o mar, não justifica de todo seu pioneirismo, questão mais complexa.
Uma vez que os ingleses, tendo seu país situado em uma ilha, também poderiam ter se lançado ao pioneirismo naval, dado sua posição no globo, até mesmo antes dos lusos.
No caso das terras que iriam formar a Grã-Bretanha, uma série de questões internas retardou até tardiamente a entrada dos ingleses na corrida do expansionismo colonial, iniciado na Idade Moderna.
Já no caso português, a tradição cultural, herdada da mistura eclética entre povos de origens diversas, durante a proto-história do território Ibérico; somada a uma série de circunstâncias políticas e militares; levou Portugal a ser deslocado de zona periférica para território de passagem obrigatória, remetendo novamente a geografia.
Sendo já ponto de passagem obrigatório durante a antiguidade, no contexto das cruzadas, a abertura de rotas comerciais de especiarias, via as cidades italianas, contribuiu enormemente para o pioneirismo lusitano.
Novamente, a geografia condicionou Portugal a servir de escala e entreposto comercial italiano, intermediando produtos Orientais para o norte da Europa.
Em 1947, Jaime Cortesão foi um dos primeiros historiadores a chamar a atenção para predestinação geográfica e política de Portugal.   
Braudel, em seu O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II, também alertou para os laços entre a história e o espaço.
Não obstante, poderia ser objetado que Portugal sempre esteve situado no mesmo lugar, o que daria margem a perguntar por que então não se lançaram os lusos a aventura marítima antes.
Para compreender este aparente enigma, é necessário ter em mente que núcleos populacionais só se formam onde recursos naturais propiciam a manutenção da vida, ao passo que no território onde se estabeleceria Portugal não foi diferente.
Embora algumas regiões do futuro Estado português não se mostrassem muito atrativas, devido à baixa fertilidade do solo, o potencial hídrico e mineral constituiu, desde cedo, um chamariz, ao mesmo tempo em que o mar e os rios foram sempre uma excelente reserva alimentícia.
Assim, conforme o volume populacional manteve-se estável, não houve necessidade de avançar mar adentro em busca de recursos, inclusive se encarregando o próprio imaginário popular de impedir qualquer ação neste sentido.
O crescimento da densidade populacional nas cidades a partir do século XIV, aliado ao esvaziamento do campo, obrigou os lusos a buscarem no mar os recursos que o solo não podia suprir.
Justamente em um momento em que outros fatores se somaram a este, valorizando a posição estratégica de Portugal.
O que impulsionou sua população para a aventura marítima, constituindo a solução mais óbvia aos problemas que se impunham no período.
Deste modo, caso a geografia de Portugal ou um dos fatores do contexto da época fosse diferente, poderiam os lusos nunca ter adotado a solução Atlântica.
Provavelmente teriam buscado outra resposta aos problemas enfrentados ou mesmo migrando para outro local em busca de recursos, algo que não seria novo na história da humanidade.
Uma possível resposta à falta de braços no campo e a superlotação das cidades no século XV, terminaria certamente tendo um desfecho natural, não fosse à posição de Portugal no globo.
Não houvesse a opção de ir buscar no mar a solução, a própria falta de alimentos teria se encarregado de equilibrar a densidade populacional rural e urbana, fazendo os elementos urbanos buscarem por si fugir das cidades.
No entanto, devemos ter presente que a localização favorável de Portugal, em si, não foi à única mola impulsionadora do pioneirismo naval.
Este pioneirismo só fez cumprir-se devido a uma somatória de fatores.
Onde se insere o ideal cruzadístico, que levaria os lusos a dar continuidade à guerra contra os infiéis no norte da África, por sua vez, gerado pela guerra de reconquista.
O próprio contato com os mouros, advindo da guerra de reconquista, traria inovações técnicas vitais ao aperfeiçoamento de embarcações, este também um fator entrelaçado com a geografia.
Aliás, somando-se a este fator, a carência do solo e a indústria da pesca, foi igualmente uma força impulsionadora ligada à localização geográfica.
A solução Atlântica, aparentemente ideal aos problemas que se impunham, nasceu do condicionante geográfico; a despeito deste estar entrelaçado com outros, os quais analisaremos em separado em outros textos.

Para saber mais sobre o assunto.
RAMOS, Fábio Pestana. No tempo das especiarias. São Paulo: Contexto, 2006.
RAMOS, Fábio Pestana. O apogeu e declínio do clico das especiarias: 1500-1700. Volume 1: Em busca de cristãos e especiarias. Santo André: FPR/PEAH, 2012.
RAMOS, Fábio Pestana. Por mares nunca dantes navegados. São Paulo: Contexto, 2008.



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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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