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Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Formas de proteção ao patrimônio histórico e cultural.


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 7, Volume dez., Série 01/12, 2016.


Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.


Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.



No contexto europeu existe uma preocupação com a preservação do espaço, enquanto representação da memória e da cultura, desde a antiguidade.
Porém, no século XV, a tendência renascentista e humanista, principalmente inicialmente na Itália, inaugurou uma política de resgate do passado através da histórica e cultura, tendo como modelo os antigos e centro as questões estéticas.
Entretanto, somente no século XVIII, passou a existir uma real preocupação com a preservação do patrimônio histórico e cultural, visto como expressão da nacionalidade e da memória, quando apareceu a ideia de monumento defendida pelo iluminismo no seio da Revolução Francesa.
Neste momento já começou a aparecer uma legislação que tentava dar conta da preservação e democratização do acesso aos bens histórico-culturais, com a fundação de arquivos e museus.
Uma tendência que se mostrou forte na França e Inglaterra, tendo prosseguimento no século XIX, com a criação de associações e instituições voltadas a preservação do patrimônio.
Segundo Maria Cecília Londres Fonseca (2011), no Brasil, a imagem que as pessoas fazem da expressão “Patrimônio Histórico e Cultural” é muito limitada e equivocada, remetendo a edifícios antigos, uma ideia fomentada pelo Estado por mais de sessenta anos e que não reflete a diversidade existente.
Um conceito que reflete também o fato das políticas públicas relacionadas ao patrimônio sempre terem contado com a presença hegemônica de arquitetos, tanto no Brasil quanto, de maneira geral, em todos os países Ocidentais (SANT'ANNA, 1995: p.37).
Embora o patrimônio histórico e cultural tenha vinculação com objetos materiais e imateriais, estando ligado à construção de uma memória coletiva que confere identidade a um povo e está na gênese da formação da nacionalidade; no Brasil, podemos afirmar que tivemos políticas iniciais tímidas e nada organizadas.
Obviamente que estas políticas só começaram após a independência, incentivadas depois da criação do Instituto Histórico e Geográfico em 1838, a despeito da iniciativa de particulares, preservando parte do patrimônio em coleções.
Foi apenas em 1920 que se começou a discutir a possibilidade da promulgação de uma legislação pensada em torno das questões patrimoniais, ao passo que em 1924 surgiu a Sociedade dos Amigos dos Monumentos Históricos.
No Brasil, em 1937, foi adotado o modelo francês de preservação do patrimônio histórico e cultural através da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN (atual IPHAN) -, ligado ao Ministério da Educação e Saúde.
Não obstante o atraso brasileiro frente aos países Europeus, é conhecido o fato do Brasil ser o único país do mundo onde os profissionais que construíram a ideia da preservação do passado eram os mesmos que projetavam o país do futuro (HUYSSEN, 2000: p.53).
Estiveram envolvidos com o IPHAN nomes como: Lúcio Costa, Carlos Drummond de Andrade, Oscar Niemeyer, Sérgio Buarque de Holanda, Carlos Leão e Manuel Bandeira.
O que garantiu uma dianteira comparativa com a maioria dos outros países da América Latina.
É interessante frisar que antes da criação do SPHAN, existia uma instituição que se ocupava da fiscalização dos monumentos e objetos históricos - o Museu Histórico Nacional.
Criado em 1922, ano do centenário da Independência do Brasil, destinava-se “a guardar e expor as relíquias de nosso passado, cultuando a lembrança de nossos grandes feitos e de nossos grandes homens” (DUMANS, 1997: p.29).
Destarte, a partir do golpe militar de 1964, foram promulgados diversos instrumentos que disciplinaram e organizaram a produção e a distribuição dos bens culturais no Brasil. Concretizando o “pensamento autoritário do estímulo controlado da cultura” (CAVALCANTI, 1995: p.23).
Foram criados, entre outros, o “Conselho Federal de Cultura”, a “FUNARTE” e o “Centro Nacional de Referência Cultural”.
Para Renato Ortiz (1994: p.85), o movimento de preservação histórico-cultural, após 1964 caracterizou-se por dois momentos "que não são na verdade contraditórios; por um lado [foi] um período da história onde mais [foram] produzidos e difundidos os bens culturais, por outro se [definiu] por uma repressão ideológica e política intensa”.
A partir deste momento, houve mudanças importantes nas políticas públicas federais.
No campo da preservação, houve a "recorrência ao nacionalismo e a integração definitiva dos bens culturais à lógica da mercadoria" (MAGALHÃES, 1997: p.71) .
As recomendações e normas internacionais passaram a ser seguidas, ao menos oficialmente, oferecendo novas diretrizes e parâmetros.
Foram promovidas reuniões de governadores, em Brasília, em 1970, destinadas a evidenciar da preservação do patrimônio.
Uma política que foi reproduzida junto aos prefeitos, fazendo, a partir de então, Estados e Municípios participarem mais ativamente das políticas de preservação que, até então, eram prerrogativas apenas do governo federal. 
Dentro deste contexto, em 1979, foi criada a Fundação Nacional Pró-Memória, que passou a ser o braço executivo da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Nos anos 1990, um novo contexto claramente marcado pela política neoliberal, com propostas de fomento ao turismo histórico-cultural, incentivou revitalização de centros urbanos e a restauração ou abertura de arquivos históricos e museus.
Algumas experiências foram inspiradas no pioneiro e sério trabalho do Corredor Cultural do Rio de Janeiro ou no projeto Praia Grande de São Luís.
Atualmente, existem intensos debates sobre o patrimônio cultural imaterial, cuja preservação não era contemplada com um instrumento jurídico apropriado. Para preservar esses bens patrimoniais, o governo federal instituiu o "Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial".
Através dos “Livros de Registro dos Saberes, das Celebrações, das Formas de Expressão e dos Lugares”.
Nele foram e serão inscritos continuamente os conhecimentos, modos de fazer, rituais, festas, manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas, mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços, tendo como referência "a continuidade histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira" (BRASIL. Decreto nº 3551, de 04 de agosto de 2000).
           
São exemplos de patrimônio imaterial tombados:

1. A “Festa de Sant' Ana de Caicó”, uma celebração tradicional que ocorre há mais de 260 anos e reúne diversos rituais religiosos, profanos e outras manifestações culturais da região do Seridó norte-rio-grandense. Além de uma celebração representativa o município, permite também vislumbrar a diversidade das manifestações culturais e possibilita a compreensão abrangente do Seridó potiguar. Como Patrimônio Imaterial, ela foi inscrita no Livro de Registro das Celebrações em 2010.
2. O “Ofício das Baianas de Acarajé”, um bem cultural de natureza imaterial, inscrito no Livro dos Saberes em 2005, consiste em uma prática tradicional de produção e venda, em tabuleiro, das chamadas comidas de baiana, feitas com azeite de dendê e ligadas ao culto dos orixás, amplamente disseminadas na cidade de Salvador, Bahia.
3. A “Paixão de Cristo” em Pernambuco, o governador do Estado, sancionou no dia 06/03/09, o projeto de lei 816/2008, que transforma a Nova Jerusalém e a Paixão de Cristo em Patrimônio Cultural, Material e Imaterial do Estado. A Paixão de Cristo, que em 2011 foi encenada pela 44ª vez consecutiva, é um dos maiores eventos teatrais do país. Desde 1968 ela é encenada em Nova Jerusalém, cidade-teatro localizada a 180 km de Recife com 100 mil m², equivalente a 1/3 da área murada da Jerusalém da época de Jesus.

No âmbito dos municípios, a preservação do patrimônio cultural edificado, no Brasil, foi tradicionalmente efetivada através de lei de tombamento e pelos instrumentos de planejamento urbano - planos diretores, leis de uso do solo, etc.
Em São Paulo, por exemplo, a lei de proteção é de 1985 e foi modificada no ano seguinte (Leis estaduais nº 10032/85 e 10236/86, promulgadas pelo governo do Estado de São Paulo).
Considera o tombamento de bens móveis e imóveis em função de seu valor cultural, histórico, artístico, arquitetônico, documental, bibliográfico, paleográfico, urbanístico, museográfico, toponímico, ecológico e hídrico; estabelece a criação do Conselho Municipal de preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – CONPRESP e do Fundo de Proteção do Patrimônio Cultural e Ambiental.
No Rio de Janeiro, há um dos mais bem sucedidos programas de reabilitação urbana no Brasil, tal como o Corredor Cultural, um projeto iniciado no final da década de 70, junto à “Secretaria de Planejamento Urbano”.
O programa definiu os limites das áreas de atuação, no centro da cidade, em 1983, através da lei nº 506/84.
A partir da experiência do Corredor, o município criou posteriormente as Áreas de Proteção ao Ambiente Cultural - APAC. Estas reproduzem a legislação do programa aplicada a conjuntos arquitetônicos ou ambientes com características diferenciadas situados fora da área central.
           
Fornecem exemplo de iniciativas de preservação do patrimônio material:

1. O “Palácio Gustavo Capanema”, o primeiro prédio brasileiro a se tornar Patrimônio Mundial. Situado no Rio de Janeiro - é uma das edificações mais representativas da arquitetura moderna brasileira. O edifício foi construído entre 1937 e 1945 por uma equipe liderada pelo arquiteto Lucio Costa, que contava com Oscar Niemeyer, Afonso Reidy, Jorge Moreira, Carlos Leão e Hernani Vasconcelos. O prédio possui também um painel de azulejos de Cândido Portinari, um conjunto de jardins projetado por Burle Marx e obras de outros artistas como Bruno Giorgi, Guignard e Pancetti.
2. A “Praça de São Francisco” em Sergipe. O valor do sítio histórico é resultado das ordenações filipinas e, portanto, espanholas, em terras de domínio português, e um exemplo material único do momento histórico em que Portugal e Espanha estiveram unidos em sob uma mesma coroa duarnet a chamada União Ibérica, entre 1580 e 1640.
3. A “Casa Chica da Silva” em Minas Gerais. Figura entre os mais interessantes exemplares de edificação residencial do período colonial mineiro, estando sua história vinculada à própria história do Arraial do Tijuco na fase áurea da mineração do diamante. É de propriedade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan, adquirido em 1984, tendo sido tombado em 1950. Como se sabe, a casa foi residência do desembargador João Fernandes de Oliveira (1720 - 1779), que nela viveu com a escrava Chica da Silva, provavelmente entre os anos de 1755 a 1770, quando era responsável pelos negócios de exploração diamantífera no antigo Arraial do Tijuco.

Para saber mais sobre o assunto.
CAVALCANTI, Lauro. “Encontro moderno: volta futura ao passado” In: IPHAN. A invenção do patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN, 1995.
DUMANS, Adolpho. “A ideia da criação do Museu Histórico Nacional” In: Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v.29, 1997.
FONSECA. Maria Cecília Londres. “Para além da pedra e do cal: por uma concepção ampla de patrimônio cultural” In: Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. Disponivel em http://www.proppi.uff.br/turismo/sites/default/files/MP_56_76.pdf
Acesso em 12/05/2016.
HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória. Rio de Janeiro: MAM, 2000.
MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1994.
SANT'ANNA, Marcia. Da cidade-monumento à cidade-documento: a trajetória da norma de preservação de áreas urbanas no Brasil (1937-1990). Salvador: Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo apresentado à Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, 1995.



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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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