Para entender a história... ISSN 2179-4111.
Ano 7, Volume dez., Série 01/12, 2016.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.
No contexto
europeu existe uma preocupação com a preservação do espaço, enquanto
representação da memória e da cultura, desde a antiguidade.
Porém, no século
XV, a tendência renascentista e humanista, principalmente inicialmente na
Itália, inaugurou uma política de resgate do passado através da histórica e
cultura, tendo como modelo os antigos e centro as questões estéticas.
Entretanto,
somente no século XVIII, passou a existir uma real preocupação com a
preservação do patrimônio histórico e cultural, visto como expressão da
nacionalidade e da memória, quando apareceu a ideia de monumento defendida pelo
iluminismo no seio da Revolução Francesa.
Neste momento já
começou a aparecer uma legislação que tentava dar conta da preservação e
democratização do acesso aos bens histórico-culturais, com a fundação de
arquivos e museus.
Uma tendência
que se mostrou forte na França e Inglaterra, tendo prosseguimento no século
XIX, com a criação de associações e instituições voltadas a preservação do
patrimônio.
Segundo Maria
Cecília Londres Fonseca (2011), no Brasil, a imagem que as pessoas fazem da
expressão “Patrimônio Histórico e Cultural” é muito limitada e equivocada,
remetendo a edifícios antigos, uma ideia fomentada pelo Estado por mais de
sessenta anos e que não reflete a diversidade existente.
Um conceito que
reflete também o fato das políticas públicas relacionadas ao patrimônio sempre
terem contado com a presença hegemônica de arquitetos, tanto no Brasil quanto,
de maneira geral, em todos os países Ocidentais (SANT'ANNA, 1995: p.37).
Embora o
patrimônio histórico e cultural tenha vinculação com objetos materiais e
imateriais, estando ligado à construção de uma memória coletiva que confere
identidade a um povo e está na gênese da formação da nacionalidade; no Brasil,
podemos afirmar que tivemos políticas iniciais tímidas e nada organizadas.
Obviamente que
estas políticas só começaram após a independência, incentivadas depois da
criação do Instituto Histórico e Geográfico em 1838, a despeito da iniciativa
de particulares, preservando parte do patrimônio em coleções.
Foi apenas em
1920 que se começou a discutir a possibilidade da promulgação de uma legislação
pensada em torno das questões patrimoniais, ao passo que em 1924 surgiu a
Sociedade dos Amigos dos Monumentos Históricos.
No Brasil, em
1937, foi adotado o modelo francês de preservação do patrimônio histórico e
cultural através da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional - SPHAN (atual IPHAN) -, ligado ao Ministério da Educação e Saúde.
Não obstante o
atraso brasileiro frente aos países Europeus, é conhecido o fato do Brasil ser
o único país do mundo onde os profissionais que construíram a ideia da
preservação do passado eram os mesmos que projetavam o país do futuro (HUYSSEN,
2000: p.53).
Estiveram
envolvidos com o IPHAN nomes como: Lúcio Costa, Carlos Drummond de Andrade,
Oscar Niemeyer, Sérgio Buarque de Holanda, Carlos Leão e Manuel Bandeira.
O que garantiu
uma dianteira comparativa com a maioria dos outros países da América Latina.
É interessante
frisar que antes da criação do SPHAN, existia uma instituição que se ocupava da
fiscalização dos monumentos e objetos históricos - o Museu Histórico Nacional.
Criado em 1922,
ano do centenário da Independência do Brasil, destinava-se “a guardar e expor
as relíquias de nosso passado, cultuando a lembrança de nossos grandes feitos e
de nossos grandes homens” (DUMANS, 1997: p.29).
Destarte, a
partir do golpe militar de 1964, foram promulgados diversos instrumentos que
disciplinaram e organizaram a produção e a distribuição dos bens culturais no
Brasil. Concretizando o “pensamento autoritário do estímulo controlado da
cultura” (CAVALCANTI, 1995: p.23).
Foram criados,
entre outros, o “Conselho Federal de Cultura”, a “FUNARTE” e o “Centro Nacional
de Referência Cultural”.
Para Renato
Ortiz (1994: p.85), o movimento de preservação histórico-cultural, após 1964
caracterizou-se por dois momentos "que não são na verdade contraditórios;
por um lado [foi] um período da história onde mais [foram] produzidos e
difundidos os bens culturais, por outro se [definiu] por uma repressão
ideológica e política intensa”.
A partir deste
momento, houve mudanças importantes nas políticas públicas federais.
No campo da
preservação, houve a "recorrência ao nacionalismo e a integração
definitiva dos bens culturais à lógica da mercadoria" (MAGALHÃES, 1997:
p.71) .
As recomendações
e normas internacionais passaram a ser seguidas, ao menos oficialmente,
oferecendo novas diretrizes e parâmetros.
Foram promovidas
reuniões de governadores, em Brasília, em 1970, destinadas a evidenciar da
preservação do patrimônio.
Uma política que
foi reproduzida junto aos prefeitos, fazendo, a partir de então, Estados e
Municípios participarem mais ativamente das políticas de preservação que, até
então, eram prerrogativas apenas do governo federal.
Dentro deste
contexto, em 1979, foi criada a Fundação Nacional Pró-Memória, que passou a ser
o braço executivo da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Nos anos 1990,
um novo contexto claramente marcado pela política neoliberal, com propostas de
fomento ao turismo histórico-cultural, incentivou revitalização de centros
urbanos e a restauração ou abertura de arquivos históricos e museus.
Algumas
experiências foram inspiradas no pioneiro e sério trabalho do Corredor Cultural
do Rio de Janeiro ou no projeto Praia Grande de São Luís.
Atualmente,
existem intensos debates sobre o patrimônio cultural imaterial, cuja
preservação não era contemplada com um instrumento jurídico apropriado. Para
preservar esses bens patrimoniais, o governo federal instituiu o "Registro
de Bens Culturais de Natureza Imaterial".
Através dos
“Livros de Registro dos Saberes, das Celebrações, das Formas de Expressão e dos
Lugares”.
Nele foram e
serão inscritos continuamente os conhecimentos, modos de fazer, rituais,
festas, manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas, mercados,
feiras, santuários, praças e demais espaços, tendo como referência "a
continuidade histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, a
identidade e a formação da sociedade brasileira" (BRASIL. Decreto nº 3551,
de 04 de agosto de 2000).
São exemplos de
patrimônio imaterial tombados:
1. A “Festa de Sant' Ana de Caicó”, uma
celebração tradicional que ocorre há mais de 260 anos e reúne diversos rituais
religiosos, profanos e outras manifestações culturais da região do Seridó
norte-rio-grandense. Além de uma celebração representativa o município, permite
também vislumbrar a diversidade das manifestações culturais e possibilita a
compreensão abrangente do Seridó potiguar. Como Patrimônio Imaterial, ela foi
inscrita no Livro de Registro das Celebrações em 2010.
2. O “Ofício das Baianas de Acarajé”, um
bem cultural de natureza imaterial, inscrito no Livro dos Saberes em 2005,
consiste em uma prática tradicional de produção e venda, em tabuleiro, das
chamadas comidas de baiana, feitas com azeite de dendê e ligadas ao culto dos
orixás, amplamente disseminadas na cidade de Salvador, Bahia.
3. A “Paixão de Cristo” em Pernambuco, o
governador do Estado, sancionou no dia 06/03/09, o projeto de lei 816/2008, que
transforma a Nova Jerusalém e a Paixão de Cristo em Patrimônio Cultural,
Material e Imaterial do Estado. A Paixão de Cristo, que em 2011 foi encenada
pela 44ª vez consecutiva, é um dos maiores eventos teatrais do país. Desde 1968
ela é encenada em Nova Jerusalém, cidade-teatro localizada a 180 km de Recife
com 100 mil m², equivalente a 1/3 da área murada da Jerusalém da época de
Jesus.
No âmbito dos
municípios, a preservação do patrimônio cultural edificado, no Brasil, foi
tradicionalmente efetivada através de lei de tombamento e pelos instrumentos de
planejamento urbano - planos diretores, leis de uso do solo, etc.
Em São Paulo,
por exemplo, a lei de proteção é de 1985 e foi modificada no ano seguinte (Leis
estaduais nº 10032/85 e 10236/86, promulgadas pelo governo do Estado de São
Paulo).
Considera o
tombamento de bens móveis e imóveis em função de seu valor cultural, histórico,
artístico, arquitetônico, documental, bibliográfico, paleográfico, urbanístico,
museográfico, toponímico, ecológico e hídrico; estabelece a criação do Conselho
Municipal de preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da
Cidade de São Paulo – CONPRESP e do Fundo de Proteção do Patrimônio Cultural e
Ambiental.
No Rio de
Janeiro, há um dos mais bem sucedidos programas de reabilitação urbana no
Brasil, tal como o Corredor Cultural, um projeto iniciado no final da década de
70, junto à “Secretaria de Planejamento Urbano”.
O programa
definiu os limites das áreas de atuação, no centro da cidade, em 1983, através
da lei nº 506/84.
A partir da
experiência do Corredor, o município criou posteriormente as Áreas de Proteção
ao Ambiente Cultural - APAC. Estas reproduzem a legislação do programa aplicada
a conjuntos arquitetônicos ou ambientes com características diferenciadas
situados fora da área central.
Fornecem exemplo
de iniciativas de preservação do patrimônio material:
1. O “Palácio Gustavo Capanema”, o
primeiro prédio brasileiro a se tornar Patrimônio Mundial. Situado no Rio de
Janeiro - é uma das edificações mais representativas da arquitetura moderna
brasileira. O edifício foi construído entre 1937 e 1945 por uma equipe liderada
pelo arquiteto Lucio Costa, que contava com Oscar Niemeyer, Afonso Reidy, Jorge
Moreira, Carlos Leão e Hernani Vasconcelos. O prédio possui também um painel de
azulejos de Cândido Portinari, um conjunto de jardins projetado por Burle Marx
e obras de outros artistas como Bruno Giorgi, Guignard e Pancetti.
2. A “Praça de São Francisco” em
Sergipe. O valor do sítio histórico é resultado das ordenações filipinas e,
portanto, espanholas, em terras de domínio português, e um exemplo material
único do momento histórico em que Portugal e Espanha estiveram unidos em sob
uma mesma coroa duarnet a chamada União Ibérica, entre 1580 e 1640.
3. A “Casa Chica da Silva” em Minas
Gerais. Figura entre os mais interessantes exemplares de edificação residencial
do período colonial mineiro, estando sua história vinculada à própria história
do Arraial do Tijuco na fase áurea da mineração do diamante. É de propriedade
do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan, adquirido em
1984, tendo sido tombado em 1950. Como se sabe, a casa foi residência do
desembargador João Fernandes de Oliveira (1720 - 1779), que nela viveu com a
escrava Chica da Silva, provavelmente entre os anos de 1755 a 1770, quando era
responsável pelos negócios de exploração diamantífera no antigo Arraial do
Tijuco.
Para saber mais sobre o assunto.
CAVALCANTI,
Lauro. “Encontro moderno: volta futura ao passado” In: IPHAN. A invenção do patrimônio. Rio de
Janeiro: IPHAN, 1995.
DUMANS, Adolpho.
“A ideia da criação do Museu Histórico Nacional” In: Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v.29, 1997.
Acesso em 12/05/2016.
HUYSSEN,
Andreas. Seduzidos pela memória. Rio
de Janeiro: MAM, 2000.
MAGALHÃES,
Aloísio. E Triunfo? A questão dos bens
culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional.
São Paulo: Brasiliense, 1994.
SANT'ANNA,
Marcia. Da cidade-monumento à
cidade-documento: a trajetória da norma de preservação de áreas urbanas no
Brasil (1937-1990). Salvador: Dissertação de Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo apresentado à Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da
Bahia, 1995.
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