Para entender a história... ISSN 2179-4111.
Ano 7, Volume dez., Série 16/12, 2016.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.
Atraídos pela
riqueza hídrica, os árabes atravessaram o Estreito de Gibraltar em 711, o
domínio muçulmanos sobre a Península Ibérica fez parte da expansão da fé
islâmica pregada desde 612 por Maomé.
O relativo
sucesso e rápida penetração árabe deveu-se, sobretudo, ao antagonismo entre
judeus e cristãos, o que criou espaço para que em muitos locais a população
judaica oprimida recebesse os mouros como libertadores.
Embora os muçulmanos
tenham permanecido oito séculos na Península, o domínio efetivo teve duração
muito variável de região para região, nunca foi exercido nas terras mais
setentrionais, onde várias cidades estiveram em poder dos cristãos por breves
períodos.
As variações
fizeram com que houvesse um intenso intercâmbio cultural e comercial entre
cristãos e mouros, apesar de inimigos civilizacionais por excelência.
Os judeus,
principalmente dentro do contexto da reconquista, adquiriram a posição de
intermediadores culturais.
Graças ao contato
com o mundo islâmico, em muitos casos, intermediado pelos judeus, os lusos se
depararam com realidades totalmente inéditas.
Neste sentido, a
análise das palavras de origem árabe, que migraram para o português, expressa a
aquisição de produtos e tecnologias até então desconhecidas; uma vez que uma
palavra nova adota-se para exprimir uma realidade nova.
Entre as
inúmeras palavras importadas do árabe, a que se destacar as usadas para
designar novos produtos como: alfarroba, alface, alfazema, laranja, limão,
açafrão, acelga, cenoura, cherivia, alfobre, estragão, albarrã, maçaroca,
azeitona e azeite.
Isto, para não
mencionar o açúcar, especiaria que assumiria fundamental importância dentro da
economia portuguesa.
No que diz
respeito às inovações ligadas ao comércio, poderíamos ainda destacar as
palavras: almoeda, armazém, almude, arroba, arrátel, fanga, quilate, calibre,
quintal, rima, resma, maravedi, ceitil, mitical e fardo.
Todavia, a mais
importante de todas as inovações trazidas pelos muçulmanos esteve ligada ao
aprimoramento da arte náutica.
Seguindo a mesma
linha de raciocínio, segundo uma das explicações para a origem da palavra
caravela, esta teria derivado de “cáravo-à-vela”, embarcação de origem árabe característica
do norte da África.
Embora nunca
possamos saber com certeza até que ponto o desenvolvimento da caravela esteve
ligado ao saber adquirido dos mouros, é certo que ao menos em parte o contato
com os muçulmanos influenciou o aprimoramento da indústria naval, assim como
diversos instrumentos náuticos que se fariam essenciais à empreitada marítima
lusitana foram adquiridos através dos árabes.
É certo que, por
volta do século XII, os muçulmanos intensificaram o comércio marítimo
desenvolvido pelas cidades do litoral Ocidental, devido as mais estreitas
relações que mantinham com os portos marroquinos.
Estas rotas
comerciais, dentro do contexto da reconquista, a serem cobiçadas pelos
cristãos, ao mesmo tempo em que se fez necessário aprimorar a indústria naval
lusitana visando fazer frente aos navios árabes nos seus aspectos militares e
comerciais.
Ocorre que, para
além deste estímulo à expansão ultramarina portuguesa, pela mesma altura; os
mouros haviam iniciado um movimento rumo a exploração da navegação Atlântica ,
aventurando-se pelo oceano muito antes dos lusos, experiência que seria
absorvida pelos portugueses.
Segundo um
relato de um geógrafo, datado em 1154, uma destas explorações rumo ao
Atlântico, levada a cabo por marinheiros árabes, teria sido realizada pelos chamados
“Aventureiros de Lisboa”, na primeira metade do século XII:
“Eram oito marinheiros, aparentados
entre si, que embarcaram em Lisboa rumo ao oceano, abastecidos com água e
víveres para muitos meses. Ao fim de 22 dias atingiram uma ilha deserta.
Regressaram ao mar e, mais tarde, encontraram outra ilha, desta feita habitada
e agricultada, onde foram feitos prisioneiros. Interrogados, através de um
intérprete árabe, pelo rei local acerca do significado da sua viagem,
informaram-no que apenas pretendiam saber quais os extremos limites do mar e o
que nele poderia existir de singular e maravilhoso, ao que o rei confessou ser
também esse um dos seus desejos. São depois libertados e transportados a um
barco, no qual prosseguem a sua navegação. Ao fim de três dias e três noites,
aportam a Safim e aí contam sua história” .
Apesar da veracidade
deste relato ter sido contestada, não é improvável que os árabes tenham
atingido, em suas explorações, a Ilha da Madeira, o arquipélago dos Açores e
das Canárias.
Embora, com toda
certeza, não tenham se interessado em ocupar estas ilhas, como fariam dois
séculos depois os portugueses.
Também não é
improvável que os lusos tenham obtido a notícia da existência desta série de
ilhas ao Oeste por meio do seu contato com os árabes e, neste sentido, o início
da expansão europeia não resulta apenas de um mero acaso, constituindo um
processo longamente amadurecido e gerado por uma série de fatores agrupados.
Mais do que o
sentimento de continuidade da cruzada contra os infiéis, conduzido, por sua vez,
pela guerra de reconquista, tido como estímulo à expansão ultramarina, o
contato com os mouros criou condições não só mentais como técnicas que dariam origem
a exploração do Atlântico.
Entretanto, no
que diz respeito à guerra de reconquista em si, embora o antagonismo religioso
tenha sido um grande estimulador da cruzada contra os infiéis; não se pode
negar suas razões econômicas e sociais.
As quais, agregadas
aos motivos que deram impulso à guerra de reconquista, tal como, a posse de
rotas comerciais controladas pelos mouros, serviram de válvula de escape às
tesões políticas entre a nobreza e os camponeses empobrecidos do norte da
Península Ibérica e da França.
Em outra
vertente, como lembrou Raymundo Faoro, em 1958, na obra Os donos do poder, “a guerra, a conquista e o alargamento do
território que ela gerou, constituiu a base real, física e tangível, sobre que
[se assentaria] o poder da Coroa”; este sim, devido a sua forte centralização,
uma das condições básicas que permitiram a primazia lusitana nas navegações
ultramarinas.
Retornando a
questão da guerra de reconquista, devemos ter em mente que muitas das inovações
técnicas no campo da náutica nem sempre foram obtidas por meios pacíficos,
muitos segredos registrados em livros escritos em árabe foram roubados durante
a pilhagem das povoações ocupados pelos mouros.
Este
conhecimento, depois, foi guardado nos mosteiros cristãos, como demonstra o
extenso acervo de livros em árabe hoje em poder da Biblioteca Nacional de
Lisboa.
Os quais, justamente
devido a barreira linguística, ainda não foram devidamente aproveitados pela
historiografia, cuja tradução certamente mostraria que não só os lusos
aprenderam com os invasores, como também eles (muçulmanos) se beneficiaram com
o intercruzamento cultural.
Uma afirmação que
poderia levantar a seguinte questão: teria o saber acumulado nestes livros em
árabe, durante os séculos em que a guerra de reconquista foi travada, sido
devidamente aproveitados, ou, como hoje, a barreira linguística impediu que
fossem decifrados?
Nunca poderemos
ter certeza, mas tudo indica que boa parte destes livros foram decifrados à
época.
Hoje, a barreira
à interpretação do árabe arcaico é realmente incrível, porém, entre os séculos
X e XV, os chamados moçárabes e judeus serviram como intérpretes devidamente qualificados.
Cabe esclarecer
que os moçárabes eram cristãos que tinham permanecido, sob o domínio islâmico,
em suas terras em troca de um tributo anual, pago aos invasores.
Os mouros
costumavam agregar, aos seus súditos, aqueles que aceitavam seu domínio; em
alguns casos, forçando cristãos à conversão e, em outros, respeitando a fé do
outro.
Nas terras
dominadas pelos árabes, funcionarem simultaneamente mesquitas e igrejas
convivendo pacificamente.
Todavia, embora
a tolerância religiosa por parte dos muçulmanos, ou como ficariam mais
conhecidos, mouros; nome latino derivado da província islâmica do noroeste da
África, a Mauritânia; tivesse sido até certo ponto grande, o mesmo não se
repetiu do lado cristão.
O combate aos
infiéis começou quase imediatamente depois da invasão muçulmana, mais
especificamente em 718, e, rapidamente, ainda antes de 914, um terço da península
havia sido reconquisto pelos cristãos.
A guerra avançou
rápido, a reconquistada foi iniciada por levas de peregrinos do sul França,
justamente onde o avanço muçulmano havia sido barrado pelos francos em 736.
Gradualmente a península
foi sendo tomada, em ondas delimitadas, respectivamente entre: 914 e 1080,
quando ganhou maior força a reconquista, por conta do lançamento pelo papado,
em 1096, da primeira Cruzada contra os infiéis, com fins a libertação da cidade
santa de Jerusalém; 1080 e 1130; 1130 e 1210; 1210 e 1250; 1250 e 1480; sendo
os territórios remanescentes conquistados pouco depois de 1480.
A pilhagem das
povoações ocupadas pelos mouros e a doação das recém conquistadas terras aos
nobres participantes, autofinanciou e estimulou a continuidade da guerra de
reconquista, criando um poder fortemente centralizado em torno do Rei e dois
Estados que iriam tornar-se pioneiros na navegação Atlântica: Espanha e
Portugal.
Especialmente o
nascimento deste último, é indissociável da guerra contra os infiéis, pretexto
que seria retomado ao término da dita reconquista, a fim de direcionar a
belicosidade da nobreza em função da exploração ultramarina, sob a égide do
Infante Dom Henrique, chamado pelos cronistas portugueses da época e mesmo de
períodos posteriores de o navegador.
Para saber mais sobre o assunto.
RAMOS, Fábio
Pestana. No tempo das especiarias. São Paulo: Contexto, 2006.
RAMOS, Fábio
Pestana. O apogeu e declínio do clico das especiarias: 1500-1700. Volume 1: Em
busca de cristãos e especiarias. Santo André: FPR/PEAH, 2012.
RAMOS, Fábio
Pestana. Por mares nunca dantes navegados. São Paulo: Contexto, 2008.
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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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