Para entender a história... ISSN 2179-4111.
Ano 7, Volume jul., Série 07/07, 2016.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.
Segundo Jacques
Le Goff (2007: p.30), o surgimento da Europa é tributário de dois fenômenos,
sendo um deles, justamente, a cristianização.
É neste sentido
que o autor entende as cruzadas como “primeira manifestação da colonização
européia” (LE GOFF, 2007, p.141).
Portanto, um
movimento de externalização que, pensado em termos contextualizado, configura
ondas de expansão da cristandade Ocidental.
O que remete,
primeiramente, ao conceito de cristandade, uma concepção que, para Francisco
José Silva Gomes (1997: p.34), tem um significado bipolar, envolvendo um
sistema formado pela igreja e o Estado, com a religião legitimando o poder.
É o crescimento
interior deste sistema que conduziu a sua expansão exterior.
A explosão
demográfica, no século XI, tributária do progresso agrícola, somada a “vontade
da Igreja, que acha escandaloso o fato dos príncipes e os senhores cristãos
façam a guerra entre si” (LE GOFF, 2008, p.93), carrega a gênese desta
expansão.
Dentro deste contexto,
devemos considerar a “ideia de exportar a guerra para fora do Ocidente” (LE
GOFF, 2008, p.94).
Forma-se o
conceito de guerra justa e de luta contra o infiel, o inimigo civilizacional,
tendo Jerusalém como fim último, mas não como objetivo, pois a expansão da
cristandade é pensada em termos mais amplos, inclusive fornecendo a variável de
expulsão dos mouros da Península Ibérica.
Pelo viés
materialista, existe ainda a questão do butim, dos saques almejados pelos
participantes das cruzadas e das ambições da nobreza em busca de terras e
títulos.
Vale lembrar que
muitos filhos segundos, aqueles que não tinham direito a herdar terras e títulos
da família por não serem primogênitos, estiveram engajados ativamente nas
cruzadas.
Exemplo valioso
é fornecido pela figura de D. Raimundo e D. Henrique, peregrinos francos da
casa de Borgonha que, participando da reconquista da Península Ibérica,
buscando terras e títulos, através de seus descendentes, acabaram fundando,
respectivamente, Espanha e Portugal (PAULINO, s.d: p.26).
É esta dinâmica,
junto com os interesses da própria Igreja em expandir a fé e obter proveito
econômico, promovendo uma paz interna, utilizando as cruzadas como válvula de
escape para as tensões que se avolumavam no mundo Ocidental; que acabou fazendo
o Papa Urbano II, em 1096, convocar a cristandade a lutar em uma guerra santa
contra os infiéis.
Depois da
primeira cruzada de cunho popular, seguiram-se outras oito com caráter mais
organizado e a preponderância da figura dos reis como elemento centralizador.
O mundo
ocidental tomou contato com o Oriente, expandindo mais que a fé, na realidade a
economia, possibilitando uma abertura comercial que possibilitou as cidades
italianas a entrarem no rico transito de mercadorias que, posteriormente,
ajudaria na consolidação dos Estados Nacionais.
Atraídos pela
riqueza hídrica, os árabes atravessaram o Estreito de Gibraltar em 711, o
domínio muçulmanos sobre a Península Ibérica fez parte da expansão da fé
islâmica pregada desde 612 por Maomé, seu relativo sucesso e rápida penetração
se deveu, sobretudo ao antagonismo entre judeus e cristãos.
O que criou
espaço para que em muitos locais a população judaica oprimida recebesse os
mouros como libertadores (RAMOS, 2002: p.33).
Embora, em
termos gerais, os muçulmanos tenham permanecido cerca de oito séculos na
Península, o domínio efetivo teve duração muito variável de região para região,
nunca foi exercido nas terras mais setentrionais, onde várias cidades estiveram
em poder dos muçulmanos e dos cristãos alternadamente por breves períodos.
O combate aos
infiéis começou quase imediatamente depois da invasão muçulmana, mais
especificamente em 718, e, rapidamente, ainda antes de 914, quase um terço da
Península havia sido reconquista pelos cristãos.
A guerra avançou
rápido, sendo a reconquistada iniciada, graças a levas de peregrinos vindos
principalmente do sul França, justamente onde o avanço muçulmano havia sido
barrado pelos francos em 736.
Gradualmente a
Península foi sendo tomada em ondas, delimitadas respectivamente entre: 914 e
1080, quando ganhou maior força a reconquista, por conta do lançamento pelo
papado, em 1096, da primeira Cruzada contra os infiéis, com fins a libertação
da cidade santa de Jerusalém; 1080 e 1130; 1130 e 1210; 1210 e 1250; 1250 e
1480; sendo os territórios remanescentes conquistados pouco depois de 1480.
A pilhagem das povoações
ocupadas pelos mouros e a doação das recém conquistadas terras aos nobres
participantes autofinanciou e estimulou a continuidade da guerra de
reconquista, criando um poder fortemente centralizado em torno do Rei e dois
Estados que iriam tornar-se pioneiros na navegação Atlântica, Espanha e
Portugal.
Sendo
especialmente o nascimento deste último indissociável da guerra contra os
infiéis, pretexto que seria retomado ao término da dita reconquista, a fim de
direcionar a belicosidade da nobreza em função da exploração ultramarina, sob a
égide do Infante Dom Henrique, chamado pelos cronistas portugueses da época e
mesmo de períodos posteriores de o navegador.
Para saber mais sobre o assunto.
ANDERSON, Perry.
Passagens da antiguidade ao feudalismo.
São Paulo: Brasiliense, 1987.
BASCHET, Jérôme.
A civilização feudal: do ano mil à
colonização da América. São Paulo: Globo, 2006.
DUBY, Georges. Guerreiros e camponeses: os primórdios do
crescimento econômico europeu. Séc VII – XII. Lisboa: Estampa, 1978.
LE GOFF,
Jacques. A civilização do Ocidente
medieval. Bauru: EDUSC, 2005.
LE GOFF,
Jacques. As raízes medievais da Europa.
Petrópolis: Vozes, 2007.
LE GOFF,
Jacques. Em busca da Idade Média. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
LE GOFF,
Jacques. Uma longa Idade Média. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
MACEDO, José
Rivair (org.). Os estudos medievais no
Brasil. Porto Alegre: UFRGS, 2003.
MONGELLI, Lênia
Márcia (org.). Fontes primárias da Idade
Média: séculos V - XV. Cotia: IBIS, 2005.
PAULINO,
Francisco Faria (coordenador). Portugal a
formação de um país. Apresentação de Vasco Graça Moura. Lisboa: Comissão
Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos portugueses, s.d.
PIRENNE, Henri. As cidades da Idade Média. Lisboa:
Publicações Europa-América, 1989.
PIRENNE, Henri. História econômica e social da Idade Média.
São Paulo: Mestre Jou, 1982.
RAMOS, Fábio
Pestana. O apogeu e declínio do ciclo das
especiarias. São Paulo: Tese de doutorado apresentada ao departamento de
história da FFLCH/USP, sob orientação da Profa. Dra. Mary Del Priore, 2002.
RIBEIRO, Maria
Eurydice de Barros (org.). A vida na
Idade Média. Brasília: UNB, 1997.
WOLFF, Philippe.
Outono da Idade Média ou primavera dos novos
tempos? Lisboa: Edições 70, 1986.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Esteja a vontade para debater ideias e sugerir novos temas.
Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.