Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3,
Vol. out., Série 01/10, 2012, p.01-04.
“Zombar da filosofia é um
verdadeiro filosofar” (Pascal, Fragmentos, fr.4).
É
bem verdade que muitas semelhanças existem entre o método cartesiano e o
espírito geométrico em Pascal, mas as dessemelhanças são muito mais nítidas.
A
exemplo do método cartesiano, encontramos no espírito geométrico, a presença de
uma verdade unívoca e monolítica.
Enquanto
para Descartes a verdade se estende através do método a todos os ramos do
saber, para Pascal é aplicável somente as matemáticas.
Ambos
centralizam a possibilidade de alcançar a verdade por meio de um método, embora
o resultado seja dispare.
Razão x Coração.
No
Discurso do Método, Descartes (p.40) afirma:
“comprazia-me sobretudo com as matemáticas, por causa da certeza e da evidência
de suas razões; mas não notava ainda seu verdadeiro emprego, e, pensando que
serviam apenas às artes mecânicas, espantava-me de que, sendo seus fundamentos
tão firmes e tão sólidos, não se tivesse edificado sobre eles nada de mais
elevado”.
Sua
proposta responde esta inquietação, indo de encontro a busca de um saber
universal, tendo as matemáticas como meio de universalizar as certezas e obter
verdades em todas as áreas do conhecimento humano.
Antagonicamente,
Pascal considera a pretensão cartesiana cômica, censurando a Mathesis Universalis de Descartes, por
considerar abusiva a transferência de um método para fora de seu domínio de
origem.
O
que expressou através do aforismo: “ardemos no desejo de encontrar uma
plataforma firme e uma base última e permanente para sobre ela edificar uma
torre que se erga até o infinito, porém, os alicerces ruem e a terra se abre
até o abismo” (Pascal, Pensamentos,
fr.72).
Entretanto,
para ambos, a evidência faz-se necessária, assim como a utilização de um
método.
Descartes
apresenta o seu método baseado nos quatro preceitos: 1. Evidência (clareza e
distinção); 2. Divisão; 3. Ordem; 4. Enumeração.
Baseado
única e exclusivamente, diga-se de passagem, pretensiosamente, na razão nua e
crua.
O
espírito geométrico de Pascal busca não somente pela razão, mas também pelo
coração, chegar à verdade.
Operando
da seguinte maneira: o espírito geométrico abarca o espírito geométrico, aplicável
às matemáticas, e o espírito de justeza, aplicável à física; o espírito
geométrico abarca, por sua vez, a razão e o coração.
Assim,
a razão entendida como raciocínio, caberia aprender o conhecimento discursivo
ou por extensão, ao coração, que poderia ser traduzido por sentimento, caberia
apreender o conhecimento de modo imediato.
Para
Pascal, a razão não tem o monopólio da certeza, o coração tem seu domínio assim
como a razão teria o seu.
Tanto
um como o outro, cada qual em sua ordem, é um operador de certeza para alcançar
a verdade.
Dado
a própria limitação da razão, “o coração
tem suas razões, que a razão não conhece”, afinal nossa razão é sempre iludida
pela inconstância das aparências.
Certezas e Verdades.
Tanto
o método cartesiano como o espírito geométrico primam por uma verdade unívoca,
operando através da evidência.
Apesar
do jogo de palavras, Pascal busca, como Descartes, através da evidência a
verdade universal.
Devemos
notar, no entanto, que Pascal afirma buscar “princípios tão claros que não se
encontrem outros que o sejam mais para servir de provas”, e não princípios tão
claros que não existam outros (LEBRUN: p.32).
Essa
é a diferença básica, que constitui também semelhança, entre os dois filósofos.
Descartes
entende por evidente o ato de intuição racional; Pascal entende pelo mesmo
termo não a garantia de verdade ou sinal de nossa comunicação com o verbo
divino, mas sim uma proposição estrategicamente útil, dado a clareza dos princípios
ser relativa ao alcance limitado de nosso campo de visão.
Portanto,
enquanto Descartes pretende atingir verdades universais, Pascal enxerga
certezas relativas às possibilidades do momento.
Diferente
de Descartes, que pretende estender o método cartesianos a todos os ramos do
saber, alcançando verdades; Pascal sabe reconhecer a finitude do espírito geométrico,
aplicando-o somente as matemáticas.
Concluindo.
Pascal
considera a ideia de um saber universal uma quimera; Descarte é para ele cômico
quando propõe um método que poderia conduzir infalivelmente ao saber de tudo o
que o espírito humano seria capaz de conhecer.
Diz
ele: “Descartes põe os seus princípios e, depois disso (...) tenta explicar-nos
sem interrupção e até pormenores o funcionamento do mundo (...)[;] é uma coisa
estranha que eles tenham querido compreender os princípios das coisas e assim
chegar ao conhecimento do todo, através de uma presunção tão infinita quanto
seu objetivo” (Pascal, Fragmentos,
fr.72).
Entre
muitas outras semelhanças e dessemelhanças, cabe destacar que Descartes e
Pascal concordam no tocante a necessidade de um método para bem julgar e
encontrar certezas nas ciências.
No
entanto, Pascal só concerne com tal intento se além da razão estiver apoiado na
experiência; enquanto Descartes centraliza seu método somente na dedução.
Pascal,
em seu espírito geométrico, admite a necessidade do método, mas diferente de
Descartes enxerga a finitude de sua aplicação, daí o absurdo de uma Matemática
Universal que alcançaria a verdade dogmática.
Apoiado
na dedução e na razão pretende chegar a certeza, a uma verdade de certa forma,
embora aplicada a um contexto permitido pelo coração e a experiência, os quais
complementam a razão, possibilitando alcançar a evidência.
Para saber mais sobre o assunto.
DESCARTES,
René. Discurso do método. São Paulo:
Abril Cultural, 1973.
LALANDE,
André. Vocabulário técnico e critico da
filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
LEBRUN,
Gérard. Pascal. São Paulo:
Brasiliense, s.d.
MORA,
José Ferrater. Dicionário de filosofia. Lisboa:
Dom Quixote, 1982.
PASCAL,
Blaise. Pensamentos. São Paulo: Abril
Cultural, 1973.
Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana
Ramos.
Doutor em História Social pela USP.
MBA em Gestão de Pessoas.
Bacharel e Licenciado em Filosofia
pela Universidade de São Paulo.
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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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