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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

As semelhanças e dessemelhanças entre o método cartesiano e o espírito geométrico em Pascal.


 

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Vol. out., Série 01/10, 2012, p.01-04.

 

“Zombar da filosofia é um verdadeiro filosofar” (Pascal, Fragmentos, fr.4).

 

É bem verdade que muitas semelhanças existem entre o método cartesiano e o espírito geométrico em Pascal, mas as dessemelhanças são muito mais nítidas.

A exemplo do método cartesiano, encontramos no espírito geométrico, a presença de uma verdade unívoca e monolítica.

Enquanto para Descartes a verdade se estende através do método a todos os ramos do saber, para Pascal é aplicável somente as matemáticas.

Ambos centralizam a possibilidade de alcançar a verdade por meio de um método, embora o resultado seja dispare.

 

Razão x Coração.

No Discurso do Método, Descartes (p.40) afirma: “comprazia-me sobretudo com as matemáticas, por causa da certeza e da evidência de suas razões; mas não notava ainda seu verdadeiro emprego, e, pensando que serviam apenas às artes mecânicas, espantava-me de que, sendo seus fundamentos tão firmes e tão sólidos, não se tivesse edificado sobre eles nada de mais elevado”.

Sua proposta responde esta inquietação, indo de encontro a busca de um saber universal, tendo as matemáticas como meio de universalizar as certezas e obter verdades em todas as áreas do conhecimento humano.

Antagonicamente, Pascal considera a pretensão cartesiana cômica, censurando a Mathesis Universalis de Descartes, por considerar abusiva a transferência de um método para fora de seu domínio de origem.

O que expressou através do aforismo: “ardemos no desejo de encontrar uma plataforma firme e uma base última e permanente para sobre ela edificar uma torre que se erga até o infinito, porém, os alicerces ruem e a terra se abre até o abismo” (Pascal, Pensamentos, fr.72).

Entretanto, para ambos, a evidência faz-se necessária, assim como a utilização de um método.

Descartes apresenta o seu método baseado nos quatro preceitos: 1. Evidência (clareza e distinção); 2. Divisão; 3. Ordem; 4. Enumeração.

Baseado única e exclusivamente, diga-se de passagem, pretensiosamente, na razão nua e crua.

O espírito geométrico de Pascal busca não somente pela razão, mas também pelo coração, chegar à verdade.

Operando da seguinte maneira: o espírito geométrico abarca o espírito geométrico, aplicável às matemáticas, e o espírito de justeza, aplicável à física; o espírito geométrico abarca, por sua vez, a razão e o coração.

Assim, a razão entendida como raciocínio, caberia aprender o conhecimento discursivo ou por extensão, ao coração, que poderia ser traduzido por sentimento, caberia apreender o conhecimento de modo imediato.

Para Pascal, a razão não tem o monopólio da certeza, o coração tem seu domínio assim como a razão teria o seu.

Tanto um como o outro, cada qual em sua ordem, é um operador de certeza para alcançar a verdade.

Dado a própria limitação da razão, “o  coração tem suas razões, que a razão não conhece”, afinal nossa razão é sempre iludida pela inconstância das aparências.

 

Certezas e Verdades.

Tanto o método cartesiano como o espírito geométrico primam por uma verdade unívoca, operando através da evidência.

Apesar do jogo de palavras, Pascal busca, como Descartes, através da evidência a verdade universal.

Devemos notar, no entanto, que Pascal afirma buscar “princípios tão claros que não se encontrem outros que o sejam mais para servir de provas”, e não princípios tão claros que não existam outros (LEBRUN: p.32).

Essa é a diferença básica, que constitui também semelhança, entre os dois filósofos.

Descartes entende por evidente o ato de intuição racional; Pascal entende pelo mesmo termo não a garantia de verdade ou sinal de nossa comunicação com o verbo divino, mas sim uma proposição estrategicamente útil, dado a clareza dos princípios ser relativa ao alcance limitado de nosso campo de visão.

Portanto, enquanto Descartes pretende atingir verdades universais, Pascal enxerga certezas relativas às possibilidades do momento.

Diferente de Descartes, que pretende estender o método cartesianos a todos os ramos do saber, alcançando verdades; Pascal sabe reconhecer a finitude do espírito geométrico, aplicando-o somente as matemáticas.

 

Concluindo.

Pascal considera a ideia de um saber universal uma quimera; Descarte é para ele cômico quando propõe um método que poderia conduzir infalivelmente ao saber de tudo o que o espírito humano seria capaz de conhecer.

Diz ele: “Descartes põe os seus princípios e, depois disso (...) tenta explicar-nos sem interrupção e até pormenores o funcionamento do mundo (...)[;] é uma coisa estranha que eles tenham querido compreender os princípios das coisas e assim chegar ao conhecimento do todo, através de uma presunção tão infinita quanto seu objetivo” (Pascal, Fragmentos, fr.72).

Entre muitas outras semelhanças e dessemelhanças, cabe destacar que Descartes e Pascal concordam no tocante a necessidade de um método para bem julgar e encontrar certezas nas ciências.

No entanto, Pascal só concerne com tal intento se além da razão estiver apoiado na experiência; enquanto Descartes centraliza seu método somente na dedução.

Pascal, em seu espírito geométrico, admite a necessidade do método, mas diferente de Descartes enxerga a finitude de sua aplicação, daí o absurdo de uma Matemática Universal que alcançaria a verdade dogmática.

Apoiado na dedução e na razão pretende chegar a certeza, a uma verdade de certa forma, embora aplicada a um contexto permitido pelo coração e a experiência, os quais complementam a razão, possibilitando alcançar a evidência.

 

Para saber mais sobre o assunto.

DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

LALANDE, André. Vocabulário técnico e critico da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

LEBRUN, Gérard. Pascal. São Paulo: Brasiliense, s.d.

MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. Lisboa: Dom Quixote, 1982.

PASCAL, Blaise. Pensamentos. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

 

Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela USP.
MBA em Gestão de Pessoas.
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela Universidade de São Paulo.

 

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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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