Publicação brasileira técnico-científica on-line independente, no ar desde sexta-feira 13 de Agosto de 2010.
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Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

quarta-feira, 30 de março de 2011

A indiferença contemporânea: uma reflexão sobre o quadro das sensibilidades.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume mar., Série 30/03, 2011, p.05-07.


Um dia desses, por alguns momentos a cidade parou.
As televisões hipnotizaram os espectadores que assistiram, sem piscar, o resgate de uma mãe e de uma filha.
Seu automóvel caíra num rio.
Assisti ao evento em um local público.
Ao acabar o noticiário, o silêncio à volta do aparelho se desfez e as pessoas retomaram as suas ocupações habituais.
Os celulares recomeçaram a tocar.
Perguntei-me: indiferença?
Se tomarmos a definição ao pé da letra, indiferença é sinônimo de desdém, de insensibilidade, de apatia e de negligência.
Mas podemos considerá-la, também, uma forma de ceticismo e desinteresse, um “estado físico que não apresenta nada de particular”, enfim, explica o Aurélio, uma atitude de neutralidade.
Conclusão?
Impassíveis diante da emoção, imperturbáveis frente à paixão, imunes à angústia, vamos, hoje, burilando nossa indiferença.
Não nos indignamos mais!
À distância de tudo, seguimos surdos ao barulho do mundo lá fora.
Dos movimentos de massa “quentes”, - (lembram-se do “Diretas Já”?) - onde nos fundíamos na igualdade, passamos aos gestos frios, onde indiferença e distância são fenômenos inseparáveis.
Neles, apesar de iguais, somos estrangeiros ao destino de nossos semelhantes.
O apagamento do conflito, a sedução do consenso oferece um painel açucarado onde não há singularidades.
Damos as voltas que forem necessárias para não toparmos com o outro, com o diferente.
Via “Embratel”, o mundo exterior nos bombardeia com a miséria, a selvageria, a violência e simultaneamente com o riso, a anedota e a festa.
Mas pelo tubo ótico, um morto é igual ao outro; uma imagem vale outra.
Mais e mais a televisão ensina o nosso olhar a perder o uso da perspectiva.
Ela apaga as asperidades e os relevos; não há mais diferença entre o real e o imaginário.
Na tela, pessoas tornam-se coisas e coisas tornam-se pessoas.
Assim, findo o resgate, mãe e filha se afogaram na nova máquina de lavar, na espuma do novo detergente, ao som do plim-plim.
E, de quadro em quadro, vamos assistindo, desencantados, a nossa posição ética frente ao mundo se anestesiar.
Não adianta trocar de canais: a mensagem é sempre a mesma.
Não sentir, não pensar, não falar ou falar, com indiferença, do que não nos toca jamais.
A modernidade, denunciaram alguns filósofos, não passa de um enorme dispositivo para nos “acostumar”: acostumar com o espetáculo diário do sofrimento televisionado, acostumar com nossa função de consumidores anônimos e apáticos.
Antes de ligar a televisão, antes mesmo de pensar em poupar energia, vou pensar nisso.


Para saber mais sobre o assunto.
DEL PRIORE, Mary. A Família no Brasil Colonial. São Paulo: Editora Moderna, 1999.
DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo, Condição Feminina, Maternidades e mentalidades no Brasil Colônia. UNESP: São Paulo, 2009.
DEL PRIORE, Mary. “A vida cotidiana no Rio de Janeiro” In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 436, 2007, p. 313-333.
DEL PRIORE, Mary. A História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999.
DEL PRIORE, Mary. “Crianças e adolescentes de ontem e de hoje” In: Helena Bocayuva e Sílvia A. Nunes. (Org.). Juventude, subjetivações e violências. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009, p.11-24.
DEL PRIORE, Mary. Histórias do Cotidiano. São Paulo: Contexto, 2002.
DEL PRIORE, Mary. L'Histoire de la vie privée dans le monde luso-americain: l'exercice d'une nouvelle approche? In : Cahiers de L'histoire Du Brésil, Sorbonne - Paris, 2000.


Texto: Profa. Dra. Mary Del Priore.
Doutora em História Social pela USP, com Pós-Doutorado na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris/França).
Lecionou História do Brasil Colonial nos Departamentos de História da USP e da PUC/RJ.
Autora de mais de cinqüenta livros e atualmente professora do Programa de Mestrado em História da Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO/NITERÓI.
Membro do Conselho Editorial de "Para entender a história..." desde 14/01/2011.

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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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