Para
entender a história... ISSN 2179-4111.
Ano 3, Vol. mar., Série 17/03, 2012, p.01-04.
A vinculação entre religião,
moral e ética é imensa, à medida que se influenciam mutuamente.
Nos primórdios da
humanidade, o que depois seria chamado de direito natural, convencionou um
contexto mitológico para servir de referência e padronizar comportamentos,
tornando a convivência coletiva possível.
A mitologia não explica
somente fenômenos para os quais não existe explicação racional, é também o
primeiro padrão ético instituído.
Os parâmetros mitológicos
foram criados por tentativa e erro, expressando o conhecimento acumulado,
portanto, tradições; assumindo um viés sagrado, transformado em religião.
Neste sentido, poderia ser
argumentado que os mitos inserem-se na heteronomia, ligados mais a moral do que
com a ética.
Afirmação que estaria
correta, já que a mitologia é também a base primitiva da moral, continuando
ativa até hoje.
Mitologia e pensamento freudiano.
Os mitos configuram a memória
coletiva da humanidade, expressando o Aparelho Psíquico desvendado por Sigmund
Freud no século XIX.
A estrutura de funcionamento
da mente humana seria formada por ID, Ego e Superego.
Onde ID representa a energia
psíquica, os instintos e impulsos orgânicos inconscientes, tendo como principio
básico o prazer puramente hedonista, sobretudo baseado na libido.
Para Freud, o ID expressa a natureza
animal que não obedece ética ou moral, caracterizado pela impulsividade, não
estando sobre o controle racional do individuo, revelando um caráter humano
antissocial e egoísta.
Contraposto a esta esfera da
mente, o Superego representa a consciência moral, que determina o certo e
errado, convencionado pela tradição, para possibilitar a convivência em grupo,
agindo como mecanismo repressor do ID.
Ocorre que a configuração do
Superego é pautada pela mitologia, muitas vezes evidenciada pela religião.
Dentro desta dinâmica, o Ego
é fruto da relação entre ID e Superego, compondo o principio da realidade, o
comportamento racional, que pondera para decidir; onde se processa a ética.
Assim, a mitologia pauta a
mentalidade, compondo parâmetros para o Superego, reprimindo o ID, estando na
base da moral.
O que interfere diretamente
no Ego e, portanto, na configuração do raciocínio ético, que também não está
totalmente isento da influencia do inconsciente.
Por este motivo, a religião,
como expressão maior da mitologia, deve ser observada porque acaba interferindo
nos preceitos morais e éticos.
A despeito destas duas
esferas se influenciarem mutuamente e sofrerem efeitos a partir de outros
fenômenos.
O que suscitaria questionar
se a autonomia do pensamento ético também não é limitada, embora não seja
embasada puramente na heteronomia como a moral ou a religião.
O papel da religião.
A religião - do latim religare, que significa “ligar com”,
“ligar novamente” – pode ser definida como a sistematização de crenças
metafísicas, não palpáveis, em geral ligados com a espiritualidade, o
entendimento simbólico do mundo.
A partir da mitologia, a
institucionalização dos valores e crenças, a oficialização e organização,
originou as primeiras religiões.
O contexto etnológico da
palavra já indica seu viés tradicional, uma ideia de uma ligação com obrigações
e práticas, condicionadas como obrigatórias pelo divino; expressando uma
condição perdida pelo homem devido a sua natureza animal, que tenta ser
recuperada pela religação com o divino.
Entretanto, alguns defendem
a hipótese de que a religião não deriva etimologicamente de religare; mas sim de relegere, que possui o sentido em latim
de “ler de novo”, “ler várias vezes”.
O que confere um significado
de repetição, de normatização para servir de parâmetro de comportamento.
Ambos sentidos para a origem
da palavra terminam se completando e confluindo para o conceito de religião
como instituição social, caracterizada pela existência de um grupo unido por um
conjunto de valores, mantendo coesão comportamental.
É por isto que a religião
termina oficializando uma moral de grupo, que, por sua vez, interfere no padrão
de comportamento da sociedade.
No século XIX, August Comte,
considerado o pai da sociologia, foi o primeiro a teorizar pelo viés cientifico
e não apenas filosófico sobre o papel das instituições sociais na organização
do funcionamento da sociedade.
Neste contexto, o componente
religião assumiria grande destaque.
Porém, foi outro francês,
contemporâneo deste, que desenvolveu teoricamente a concepção em detalhes,
trata-se de Émile Durkheim, responsável pela introdução da sociologia nos
currículos das universidades.
Ele demonstrou que o fato
social, um acontecimento ou ação relevante para o funcionamento da sociedade,
seria determinado pela coerção, fazendo os indivíduos se conformarem com as
regras impostas pelo Direito.
Para Durkheim, a sociedade
funcionaria como um organismo vivo, onde, semelhante aos órgãos, cada função
social depende das outras para existir, fazendo a consciência individual dar
lugar a coletiva, formando padrões sociais, onde se insere a religião como
fomentadora da heteronomia.
Embora não propriamente
coercitiva, a religião exerceria o poder de coação, forjando uma moral, com
regras maniqueístas de comportamento que interferem nas ações do sujeito no
interior do grupo, pautando mentalidades e concepções de mundo em sentido
amplo.
As rápidas mudanças
provocadas pelo sistema capitalista, diante da ausência de regras evidenciadas
pela religião, pelo prisma de sua decadência frente à racionalidade pura;
geraria em estado de anomia (a = não + nomia = normas), deixando os indivíduos
desorientados.
Sem parâmetros para nortear
o certo ou errado, a sociedade seria conduzida para o que Durkheim chamou de
estado patológico, com vários problemas que passariam a interferir no
funcionamento normal.
Destarte, no inicio do século
XX, o alemão Max Weber aprofundou o estudo do papel da religião no
comportamento humano, publicando, em 1905, a obra A ética protestante e o espírito do capitalismo.
Ele estudou os fenômenos da
vida religiosa, chegando à conclusão de que vários preceitos do cristianismo
protestante, mais do que fomentadores da moral vigente, criaram uma ética
capitalista distinta da ética grega.
Para Weber, as religiões
protestantes terminaram contribuindo para a ascensão do capitalismo.
As convicções religiosas que
consideram o êxito econômico como sinal de benção de Deus, o que ele chamou de
ética protestante, configurou uma nova realidade moral, sendo assimilada pela
mentalidade capitalista.
Ocorre que Weber não percebeu que a moral
protestante se transformou em ética capitalista institucionalizada pela
burocracia, subdividindo-se em várias configurações inerentes ao contexto
grupal circunscrito às profissões.
A ética que decorre das
religiões protestantes, a partir da moral, ajudou a cunhar o centro da ética
profissional capitalista, baseada na felicidade identificada com a capacidade
de consumo; desvirtuando o significado original grego da eudaimonia,
multiplicando as possibilidades de entendimento do conceito de ética.
Religião e Estado.
Desde seus primórdios, a religião
constituiu um mecanismo de controle social do Estado usado para doutrinar e
padronizar comportamentos que servem aos interesses dos grupos hegemônicos.
Segundo Althusser, um autor
francês de linha marxista, a religião, ao lado da educação, sempre foi um
Aparelho Ideológico de Estado.
Usada para vender a
ideologia da elite e organizar a estrutura social, hierarquizando a sociedade.
Para garantir a submissão
completa das massas, outro mecanismo, o Aparelho Repressivo de Estado,
excluiria ou segregaria os indivíduos que não são convencidos ideologicamente.
Contemporaneamente, apesar
da religião possuir uma força de penetração menor que no passado, continua
atrelada ao Estado, sendo propagada pelos meios de comunicação.
Este, como Aparelho
Ideológico, assim como a própria religião, possui internamente Aparelhos
Repressivos, reproduzindo a desigualdade e a divisão social e econômica
capitalista.
A religião, ao invés de
representar a possibilidade de libertação e autonomia, através da construção
ética do sujeito; como mecanismo de Estado, impõe padrões de comportamentos,
uma moral que serve a interesses de grupos hegemônicos.
Embora seja possível
discorrer sobre uma ética religiosa ou uma metafísica ética, a religião acabou
transformando-se em elemento utilizado para doutrinar, impondo uma moral que
configura pura heteronomia, elegendo o Estado como figura centralizadora da
fixação de parâmetros de ação.
Não obstante a confusão
reinante entre ética e moral, assim como outros fatores como o Direito
interferindo na conceituação e entendimento; a religião, atrelada ao Estado,
complica mais este cenário.
Para saber mais sobre o assunto.
BERGSON, Henri. As duas fontes da moral e da religião. Rio
de Janeiro: Zahar, 1978.
GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005.
RICOEUR, Paul. Da metafísica a moral. Lisboa: Instituto
Piaget, 1998.
WEBER, Max. A
ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004.
WEBER, Max. A
gênese do capitalismo moderno. São Paulo: Ática, 2007.
Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela USP.
MBA em Gestão de Pessoas.
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela Universidade
de São Paulo.
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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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