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Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

sábado, 17 de março de 2012

Moral, Ética e Religião.


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Vol. mar., Série 17/03, 2012, p.01-04.


A vinculação entre religião, moral e ética é imensa, à medida que se influenciam mutuamente.
Nos primórdios da humanidade, o que depois seria chamado de direito natural, convencionou um contexto mitológico para servir de referência e padronizar comportamentos, tornando a convivência coletiva possível.
A mitologia não explica somente fenômenos para os quais não existe explicação racional, é também o primeiro padrão ético instituído.
Os parâmetros mitológicos foram criados por tentativa e erro, expressando o conhecimento acumulado, portanto, tradições; assumindo um viés sagrado, transformado em religião.
Neste sentido, poderia ser argumentado que os mitos inserem-se na heteronomia, ligados mais a moral do que com a ética.
Afirmação que estaria correta, já que a mitologia é também a base primitiva da moral, continuando ativa até hoje.


Mitologia e pensamento freudiano.
Os mitos configuram a memória coletiva da humanidade, expressando o Aparelho Psíquico desvendado por Sigmund Freud no século XIX.
A estrutura de funcionamento da mente humana seria formada por ID, Ego e Superego.
Onde ID representa a energia psíquica, os instintos e impulsos orgânicos inconscientes, tendo como principio básico o prazer puramente hedonista, sobretudo baseado na libido.
Para Freud, o ID expressa a natureza animal que não obedece ética ou moral, caracterizado pela impulsividade, não estando sobre o controle racional do individuo, revelando um caráter humano antissocial e egoísta.
Contraposto a esta esfera da mente, o Superego representa a consciência moral, que determina o certo e errado, convencionado pela tradição, para possibilitar a convivência em grupo, agindo como mecanismo repressor do ID.
Ocorre que a configuração do Superego é pautada pela mitologia, muitas vezes evidenciada pela religião.
Dentro desta dinâmica, o Ego é fruto da relação entre ID e Superego, compondo o principio da realidade, o comportamento racional, que pondera para decidir; onde se processa a ética.
Assim, a mitologia pauta a mentalidade, compondo parâmetros para o Superego, reprimindo o ID, estando na base da moral.
O que interfere diretamente no Ego e, portanto, na configuração do raciocínio ético, que também não está totalmente isento da influencia do inconsciente.
Por este motivo, a religião, como expressão maior da mitologia, deve ser observada porque acaba interferindo nos preceitos morais e éticos.
A despeito destas duas esferas se influenciarem mutuamente e sofrerem efeitos a partir de outros fenômenos.
O que suscitaria questionar se a autonomia do pensamento ético também não é limitada, embora não seja embasada puramente na heteronomia como a moral ou a religião.


O papel da religião.
A religião - do latim religare, que significa “ligar com”, “ligar novamente” – pode ser definida como a sistematização de crenças metafísicas, não palpáveis, em geral ligados com a espiritualidade, o entendimento simbólico do mundo.
A partir da mitologia, a institucionalização dos valores e crenças, a oficialização e organização, originou as primeiras religiões.
O contexto etnológico da palavra já indica seu viés tradicional, uma ideia de uma ligação com obrigações e práticas, condicionadas como obrigatórias pelo divino; expressando uma condição perdida pelo homem devido a sua natureza animal, que tenta ser recuperada pela religação com o divino.
Entretanto, alguns defendem a hipótese de que a religião não deriva etimologicamente de religare; mas sim de relegere, que possui o sentido em latim de “ler de novo”, “ler várias vezes”.
O que confere um significado de repetição, de normatização para servir de parâmetro de comportamento.
Ambos sentidos para a origem da palavra terminam se completando e confluindo para o conceito de religião como instituição social, caracterizada pela existência de um grupo unido por um conjunto de valores, mantendo coesão comportamental.
É por isto que a religião termina oficializando uma moral de grupo, que, por sua vez, interfere no padrão de comportamento da sociedade.
No século XIX, August Comte, considerado o pai da sociologia, foi o primeiro a teorizar pelo viés cientifico e não apenas filosófico sobre o papel das instituições sociais na organização do funcionamento da sociedade.
Neste contexto, o componente religião assumiria grande destaque.
Porém, foi outro francês, contemporâneo deste, que desenvolveu teoricamente a concepção em detalhes, trata-se de Émile Durkheim, responsável pela introdução da sociologia nos currículos das universidades.
Ele demonstrou que o fato social, um acontecimento ou ação relevante para o funcionamento da sociedade, seria determinado pela coerção, fazendo os indivíduos se conformarem com as regras impostas pelo Direito.
Para Durkheim, a sociedade funcionaria como um organismo vivo, onde, semelhante aos órgãos, cada função social depende das outras para existir, fazendo a consciência individual dar lugar a coletiva, formando padrões sociais, onde se insere a religião como fomentadora da heteronomia.
Embora não propriamente coercitiva, a religião exerceria o poder de coação, forjando uma moral, com regras maniqueístas de comportamento que interferem nas ações do sujeito no interior do grupo, pautando mentalidades e concepções de mundo em sentido amplo.
As rápidas mudanças provocadas pelo sistema capitalista, diante da ausência de regras evidenciadas pela religião, pelo prisma de sua decadência frente à racionalidade pura; geraria em estado de anomia (a = não + nomia = normas), deixando os indivíduos desorientados.
Sem parâmetros para nortear o certo ou errado, a sociedade seria conduzida para o que Durkheim chamou de estado patológico, com vários problemas que passariam a interferir no funcionamento normal.
Destarte, no inicio do século XX, o alemão Max Weber aprofundou o estudo do papel da religião no comportamento humano, publicando, em 1905, a obra A ética protestante e o espírito do capitalismo.
Ele estudou os fenômenos da vida religiosa, chegando à conclusão de que vários preceitos do cristianismo protestante, mais do que fomentadores da moral vigente, criaram uma ética capitalista distinta da ética grega.
Para Weber, as religiões protestantes terminaram contribuindo para a ascensão do capitalismo.
As convicções religiosas que consideram o êxito econômico como sinal de benção de Deus, o que ele chamou de ética protestante, configurou uma nova realidade moral, sendo assimilada pela mentalidade capitalista.
 Ocorre que Weber não percebeu que a moral protestante se transformou em ética capitalista institucionalizada pela burocracia, subdividindo-se em várias configurações inerentes ao contexto grupal circunscrito às profissões.
A ética que decorre das religiões protestantes, a partir da moral, ajudou a cunhar o centro da ética profissional capitalista, baseada na felicidade identificada com a capacidade de consumo; desvirtuando o significado original grego da eudaimonia, multiplicando as possibilidades de entendimento do conceito de ética.


Religião e Estado.
Desde seus primórdios, a religião constituiu um mecanismo de controle social do Estado usado para doutrinar e padronizar comportamentos que servem aos interesses dos grupos hegemônicos.
Segundo Althusser, um autor francês de linha marxista, a religião, ao lado da educação, sempre foi um Aparelho Ideológico de Estado.
Usada para vender a ideologia da elite e organizar a estrutura social, hierarquizando a sociedade.
Para garantir a submissão completa das massas, outro mecanismo, o Aparelho Repressivo de Estado, excluiria ou segregaria os indivíduos que não são convencidos ideologicamente.
Contemporaneamente, apesar da religião possuir uma força de penetração menor que no passado, continua atrelada ao Estado, sendo propagada pelos meios de comunicação.
Este, como Aparelho Ideológico, assim como a própria religião, possui internamente Aparelhos Repressivos, reproduzindo a desigualdade e a divisão social e econômica capitalista.
A religião, ao invés de representar a possibilidade de libertação e autonomia, através da construção ética do sujeito; como mecanismo de Estado, impõe padrões de comportamentos, uma moral que serve a interesses de grupos hegemônicos.
Embora seja possível discorrer sobre uma ética religiosa ou uma metafísica ética, a religião acabou transformando-se em elemento utilizado para doutrinar, impondo uma moral que configura pura heteronomia, elegendo o Estado como figura centralizadora da fixação de parâmetros de ação.
Não obstante a confusão reinante entre ética e moral, assim como outros fatores como o Direito interferindo na conceituação e entendimento; a religião, atrelada ao Estado, complica mais este cenário.


Para saber mais sobre o assunto.
BERGSON, Henri. As duas fontes da moral e da religião. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005.
RICOEUR, Paul. Da metafísica a moral. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
WEBER, Max. A gênese do capitalismo moderno. São Paulo: Ática, 2007.


Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela USP.
MBA em Gestão de Pessoas.
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela Universidade de São Paulo.

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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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