Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 09, Volume dez., Série 04/12, 2018.
Prof. Ms. Fábio Liberato de Faria Tavares.
RESUMO: O presente artigo faz um breve histórico dos principais empreendimentos automobilísticos nacionais e as causas de seus fracassos, mesmo o mercado automotivo brasileiro sendo um dos mais importantes do mundo desde a década de 1950.
PALAVRAS-CHAVE: História da Indústria Automobilística Brasileira, Automóvel, Soberania Nacional Brasileira, Fábrica Nacional de Motores (FNM), Puma, Gurgel.
ABSTRACT: This article gives a brief history of the main national automobile enterprises and the causes of their failures, even though the Brazilian automotive market is one of the most important in the world since the 1950s.
KEYWORDS: History of the Brazilian Automobile Industry, Automobile, Brazilian National Sovereignty, National Motor Factory (FNM), Puma, Gurgel.
1. INTRODUÇÃO.
O nacional desenvolvimentismo como proposta para superação do atraso brasileiro, as raízes do projeto nacional-desenvolvimentista começaram a surgir no Brasil na década de 1930, durante a Era Vargas (1930-1945).
Basicamente, como apontou Bielschowsky (2009), essa teoria apontava que para a superação do subdesenvolvimento do Brasil, seria necessário um processo de industrialização integral e de forma acelerada e que este não poderia ser deixado apenas nas mãos da iniciativa privada.
Caberia ao estado planejar o processo, fornecer financiamento e em
alguns caso investir de forma direta abrindo empreendimentos industriais.
Economistas como Celso Furtado, Roberto Simonsen e Roberto Campos se destacaram
na elaboração de políticas com este viés.
Com o fim da Era Vargas em 1945 e a chegada de Eurico Gaspar Dutra ao poder, as políticas desenvolvimentistas foram abandonadas, sendo retomadas no segundo governo de Getúlio Vargas entre 1951 e 1954 e intensificadas no governo de Juscelino Kubitscheck entre 1956 e 1961, onde também houve incentivo para vinda de empresas estrangeiras em setores como o de bens duráveis, com destaque para o de eletrodomésticos e automobilístico (TAVARES, 2014).
Esta lógica voltou a
perder força no breve governo Jânio Quadros, mas novamente foi reabilitada no
governo João Goulart e pelos militares durante a Ditadura Militar, mais
especificamente no final da década de 1960 até o final da década seguinte
(GASPARI, 2014).
Com a redemocratização em 1985, as ideias neoliberais começaram a ganhar força e chegaram ao poder pelas mãos de Fernando Collor de Melo, a partir de 1990.
A
política neoliberal prega que o estado deve intervir o mínimo possível na
economia, eliminando impostos para produtos importados, facilitando assim a
importação e em tese aumentando a competitividade, privatizando empresas e
serviços públicos, reduzindo direitos trabalhistas para baratear a mão-de-obra
e desta forma tornar o país mais atraente para investimentos externos, etc
(IANNI, 1998).
Este tópico se faz necessário pelo fato de que foi por meio de políticas desenvolvimentistas entre as décadas de 1940 e 1980 que foi possível o surgimento de vários empreendimentos industriais de capital nacional não só no setor automobilístico, mas também em outros como o siderúrgico e no de eletrodomésticos.
Com a abertura econômica a partir da década de 1990, muitas destas indústrias não resistiram a concorrência externa e faliram.
A adoção do modelo
neoliberal reduziu o parque industrial brasileiro, gerando redução no número de
empregos, alteração nas exportações, que voltaram a contar com grande peso do
agronegócio, setor com pouquíssimo valor agregado e mais vulnerável a
flutuações de preços, além de o país ter se tornado importador, principalmente
da China de produtos, desde os altamente elaborados com smartphones até alguns
muito básicos, como lápis, canetas, chinelos, etc.
2. A FÁBRICA NACIONAL MOTORES (FNM).
A Fábrica Nacional de Motores (FNM), considerada a pioneira no setor automobilístico nacional, surgiu no ano de 1942 na esteira da parceria com o governo estadunidense durante a Segunda Guerra Mundial e também dentro da lógica nacional-desenvolvimentista na qual o governo em alguns casos deveria intervir de forma direta na economia criando empresas.
Um ano antes havia sido criada a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e no mesmo ano a Companhia Vale do Rio Doce, responsável pelo transporte e extração de minerais.
Ambas as empresas ainda existem, mas foram
privatizadas na década de 1990, período de grande força das ideias neoliberais.
A ideia inicial era de que a fábrica estatal produzisse motores para os aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) e para o Correio Aéreo Nacional (CAN). A unidade fabril foi erguida em Xerém, então distrito de Duque de Caxias-RJ.
A escolha se deveu,
além de questões logísticas, pelo fato de a localidade ficar no nível do mar, o
que facilitaria a fabricação de motores por questões de a temperatura e a pressão
da região serem as ideais para esse tipo de empreendimento.[1]
Os primeiros motores nasceram em 1946 já obsoletos, além disso, a fábrica contou com a concorrência desleal justamente dos estadunidenses que iniciaram uma maciça venda de espólios de guerra como máquinas de escrever e aviões completos a preços baixos.
Além da fábrica, no projeto foi concebida uma bem estruturada
vila operária para os funcionários da empresa.
Eurico Gaspar Dutra encerrou a fábrica de motores logo após tomar posse e tentou vendê-las, mas não encontrou compradores.
Coube ao idealizador da empresa, o brigadeiro Guedes Muniz a tarefa de manter a fábrica de Duque de Caxias-RJ em funcionamento com a produção de eletrodomésticos. Em 1949 ocorreu um episódio constrangedor: o governo brasileiro fechou parceria com a fábrica italiana Isotta Fraschini para a fabricação de caminhões.
A mesma faliu logo em seguida
e foi substituída pela Alfa Romeo.
Sobe licença da Alfa Romeu iniciou-se a produção de caminhões e ônibus.
Um fato interessante é que a unidade fabril não tinha capacidade de produzir as cabines, tendo terceirizado esta tarefa para empresas menores.
Era possível até mesmo um
comprador adquirir somente o chassi e providenciar a cabine em uma das empresas
parceiras.
No início de 1950, foi apresentado ao presidente recém-empossado Getúlio Vargas o Pinar ou “Pioneiro da Indústria Brasileira”.
A apresentação ocorreu no Parque de Exposições da Água Branca, São Paulo, SP.
Segundo o pesquisador Rogério Ferraresi, o carro teria sido projetado pelo capitão Edvaldo dos Santos, do Serviço de Motorização do Exército, e construído nas instalações da firma “Produtos Nei” localizado à Rua Bom Pastor, número 27, no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro.
O
proprietário da empresa,
Domingo Otolini, seria também funcionário da FNM.” (Brandão, 2011: 71).
O carro teria
feito um teste bem sucedido percorrendo a estrada RJ-SP, a revista Cruzeiro
publicou matéria em março do mesmo ano denunciando que apesar de o bloco de
motor ter sido fundido no Brasil o propulsor era uma cópia de um projeto da
Volkswagen, essa denuncia desmoralizou o projeto.
Desativada a ideia de produção de automóveis de passeio, a produção de caminhões foi crescendo de forma sustentada, alcançando a liderança no setor de caminhões à diesel em 1954 e finalmente fechando no azul.
Com a criação do Grupo Estratégico da Indústria Automobilística (GEIA), no governo de Juscelino Kubitscheck, a empresa recebeu atenção especial com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e ampliou sua capacidade produtiva.
Em 1960 passou a fabricar, sob licença da Alfa Romeo o automóvel batizado de JK.
O baixo índice de nacionalização acabou
dificultando o seu sucesso; esse, aliás, foi um problema que perseguiu a FNM,
já que a estatal não produzia motores.
A instabilidade politica que o Brasil viveu entre 1961 e 1964 vitimou a FNM que não recebeu os investimentos necessários para modernizar a sua gama de produtos.
Os militares que assumiram o poder por meio de um golpe de estado, apesar de terem um discurso nacionalista não fizeram nada para mudar o quadro, pelo contrário, ao que parece houve uma sabotagem para inviabilizar a continuidade das atividades da empresa.
A equipe econômica do governo federal implantou logo nos primeiros momentos pós-golpe o PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo) que reduziu investimentos públicos e aumentou a cobrança de impostos e taxas por serviços básicos como água, energia elétrica e postagem de cartas, além de um duro arrocho salarial.
Basicamente se repetiu uma receita conhecida no Brasil: os mais pobres foram sacrificados em prol do equilíbrio da economia, já que foram os mais atingidos pelos cortes de serviços, aumentos de tarifas e congelamentos de salários.
Estas medidas econômicas também limitaram as verbas para a
fabricante que foi se enfraquecendo ainda mais, apesar de ter apresentado
melhoras em seus números em 1965.
Em maio de 1968 a empresa foi vendida numa operação à portas fechadas para a Alfa Romeo, descartando propostas tanto do empresariado nacional como Nelson Fernandes[2] mas também de empresas estrangeiras como a Renault e a Chrysler.
Os italianos assumiram a empresa por um valor baixo: 36 milhões de dólares e ainda puderam continuar com os incentivos fiscais de que a FNM gozava.
Curiosamente no ano anterior uma comissão formada por engenheiros e militares avaliou que era possível reerguer a empresa[3].
No entanto não foi de interesse do governo, morria assim a fábrica estatal que
chegou a liderar as vendas no setor de caminhões.
Sob gerência italiana os moradores da vila em torno da fábrica foram indenizados e tiveram que abandonar as suas casas.
A fabricação de produtos obsoletos continuou, pois os militares entregaram um patrimônio nacional a uma empresa que já nem fabricava mais caminhões.
Pouco tempo depois, a FIAT assumiu o controle da Alfa Romeo e iniciou a fabricação de uma nova linha de veículos pesados e um de passeio, o 2300.
Todos foram um fracasso, em 1985 a unidade foi definitivamente fechada, hoje o espaço é ocupado pela fabricante de carrocerias para ônibus Ciferal-Marcopolo.
3. A PAULISTA PUMA AUTOMÓVEIS.
A paulistana Puma Automóveis teve a sua origem em projeto da vitorioso da DKW em parceira com Milton Masteguim, Mário César de Camargo Filho, Rino Malzoni e Luís Roberto da Costa de construção de um carro esportivo para as pistas.
O resultado foi o GT
Malzoni. Em 1966 a empresa passou a se chamar Puma Automóveis, ainda com
mecânica DKW.
Com a aquisição definitiva
da DKW pela Volkswagen em 1967, esta passou a ser a fornecedora de motores e
chassis para os modelos em fibra de vidro da Puma, que já em 1970 alcançava sucesso no
exterior com a exportação de modelos para a Suíça e Estados Unidos. Já no
início da década de 1970 foram estabelecidas parcerias com a Chevrolet e
aumento das exportações, tendo inclusive sido dada licença para a fabricação de
modelos na marca na África do Sul.
Em 1971 veio o audacioso plano de um carro urbano de baixa cilindrada, preço, dimensões e com motor próprio.
Para isso era necessário uma nova unidade fabril, que era planejada para São José dos Campos.
Devido ao governo federal não ter dado aval a um empréstimo no mercado externo, a planta não saiu do papel.
Curiosamente como foi apontado no site Lexicar[4], no mesmo período, a FIAT (dona da Alfa Romeo que já havia comprado a preço baixo a FNM) negociava a instalação de uma fábrica no país para a fabricação de veículos de custo relativamente baixos.
Percebe-se aí uma tentativa de produção de um veículo 100% nacional possivelmente frustrada pelo governo militar em aliança com grandes montadoras.
Ao que parece o
nacionalismo e a intervenção estatal na economia praticada no período não se
aplicava com tanta força no setor automobilístico.
A empresa continuou fabricando carrocerias de sucesso, inclusive cabines de caminhões, tendo chegado a quase 4 mil unidades em 1979.
As exportações continuaram ocorrendo para mercados exigentes como Canadá e Japão.
Porém, com a crise econômica violenta a partir de 1981 a empresa diminuiu drasticamente a sua produção.
Alternativas como um carro elétrico e uma parceria com a japonesa Daihatsu para
a produção do pequeno Cuore - que chegou a ser comercializado no Brasil na
década de 1990 e foi um fracasso de vendas - foram tentadas, mas sem sucesso.
Em 1985 a empresa foi a falência e em 1987 houve uma tentativa malsucedida de continuar com a fabricação dos automóveis no Paraná.
Nos anos 1990 a empresa ainda fabricou cabines para caminhões e carrocerias para micro-ônibus, tendo morrido definitivamente em 1999.
Entre caminhões e automóveis foram mais de 20 mil unidades produzidas ao longo de pouco mais de 30 anos.
Em 2017 foi anunciada a volta da Puma com a fabricação de um modelo, o GT Lumimari ao custo de R$ 150.000,00 a unidade.
A nova Puma funcionaria em Botucatu (SP), existe um site e
uma página no Facebook sobre esta volta da empresa, mas com poucas informações
sobre a volta de fato da produção.
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Puma GTE 1600
fotografado nos Estados Unidos. Foto. Morven. Disponível no site Wikipedia. |
4. A GURGEL.
Sem dúvida, a tentativa mais bem sucedida de construção de um automóvel 100% nacional partiu de João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, nascido em 1926 na cidade de Franca-SP.
Formou-se em 1949 em Engenharia na Escola Politécnica da USP. Seu trabalho de conclusão de curso foi um automóvel nacional.
Contrariado, seu
professor ameaçou reprová-lo pela ideia “descabida”, chagando a declarar que
“carro não se fabrica, se compra”[5].
Entretanto o mercado de trabalho viu talento no jovem idealista.
A General Motors lhe
ofereceu estágio nos Estados Unidos, local onde ele teve contato com a
tecnologia de plástico reforçado, algo que marcaria a sua trajetória como
industrial.
Seu currículo lhe garantiu empregos na GM e Ford do Brasil quando regressou ao país.
Também
participou do GEIA, que viabilizou a implantação das multinacionais do setor
automotivo no Brasil no final da década de 1950, sob o governo de Juscelino
Kubitscheck (1956-1961).
Saiu rapidamente do setor automobilístico para trabalhar na confecção de painéis luminosos de acrílico, mas logo voltou fabricando karts e minicarros de plástico, que vizinhos comparavam a “banheiras de bebê”[6].
Ele também montou uma concessionária da Volkswagen, algo que lhe proporcionou
acesso a uma grande quantidade de autopeças. Isso abriu caminho para a materialização
de seu sonho: o carro nacional.
Em 1966, com plataforma Volkswagen, nasceu o Gurgel 1200, primeiro automóvel de sua saga.
Três anos depois, brigou com seus sócios e fundou a Gurgel na capital paulista.
É importante destacar que este primeiro modelo desenvolvido por Gurgel já tinha a sua carroceria em fibra de vidro.
De acordo com ele, esta seria uma solução
viável para um país como o Brasil por não enferrujar. Gurgel também acreditava
que devido as ruas e estradas ruins de nosso país, era necessário a concepção
de carros de uso misto (MARCOLIN, 2004).
No início da década de 1970, os negócios cresceram em ritmo acelerado.
Ele construiu uma fábrica na cidade de Rio Claro-SP e lançou o jipe Xavante, também em vibra de vidro, assim como todos os produtos produzidos por Gurgel. Esse jipe, apesar do preço desfavorável em comparação aos concorrentes, utilizava mecânica Volkswagen, o que lhe deva uma boa vantagem, além do consumo relativamente baixo.
Várias unidades foram fornecidas para as Forças Armadas, no período tentou desenvolver um carro elétrico, pois era um crítico do programa Proálcool[7], já que enxergava no incentivo à produção do etanol o desvio de uso de terras produtivas da produção de alimentos para o combustível, num país que vivia sob uma violenta ditadura militar que não conseguiu resolver o problema da fome que atingia milhões de brasileiros[8].
Novos produtos foram surgindo como utilitários e em 1980 a Gurgel já havia produzido cerca de 8.000 unidades, muitas delas tendo sido exportadas.
Em 1985 ele lançou a ideia do Carro Econômico Nacional (CENA), Porém, problemas com a família do piloto Ayrton Sena o obrigaram a mudar o nome do projeto para BR-800. Com forte lobby, Gurgel conseguiu que o governo aprovasse em 1988 a redução do Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI para carros de até 1000 cilindradas.
Entretanto as “quatro grandes[9]” se aproveitaram da brecha e lançaram produtos para competirem com o BR-800.
A primeira foi a Fiat com o Uno Mille em 1990, o carro italiano bateu com facilidade o brasileiro, que apesar da inovação apresentava sérios problemas que iam desde a motorização fraca ao fato de que as primeiras versões sequer tinham tampa do porta malas.
Mesmo assim, 250 unidades eram produzidas por mês do BR-800.
Gurgel criou um sistema que ele batizou de Rotamaq onde a linha de montagem
funcionava de forma giratória (economizando-se assim espaço dentro da fábrica)
possibilitando a produção de um automóvel a cada 20 minutos.
O alento parecia que viria com o apoio do governo cearense, então liderado por Ciro Gomes em 1991 que ofereceu incentivos para a construção de uma unidade fabril no estado nordestino. Entretanto este apoio não se concretizou.
No já várias vezes citado documentário “Sonhos enferrujam: Gurgel e o carro do Brasil”, o então governador de São Paulo Fleury Filho atribuiu a desistência de ambos os governos em investirem no projeto à megalomania de Gurgel.
No documentário Ciro
Gomes não deu entrevista, ele apenas emitiu uma nota afirmando que o empresário
havia atrasado parcelas do empréstimo ao Banco do Estado do Ceará.
Os problemas no carro atrapalhavam as vendas, além disso, ideias como o Moto Machine (um carro desmontável, mais barato que o BR-800 e que viraria motocicleta) não ajudavam muito na conquista de credibilidade.
Uma greve de servidores públicos no porto de Santos
dificultou a chegada de câmbios que eram fabricados na Argentina, comprometendo
a entrega de 10 mil modelos e corroendo ainda mais a imagem da empresa.
Em 1993, ano em que o governo federal incentivou a venda de veículos 1.0 como o já citado Uno Mille, o Chevette Júnior e até mesmo a volta do Fusca a Gurgel entrou em concordata, falindo definitivamente dois anos depois, não antes sem tentativas de recuperá-las, inclusive partindo dos próprios funcionários da empresa com uma proposta de administração compartilhada.
No entanto a visão centralizadora de Gurgel, a mesma que o impediu de ver os equívocos que cometia em continuar criando produtos novos antes de aprimorar os já existentes, fizeram com que essa tentativa nem saísse do papel.
Após mais de 40 mil unidades produzidas ao
longo de 25 anos, sonho de um carro brasileiro de larga escala estava
enterrado!
Gurgel BR800, o
mais próximo que chegamos de um carro 100% nacional. Foto de Mônica Kaneko disponível
na Wikipedia.
5. CONCLUINDO.
São inegáveis os equívocos de Gurgel tanto na administração do negócio como em sua insistência de lançar produtos novos enquanto não aprimorava os já existentes.
Porém é fato que a empresa, além de dominar todo o processo de fabricação de um automóvel era 100% brasileira.
Seguindo a lógica liberal seria fácil usar argumentos como “ele faliu por incompetência” ou “seria um absurdo comprometer recursos públicos neste tipo de projeto”.
Entretanto, as grandes indústrias automobilísticas mundiais tomadas hoje como referência, tiveram forte apoio estatal em seus países, inclusive em momentos de crise.
A Volkswagen teve sua origem numa parceria entre o Estado Alemão e Ferdinand Porsche.
Claro que podemos
problematizar a sua origem para atender ao desejo de Hitler de produzir um
carro popular, mas o fato é que provavelmente a Volkswagen sequer teria saído
do papel se não fosse o apoio estatal.
Outros exemplos estão presentes para reafirmar a importância estratégica de se proteger a indústria nacional, em especial a automobilística por ser uma grande gerado de empregos diretos e indiretos.
Em 2009 a General Motors em meio a grave crise mundial iniciada no ano anterior foi estatizada pelo governo dos Estados Unidos que tanto defende o liberalismo...
Após melhoria do quadro econômico internacional o governo abriu mão de sua participação na empresa. A Kia Motors que estava quase falida em 1998 foi comprada pela rival doméstica Hyundai.
Este negócio contou com apoio do governo sul-coreano que não queria ver a empresa parar nas mãos de estrangeiros.
Em 1974 o governo francês intermediou acordo para que a Peugeot assumisse a pré-falimentar Citroën formando o Grupo PSA mantendo assim empregos e a soberania francesa neste setor. A já citada Alfa Romeo não nasceu estatal.
Ela se tornou estatal em 1933 e somente décadas depois passou a
fazer parte do Grupo FIAT.
Todos os exemplos citados demonstram a falta de comprometimento do governo brasileiro, sejam por falta de visão ou para atender aos interesses das empresas estrangeiras já presentes em nosso território de proteger e fortalecer todas as tentativas de construção de uma empresa 100% nacional no setor automobilístico, importante na geração de divisas criação de empregos com boas médias salariais e produção de novas tecnologias.
Infelizmente, a indústria brasileira ainda se apoia na agropecuária, sendo as poucas empresas brasileiras de relevância mundial são as do setor agroindustrial como a JBS Friboi e a BRF.
Estes setores fabricam
mercadorias de pouco valor agregado e oferecem empregos de baixa remuneração,
contribuindo para que o mercado interno nacional continue restrito e que o país
não ocupe uma posição que esteja de acordo com as suas potencialidades no
cenário mundial, muito pelo contrário, o que se vê hoje é um acelerado processo
de desindustrialização do país como apontou Gaspari, no início da década de
1980, um terço do PIB brasileiro vinha da indústria, hoje vai caminhando para
menos de 10%.
6. PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO.
AITH, Márcio.
Hyundai vence o leilão e fica com a Kia e Asia. In: Folha de São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi20109820.htm
Acesso em 22 abr. 2018.
BIELSCHOWSKY,
Ricardo. Ideologia e desenvolvimento no Brasil, 1930-1954. In: PÁDUA, José
Augusto (org.). Desenvolvimento, justiça
e meio ambiente. Editora UFMG: Belo Horizonte, 2009.
BRANDÃO, Ramon de
Lima. O automóvel no Brasil entre 1955 e
1961 : a intervenção de novos imaginários na Era JK. Dissertação (Mestrado
em História)—Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2011.
FNM. In: Lexicar. Disponível em: http://www.lexicarbrasil.com.br/fnm/
Acesso em 21 abr. 2018.
GASPARI, Elio. A ditadura derrotada. 2. Ed. Rio de
Janeior: Intríseca, 2014.
GURGEL I. In: Lexicar. Disponível em: http://www.lexicarbrasil.com.br/gurgel-i/
Acesso em 21 abr. 2018.
GRUPO PSA. In: Wikipedia. Disponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Grupo_PSA
Acesso em 22 abr. 2018.
IANNI, Octávio.
Globalização e neoliberalismo. In: São
Paulo em perspectiva, 12 (2) 1998.
LUZ, Sérgio Ruiz. Democrata:
a história do carro que virou ficção. In: Revista
Quatro Rodas. Disponível em: https://quatrorodas.abril.com.br/noticias/democrata-a-historia-do-carro-que-virou-ficcao/
Acesso em 9 mai. 2018.
MARCOLIN, Neldson.
A história de uma marca. In: Pesquisa
Fapesp. P. 10-13. Outubro, 2004.
OLIVA, Jacob. CEO
da PSA diz que cada uma terá sua importância dentro do grupo. In: Motor 1.
Disponível em: https://motor1.uol.com.br/news/381566/fusao-fca-psa-marcas/
Acesso em 30 dez. 2019.
OLIVEIRA, Odonir. Vivendo
num vila operária: FNM - Fábrica Nacional de Motores, em Xerém, Rio de Janeiro.
In: Jornal GGN. Disponível em: https://jornalggn.com.br/blog/odonir-oliveira/vivendo-numa-vila-operaria-fnm-fabrica-nacional-de-motores-em-xerem-rio-de-janeiro
Acesso em 06 mai. 2018.
PÔLA, Vladimir. A
estatização da GM e o fortalecimento do estado. In: Fundação Educacional e Cultural Metropolitana de Belo Horizonte. Disponível
em: http://www.metro.org.br/vladimir/a-estatizacao-da-gm-e-o-fortalecimento-do-estado
Acesso em 22 abr. 2018.
PUMA. In: Lexicar. Disponível em: http://www.lexicarbrasil.com.br/puma-i/
Acesso em 30 abr. 2018.
RUFFO, Gustavo
Henrique Flat-4 italiano: quando a Alfa Romeo teve um motor boxer para chamar
de seu. In: Flatout. Disponível em: https://www.flatout.com.br/flat-4-italiano-quando-a-alfa-romeo-teve-um-motor-boxer-para-chamar-de-seu/
Acesso em 22 abr. 2018.
SONHOS ENFERRUJAM:
GURGEL E O CARRO DO BRASIL. Brasil, 2004. Alunos da ECA/USP. 60 min. Disponível
em: https://m.youtube.com/watch?v=iBcA8ap7iHY
Acesso em 21 abr. 2018.
TAVARES, Fábio
Liberato de. A República Nova (1945-1964): curta e intensa vida. In: Para entender a história... Ano 5,
Volume dez., Série 18/12, 2014, p.01-03.
[1] Disponível em: http://www.lexicarbrasil.com.br/puma-i/ Acesso em 30 abr. 2018.
[2] Disponível em: https://jornalggn.com.br/blog/odonir-oliveira/vivendo-numa-vila-operaria-fnm-fabrica-nacional-de-motores-em-xerem-rio-de-janeiro
Acesso em 17 jul. 2018.
[3] Nelson Fernandes foi um empresário brasileiro que tentou se dedicar à fabricação de um veículo nacional de luxo, o Democrata. A ideia, apesar de alguns equívocos, parecia viável, mas logo que o projeto foi colocado em prática, obstáculos começaram a aparecer como o a retenção de navio vindo da Itália com autopeças sob a acusação de contrabando, o impedimento em assumir a FNM e um processo por supostamente ter enganado mais de 90 mil investidores, do qual acabou inocentado anos depois. Devido à todos empecilhos colocados pelo governo federal, apenas cinco veículos foram produzidos.
[4] Disponível em: http://www.lexicarbrasil.com.br/fnm/ Acesso em 21 abr. 2018.
[5] Filme: Sonhos enferrujam: Gurgel e o carro do Brasil.
[6] Idem.
[7] Idem
[8] Gaspari (2014).
[9] É sempre bom lembrar quem são as “quatro grandes”: General Motors, Ford, Fiat e Volkswagen. Entretanto essa classificação, apesar de muito utilizada, não combina com os dias de hoje, pois a Renault, Honda e Toyota que passaram a produzir no país no final dos anos 1990 produzem mais de 100 mil veículos por ano.