Publicação brasileira técnico-científica on-line independente, no ar desde sexta-feira 13 de Agosto de 2010.
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Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Era uma vez... um conto na sala de aula: as narrativas populares como ferramenta no ensino-aprendizagem.


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 4, Volume dez., Série 05/12, 2013, p.01-11.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Giovanna Barbone dos Reis.
Jéssica Silva Chagas.
Juliana Castro dos Santos.
Stella Abreu Bizarro.
Thiago Soares Valentim Grass.
 
Alunos(as) do curso de graduação em Pedagogia da Unimonte.
 
 
 

Este trabalho aborda a influência da tradição oral no ambiente escolar.

Apresenta os contos populares como importantes peças no processo de ensino-aprendizagem em sala de aula.
Para isso, utiliza pesquisas bibliográficas e de campo para comprovar o seu relevante papel no aspecto pedagógico e cultural na formação da criança.
 
 
 
Introdução.
O presente artigo expõe o folclore brasileiro por meio da tradição oral no ambiente escolar e como esta pode ser utilizada em sala de aula pelo professor.
Como objetivo, ressalta-se a importância simbólica dos contos populares como material informativo social e antropológico de um povo ou comunidade, sua contribuição no processo de ensino-aprendizagem e na construção do conhecimento de forma interdisciplinar.
Além da pesquisa bibliográfica, trabalhar-se-á com pesquisa de campo, por meio de visitação a uma instituição de ensino público, para mostrar como os contos podem ser trabalhados e cultivados entre os alunos.
Assim, na primeira parte, há uma abordagem sucinta sobre a oralidade do ser humano, sua necessidade de contar, de imaginar, de representar por meio das histórias o reflexo dos seus desejos, medos e modo de vida.
Será relatado em seguida um breve histórico sobre como os contos populares começaram a ser registrados para a posteridade, dando destaque para figuras como Charles Perrault e irmãos Grimm assim como as fontes de seu registro.
Abordar-se-á logo depois, de forma sintética, a riqueza oral presente no Brasil, destacando também a sua diversidade cultural, singularidades e como os contos podem contribuir para os currículos educacionais de hoje.
Será retratada, após, parte do folclore oral presente na Baixada Santista, apontando os contos como material lúdico enraizado na cultura e mais próximo do que se imagina.
Por último, mostrar-se-á na prática como os contos podem se tornar ferramentas revolucionárias no ensino, mesmo com todas as evoluções tecnológicas, ao transformar a construção do conhecimento em sala de aula.
 
 
A oralidade é do homem ou o contrário?
O homem, desde o início, foi, é e sempre será marcado pela sua oralidade, pela sua capacidade de criar, representar e compartilhar seus medos, anseios, dúvidas e aflições através do seu imaginário.
“...contar histórias é algo que se perde nas noites do tempo. É uma atitude tão antiga quanto o próprio homem, que para ter domínio da natureza e dos fenômenos que o circundava criava histórias que explicassem a realidade”. (CAVALCANTI, 2002, p.45).
O que dizer dos mitos, lendas e contos fantásticos ou não que sobreviveram ao tempo e chegaram até nossos olhos (por meio dos livros) e ouvidos nos dias atuais? Mais do que simples narrativas, eles simbolizam a tradição oral da cultura de sua época. Trazem consigo parte da identidade do povo onde eram difundidos.
Para Elias José (2007), as histórias refletem a expressão artística de uma pessoa, uma comunidade ou um povo. Percebe-se nessas circunstâncias, o caráter especial que elas assumem sob o ponto de vista antropológico
Já Câmara Cascudo é mais enfático nessa questão: “O conto popular revela informação histórica, etnográfica, sociológica, jurídica, social. É um documento vivo, denunciando costumes, ideias, mentalidades, decisões e julgamentos”. (CASCUDO, 2006, p.11).
Os contos populares, a tradição oral, fazem parte do folclore. E o folclore, por sua vez, “...vive da coletivização anônima do que se cria, conhece e reproduz, ainda que durante algum tempo os autores possam ser conhecidos”. (BRANDÃO, 2006, p.34).
Ou seja, essa coletivização da tradição oral faz parte do desenvolvimento do indivíduo no meio em que vive, como um processo de apropriação da experiência histórica e cultural. Vygotsky (1984) afirma que a cultura faz parte da natureza humana, não dissociando o biológico do social.
Assim, o indivíduo tem o contato com a tradição da comunidade a qual pertence de forma dialética, apoderando-se das suas características e singularidades.
Esse contato não o torna apenas um produto do contexto social, mas também um agente ativo na criação desse contexto.
Talvez por esse motivo que muitos contos orais ainda sejam contados e conhecidos na atualidade. E é inegável o fascínio que ainda exercem.
Apesar do avanço da tecnologia, da internet, eles ainda continuam vivos no imaginário de crianças, jovens e adultos. E estão mais próximos do que se imagina.
Quem não se lembra da menina de capa vermelha que, no meio da floresta, encontra um lobo disposto a ajudá-la? Ou de uma bruxa que vive em uma casa feita de doce? Ou ainda da história de uma bela moça que perde seu sapato de cristal no meio de um baile?
Sim, os contos de fadas que se conhecem hoje, ou pelo menos as versões que são narradas, fazem parte da tradição oral, de origem desconhecida.
Algumas histórias já eram contadas há mais de dois mil anos e graças a nomes como Charles Perrault e aos irmãos Grimm muitas chegaram até nossas crianças, jovens e a nós mesmos.
 
 
O marco inicial – Perrault e Grimm.
Na sua obra “A formação social da mente”, Vygotsky(1984) relata que a aprendizagem das crianças se inicia muito antes da sua entrada na escola.
Ela nunca parte do zero, pois antes disso a criança vive uma série de experiências por meio do contato com pessoas cotidiano, da sua cultura.
Porém, qual a relação da afirmação de Vygotsky com os contos de fadas relatados anteriormente?
É muito simples, grande parte das crianças, antes mesmo de entrar para o convívio educacional, já teve contato com as histórias de Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, Três Porquinhos etc, seja pela televisão ou pela leitura de adultos.
O fato é que mesmo antes de ler ou escrever elas já conhecem os enredos, pois já tem capacidade de dar asas à imaginação.
Esse contato é possível graças a nomes como Charles Perrault (1628-1703), Jacob Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859), ou irmãos Grimm, que iniciaram o registro das histórias da tradição oral da época.
Essa literatura de cunho popular caiu no gosto infantil e agradou muitos adultos.
Não é a toa que ainda hoje fazem sucesso.
Perrault nasceu em Paris e era o quinto filho de uma casa da alta burguesia.
Formado em Letras, além de advogado, também era funcionário público na corte do Rei Luís XV, o Rei Sol. Sua Obra “Histórias do tempo passado com moralidades”, publicada em 1697, é considerada o ponto de partida da literatura infantil.
No entanto, ela ficou mais conhecida mesmo pelo seu subtítulo: “Contos da Mamãe Gansa”.
No caso de Perrault, na França, como no dos irmãos Grimm na Alemanha a seguir, essas histórias registradas foram o achado de uma busca que comprovasse o alto valor da cultura nacional uma vez que se estimava na época mais os escritos greco-romanos.
E essas histórias eram conhecidas apenas na boca do povo.
“Está aí a importância de Perrault. Ao banhar os contos da velha no ouro de sua poesia e recriá-los nos Contos da Mamãe Gansa, ele acabou fundindo a tradição popular com a cultura erudita de forma primorosa.” (ALMEIDA, 2005, p.06).
Movido por este desejo, começou a anotar os contos.
Muitos deles narrados por sua mãe ao pé da lareira.
Aliás, naquele tempo era um costume a família reunir-se à noite em volta do fogo para ouvir histórias de uma pessoa mais velha, como mostra abaixo o quadro “História de uma noite de Inverno”, do pintor Inglês Daniel Maclise.
 
 
 
 
 
Figura 1: Antiga Contação de histórias.
Fonte: Livro “A Volta ao Mundo em 52 Histórias” (PHILIP, 1998, p.14).
 
 
 
 
Já os irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm) nasceram na cidade de Hanau, na Alemanha, em uma família de pastores da Igreja Calvinista Reformada.
Tiveram infância difícil depois da morte do pai e graças a uma tia conseguiram uma boa educação.
Formaram-se em Direito e passaram a ganhar a vida como bibliotecários, o que lhes permitiu acesso a livros e manuscritos raros.
Como Perrault na França, Os Grimm se dedicaram ao estudo das tradições alemãs como forma de ressuscitar a identidade nacional por meio da busca de suas raízes culturais. “Tais raízes estariam, justamente, no reservatório linguístico e no material folclórico de origem popular.” (VOLOBUEF, 2013, p.22).
Lembrando que na época (1807) a Alemanha era ocupada pelos exércitos franceses e somente conseguiria a unificação política e econômica em 1871, depois da morte dos irmãos.
Os Grimm passaram, então, a recolher histórias entre as pessoas. Mas não faziam longas viagens para isso, abordavam as mais próximas.
Assim, por volta do natal de 1812 saiu o primeiro volume de seus “Contos de Fadas para o Lar e as Crianças”.
A este foram acrescentadas novas narrativas, outras revisadas de acordo com diferentes versões colhidas até a edição definitiva (com 200 contos de fadas e dez legendas infantis), em 1857, última em vida dos irmãos.
Ressalta-se nesse ponto, o trabalho de campo, tão importante para a Antropologia e para a compreensão do “outro”, realizado tanto por Perrault quanto pelos Grimm durante o processo de coleta e registro das histórias.
Contudo, o trabalho dos irmãos Grimm não se resumiu apenas à coleta dos contos.
Eles reestruturaram os enredos, dando-lhes uniformidade e coerência além de qualidade estética, que hoje em dia faz dos contos um modelo real do que seria um “típico conto de fadas”.
Entretanto, o que faz com que um conto ou um texto seja chamado de fadas?
Nas histórias de Grimm, por exemplo, elas não comparecem, mas têm um substituto equivalente: uma mulher velha e misteriosa, um homem taciturno, um anão mal-humorado, uma raposa falante, a falecida mãe que se manifesta por intermédio de uma árvore. São os mediadores, que, surgidos não se sabe de onde, auxiliam o herói no momento de necessidade. (SILVA, 2009, p.70).
É difícil dizer onde e quando os contos de fadas se originaram. Mas várias versões se espalharam pelos quatro cantos.
No entanto, na Idade Média, as histórias eram marcadas pelos finais infelizes e tragédias, pois possuíam cunho educativo semelhante ao lema “obedeça ou sofra as consequências”.
Exemplo clássico dessa variedade de enredos é o de Chapeuzinho Vermelho.
Há versões (bem antigas) em que o lobo não come a vovó por ser muito velha. Ele a corta em pedaços e dá para Chapeuzinho, sem esta saber, comer.
Depois, devidamente disfarçado, faz a menina tirar a roupa, deitar na cama e a abocanha em seguida.
No reconto de Perrault, o lobo come as duas, a vovó e Chapeuzinho.
Sem final feliz, porém, excluindo ações macabras de violência explícita e apologia à pedofilia.
Já com os irmãos Grimm surge o caçador, que aparece no momento certo e salva a menina indefesa e tira vovó inteira de dentro da barriga do lobo.
São três versões diferentes do mesmo conto e existem muitas outras. Mas o que se pretende mostrar é a diversidade do pensamento humano.
São nessas diferenças que se encontram a verdadeira essência e riqueza dos contos populares.
Eles não acabam, se transformam de acordo com as necessidades de quem os conta e de quem os ouve.
Sabendo da riqueza literária e do poder de encantamento destas narrativas, a partir dos anos 30 Walt Disney adaptou várias delas para o cinema, como “A Bela e a Fera”, “A Bela Adormecida”, “Cinderela” e outras.
Esse foi outro fator que contribuiu para a popularização delas aqui no Brasil.
Daí entende-se também como a criança se familiariza com elas antes mesmo de ingressar na escola.

Como diz Neil Philip:

Hoje em dia é menos comum encontrar quem conte histórias oralmente, porém, um bom narrador ainda consegue encantar seus ouvintes. Na Falta dele, sempre podemos ler contos de fadas, escutá-los numa gravação ou vê-los num filme ou vídeo. Qualquer que seja o veículo de transmissão, o fascínio continua o mesmo. (PHILIP, 1998, p.15).
 
 
Os Brasis orais do Brasil.
Embora os contos de origem Indo-europeia tenham conquistado as crianças daqui, é inegável também a riqueza oral do Brasil. Talvez o fato de ser um país de dimensões continentais tenha favorecido essa difusão.

Um país pluriético e multicultural como o Brasil possui, como não poderia deixar de ser, uma riquíssima literatura oral, transmitida de geração a geração, formando um repertório lúdico e mágico. São contos, fábulas, lendas, mitos, adivinhas, provérbios, histórias de assombração que povoaram e povoam o universo imaginário dos brasileiros, trazendo as múltiplas visões de mundo dos povos que formam a identidade cultural de nosso país. (BARBOSA; FREDIANI, 2008, p.134).

Não se pode deixar de citar nesse sentido Monteiro Lobato (1882-1948). Além de transformar os rumos da literatura infantil no Brasil, por meio do “Sítio do Pica-pau Amarelo”, disseminou e difundiu a riqueza oral pertencente ao patrimônio nacional. Muitos personagens folclóricos, como Saci, Cuca, Iara, e histórias se integraram com Emília, Dona Benta, Narizinho etc.
Lobato também serviu de inspiração para diversos escritores brasileiros.
Ele está presente na linguagem coloquial de Lygia Bojunga, no olhar questionador de Ana Maria Machado e no humor de Ruth Rocha, só para citar três deles.
Contudo, outros dois escritores merecem destaque pelo teor e origem popular das suas publicações. Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) e Ricardo Azevedo retratam em seus livros histórias de cunho oral que revelam toda a criatividade do imaginário popular.
“Dicionário do Folclore Brasileiro”, “Antologia do Folclore Brasileiro” e “Contos tradicionais do Brasil” são três obras de Câmara Cascudo que se destacam e recomenda-se para leitura dentro da vasta criação deste, além de escritor, folclorista e antropólogo.
Já Ricardo Azevedo possui um jeito particular de abordar o cotidiano popular em seus escritos. Como, por exemplo, no conto “Trapalhadas do Zé Bocoió” (AZEVEDO, 2008), onde narra as confusões em que se envolve um menino, chamado Zé Bocoió, enquanto vai até o açougue comprar sangue de porco para a mãe fazer chouriço.
Uma simples tarefa se torna uma aventura.
Outras obras como “Contos de enganar a morte”, “Contos de Adivinhação” e “No Meio da noite Escura tem um pé de maravilha” se sobressaem.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 2: O menino Zé Bocoió.
Fonte: Livro “Cultura da Terra” (AZEVEDO, 2008, p.38).
 
 
 
 


Analisando apenas as publicações de Câmara Cascudo e Ricardo Azevedo, sem esquecer Monteiro Lobato, tem-se uma ideia do vasto repertório oral de que dispõe o Brasil. E esse conteúdo poderia e/ou deveria integrar os programas de ensino.
“Através dos contos populares...temos a oportunidade de entrar em contato com temas que dizem respeito à condição humana vital e concreta, suas buscas, seus conflitos, seus paradoxos, suas transgressões e suas ambiguidades.” (AZEVEDO, 2008, p.187).
Acredita-se que é possível criar um programa de educação de qualidade inserindo elementos da cultura popular nacional ao invés de importar elementos eruditos que não fazem, nem de longe, parte da realidade vivida aqui.
Embora também a cultura erudita não possa ser desprezada como um todo devido à sua relevância.
René Marc, antropólogo e doutor em História pela Universidade de Brasília, ainda complementa:

...a descoberta dos contos populares pela escola pode infundir novo oxigênio e vida nos programas de ensino, desde a mais tenra idade da educação infantil aos ciclos finais do ensino fundamental. Recuperar nos currículos, para crianças e adolescentes, a beleza do narrar, do poetizar, do cantar, do jogar com as palavras é permitir respirar de novo, com novos ares, o terreno sobre o qual se pretende construir um conhecimento diferenciado. (SILVA, 2008, p.129).

O conhecimento diferenciado citado acima entra no âmbito da interdisciplinaridade.
Como construí-la e praticá-la no ensino importando sistemas de gestão escolar que não retratam a identidade cultural brasileira?
Por tudo que foi argumentado até aqui, a tradição oral oferece um sólido alicerce para se trabalhar a questão da interdisciplinaridade, que está presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais. 
Unindo as duas, acredita-se que de fato se alcance a construção lúdica e significativa do aprendizado em sala de aula.
Pois, afinal, o que representam os contos se não os desejos, anseios e medos que se sentem ligados ao cotidiano e à própria vida?
 
 
Baixada Santista e suas histórias populares.
Foi abordado até aqui a importância do trabalho de Perrault e dos irmãos Grimm para a universalização dos contos populares, além da riqueza oral presente no Brasil por este ser um país multicultural.
No entanto, a Baixada Santista, sobretudo Santos e São Vicente, também possuem um fabuloso folclore oral: são contos, histórias, mitos, lendas e cantigas ligados ou não ao contexto histórico e às transformações pelas quais a região passou juntamente com o país.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN):

A preocupação com os estudos de história local é de que os alunos ampliem a capacidade de observar o seu entorno para compreensão de relações sociais e econômicas existentes no seu próprio tempo e reconheçam a presença de outros tempos no seu dia-a-dia. (PCN, 1997, p.51)

Quem nunca ouviu falar da fonte do Itororó? Localizada ainda no centro de Santos, embora desativada, por muitas décadas ofereceu água límpida à moradores e navios que atracavam no porto.
Tão famosa que é retratada até hoje em brincadeiras de roda entre as crianças na canção “Fui no Itororó”, composta por Villa Lobos.
Existem histórias até sobre a Padroeira de Santos, Nossa Senhora do Monte Serrat.
Uma delas envolve um possível milagre durante um ataque pirata à região.
Em 1615, o pirata holandês Joris Von Spilbergen incendiou vários pontos da Vila de Santos.
Acuados, os moradores se refugiaram no Monte Serrat e rezaram para que a virgem do Monte os protegesse.
Os piratas os perseguiram logo depois.
Relatos apontam que naquele momento chovia forte e um raio desceu do céu atingindo a encosta do morro e causando um grande deslizamento.
A maioria dos invasores acabou soterrada e o restante voltou para os navios e foi embora.
Milagre mesmo ou pura coincidência?
Outra história intrigante do folclore oral santista é a do Fantasma do Paquetá.
Por volta de 1900, uma mulher vestida de preto, outros dizem de branco, que toda a noite visitava o cemitério do Paquetá e caminhava nos seus corredores.
Uns afirmavam ser um fantasma enquanto alguns acreditavam ser apenas um fruto da imaginação.
No entanto, pessoas passaram a ir até o lugar para averiguar se a aparição era real ou não.
O fato é que a polícia, recebendo reclamações de moradores devido ao barulho, teve que intervir para dispersar a multidão.
O ocorrido ganhou destaque inclusive nos jornais da época e acabou sendo passado de geração em geração.
Esses são três exemplos que retratam como a tradição oral regional é emblemática e significativa.
Essa riqueza também foi impulsionada pela natureza histórica e política da Baixada Santista.
Há outros contos e histórias, como a Pedra da Feiticeira e a Pedra dos Ladrões, presentes nesse repertório.
O que se pretende mostrar com a Fonte do Itororó, o Monte Serrat e Fantasma do Paquetá, é que não se precisa ir longe para encontrar a cultura popular, o folclore, os contos.
Eles estão mais próximos do que se imagina. Fazem parte do nosso cotidiano, da nossa essência, da nossa construção como indivíduo dentro da comunidade a qual se pertence.
Os contos populares estão enraizados no folclore das esferas universal, nacional e regional. Refletindo por meio dos seus personagens e enredos sobre os valores e elementos culturais da sociedade, seja os criticando (de forma irônica, satírica ou subliminar) ou os reafirmando.
Eles oferecem, portanto, uma fonte inesgotável de “matéria-prima” para ser difundida em sala de aula pelo professor.
Defende-se o uso deles na rotina escolar, sua inserção na busca de um currículo mais próximo da realidade.
Entretanto, é possível trabalhar esse conteúdo na prática e utilizá-lo como ferramenta interdisciplinar na transformação inovadora do ensino-aprendizagem?
 
 
A cada conto aumenta um ponto.
Para tentar responder a esta questão, foi visitada a Unidade Municipal de Educação Cidade de Santos, localizada no bairro do Embaré, em Santos.
Tinha-se o objetivo de assistir a aula do professor Thiago de Almeida Reis, formado em Artes e pós-graduado em Artes Visuais.
Além de arte-educador, Thiago é contador de histórias. Com ele, os contos populares ganham vida entre as crianças durante a sua disciplina (anexos A, B, C e D).
Fazem parte do seu repertório contos de fada, de encantamento, contos africanos, indígenas entre outros.
Percebeu-se que os alunos aguardam ansiosos pela sua chegada à sala, já tentando adivinhar qual a história do dia. E não apenas os menores como também os maiores, do Fundamental II e do EJA, já que o docente atende esses três públicos distintos.
Por meio da arte e dos contos, que servem de inspiração, os alunos pintam murais nas paredes internas e externas com a mediação do professor.
Aprendendo, dessa forma, noções de ética e cidadania ao conservar e valorizar o que é deles: a escola.
A visita constatou que de fato a oralidade dos contos populares tem o poder de transformar o ensino-aprendizagem, aproximando professor e aluno.
O que implica também em um contínuo trabalho de pesquisa e aprimoramento do educador ao querer levar algo novo e contagiante aos seus discentes.
Esse processo de busca requer mais trabalho, tempo e dedicação. Porém, pelo que foi observado da rotina do professor Thiago, é possível. Basta querer.
 
 
Concluindo.
Depois de um mergulho no mundo das narrativas, das histórias populares, das pesquisas e da observação direta, percebeu-se o papel primordial que a oralidade pode e deve possuir na sala de aula por trás dos contos.
Estes, por sua vez, tem o poder de levar a magia do imaginário aos alunos e transformar a construção do conhecimento na escola.
A narrativa oral é um dado importante que revela a vida social e cultural de uma sociedade ou comunidade.
A cultura de um povo, ou seja, sua forma viver em sociedade, seus costumes, seus ideais religiosos etc, transparecem nos contos, ganham vida nos enredos, se entranham nos personagens.
Além disso, os contos, com seu poder atemporal de sedução, contribuem de forma significativa no desenvolvimento psicológico, social, pessoal e cultural das crianças e jovens, facilitando o processo de socialização e comunicação, garantindo assim uma interação muito mais eficiente.
Acredita-se que podem integrar um dos alicerces para a criação de um currículo de ensino mais eficiente e próximo da realidade de nosso país.
Um currículo sério, abrangente, interdisciplinar, mas que caminhe lado a lado com a ludicidade na formação integral do aluno.
Sob essa perspectiva, fica evidente a importância do professor como mediador ao inserir esses elementos (contos, ludicidade) no processo de ensino-aprendizagem.
Assim, se faz necessária uma intensa e contínua capacitação em busca de uma ênfase mais humanística com elementos do folclore e cultura popular.
Por fim, desprezar a riqueza dos contos seria desprezar a própria essência humana e o poder exercido pelo “Era uma vez...”.

 
 
 
 
Causo ganhando vida na narração do professor.
Fonte: Arquivo pessoal Juliana Castro.
 
 
 
 
 
 
 
 
Alunos se divertem ao ouvir o conto.
Fonte: Arquivo pessoal Juliana Castro.
 
 
 
 
 
Para saber mais sobre o assunto.
ALMEIDA, Fernanda Lopes de. Contos de Perrault (edição para o Governo). São Paulo: Ática, 2005.
AZEVEDO, Ricardo. Cultura da Terra. São Paulo: Moderna, 2008.
_________ . Conto Popular, Literatura e formação de leitores. In: SILVA, René Marc da C.(org.). Cultura popular e Educação: Salto para o futuro. Brasília: MEC, 2008. p.179-187.
BARBOSA, Rogério A.; FREDIANI, Magda. Histórias da Tradição Oral: Os contos etiológicos. In: SILVA, René Marc da C.(org.). Cultura popular e Educação: Salto para o futuro. Brasília: MEC, 2008. p.133-140.
BRANDÃO, Carlos R. O que é folclore?. 13. ed. São Paulo: Brasiliense, 2006.
CASCUDO, Luís da Câmara. Contos Tradicionais do Brasil para jovens. 2.ed. São Paulo: Global, 2006.
CAVALCANTI, Joana. Caminhos da Literatura infantil e juvenil: dinâmicas e vivências na ação pedagógica. São Paulo: Paulus, 2002.
JOSÉ, Elias. Literatura Infantil: Ler, contar e encantar crianças. Porto Alegre; Mediação, 2007.
LARAIA, Roque de Barros de. Cultura: um conceito antropológico. 24. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
OLIVEIRA, Yza Fava de. Folclore em Santos: como aplicá-lo na escola. Santos: Universitária Leopoldianum, 2010.
PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais: história e geografia. Brasília: MEC/SEFEP, 1997.
PHILIP, Neil. Volta ao mundo em 52 histórias. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1998.
SILVA, René Marc da C. (org). Cultura popular e Educação: salto para o futuro. Brasília: MEC, 2008.
SILVA, Vera Maria Tieztman. Literatura Infantil Brasileira: um guia para professores e promotores de leitura. 2. ed. Goiânia: Cânone Editorial, 2009.
VOLOBUEF, Karin. Contos de fadas dos Irmãos Grimm. Carta Fundamental. São Paulo, n.44, p. 20-24, dez./jan. 2013.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo; Martins Fontes, 1984.
 
 
 
 
 

 

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