Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 4, Volume dez., Série 04/12,
2013, p.01-06.
Liliane Ribeiro Pires.
O
presente artigo visa trabalhar o caráter ideológico do cinema, capaz de
reforçar e legitimar discursos ideológicos.
Deste
modo, torna-se um forte e expressivo instrumento de consolidação do
nacionalismo e do patriotismo.
Utilizados
no Brasil desde, o Governo de Getúlio Vargas e posteriormente pela Ditadura
Militar durante o movimento do Cinema Novo, período em que a censura assume
formas bastante opressoras.
Introdução.
“Internamente, a propaganda tem a tarefa, não exatamente de
constituir uma imagem, mas de promover a integração nacional – o que viria a
ser um dos elementos explícitos da ideologia do DIP nos seus jornais cinematográficos. O território é
extenso, suas partes não se comunicam entre si: o cinema estabelecerá a
comunicação entre as várias partes, fazendo com que a multiplicidade de
particularidades contribua para a criação do ‘homem brasileiro’.” [i]
No cenário brasileiro, durante a chamada “Era Vargas” observasse
está mesma apropriação do cinema, afim de, legitimar um período e corrente
política.
No discurso de Getúlio Vargas pronunciado na época da campanha do
complemento nacional, a imagem do cinema como instrumento ideológico
propagandista é reafirmada:
“O cinema aproximará, pela visão incisiva
dos fatos, os diferentes núcleos humanos, dispersos no território vasto da
República. O caucheiro amazônico, o pescador nordestino, o pastor dos vales do
Jaguaribe ou do São Francisco, os senhores de engenho pernambucanos, os
plantadores de cacau da Bahia seguirão de perto a existência dos fazendeiros de
São Paulo e de Minas Gerais, dos criadores do Rio Grande do Sul, dos
industriais dos centros urbanos; os sertanejos verão as metrópoles, onde se
elabora o nosso progresso, e os citadinos, os campos e os planaltos do
interior, onde se caldeia a nacionalidade do porvir”. [v]
O cinema é utilizado muitas vezes a prestar um serviço, a
colaborar eficientemente nesta tarefa de, promover a união nacional.
“(...) País grandioso como o nosso, tanto pelas suas inimitáveis
dimensões, como pelas possibilidades, todo o seu valor reside quase
exclusivamente em dois únicos problemas de máxima importância: conhecer-se a si
mesmo e facilitar as suas comunicações. Os restantes são corolários. Portanto,
embora isto faça rir a muita gente, o nosso futuro se reduz no lema de Washington
Luiz – ABRIR ESTRADAS, e nos ensinamentos que o Cinema Arte pode proporcionar –
‘Fazer a nossa indústria do filme’.” (Cinearte, 3.8.27) [vi]
Segundo Cório, as culturas
nacionais são responsáveis por produzirem sentidos sobre a nação, sentidos em
que acabamos nos identificando, que ajudam por construir identidades.
Esses sentidos estão incluídos nas
estórias que são contadas sobre a nação, memórias que ligam seu presente com
seu passado.
A partir daí imagens e discursos
históricos são construídos.
Cinema e Imaginário.
A mercadoria produzida pela indústria cultural, passa pelos
filtros sócio-culturais e vão se internalizando e fazendo parte da criação da
identidade da criança, do jovem, do adulto e por fim de uma sociedade que a
consome.
Por muitas vezes sem se dar conta – acaba tornando-se o
imaginário coletivo – da ideologia, da dominação que lhe é “empurrada” e naturalizada,
criando nas pessoas a impressão de ser a única e a verdadeira opção de vida,
como a do consumismo exagerado, da preservação do sistema capitalista.
A respeito da importância dos estudos culturais para o projeto
democrático radical. Pegaremos emprestadas as palavras de Kellner:
“A pedagogia crítica da mídia pode cultivar a cidadania, ajudando
a formar indivíduos imunes à manipulação, capazes de criticar o que recebem da
mídia e de obter informações de diversas fontes, criando-se, assim, uma
cidadania bem informada e capaz de ter juízos políticos inteligentes”. (2001,
P.430)
A cultura da mídia abre os nossos olhos para a importância de
cultivarmos novos espaços para a discussão e interação política, e para pensarmos
novas formas de voltar à cultura para a democratização.
“O cinema brasileiro unificaria o povo,
estreitaria as relações do norte e do sul, mais do que tudo isso, faria do
brasileiro um povo conhecedor de suas leis, dos seus direitos e do seu lugar
(...). O cinema no Brasil, mil vezes tentado e mil vezes naufragado, seria uma
força tão poderosa como a Esquadra, o Exército, o ministério de Relações
Exteriores (...)”. (Diário Nacional, 10.10.28)[vii]
A Censura no Brasil.
Verdadeiramente,
a censura já existia no Brasil, antes mesmos do golpe de 1964.
Já
havia, por exemplo, a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP)[viii].
Mas
isso não significa que o novo regime não tenha assumido novas dimensões. Foram
criadas várias instâncias repressivas com o objetivo de barrar, em qualquer
meio de comunicação ou manifestação cultural, qualquer conduta considerada
imprópria, política ou moralmente.
Nesse
sentido, havia dois tipos de censura: a moral e a política.
A
primeira há muito existia na sociedade brasileira - a ideia de censurar as
manifestações que poderia atingir “a moral e os bons costumes”, essa repressão
é bem anterior ao regime militar.
A
segunda fora bem acentuada com o Golpe de 64. Parece que a politização da
censura de diversões públicas[ix],
durante o regime, unificou as duas.
Havia
em todos os governos uma vontade de sustentar as práticas repressivas em bases
legais, o que resultava em uma variedade de leis, normas e regulamentações com
o simples objetivo de forjar uma legalidade à censura e até mesmo à prisão e
tortura.
Castelo Branco, em fim de seu governo, elaborou a “Lei da Imprensa”.
A
lei postulava a regulamentação da liberdade de manifestação do pensamento e da
informação, mas com ressalvas. Justificava a repressão em casos de “processos
de subversão da ordem política e social”.[x]
Assim,
o governo estaria apto a interferir nos meios de comunicação e nas diversões
públicas dispondo de leis propositalmente passíveis de interpretação.
Aliás,
nesse sentido, desde o início do regime, os militares já deixavam claro suas
intenções repressivas.
Ainda
em 1964 lançaram o Ato Institucional nº1, que, entre outras medidas, suspendia
os direitos fundamentais[xi]
(entre eles a liberdade de expressão e o controle da produção cinematográfica).
O Cinema
Novo.
O Cinema Novo - mesmo com todo o prestígio
alcançado no exterior com os seus filmes - sinalizava grandes dificuldades de
capitalização econômica que se intensificam a partir de do golpe de 1964.
Deste modo, o Cinema Novo vira alvo de uma disputa
do sentido da representação de imagens do Brasil.
A crise econômica em que o país se encontrava
ajudou a reforçar e definir a classe média intelectualizada e estudantes
universitários em maioria – como o público cinema-novista.
Os
cinema-novistas (jovens de esquerda, engajados na política) sentiram
profundamente o golpe civil-militar.
Não
só como perda das esperanças nacionalistas, mas sobre tudo, o Cinema Novo
brasileiro buscou absorver a derrota de seus ideais, transformando-a em arte.
Um
bom exemplo desta fase foi o filme Terra em transe, de Glauber Rocha.
Desta
forma, podemos notar que desde muito cedo o cinema brasileiro fez da ditadura
militar um assunto para seus filmes.
Encontrando
problemas sérios com a Censura por isso.
O AI-5 e o Cinema Novo.
Foi
o Ato Institucional nº5 (AI-5), em 1968, que permitiu que o governo usasse da
censura de forma mais sistemática[xii].
Não
apenas o cinema, mas todas as manifestações artísticas e culturais – desde
rádio e teatro até um simples show em casas noturnas ou bailes musicais – foram
regulados.
A
liberdade de imprensa, de expressão, deixou de existir com a censura intensa
aos meios de comunicação.
De
1968 a 1972, o Cinema Novo vive a sua terceira e última fase.
Momento
em que nota-se grande desgaste sofrido por este movimento, devido à repressão
e, à censura.
Muitos
cineastas foram perseguidos e se viram obrigados a deixar o país.
Esclarecemos assim brevemente a evolução da
censura no regime militar, desde sua pré-existência no fim da década de 40 até
as ações violentamente repressivas institucionalizadas pelo AI-5.
Esse artigo aprofundará um pouco mais na
questão da censura direcionada ao cinema, e a percepção dos governantes sobre o
potencial e a força ideológica da sétima arte.
A Embrafilme.
Com a criação da Embrafilme (empresa estatal responsável por produzir e
distribuidor os filmes brasileiros) em 1969, fica clara a intenção de
consolidar uma indústria cinematográfica.
Evidencia-se a percepção por parte do governo, da força
ideológica e da importância que o filme tem de consolidar e reafirmar a
identidade nacional.
Os critérios de financiamento consistiam na viabilidade
econômica e no potencial de sucesso junto ao público.
Mas é preciso lembrar que qualquer conteúdo considerado
subversivo era sumariamente vetado.
Os anos 70 foi um período no qual a
indústria cultural, enfim conseguiu se estabelecer no país.
O Estado ditatorial instaurou uma
concepção da identidade brasileira pertinente à sua ideologia de “cerceamento”
da liberdade individual.
O Estado incentivava a produção de
filmes históricos, como um contraponto estratégico às pornochanchadas.
Os censores indicavam até mesmo os
temas mais adequados, em suma, a divulgação de uma história oficial que
consolidasse e reforçasse o espírito nacionalista, unindo os cidadãos
brasileiros – como a biografia de Marechal Rondon, por exemplo, ou dos esforços
de Duque de Caxias para a unidade nacional.
A censura mostrou-se contraditória,
em diversos momentos, um deles deve-se ao fato de termos as comédias eróticas
como principal produto desse projeto industrial do cinema brasileiro – ou,
simplesmente, pornochanchadas.
Entre elas temos: “A Dama do
Lotação” (Neville de Almeida, 1978).
O cinema brasileiro serviu para
encobrir a relação afirmativa dos militares com a indústria nacional.
Os filmes produzidos com o financiamento do governo
camuflavam a dependência do capital externo, na administração pública,
conhecido como “milagre econômico”.
Concluindo.
Podemos concluir que mais do que simples
forma de entretenimento, o cinema é um produto cultural construído – e que este
leva as marcas da sociedade onde foi construído, neste caso o Cinema Novo, como
o cinema brasileiro são marcas da sociedade e do período histórico vigente –
formas de reproduções culturais, de aceitação ou questionamento do sistema e
padrões vigentes.
Já que estes como podemos ver são poderosas
ferramentas ideológicas, políticas e sociais percebidas e utilizadas como meio
de propaganda, desde seu início inclusive no Brasil por Getúlio Vargas –
aproveitado na “Era Vargas” como um veículo propagandista – como uma forma de
unificação e consolidação do nacionalismo e patriotismo.
Para saber mais sobre o assunto.
BERNARDET, Jean-Claude; GALVÃO, Maria Rita Galvão. Cinema
Repercussões em caixa de eco ideológica. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1993.
BORTOLETTO, Maíra. Ideologias
Animadas: a criança e o desenho animado. Campinas: [s.n], 2008.
FICO,
Carlos. A Pluralidade das Censuras e das Propagandas da Ditadura. In: REIS,
Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Org). O Golpe e a Ditadura Militar: quarenta anos
depois (1964-2004). Bauru: Edusc, 2004.
KELLNER,
Douglas. A Cultura da Mídia – estudos
culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru:
EDUSC, 2001.
XAVIER,
Ismail. O Discurso cinematográfico: a
opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
[i] Maria Rita Galvão e Jean-Claude Bernardet. Cinema
Repercussões em caixa de eco ideológica (As idéias de “nacional” e
“popular” no pensamento cinematográfico brasileiro). Editora Brasiliense. 1993.
P.55
[ii] Principal teórico e dirigente do
Partido Bolchevique. Esteve à frente do partido, liderou os sovietes à tomada
de poder na Revolução Russa (1917).
[iii] A obra dramatiza uma revolta de marinheiros contra seus oficiais,
ocorrida em 1905 na Rússia, um dos eventos que serviu para antecipar a
revolução socialista em 1917. Um marco da história do cinema mundial devido a
sua bela e inovadora edição de imagens. “Einsentein, recebeu do Estado a
incumbência de realizar uma obra em homenagem aos 20 anos da revolução de
marinheiros ocorrida no navio de batalha Potemkin”. http://www.massarani.com.br/FGHQ-Potemkin-Eisenstein.html> Visualizado:
18/09/2013 às 22:34.
[vii] BERNARDET,
Jean-Claude e GALVÃO, Maria Rita Galvão. Cinema Repercussões em caixa de eco ideológica (As idéias de
“nacional” e “popular” no pensamento cinematográfico brasileiro). Editora
Brasiliense. 1993. P.55
[viii] FICO, Carlos. A Pluralidade das
Censuras e das Propagandas da Ditadura. In: REIS, Daniel Aarão, RIDENTI,
Marcelo, MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Org). O Golpe e a Ditadura Militar:
quarenta anos depois (1964-2004). Bauru, SP: Edusc, 2004. P. 269.
[x] FICO, Carlos. Espionagem,
polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. In: FERREIRA,
Jorge. DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Org). O Brasil Republicano. O
tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. 2ª Ed.
[xi] BORGES, Nilson. A Doutrina de
Segurança Nacional e os Militares. In: FERREIRA, Jorge. DELGADO, Lucília de
Almeida Neves (Org). O Brasil Republicano. O tempo da ditadura: regime
militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2007. 2ª ed.
[xii] FICO, Carlos. Espionagem,
polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. P.188.
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