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Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Breve Panorama sobre o Poder Ideológico e a Censura no Cinema Brasileiro.



Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 4, Volume dez., Série 04/12, 2013, p.01-06.

 

Liliane Ribeiro Pires.

Aluna de Especialização em Televisão, Cinema e Mídias Digitais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Graduada em História pela UFJF.

 

 
O presente artigo visa trabalhar o caráter ideológico do cinema, capaz de reforçar e legitimar discursos ideológicos.
Deste modo, torna-se um forte e expressivo instrumento de consolidação do nacionalismo e do patriotismo.
Utilizados no Brasil desde, o Governo de Getúlio Vargas e posteriormente pela Ditadura Militar durante o movimento do Cinema Novo, período em que a censura assume formas bastante opressoras.

 

Introdução.
“Internamente, a propaganda tem a tarefa, não exatamente de constituir uma imagem, mas de promover a integração nacional – o que viria a ser um dos elementos explícitos da ideologia do DIP nos seus jornais cinematográficos. O território é extenso, suas partes não se comunicam entre si: o cinema estabelecerá a comunicação entre as várias partes, fazendo com que a multiplicidade de particularidades contribua para a criação do ‘homem brasileiro’.” [i]


O cinema por possuir expressiva força coercitiva foi desde o seu início utilizado como uma ferramenta ideológica bastante eficaz.
Na Rússia Vladimir Ilitch Lenine[ii], exigia que filmes sobre temas agrícolas e industriais rodassem por toda Rússia e que também se comprasse no estrangeiro, filmes panfletários imbuídos com a ideologia marxista e revolucionária soviética.
Este clima em que a Rússia vivia preconizou uma valiosa obra cinematográfica, “Encouraçado Potemkin[iii]” (1922), de Sergei Eisenstein.  
“Um filme propaganda em sua essência, que mesmo sendo socialista, rompeu fronteiras e foi totalmente incorporado no mundo ocidental, Encouraçado Potemkin representou um equilíbrio quase perfeito da montagem por Eisenstein”[iv].
No cenário brasileiro, durante a chamada “Era Vargas” observasse está mesma apropriação do cinema, afim de, legitimar um período e corrente política. 
No discurso de Getúlio Vargas pronunciado na época da campanha do complemento nacional, a imagem do cinema como instrumento ideológico propagandista é reafirmada:

O cinema aproximará, pela visão incisiva dos fatos, os diferentes núcleos humanos, dispersos no território vasto da República. O caucheiro amazônico, o pescador nordestino, o pastor dos vales do Jaguaribe ou do São Francisco, os senhores de engenho pernambucanos, os plantadores de cacau da Bahia seguirão de perto a existência dos fazendeiros de São Paulo e de Minas Gerais, dos criadores do Rio Grande do Sul, dos industriais dos centros urbanos; os sertanejos verão as metrópoles, onde se elabora o nosso progresso, e os citadinos, os campos e os planaltos do interior, onde se caldeia a nacionalidade do porvir”. [v]

O cinema é utilizado muitas vezes a prestar um serviço, a colaborar eficientemente nesta tarefa de, promover a união nacional.

“(...) País grandioso como o nosso, tanto pelas suas inimitáveis dimensões, como pelas possibilidades, todo o seu valor reside quase exclusivamente em dois únicos problemas de máxima importância: conhecer-se a si mesmo e facilitar as suas comunicações. Os restantes são corolários. Portanto, embora isto faça rir a muita gente, o nosso futuro se reduz no lema de Washington Luiz – ABRIR ESTRADAS, e nos ensinamentos que o Cinema Arte pode proporcionar – ‘Fazer a nossa indústria do filme’.” (Cinearte, 3.8.27) [vi]


Segundo Cório, as culturas nacionais são responsáveis por produzirem sentidos sobre a nação, sentidos em que acabamos nos identificando, que ajudam por construir identidades.
Esses sentidos estão incluídos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que ligam seu presente com seu passado.
A partir daí imagens e discursos históricos são construídos.

 
Cinema e Imaginário.
A mercadoria produzida pela indústria cultural, passa pelos filtros sócio-culturais e vão se internalizando e fazendo parte da criação da identidade da criança, do jovem, do adulto e por fim de uma sociedade que a consome.
Por muitas vezes sem se dar conta acaba tornando-se o imaginário coletivo da ideologia, da dominação que lhe é “empurrada” e naturalizada, criando nas pessoas a impressão de ser a única e a verdadeira opção de vida, como a do consumismo exagerado, da preservação do sistema capitalista.
A respeito da importância dos estudos culturais para o projeto democrático radical. Pegaremos emprestadas as palavras de Kellner: 

“A pedagogia crítica da mídia pode cultivar a cidadania, ajudando a formar indivíduos imunes à manipulação, capazes de criticar o que recebem da mídia e de obter informações de diversas fontes, criando-se, assim, uma cidadania bem informada e capaz de ter juízos políticos inteligentes”. (2001, P.430)


A cultura da mídia abre os nossos olhos para a importância de cultivarmos novos espaços para a discussão e interação política, e para pensarmos novas formas de voltar à cultura para a democratização. 

“O cinema brasileiro unificaria o povo, estreitaria as relações do norte e do sul, mais do que tudo isso, faria do brasileiro um povo conhecedor de suas leis, dos seus direitos e do seu lugar (...). O cinema no Brasil, mil vezes tentado e mil vezes naufragado, seria uma força tão poderosa como a Esquadra, o Exército, o ministério de Relações Exteriores (...)”. (Diário Nacional, 10.10.28)[vii]

 
A Censura no Brasil.
Verdadeiramente, a censura já existia no Brasil, antes mesmos do golpe de 1964.
Já havia, por exemplo, a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP)[viii].
Mas isso não significa que o novo regime não tenha assumido novas dimensões. Foram criadas várias instâncias repressivas com o objetivo de barrar, em qualquer meio de comunicação ou manifestação cultural, qualquer conduta considerada imprópria, política ou moralmente.
Nesse sentido, havia dois tipos de censura: a moral e a política.
A primeira há muito existia na sociedade brasileira - a ideia de censurar as manifestações que poderia atingir “a moral e os bons costumes”, essa repressão é bem anterior ao regime militar.
A segunda fora bem acentuada com o Golpe de 64. Parece que a politização da censura de diversões públicas[ix], durante o regime, unificou as duas.
Havia em todos os governos uma vontade de sustentar as práticas repressivas em bases legais, o que resultava em uma variedade de leis, normas e regulamentações com o simples objetivo de forjar uma legalidade à censura e até mesmo à prisão e tortura.
Castelo Branco, em fim de seu governo, elaborou a “Lei da Imprensa”.
A lei postulava a regulamentação da liberdade de manifestação do pensamento e da informação, mas com ressalvas. Justificava a repressão em casos de “processos de subversão da ordem política e social”.[x]
Assim, o governo estaria apto a interferir nos meios de comunicação e nas diversões públicas dispondo de leis propositalmente passíveis de interpretação.
Aliás, nesse sentido, desde o início do regime, os militares já deixavam claro suas intenções repressivas.
Ainda em 1964 lançaram o Ato Institucional nº1, que, entre outras medidas, suspendia os direitos fundamentais[xi] (entre eles a liberdade de expressão e o controle da produção cinematográfica).

 
O Cinema Novo.
O Cinema Novo - mesmo com todo o prestígio alcançado no exterior com os seus filmes - sinalizava grandes dificuldades de capitalização econômica que se intensificam a partir de do golpe de 1964.
Deste modo, o Cinema Novo vira alvo de uma disputa do sentido da representação de imagens do Brasil.
A crise econômica em que o país se encontrava ajudou a reforçar e definir a classe média intelectualizada e estudantes universitários em maioria – como o público cinema-novista.
Os cinema-novistas (jovens de esquerda, engajados na política) sentiram profundamente o golpe civil-militar.
Não só como perda das esperanças nacionalistas, mas sobre tudo, o Cinema Novo brasileiro buscou absorver a derrota de seus ideais, transformando-a em arte.
Um bom exemplo desta fase foi o filme Terra em transe, de Glauber Rocha.
Desta forma, podemos notar que desde muito cedo o cinema brasileiro fez da ditadura militar um assunto para seus filmes.
Encontrando problemas sérios com a Censura por isso.

 
O AI-5 e o Cinema Novo.
Foi o Ato Institucional nº5 (AI-5), em 1968, que permitiu que o governo usasse da censura de forma mais sistemática[xii].
Não apenas o cinema, mas todas as manifestações artísticas e culturais – desde rádio e teatro até um simples show em casas noturnas ou bailes musicais – foram regulados.
A liberdade de imprensa, de expressão, deixou de existir com a censura intensa aos meios de comunicação.
De 1968 a 1972, o Cinema Novo vive a sua terceira e última fase.
Momento em que nota-se grande desgaste sofrido por este movimento, devido à repressão e, à censura. 
Muitos cineastas foram perseguidos e se viram obrigados a deixar o país.
Esclarecemos assim brevemente a evolução da censura no regime militar, desde sua pré-existência no fim da década de 40 até as ações violentamente repressivas institucionalizadas pelo AI-5.
Esse artigo aprofundará um pouco mais na questão da censura direcionada ao cinema, e a percepção dos governantes sobre o potencial e a força ideológica da sétima arte. 

 
A Embrafilme.
Com a criação da Embrafilme (empresa estatal responsável por produzir e distribuidor os filmes brasileiros) em 1969, fica clara a intenção de consolidar uma indústria cinematográfica.
Evidencia-se a percepção por parte do governo, da força ideológica e da importância que o filme tem de consolidar e reafirmar a identidade nacional.
Os critérios de financiamento consistiam na viabilidade econômica e no potencial de sucesso junto ao público.
Mas é preciso lembrar que qualquer conteúdo considerado subversivo era sumariamente vetado.
Os anos 70 foi um período no qual a indústria cultural, enfim conseguiu se estabelecer no país.
O Estado ditatorial instaurou uma concepção da identidade brasileira pertinente à sua ideologia de “cerceamento” da liberdade individual.
O Estado incentivava a produção de filmes históricos, como um contraponto estratégico às pornochanchadas.
Os censores indicavam até mesmo os temas mais adequados, em suma, a divulgação de uma história oficial que consolidasse e reforçasse o espírito nacionalista, unindo os cidadãos brasileiros – como a biografia de Marechal Rondon, por exemplo, ou dos esforços de Duque de Caxias para a unidade nacional.
A censura mostrou-se contraditória, em diversos momentos, um deles deve-se ao fato de termos as comédias eróticas como principal produto desse projeto industrial do cinema brasileiro – ou, simplesmente, pornochanchadas.
Entre elas temos: “A Dama do Lotação” (Neville de Almeida, 1978).
O cinema brasileiro serviu para encobrir a relação afirmativa dos militares com a indústria nacional.
Os filmes produzidos com o financiamento do governo camuflavam a dependência do capital externo, na administração pública, conhecido como “milagre econômico”.  

 
Concluindo.
Podemos concluir que mais do que simples forma de entretenimento, o cinema é um produto cultural construído – e que este leva as marcas da sociedade onde foi construído, neste caso o Cinema Novo, como o cinema brasileiro são marcas da sociedade e do período histórico vigente – formas de reproduções culturais, de aceitação ou questionamento do sistema e padrões vigentes.
Já que estes como podemos ver são poderosas ferramentas ideológicas, políticas e sociais percebidas e utilizadas como meio de propaganda, desde seu início inclusive no Brasil por Getúlio Vargas – aproveitado na “Era Vargas” como um veículo propagandista – como uma forma de unificação e consolidação do nacionalismo e patriotismo.
 

Para saber mais sobre o assunto.
BERNARDET, Jean-Claude; GALVÃO, Maria Rita Galvão. Cinema Repercussões em caixa de eco ideológica. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993.
BORGES, Nilson. “A Doutrina de Segurança Nacional e os Militares” In: FERREIRA, Jorge. DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Org). O Brasil Republicano. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
BORTOLETTO, Maíra. Ideologias Animadas: a criança e o desenho animado. Campinas: [s.n], 2008.
FICO, Carlos. A Pluralidade das Censuras e das Propagandas da Ditadura. In: REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Org). O Golpe e a Ditadura Militar: quarenta anos depois (1964-2004). Bauru: Edusc, 2004.
FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Org). O Brasil Republicano. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. 2ª Ed.
KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru: EDUSC, 2001.
MARTINS, Ana Lucia Lucas. Joaquim Pedro de Andrade, Macunaíma e a Indústria Cultural. Disponível em: http://www.achegas.net/numero/quinze/ana_martins_15.htm Visualizado: 09/10/2012.
XAVIER, Ismail. O Discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
http://www.infoescola.com/cinema/novo/ > Visualizado: 13/09/2013.



[i] Maria Rita Galvão e Jean-Claude Bernardet. Cinema Repercussões em caixa de eco ideológica (As idéias de “nacional” e “popular” no pensamento cinematográfico brasileiro). Editora Brasiliense. 1993. P.55
[ii] Principal teórico e dirigente do Partido Bolchevique. Esteve à frente do partido, liderou os sovietes à tomada de poder na Revolução Russa (1917).
[iii]  A obra dramatiza uma revolta de marinheiros contra seus oficiais, ocorrida em 1905 na Rússia, um dos eventos que serviu para antecipar a revolução socialista em 1917. Um marco da história do cinema mundial devido a sua bela e inovadora edição de imagens. “Einsentein, recebeu do Estado a incumbência de realizar uma obra em homenagem aos 20 anos da revolução de marinheiros ocorrida no navio de batalha Potemkin”. http://www.massarani.com.br/FGHQ-Potemkin-Eisenstein.html> Visualizado: 18/09/2013 às 22:34.
[iv] Id. Ibid
[v] Id. Ibid. p.56
[vi] Id. Ibid. p.56
[vii] BERNARDET, Jean-Claude e GALVÃO, Maria Rita Galvão. Cinema Repercussões em caixa de eco ideológica (As idéias de “nacional” e “popular” no pensamento cinematográfico brasileiro). Editora Brasiliense. 1993. P.55
[viii] FICO, Carlos. A Pluralidade das Censuras e das Propagandas da Ditadura. In: REIS, Daniel Aarão, RIDENTI, Marcelo, MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Org). O Golpe e a Ditadura Militar: quarenta anos depois (1964-2004). Bauru, SP: Edusc, 2004. P. 269.
[ix] Ibidem, p. 271.
[x] FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. In: FERREIRA, Jorge. DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Org). O Brasil Republicano. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. 2ª Ed.
[xi] BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os Militares. In: FERREIRA, Jorge. DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Org). O Brasil Republicano. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. 2ª ed.
[xii] FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. P.188.
 
 
 
 
 

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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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