Para entender a
história... ISSN 2179-4111. Ano 4, Volume dez., Série 03/12,
2013, p.01-15.
Prof. Fábio Liberato de Faria
Tavares.
Bacharel e licenciado em História
pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Mestrando em Educação Tecnológica
no CEFET-MG.
Professor da Rede Municipal de
Educação de Lagoa Santa-MG.
A intenção deste artigo
é apresentar de forma breve a história de limpeza urbana na cidade de Belo
Horizonte e dar destaque aos conflitos entre o poder público e os catadores de
materiais recicláveis.
Introdução.
Para que seja possível
compreender as razões dos conflitos entre poder público e os catadores de
papéis (expressão utilizada pelo poder público municipal para designar os
catadores até 1993) nas ruas de Belo Horizonte nas décadas de 1960 e 1990, se
faz necessário fazer um recuo no tempo.
Já no planejamento da
nova capital, a questão da limpeza urbana foi levada em consideração.
Nos primeiros anos de
existência de Belo Horizonte, já havia um sistema irregular de recolhimento de
resíduos e deposição em local afastado da chamada cidade oficial cidade oficial
que era a área que ficava dentro dos limites da Avenida do Contorno.
Ao mesmo tempo a cidade
já limitava a circulação de loucos, mendigos e descalços em suas praças,
coerente com o modelo modernizador e autoritário da Primeira República.
Uma
breve história da limpeza Urbana em Belo Horizonte.
Em 1914, com o aumento
da população e consequente aumento da geração de resíduos, a Prefeitura
Municipal adquiriu dois fornos para incineração dos resíduos produzidos.
No transporte do
equipamento vindo do Rio de Janeiro, houve um acidente que danificou um dos
fornos.
Com isso, o forno sem
avarias foi instalado em área próxima ao Parque Municipal.
As cinzas geradas pela
incineração eram utilizadas como adubo por pequenos produtores rurais e pela
própria Prefeitura em hortas e jardins.
A partir de 1930, os
resíduos sólidos gerados na cidade passam a ser tratados nas celas no sistema
de compostagem.
Na época o processo era
chamado de “celas de beccari”, em homenagem ao seu criador, o italiano Giovani
Beccari.
Como no processo
anterior, o material orgânico era transformado em adubo e utilizado pela
prefeitura.
O restante era doado a
quem tivesse interesse.
Nos anos 1950, um
processo que havia iniciado na década de 1930, ganhou força.
A população da cidade cresceu
de forma descontrolada. Com isso, o poder público não conseguiu mais oferecer
serviços básicos, entre estes a limpeza das vias.
O afluxo de milhares de
pessoas para a capital ocorreu principalmente devido à falta de oportunidades
no interior do Estado, causado por dificuldades no acesso a terra.
Naquele momento a
cidade atravessava um momento de crescimento das atividades econômicas,
principalmente os setores da construção civil e indústria.
Ainda assim, nem todos tiveram
acesso a oportunidades de emprego de carteira assinada.
Uma alternativa de
sustento passou ser a catação de resíduos nas ruas da cidade.
A prefeitura se via
diante de dois problemas: a sujeira das ruas que incomodava os munícipes e a
figura repulsiva que os catadores representavam para muitos destes.
O horror aos resíduos
sólidos, remonta à Antiguidade.
Neste período os restos
gerados pelas atividades humanas (restos de alimentos, carcaças de animais e
fezes principalmente) passaram a serem associados ao sofrimento corporal e
espiritual.
O IBGE apontou que em
1950, a população de Belo Horizonte era de 352.724 habitantes.
Dez anos depois, a
população tinha praticamente dobrado, era de 683.908 (IBGE, 1980).
O número de varredores
era pequeno e estes constantemente entravam em greve na busca por melhores
salários.
Os problemas referentes
à limpeza urbana só aumentavam e nenhuma atitude do poder público parecia ser
frutífera.
Apesar da situação
precária da limpeza urbana, a cidade ganhou o “Concurso de Municípios
Brasileiros de Maior Progresso” em 1957, patrocinado pela revista O Cruzeiro.
No início dos anos 1960
medidas eficazes não são tomadas e a situação piorou.
Na administração de
Jorge Carone (1963-1965), os camelôs são eleitos inimigos da limpeza pública.
Atendendo ao pedido da
CDL (Câmara dos Dirigentes Lojistas) a prefeitura começou a reprimir a ação
desses.
Quanto à limpeza das
vias da área central, essa medida praticamente não tem efeito.
Com o final da década e
a população já tendo chegado ao primeiro milhão de habitantes, a limpeza
pública estava praticamente entrando em colapso.
Os montes de lixo nas
ruas e avenidas já estavam se tornando cenas comuns e não havia perspectivas de
melhoria da situação.
Esse quadro se dava
também pelo aumento do consumo, proveniente do “milagre econômico”.
A partir de 1968, a Prefeitura
Municipal abandonou o sistema das celas de beccari e passou a depositar o lixo a
céu aberto na Vila São Domingos.
Esta estava localizada na
região Oeste da cidade e contava com uma população de 2.269 habitantes
divididos em 500 domicílios no ano de 1964, de acordo com levantamento feito
pelo governo estadual.
Nessa época já era
classificada como uma das favelas mais populosas da cidade.
A deposição do lixo atraiu
centenas de pessoas em busca de uma alternativa de sobrevivência num país que
crescia, mas que ao mesmo tempo só gerava oportunidades para uma parte pequena da
população.
Surge uma rede de
compra de materiais reaproveitáveis na região alimentando a prática de catação.
O ambiente era
degradante.
Mulheres e crianças se
alimentavam com o que encontravam.
A situação seguiu sem
que absolutamente nada fosse feito pelo poder público em prol dessas pessoas.
Porém, para o trágico
ano de 1971 na capital mineira, ainda estava reservado mais um grave acidente.
No dia 18 de novembro,
fortes chuvas, somadas ao constante tráfego de caminhões e máquinas na Rua
Brás, que ficava logo acima da área de despejo dos resíduos causam o
desabamento de uma montanha de resíduos sobre dezenas de barracos da Vila São
Domingos.
O acidente foi mais um
choque para a cidade que já tinha assistido no final do mês de fevereiro a
morte de mais de sessenta operários nas obras do Parque de Exposições da
Gameleira.
Segundo dados oficiais,
quinze pessoas foram soterradas, mas apenas cinco corpos foram resgatados.
De acordo com moradores
do local, o número de vítimas foi maior.
A imprensa fez uma
cobertura sensacionalista do fato, que mereceu até a visita à área do
governador nomeado Rondon Pacheco que disse uma única frase na sua visita de dois
minutos ao local do desastre: “é tudo muito lamentável”, publicada no jornal
Estado de Minas do dia 20 de novembro.
Em novembro de 1972, um
ano depois, houve outro acidente.
Desta vez foram quatro
mortos.
O impacto das tragédias
fez com que a prefeitura desenvolvesse novas alternativas para o tratamento do
lixo na cidade.
É contratada uma
empresa de consultoria, a Natron.
Esta desenvolveu um
relatório que deu origem à Superintendência de Limpeza Urbana – SLU no dia 28
de agosto de 1973.
A principal medida
tomada foi a escolha de duas áreas no município para sediar aterros sanitários,
que não contariam com a presença de catadores, assim evitando um novo acidente.
Ao final do processo de
avaliação, é escolhida uma área na atual regional noroeste da cidade, às
margens da BR 040 e outra na atual regional nordeste da cidade, próxima a BR
381, na Fazenda Capitão Eduardo, saída para Vitória.
Esta última seria
utilizada somente quando a primeira área de aterramento fosse esgotada, e isso
estava previsto para ocorrer num prazo máximo de 30 anos.
A área às margens da BR
040 acabou sendo escolhida e utilizada como aterro até dezembro de 2007.
Parte da outra área que
deveria ter servido como substituta, foi loteada em 1987, na administração do
prefeito Sérgio Ferrara (1986 a 1989) apesar de parecer contrário dos técnicos
da SLU e sem o fornecimento de títulos de posse aos moradores.
Com a aproximação do
término das atividades na área da BR 040, os moradores do recém surgido bairro
Capitão Eduardo começaram a se mobilizar contra a instalação do aterro a partir
dos anos 1990.
Após intensas
negociações entre a Prefeitura e os moradores, ficou decidida que a parte não
ocupada do terreno seria utilizada como aterro.
Mas a transformação da
área restante em APA[i]
pelo então governador Itamar Franco em 2001 inviabilizou esse uso.
Cogita-se utilizar a
área como aterro de inertes, ou seja, somente materiais que não contaminam o
solo como resíduos de construção civil que não podem ser reciclados.
Atualmente, o aterro
sanitário localizado na BR 040, é utilizado somente para aterramento de
resíduos hospitalares e como estação de transbordo.
Em 14 de julho de 2011,
foi inaugurada uma Usina de Biogás, para aproveitamento energético dos gases
produzidos pela decomposição do material aterrado em 32 anos de atividades.
Os resíduos domésticos
produzidos na cidade estão sendo enviado para um aterro particular na cidade de
Sabará, a 25 quilômetros de Belo Horizonte e com expectativa de duração de no
máximo dez anos.
Foto provavelmente do final dos anos 1960. O material
era reciclado separado para venda. Ao fundo o vazadouro do Morro das Pedras,
dois homens, uma mulher e duas crianças. CEMP/SLU.
Crianças penduradas na
traseira de um caminhão que acabava de entrar no vazadouro. No detalhe à
direita, uma mulher faz a separação de materiais e ao fundo uma criança leva um
caixote na cabeça. CEMP/SLU.
Crianças fazem pose para o fotógrafo. Ao fundo
uma montanha de lixo. CEMP/SLU.
A
migração dos “maloqueiros”.
Catadores de papéis, maloqueiros,
mendigos, desamparados, pessoas de baixo nível... Eram várias as denominações
que o poder público deu em documentos oficiais aos catadores de materiais
recicláveis no período analisado.
A criação do aterro
sanitário, com a proibição da entrada de catadores na em sua área causou a
migração de catadores para a região central da cidade, onde já havia vários na
mesma atividade.
A região central
oferecia uma grande quantidade de materiais para reaproveitamento, oriundos das
atividades comerciais e bancárias, mas ao mesmo tempo era um local de difícil
locomoção para os catadores.
Os principais depósitos
se encontravam em bairros como o Bonfim e a Lagoinha, e apesar de estarem
próximos, eram de difícil acesso. Isso se deve ao fato de haver barreiras
naturais como o Ribeirão Arrudas com suas poucas passagens e a linha férrea.
Por esses motivos, a
maioria dos catadores fazia a separação dos materiais reaproveitáveis nas
calçadas das ruas da área central, deixando os restos nos passeios.
O que podia ser vendido
era repassado a atravessadores que levavam de carro ou caminhão para os
depósitos.
A situação dos
catadores era de grande desvantagem.
Não conseguiam negociar
um valor justo pelo seu trabalho devido à figura do atravessador, e eram
malvistos pela população, pois sujavam as vias onde trabalhavam.
Os catadores passam a
ser frequentemente hostilizados pela população, e o poder público começa a ser
cada vez mais cobrado, tanto pelos munícipes quanto pela imprensa.
A relação dos catadores
com a autarquia municipal responsável pela limpeza urbana, a SLU começou a
mudar.
Atendendo as
reclamações de comerciantes e de parte da população, a partir da segunda metade
da década de 1970, a SLU desenvolveu uma série de operações de combate aos
catadores que causaram diversas polêmicas pelos anos seguintes.
As
operações “Catadores de Papéis”.
A partir de maio de
1979, o poder público municipal começou a elaborar estratégias de combate aos
catadores que atuavam no centro de Belo Horizonte.
Na verdade, um pouco
antes se havia tentado impedir a catação nessa região.
Durante a elaboração do
Regulamento de Limpeza Urbana, aprovado em 1978, estava prevista a proibição da
ação dos catadores de papel.
Porém, depois de
negociações e vetos da Câmara Municipal, a medida acabou não sendo adotada.
O Superintendente
Ronaldo Rettore que havia acabado de assumir o cargo recebeu do poder executivo
municipal a incumbência de resolver o problema dos catadores.
Sob a alegação de que
os catadores estavam contribuindo para uma imagem ruim da cidade perante os
turistas, atrapalhando o fluxo de pedestres nas calçadas e de um caso de
esfaqueamento de dois garis que ajudavam no combate a atividade ilegal, a
administração municipal apertou o cerco.
Equipes de fiscais
saíram às ruas para informar aos catadores da proibição da atividade, pois o
recolhimento dos resíduos era de monopólio da SLU e que atitude de competição dos
catadores constituía crime.
Nas conversas eram
oferecidas vagas de trabalho nas equipes de varrição, mas essas não despertavam
muito interesse devido ao fato de muito catadores não terem documentos de
identidade e pelos ganhos serem inferiores aos proporcionados pela catação.
Não há um número exato
de catadores atuando na área central da cidade naquele período.
Levantamentos foram
feitos pela SLU e apontavam números bastante inexatos.
Com base nos diversos
números, chega-se a um número médio de catadores, que seria por volta de 400.
Ao longo do ano de
1979, foram realizadas reuniões com lojistas, no intuito de impedir que os
catadores tivessem acesso ao material produzido no decorrer do dia.
No dia 6 de dezembro do
deste mesmo ano, ocorreu uma reunião sem a presença de algum representante dos
catadores.
Nesta, ficou decidido
que estes poderiam recolher materiais recicláveis.
Porém só poderiam fazer
isso com carrinhos, e após o término da catação, o material seria levado nesses
carrinhos para os depósitos e lá seriam devidamente separados.
O problema é que os
carrinhos pertenciam aos donos dos depósitos.
Qualquer avaria que
ocorresse, o reparo ficava por conta dos catadores.
Com isso os catadores
ficavam dependentes dos donos de depósito de duas formas, pois eram eles que
compravam o material e também forneciam uma importante ferramenta de trabalho.
Na prática acabavam se
tornando empregados dos donos de depósitos, perdendo assim dinheiro e
autonomia.
Um fato curioso é que
apesar de serem tão criticados pela imprensa, população e perseguidos pelo
poder público, houve no período matérias em jornais que destacavam a
importância da catação, pois o país não era auto-suficiente na produção de
celulose de acordo com matéria do Jornal Diário do Comércio de 14 de dezembro
de 1979.
Com as decisões tomadas
a portas fechadas, a situação tornou-se ainda mais tensa.
Os trabalhos produzidos
sobre o assunto, como a dissertação de mestrado da historiadora Maria Vany de Oliveira
Freitas, dão destaque para as agressões e obstáculos que os catadores sofrem do
poder público.
Mas os catadores também
tinham suas formas de resistência contra a pressão exercida.
As manifestações se
revelavam nos contatos com os fiscais da SLU.
Eles acabavam sofrendo
ameaças e agressões por parte destes. Isso pode ser verificado nos casos a
seguir, registrados em relatórios e arquivados no CEMP/SLU, (Centro de Memória
e Pesquisa da Superintendência de Limpeza Urbana):
“ Sr. Coordenador
Levo ao conhecimento de
V.Sa. , que ao findar a minha jornada de trabalho na tarefa de combate aos
Catadores de Papéis, - precisamente às 20:50 horas do dia 17/01/80, na av. do
Contorno nas proximidade deste viaduto da Floresta, fui interpelado por três
elementos de cor escura os quais queriam saber informações sobre um determinado
fiscal baixinho, calvo e que usava óculos e que participa também desta
operação. Na ocasião, um destes elementos afirmou-se que reside no Rio de
Janeiro, na baixada Fluminense, (numa Boa), e que está em BH a pedido – da Sra.
Sua mãe, que segundo ele, é catadeira de papéis e está sendo muito prejudicada
principalmente por este fiscal que não tem – diálogo, não aceita qualquer tipo
de explicações e que o mesmo vai chegando e levando os papéis. Este elemento,
cheio de gírias, chegou a me mostrar uma arma branca tipo punhal, dizendo que
vai fazer a cabeça deste mencionado fiscal.”
“ ...um catador visto
por mim pela primeira vez fazia a separação em plena via pubrica (sic) tomando
conta do passeio. Tentei um diálogo com o mesmo mas foi impossível pois o mesmo
parecia débil mental portava uma faca muito longa e um porrete e com os mesmo
(sic) fui ameaçado”.
Os fiscais em sua
maioria eram também de origem humilde, isso pode ser percebido até pelos erros
de português e ao preconceito manifestado ao relatarem os fatos acima
mencionados.
Devido às ameaças, foi
feito pelo superintendente o pedido ao secretário estadual de segurança pública
de auxílio policial nas ações.
Muitas delas acabaram
tendo desfechos violentos.
É interessante observar
como ocorriam as abordagens.
O catador que tivesse
com o seu material espalhado na calçada era orientado a colocá-lo no carrinho,
e caso não tivesse o material era apreendido.
Caso insistisse na
prática e fosse flagrado pelos fiscais, já teria automaticamente o material
apreendido.
Mesmo que o catador
regularizasse sua situação, não teria o material de volta.
Este era encaminhado
para o aterro sanitário.
Essa situação gerava
revolta em muitos catadores, que frequentemente frisavam que estavam
trabalhando, que faziam aquilo para não morrer de fome, etc.
Muitos desses relatos
eram registrados pelos fiscais da SLU, mas o comando da autarquia enxergava a
situação da seguinte forma:
“... se tratava de
pessoas que faziam daquela atividade seu ganha pão, e que, por se tratar de
pessoas de baixo nível, eram consideradas perigosas” (pasta Operação Catadores
de Papéis).
Ou ainda:
“Muitas delas já foram
corrigidas, outras, de pequeno porte, estão por corrigir, mas a que emerge de
tudo, como ameaçadora ao nosso monopólio e predatória porque suja o ambiente da
sua ação criminosa, é a do CATADOR DE PAPÉIS, mendigo, via de regra, que nada
mais é que um preposto, explorado e desamparado, dos donos de depósitos de
papéis velhos, que se enriquecem à sua custa e a margem da lei” (idem).
Apesar de reconhecer a
situação de explorado dos catadores, o poder público piorava ainda mais a
situação, reprimindo e estabelecendo forçadamente laços ainda maiores entre
eles e os donos de depósitos através do uso dos carrinhos.
Isso sem contar o total
desrespeito à figura humana.
Eles eram tratados como
“coisa”, sem direito a dar opinião, trabalhar de forma autônoma e também fazer
uso do espaço urbano.
Essa visão continuará
norteando as ações do poder público municipal com maior ou menor intensidade até
o final dos anos 1980.
Fotos de 1981. Fiscais se encaminham para fazer
verificação em área usada como abrigo por catador (CEMP/SLU).
Ao chegarem se deparam com uma criança dormindo
entre caixotes e papelões (CEMP/SLU).
Mudança
de postura e surgimento da Asmare.
No dia 22 de agosto de
1988, ocorreu uma operação de retirada de catadores de uma área na Avenida do
Contorno então conhecida como Sambódromo[i] e
onde hoje fica o principal galpão da Asmare.
O local era utilizado
por dezenas de catadores para separação e acondicionamento de materiais
recolhidos.
Na operação foi
utilizada a força policial e esta agiu de forma violenta.
Houve inclusive
denúncias de roubo de objetos pessoais e dinheiro por parte de catadores, além
de descarte de documentos pessoais no leito do Ribeirão Arrudas.
Alguns munícipes
aplaudiram a atuação, outros ficaram perplexos com o ato de violência[ii].
A truculência da
operação fez com que a Pastoral de Rua começasse a auxiliar os catadores na
formação de uma cooperativa, com vistas à organização da categoria.
Os objetivos eram
melhores valores na venda do material, fugir dos atravessadores, garantia de
direitos e benefícios como creche para os filhos dos catadores e alfabetização
para os que não soubessem ler e escrever.
E acima de tudo
dignidade aos trabalhadores.
Era necessária uma
mudança na forma não só que o poder público e os cidadãos viam eles com também
a visão que eles tinham de si próprios.
Em 1990, a Asmare
(Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável) foi
fundada e a partir daí, a forma como poder público e a sociedade enxergavam os
catadores começou a mudar.
Na Lei Orgânica do Município,
aprovada em 1990, ficou oficializada a mudança de posição do poder público frente
aos catadores.
Nela ficou estabelecido
que os resíduos recolhidos passíveis de reaproveitamento tivessem destinação
prioritária aos catadores, já que naquela época já era estudado a adoção de
colata seletiva na cidade, mas com a participação da iniciativa privada.
De concorrentes, os
catadores passaram a parceiros na coleta dos resíduos produzidos na cidade.
Com a implantação do
programa de coleta seletiva na cidade a partir de 1993 os catadores foram
inseridos no processo.
Dando continuidade ao
processo de inserção dos catadores na sociedade, a SLU desenvolveu trabalhos de
conscientização da população através do Departamento de Mobilização Social,
criado especialmente para isso.
Com essas mudanças de
atitudes por parte do poder público, a imagem de baderneiros ou a ligação com a
mendicância feita por parte da população foi diminuindo.
Além disso, com a
organização da categoria seus ganhos aumentaram com a retirada de cena dos
atravessadores.
A associação já ganhou
vários prêmios, entre eles o Prêmio Henry Ford de Conservação Ambiental em 1997
e o Prêmio UNESCO de Entidade do Ano.
Área utilizada pelos catadores na Av. Tereza
Cristina, região Central de Belo Horizonte, antes da ação da Prefeitura, SLU e
Polícia Militar em agosto de 1988 (CEMP/SLU).
Mesmo trecho em 2012, com os galpões da Asmare ao
fundo e o leito do Ribeirão Arrudas coberto. Acervo pessoal.
Concluindo.
A questão dos conflitos
entre catadores e o poder público revela de forma cruel os resultados do regime
civil – militar.
No período analisado
não havia espaço para discussão a respeito do direito dos catadores de
trabalharem de forma autônoma.
As decisões vinham
sempre de cima para baixo, sem a participação das classes populares.
Além disso, o aumento
do número de pessoas envolvidas nessa atividade insalubre revela os danos da
política econômica concentradora de renda, imposta a partir de 1964 e acentuada
com o milagre econômico.
A expulsão de milhões
de pessoas do campo devido a uma política de concentração agrária levou ao
inchaço das principais cidades do Brasil, com destaque para Belo Horizonte.
A visão dos
administradores da época era de desprezo para as questões sociais, muitos
chegavam a admitir que o sacrifício era necessário.
A falta de
investimentos em educação, saúde, habitação e emprego digno levaram centenas de
pessoas para a catação de recicláveis.
Ao invés de tentar
corrigir a situação o poder público municipal, coerente com o momento político
passou a reprimir e a controlar a atividade.
A visão do poder
público só se alterou alguns anos após a volta da democracia, quando já havia
espaço para o dialogo entre os diversos grupos sociais e os poderes públicos.
Para
saber mais sobre o assunto.
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964 – 1984). Petrópolis: Vozes, 1984.
BELO HORIZONTE. Prefeitura
Municipal. Superintendência de Limpeza Urbana. Limpeza Urbana na Belo Horizonte Centenária. Belo Horizonte: 2000.
BIDONE, Francisco Ricardo
Andrade e POVINELLI, Jurandir. Conceitos
Básicos de Resíduos Sólidos. São Carlos: EESC-SP, 1999.
DUARTE, Regina Horta. História e natureza. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
FREITAS,
Maria Vany de Oliveira. Entre Ruas,
Lembranças e Palavras: a trajetória dos catadores de papel em Belo Horizonte. Belo
Horizonte: PUC-MINAS, 2005.
MAGALHÃES
PINTO. Governo. Levantamento da população
favelada de Belo Horizonte – Dados Preliminares. Secretaria de Estado do
Trabalho e Cultura Popular. Departamento de Habitação Popular. Belo Horizonte,
1966.
MINAS GERAIS; SISTEMA
ESTADUAL DE PLANEJAMENTO (MG); FUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE (MG). A questão ambiental em Minas Gerais:
discurso e política. Belo Horizonte: FJP, 1998.
MIZIARA, Rosana. Por
uma história do lixo. Interfacehs – Revista de Saúde, Meio Ambiente e
Sustentabilidade, vol. 3 no. 1, p. 1-17, jan/abr. 2008.
PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. SUDECAP.
Diagnóstico para o município de Belo Horizonte. Limpeza pública e coleta de
lixo, 1973.
VIOLA, Eduardo J. R; O movimento
ambiental no Brasil (1971-1991): da denúncia e conscientização públicas para a
institucionalização e do desenvolvimento sustentável.
Jornais
Consultados (1964-1988).
Diário de Minas.
Diário da Tarde.
Estado de Minas.
Jornal de Minas.
Outras
fontes.
Pastas Operação “Catadores de papéis” e
Operação “Catadores de papéis II”, disponíveis para consulta no CEMP/SLU sob os
códigos MC 47, série 01 e MC 48, série 01.
[i] Logo após a mudança do traçado
da ferrovia e do alargamento do leito do ribeirão Arrudas, as avenidas do
Contorno e Teresa Cristina ganharam novas fachas de rolamentos e alguns lotes
vagos as suas margens. A avenida do Contorno foi utilizada no início da gestão
do Prefeito Sérgio Ferrara (1986-1989) para o desfile das escolas de samba. No
momento a região passa por obras para a Copa do Mundo de 2014.
[ii] Jornal de Minas, 23/08/1988,
p.8. Recorte.
[i] Área de Proteção Ambiental.
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