Para
entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Vol.
set., Série 01/09, 2012, p.01-05.
“O império provém, pois, de Deus
conforme o terceiro modo, porque provinha de Deus, mas a ordenação humana
também concorria, de tal forma que os homens que tinham o poder de conferir
jurisdição temporal a alguém, a conferiam de fato ao imperador, assim como
verdadeiramente lhe conferiram e transferiram de si para ele o poder de fazer
as leis” (Guilherme de Ockham).
A
disputa entre papas e imperadores, entre a ordem religiosa e o império secular,
pelo poder temporal caracterizou toda a Idade Média.
O
enfraquecimento do poder papal no fim do período medieval abriu caminho para o
questionamento sobre o direito legitimo ao poder espiritual e temporal.
Dentro
deste contexto, em 1380, Guilherme de Ockham, entre outros frades franciscanos,
perseguidos pelo papa, fugirão de Avignon, então uma das três sedes do papado,
pedindo proteção ao imperador.
Na
ocasião o poder dos papas começava a ser contestado em virtude da disputa que
fez com que três cardeais fossem nomeados papas ao mesmo tempo, um em Roma,
outro em Avignon (França), além de outros pretendentes ao posto, em outras
cidades, também se afirmando legitimo representante de São Pedro na terra.
Uma
situação que durou até o restabelecimento de Roma como sede oficial do papado
em 1414, mas que desarticulou o poder político da igreja católica.
Um
movimento para qual contribui ativamente Ockham, a partir de sua fuga de
Avignon, ele se dedicou a provar que o poder temporal, a legislação sobre as
coisas terrenas, pertencia ao imperador e não ao papa, cabendo a este apenas o
poder espiritual, administrar as coisas de Deus.
Brevilóquio sobre o principado
tirânico.
Foi
justamente tentando provar a legitimidade do poder temporal do imperador, que
Guilherme de Ockham escreveu o Brevilóquio
sobre o principado tirânico, referendado pelas Sagradas Escrituras, tidas
como lícitas para qualquer fundamentação argumentativa.
Através
de uma interpretação extremamente literal da Bíblia católica, para o filosofo,
o conhecimento humano seria relativo, de modo que só a fé poderia responder a
determinadas questões relacionadas à espiritualidade.
Só
a teologia revelada poderia extrapolar a limitação humana, deixando
transparecer os atributos de Deus e seus desígnios.
O
que confirmava a autoridade espiritual do papa, porém, não garantindo a
primazia sobre o governo sobre os homens no plano terreno.
O
poder prometido por Cristo ao apostolo Pedro deveria excluir o direito legitimo
do imperador e de outros reis, visto que o poder temporal não se oporia,
portanto, aos bons costumes e à lei evangélica.
Para
provar sua tese, Ockham recorre ao um tempo anterior às Sagradas Escrituras.
Sendo
Deus eterno e, assim, anterior às revelações confidenciadas aos homens, sempre
exerceu sua vontade e onipotência, tendo confiado o poder temporal a fiéis e
infiéis indiscriminadamente, visto que imperadores existiam muito antes dos
textos da Bíblia serem escritos.
Qualquer
argumentação contrária colocaria a suprema bondade e onipotência de Deus em
questão.
Seria
ainda possível provar a legitimidade do poder temporal do imperador através da
autoridade do Antigo e Novo testamento, pois Deus, em nome da natureza e da
preservação de sua criação maior, teria dado aos homens o direito a propriedade.
Sendo
o homem um ser político por natureza e, portanto, designado por Deus a viver em
sociedade, a jurisdição temporal dos bens necessários e úteis para a vida em
grupo pertenceria ao imperador.
O
direito de governar deveria ser outorgado ao povo, sendo representado pelo
imperador, o que ocorreria através do direito divino referendando o direito
humano.
Segundo
Ockham:
“De um terceiro
modo diz-se que uma jurisdição ou poder provém só de Deus não quando é dado ou
conferido, mas depois que é dado, isto é, de tal modo que quando é dado não
provém só de Deus, como nos dois modos anteriores, mas é dado ou conferido por
outro tanto como por Deus, mas depois que foi conferido depende só de Deus, de
tal modo que aquele que o exerce reconhece regularmente como provindo de
ninguém outro superior a si, que não Deus” (Guilherme de Ockham).
Sendo
assim, Deus designaria o povo que deveria escolher o imperador, uma vez instituído
o seu governo, este deveria reportar-se somente a Deus, adquirindo o direito
divino de ocupar a posição de soberano terreno.
A tirania do império romano e a
vinda de Cristo.
Aqueles
que afirmavam ter sido o império romano um principado tirânico, Ockham responde
que algumas vezes tais instituições transformam-se em justas e legitimas, assim
como o principado real pode se transformar em tirânico.
Cristo
teria vindo a terra não para tirar ou diminuir os direitos temporais do
imperador, sua missão teria sido puramente espiritual e diretamente ligada a
Deus.
Usando
as palavras de Cristo, o filosofo afirma: “a Deus o que é de Deus e aos romanos
o que é dos romanos”.
O
que confirmava literalmente que a Deus e seu representante na terra, o papa,
caberia somente às coisas do espirito; aos homens seria reservado as coisas
temporais, o livre-arbítrio e responsabilidade sobre seus atos.
Neste
sentido, a plenitude do poder imperial incorreria na servidão dos homens e a
plenitude do poder papal terminaria por incorrer no mesmo erro, daí o
compartilhamento do poder entre papa e imperador, cada qual cuidando da esfera
apropriada.
O
papa não representaria a continuidade do império romano e Cristo nunca teria
fomentado a inclusão de seu reino espiritual nas coisas mundanas.
Pelo
contrário, o poder espiritual poder servir de guia para os homens, mas eles é
que deveriam decidir sobre seu destino, mesmo contrariando a vontade de Deus e
sendo passível de punição em outra vida.
Concluindo.
Guilherme
de Ockham foi um dos teóricos que legitimaram o poder dos príncipes, reis e
imperadores na entrada da Idade Moderna, possibilitando o surgimento dos
Estados Nacionais e a desvinculação entre coisas terrenas e espirituais no
campo da política.
Para
ele, o poder divino e humano são complementares, mas as coisas do espirito não
dizem respeito ao que acontece no plano terreno.
Visto
que Deus garante o livre-arbítrio, sendo um ser divino, supremo e ilimitado,
não teria a necessidade de impor sua vontade, deixando os homens operarem por
sua limitada razão.
Por
este motivo, o poder temporal teria sido usurpado pelos papas, os príncipes tirânicos
que tentavam impor sua vontade aos homens, alegando ser a vontade de Deus.
Ao
passo que Deus teria sim revelado sua vontade nas Sagradas Escrituras e através
da vinda de seu filho a terra: Jesus Cristo.
No
entanto, a Bíblia revelaria justamente o amor de Deus pelos homens expresso
pelo direito de escolha, o livre-arbítrio, tecendo recomendações e não imposições.
Portanto,
por meio deste raciocínio, a fundamentação da política circunscrita aos homens,
sem intervenção do papa, garantiria aos representantes escolhidos pelo povo o
direito de governar.
Para saber mais sobre o assunto.
HIRSCHBERGER,
Johannes. História da filosofia na Idade
Média. São Paulo: Herder, 1966.
OCKHAM,
Guilherme. Brevilóquio sobre o principado
tirânico. São Paulo: Vozes, 1988.
ROMANO,
Egídio. Sobre o poder eclesiástico. São
Paulo: Vozes, 1989.
Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana
Ramos.
Doutor em História Social pela USP.
MBA em Gestão de Pessoas.
Bacharel e Licenciado em Filosofia
pela Universidade de São Paulo.
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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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